Uso das experiências da inundação de Agosto de 2011 no planejamento da defesa civil no município de Eldorado-SP

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Transcrição:

Página1 Uso das experiências da inundação de Agosto de 2011 no planejamento da defesa civil no município de Eldorado-SP Wagner Isaguirre do AMARAL¹ 4, Edson Ney BARBOSA², Lara Leite BARBOSA³, Welington MATIAS¹ 4, Arlei Benedito MACEDO¹ 4. ¹Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo IGc USP waprojetonovo@gmail.com, welington.matias@gmail.com ²Prefeitura Municipal da Estância Turística de Eldorado Diretoria de Meio Ambiente, Coordenadoria de Defesa Civil COMDEC enbarbosa1@hotmail.com ³Faculdade de Arquitetura e Urbanismo FAU USP barbosall@usp.br 4 Sistema de Informações Geográficas da Bacia do Ribeira de Iguape e Litoral Sul SIG Ribeira abmacedo@usp.br Resumo Este artigo aborda as experiências relatadas e os trabalhos técnicos realizados sobre a inundação de 2011 ocorrida no município de Eldorado-SP. Procurou-se sintetizar o conjunto de informações levantadas junto aos agentes públicos e à população, bem como as informações coletadas e sistematizadas em trabalhos de campo. Usando técnicas de Geoprocessamento, Geologia de Engenharia, Logística Humanitária e Planejamento Urbanístico foi possível mapear, os quais são indicadas as áreas urbanas mais suscetíveis a riscos hidrológicos ou geológicos. Também são apontados os locais mais apropriados para utilização como abrigos temporários, considerando a estimativa de áreas disponíveis e a população afetada, no âmbito do Plano Municipal de Defesa Civil. Abstract This article discusses the experiences reported and the technical work undertaken on the flood that occurred in Eldorado-SP in August 2011. The information gathered from public officials and the population as well as the information collected and systematized in field work is synthesized. Using GIS, engineering geology, humanitarian logistics and urban planning techniques, it was possible to map the urban areas more susceptible to hydrological and geological risks, and to indicate the most appropriate locations for use as temporary shelters, considering the estimate of available areas and the people affected by floods, to be used in the Municipal Civil Defense Plan. Palavras-chave: riscos, inundação, Eldorado-SP, GIS, SIG, Ribeira. 1. Introdução No final de julho e início de agosto de 2011, ocorreram intensas chuvas na parte superior da bacia do Rio Ribeira de Iguape, causando problemas nos municípios de Ribeira, Iporanga, Eldorado, Sete Barras, Registro e Iguape, diretamente pelo Rio Ribeira de Iguape, além de outros municípios serem atingidos por cheias dos afluentes, como Barra do Turvo (Rio Turvo) e Jacupiranga (Rio Jacupiranga). Na área mais afetada choveu, de 29 de julho a 4 de agosto, o equivalente a mais do que o dobro da média pluviométrica mensal. Embora as cheias fossem atenuadas pela infiltração e a dispersão pelas várzeas, possíveis devido a

Página2 ocorrerem em época seca, ocorreram inundações nesses municípios, com maiores impactos em Eldorado, Sete Barras e Registro (REDEC-I-1, 2011). Cheia no Vale do Ribeira agosto de 2011 população afetada: MUNICÍPIO DESABRIGADOS (pessoas) DESALOJADOS (pessoas) AFETADOS (pessoas) Eldorado 1.500 7.000 14.689 Jacupiranga 0 200 Registro 703 2.224 3.603 Sete Barras 182 3.018 3.220 Barra do Turvo 40 0 Iguape 49 280 190 TOTAL 2.474 12.722 21.613 Níveis relativos do rio Ribeira de Iguape (leituras das réguas locais): MUNICÍPIO NÍVEL MÁXIMO relativo (m) DATA Eldorado 13,45 02 de agosto, às 20h00min Registro 5,92 04 de agosto, às 15h00min Sete Barras 7,79* 03 de agosto, às 18h00min * Por questões técnicas, a régua de leitura em Sete Barras sofreu alteração de posicionamento, sendo rebaixada em 1m, portanto a leitura atual corresponde a 6,79 m da leitura anterior. Esta não foi a maior cheia registrada na região. Em 1997 as precipitações foram ainda maiores em relação às médias, e os impactos maiores, também por terem ocorrido em janeiro, com a área já encharcada por chuvas anteriores. O total de desabrigados foi de 15.439, registrando-se três mortes. O total da área atingida foi de 30.384ha e os prejuízos superiores a 42 milhões de reais de 1997. Este trabalho se concentrará no município de Eldorado, abrangendo os impactos, e o aproveitamento das experiências da inundação de 2011 para orientar o planejamento, incluindo o Plano Municipal de Defesa Civil e o planejamento territorial e urbano, visando à realocação das pessoas e equipamentos públicos mais diretamente expostos às inundações. Ele relata parte do que está sendo empreendido por uma colaboração entre a Prefeitura Municipal de Eldorado, o Comitê da Bacia Hidrográfica do Ribeira de Iguape e Litoral Sul, que financia o projeto Levantamento e Monitoramento de Riscos Naturais da UGRHI-11, o Instituto de Geociências e a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, as Coordenadorias Regional e Estadual de Defesa Civil e a UNESP - Registro. Maiores informações podem ser encontradas em www.sigrb.com.br e em Macedo et al. (2011). 2. A inundação de 2011 em Eldorado Em 2011 as cheias resultaram em 1500 desabrigados, 7000 desalojados e 14689 afetados, quase a totalidade da população do município. Em 1997 foram 3.880 desabrigados, e dois falecidos. Houve falta de energia elétrica e água por até quatro dias, o que afetou as comunicações telefônicas, e algumas áreas ficaram isoladas por mais de duas semanas. As

Página3 principais estradas ficaram intransitáveis, e algumas assim permaneceram devido a solapamentos. Ainda não foram contabilizados os danos materiais, mas houve grande perda de construções, desabadas ou danificadas, móveis e outros equipamentos domésticos, mercadorias e produção agrícola, principalmente na bananicultura. Logo após os acontecimentos foram efetuadas reuniões envolvendo os órgãos técnicos municipais e estaduais, o grupo executor do projeto citado, colaboradores das Universidades e representantes da população diretamente afetada. Foi assim possível levantar os impactos sociais e coletar idéias para prevenção e preparação para lidar com futuros eventos semelhantes ao ocorrido. Algumas conclusões práticas: Grande desinformação: devido à ausência de um sistema centralizado de informações, os dados de pluviosidade e de altura dos cursos d água, locais e das cidades rio acima, eram informados por telefone celular, e repetidos desorganizadamente. No centro de Eldorado, havia comunicação por carro de som, que faltava nas áreas rurais, mesmo nos núcleos de maior população, como Itapeúna e as áreas de quilombos. Boatos se espalhavam fortemente, como o de que a cheia seria causada pela abertura da barragem do Rio Capivari, no Paraná, o que é absurdo, pois a vazão máxima de extravasamento dessa barragem é vinte vezes menor do que a vazão máxima na cheia em Eldorado (60 para 1200m³/s), não podendo causá-la nem influenciar significativamente o nível das águas. Além disso, estando no meio da estação seca, essa barragem não extravasou nada além da vazão sanitária (17m³/s), guardando as águas para geração de energia elétrica, para a qual a água é enviada ao rio Cachoeira, no litoral do Paraná. Despreparo estrutural, tanto coletivo ausência de estruturas de controle das águas, de abrigos, depósitos, etc., quanto individual mesmo entre as pessoas afetadas por inundações anteriores, poucos fizeram adaptações nas residências para diminuir os danos. Embora sendo frequentemente atingido por cheias, o município tinha poucos locais que pudessem ser usados como abrigos, e estes tinham poucos equipamentos, que tiveram que ser montados às pressas para atender à população. Alguns, como quadras e escolas, se situavam em áreas que ficaram alagadas no auge das cheias. Despreparo organizacional: Eldorado é um dos municípios do Vale e litoral com melhor organização para atendimento aos desastres tem COMDEC, inicia a organização de NUDECs, já estava iniciando a montagem do PMDC e tem funcionários e voluntários com experiência em atendimento. No entanto, na ocorrência de uma inundação de grande porte, a desorganização se revelou. Os diversos grupos tinham suas próprias chefias, sem uma coordenação, principalmente por que agiam membros de organizações estaduais, municipais e voluntárias, civis, militares e religiosas, diversas delas trazendo seus próprios recursos e doações. Mesmo tendo sido usados os recursos das organizações públicas e particulares, com importante apoio, a atuação destas foi insuficiente. Na maioria dos casos, valeram mais as redes informais de parentesco e vizinhança do que as organizações formais, cabendo à própria população procurar locais para abrigo e organizá-los, principalmente nos bairros rurais. 3. O aproveitamento da experiência Essas conclusões, sistematizadas pela equipe do SIG-RB, juntamente com a Prefeitura e as equipes da FAU, UNESP e Defesa Civil, serviram para orientar os trabalhos de planejamento de prevenção e apoio ao atendimento para futuras inundações, componentes do Plano Municipal de Defesa Civil. Este consistiu num cadastramento das áreas de risco, tanto de inundações quanto de riscos geológicos, já completado antes da inundação, detalhamento das áreas de risco geológico, levantamento topográfico das áreas atingidas pela inundação na área urbana e principais bairros rurais, levantamento da

Página4 população atingida pela inundação, levantamento logístico e planejamento administrativo, incluindo leis e decretos de reorganização da Defesa Civil do Município. 3.1 Experiência participativa com desabrigados pelas chuvas Além da constante troca de informações permitida pelo contato direto com a população e representantes do Poder Público local, também foi possível conhecer mais detalhadamente a experiência daqueles que passaram pela situação de desastre através de atividades participativas coordenadas pelo grupo NOAH, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Os trabalhos foram realizados por meio da aplicação da metodologia de design centrado no homem e, no âmbito das pesquisas que vêm sendo realizadas, procurou-se congregar as experiências pessoais e coletivas de modo a caracterizar problemas e possíveis soluções. Os participantes, como fontes testemunhais de informação, contribuíram decisivamente na reconstituição do contexto e dos fatos ocorridos antes, durante e depois da inundação de 2011. Foram identificados aspectos não propriamente mensuráveis, como o impacto no ânimo da população e nas diversas reações decorrentes de deficiências nos processos de prevenção. Como fato positivo, que poderá ser aproveitado nas etapas de planejamento, foi identificada a capacidade de mútua colaboração. Também foi elaborado pela população um infográfico. Nele, foram dispostos relatos, impressões e sugestões associados a cada dia do processo que envolveu o período de chuvas intensas, do ápice da inundação e dos dias em que as águas baixaram e a população foi voltando à normalidade. Diversas questões apontadas permitem identificar a necessidade de uma abordagem mais detalhada em relação à população que potencialmente fica desabrigada durante as inundações. Assim, já está em desenvolvimento pesquisa acerca de soluções de mobiliário e espaços temporários, considerando também a possível revisão de padrões de projeto arquitetônico e de mobiliário, permitindo-lhes uma maior resiliência. 3.2 Trabalhos técnicos de apoio ao planejamento da prevenção e entendimento da situação de desastre Em relação aos riscos geológicos, foi realizado um detalhamento das áreas já identificadas no cadastramento, confirmado o nível de risco e elaboradas instruções para prevenção e mitigação de movimentos de massa, com apoio do professor Edilson Pissato, do Instituto de Geociências da USP. Numa colaboração entre o SIG-Ribeira e a Unesp Registro, a partir de material cadastral fornecido pela Prefeitura, foram realizados levantamentos das características urbanísticas e topográficas das áreas mais afetadas pelas inundações, comparando a experiência de 2011 com outros registros históricos. Foram elaborados mapas indicativos das áreas mais suscetíveis a inundações por meio da compatibilização de dados altimétricos, levantados com GPS de precisão, relacionados ao nível do mar, e os níveis do Rio Ribeira de Iguape em Eldorado, medidos pela régua local em ocasiões normais e de cheias. Os mapas foram elaborados por meio de utilização e processamentos de dados CAD e SIG. A prancha contendo os desenhos segue em duas partes:

Mapa de Defesa Civil (Parte 1) Núcleo Urbano Sede de Eldorado. Sem escala. Página5

Mapa de Defesa Civil (Parte 2) Itapeúna, Batatal e Barra do Braço. Sem escala. Página6

Página7 Para qualificar a ocupação nas áreas de risco de modo sucinto, foram observados, para cada lote, o tipo de ocupação e o grau de densidade construtiva, seguindo quatro tipos principais, sendo que os lotes ocupados por habitação também foram classificados por nível qualitativo de densidade construtiva, conforme os critérios descritos a seguir: Uso Habitacional, podendo incluir utilização comercial familiar; Densidade 0: lote sem edificação, não construído, livre ou edificação em ruínas. Densidade 1: lote contendo apenas edificação térrea. Densidade 2: lote contendo edificação com térreo mais 1 pavimento. Densidade 3: lote contendo edificação com térreo mais 2 pavimentos. Densidade 4: lote contendo edificação com térreo mais 3 pavimentos ou mais. Uso institucional, como escolas, hospitais e postos de saúde; Uso coletivo, como igrejas, templos, salas de reunião, associações, clubes e outros; Uso exclusivamente comercial, como supermercados, oficinas, lojas e empresas. A característica de densidade construtiva foi observada apenas para os lotes com ocupação habitacional, entendendo que é um critério prioritário para a definição de impacto econômico e social nas situações de inundação. Essa informação permitirá estimar a quantidade de área utilizada pelas habitações. Uma atualização mais pormenorizada nos cadastros municipais por meio da utilização de bases de dados em SIG, também poderá permitir abordagens mais precisas e com outros usos na gestão municipal. Em relação ao tipo de ocupação, foram destacados aqueles que têm maior relevância do ponto de vista do planejamento preventivo da Defesa Civil. Dessa forma, foi possível encontrar importantes lotes com ocupação institucional implantados em áreas que possuem alto risco de incidência de inundações. Isto ocorre com o único hospital da cidade, que não teve seu nível atingido pelas águas, mas que ficou ilhado em agosto de 2011. A estimativa de áreas nos abrigos foi diferenciada em três tipos: área fechada, geralmente salas de aula ou salões; área apenas coberta, geralmente quadras cobertas; área aberta, geralmente descampados junto à malha urbana. Conforme a experiência relatada pela população, pelos agentes públicos e através dos levantamentos em campo, foi verificado que as áreas fechadas passíveis de utilização como abrigo são escassas. Espaços em escolas ou salões vinculados às instituições religiosas foram os mais utilizados dessa forma. Até mesmo templos abrigaram famílias. Algumas áreas serviram concomitantemente para abrigo de famílias e de pertences. Móveis e outros objetos das famílias tiveram importante impacto no consumo de área e na utilização dos meios de transporte na situação de desastre. No entanto, eles eram bastante utilizados na delimitação dos espaços ocupados por cada família. Continua a ser executado um estudo de logística humanitária e arquitetura de abrigos, parte de pesquisa conjunta entre o Instituto de Geociências e a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Do ponto de vista das ações de prevenção e emergência, ao quantificar e qualificar as áreas existentes para possível uso pela Defesa Civil, poderão ser previamente estipulados os critérios para mobilização de pessoas e pertences, segundo os recursos disponíveis. Foi possível verificar que é necessário adensar o uso das áreas fechadas existentes e contar com áreas alternativas, como as áreas apenas cobertas e os descampados, destinados a acampamentos com barracas. Estes poderão ter função complementar ou, dependendo do modelo adotado e da tecnologia ou recursos disponíveis, poderão ser as principais áreas de apoio em situações de desastres.

Página8 Os mapas elaborados foram compostos no que foi denominado Mapa de Defesa Civil, contendo as informações para casos de inundações nas quatro maiores áreas urbanizadas do Município de Eldorado, sendo elas o núcleo sede e os bairros de Itapeúna, Batatal e Barra do Braço. A prancha também possui informações adicionais, como a tabela de estimativa de áreas, na qual constam todos os locais sugeridos como abrigos. Outro quadro importante é o que descreve a compatibilização de dados relativos ao nível do rio em relação às cotas de nível das áreas urbanizadas, seguindo uma gradação que remete à suscetibilidade de risco de inundações. Para cada núcleo urbano, foram adotados critérios baseados em relatos e registros históricos associados a levantamentos técnicos quantitativos e qualitativos e, como produto, um conjunto de informações que alimenta o Plano Municipal de Defesa Civil, incluindo como anexos o Mapa de Defesa Civil e os arquivos digitais em Sistema de Informação Geográfica SIG, que se liga ao SIG-Riscos do município, que abrange as áreas de risco de enchentes e geológicos, além do detalhamento das áreas de risco geológico. O material final pode ser considerado um embrião de um sistema que poderá continuar a ser desenvolvido pela Prefeitura e que deve servir como ferramenta de gestão e planejamento, tanto para situações de risco como para o desenvolvimento sócio-econômico e urbano da cidade. 4. Planejamento de ações preventivas e perspectivas A equipe da Prefeitura Municipal, com apoio do SIG-Ribeira, efetuou levantamento dos recursos logísticos meios de transporte e vias, acrescentados ao PMDC. Também efetuou, aproveitando as experiências da cheia de 2011, uma reorganização administrativa dos órgãos encarregados de prevenção e atendimento a desastres, resultando na edição de uma lei e um decreto municipais. Além disso, numa colaboração entre as unidades da USP participantes, o SIG-Ribeira e a Prefeitura Municipal, está sendo feito um estudo de prevenção de riscos de longo prazo, com o planejamento urbanístico de áreas para realocação das populações de áreas sujeitas a enchentes para bairros melhor situados, além de um planejamento arquitetônico dos abrigos e de mobiliário de emergência. Cogita-se a construção de espaços de múltiplos usos que possam ser adaptados em situações de emergência, conforme sugerido por gestores públicos e pela própria população. Neste caso, devem ser observados os locais situados em cotas elevadas e contíguos à malha urbana existente. Tal solução poderá estar atrelada a necessidades e oportunidades inerentes a Eldorado, como por exemplo a implantação de equipamento público vinculado à cultura e ecoturismo. Observa-se que existem áreas apropriadas para assentamento e que possuem baixa densidade de ocupação. Elas podem ser objeto de projetos estratégicos, seguindo critérios de desenvolvimento urbano que se organizem pela infraestrutura urbana, principalmente aquela relacionada aos recursos hídricos, pelos equipamentos públicos, destacando aqueles que devem ser deslocados das áreas de risco ou que possam funcionar como articuladores de desenvolvimento sócio-econômico, e pela habitação de interesse social, uma vez que o maior impacto recai sobre áreas habitacionais. Por fim, ressaltamos que é necessária uma revisão participativa do Plano Diretor de Eldorado, considerando os aspectos ambientais de maneira mais contundente. Áreas classificadas como potencialmente perigosas, que possuem riscos hidrológicos ou geológicos, deverão ser observadas de maneira especial. Nestes locais, a urbanização poderá ser contraindicada, ou somente permitida com maior aplicação de tecnologia urbanística e construtiva. Em contraponto, as áreas mais facilmente urbanizáveis, consideradas seguras, deverão possuir maior índice de aproveitamento, segundo parâmetros urbanísticos adequados à biodiversidade e geodiversidade da região. 5. Bibliografia

Página9 BARBOSA, Lara L; TAKUSHI, Carla Y.; SAWADA, Cintia S. Relatório sobre o 1º Workshop NOAH Experiência participativa com desabrigados pelas chuvas. Departamento de Projeto, FAU USP. 2011. DAEE ESTADO DE SÃO PAULO SECRETARIA DE RECURSOS HÍDRICOS, SANEAMENTO E OBRAS DEPARTAMENTO DE ÁGUAS E ENERGIA ELÉTRICA, 1998 Bacia Hidrográfica do Ribeira do Iguape Plano de Ação para o controle de inundações e diretrizes para o desenvolvimento do Vale. Registro, SP, DAEE, 68p. DELIJAICOV, Alexandre. Os Rios e o Desenho da Cidade - Proposta de Projeto para a Orla Fluvial da Grande São Paulo. Dissertação de Mestrado. Orientador: Arnaldo Antônio Martino. FAU USP. 1999. MACEDO, A.B. et al., 2011 Levantamento e Monitoramento de Riscos Naturais na bacia do Ribeira de Iguape e Litoral Sul de SP. 13º Congresso Brasileiro de Geologia de Engenharia, São Paulo, ABGE, 10 p. edição em CD-ROM. REDEC- I-1 ESTADO DE SÃO PAULO - COORDENADORIA REGIONAL DE DEFESA CIVIL DE REGISTRO, 2011 Relatório sobre a cheia de agosto de 2011. Registro,SP, REDEC-I-1, 5p. (mensagem de e-mail).