REFLEXOS DO NEOLIBERALISMO NA EDUCAÇÃO VOLUNTÁRIA



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Transcrição:

REFLEXOS DO NEOLIBERALISMO NA EDUCAÇÃO VOLUNTÁRIA Gilberto José Miranda Faculdade de Ciências Integradas do Pontal FACIP / UFU gilberto@pontal.ufu.br Aline Barbosa de Miranda Faculdade de Educação FACED / UFU alinebarbosa@centershop.com.br Michele Polline Veríssimo Faculdade de Ciências Integradas do Pontal FACIP / UFU michele@pontal.ufu.br Deive Bernardes da Silva Faculdade de Educação FACED / UFU deivebs@yahoo.com.br Intr odução Este estudo pretende analisar os impactos das políticas neoliberais no campo de atuação docente extra escolar. Neste sentido, o trabalho se propõe a analisar as experiências de professores como voluntários em comunidades carentes e nas empresas privadas nas quais eles trabalham e apreender os impactos das políticas neoliberais nos campos de atuação docente desses profissionais. A investigação será realizada por meio de pesquisa bibliográfica, em obras clássicas e contemporâneas concernentes à temática, em pesquisa documental, sobretudo, na legislação vigente que normatiza a educação nacional LDB/EM (9394/96) e em pesquisa empírica operacionalizada junto a profissionais do setor produtivo que ministram aulas voluntárias nas comunidades e nas empresas. Foram entrevistados dois

1 professores que atuaram na Educação Voluntária em instituições religiosas e também em empresas. O trabalho está divido em três seções, além desta introdução e das considerações finais. Na primeira, discute se a redefinição do papel do Estado na ótica neoliberal a partir da década de 90, notadamente no campo das políticas sociais. Na segunda, são analisados os impactos das políticas neoliberais no ensino, especificamente, nos programas de educação voluntária em instituições filantrópicas e empresas. Na terceira, são apresentados os depoimentos de dois professores que atuaram no ensino voluntariado e analisados à luz da teoria discutida. A Redefinição do Papel do Estado na Perspectiva Neoliberal A década de 1990 foi marcada pela implementação de várias reformas administrativas e pedagógicas financiadas pelo Banco Mundial e pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento no Brasil, tendo em vista a adesão às políticas de cunho neoliberal, responsáveis por sensíveis mudanças no setor educacional. Conceitos estruturais, advindos das reformas, acabaram por contribuir para a redefinição do papel do Estado no cenário econômico e para a descentralização da administração educativa. De acordo com Haddad (1998, p. 48 49), as principais diretrizes políticas daqueles bancos são: a) Focalização do gasto social no ensino básico, com ênfase no ensino fundamental de crianças e adolescentes (em detrimento da educação pré escolar, ensino médio e fundamental de adultos e ensino superior) [...] b) Descentralização que, no caso brasileiro, conforma se através da municipalização do ensino. [...] c) Privatização que, no caso brasileiro, não se realiza prioritariamente pela transferência de serviços públicos ao setor privado, mas pela constituição objetiva de um mercado de consumo de serviços educacionais, pela deterioração dos serviços públicos, combinadas às exigências crescentes de formação do mercado de trabalho. d) Desregulação, que se realiza pelo ajuste de legislação, dos métodos de gestão e das instituições educacionais às diretrizes anteriores, e reregulamentação, por meio de instrumentos que assegurem ao governo central o controle do sistema educacional, particularmente mediante a fixação de parâmetros curriculares nacionais e desenvolvimento de sistemas de avaliação. (grifos nossos).

2 O novo modelo implica na seleção dos gastos sociais, tendo como critério a necessidade e urgência evidenciadas pelas demandas sociais. É o princípio da focalização. Os pobres passam a ser uma nova categoria classificatória, alvo das políticas focalizadas de assistência, mantendo sua condição de pobre por uma lógica coerente a esse novo modelo de acumulação. (grifo nosso) (SOARES, 2000, p. 13). A descentralização tem por objetivo aproximar o problema e a solução, tornando os gastos mais eficientes e eficazes, além de possibilitar maior interação local dos recursos públicos e dos recursos não governamentais. (DRAIBE, 1994, apud SOARES 2002). Em contrapartida, o Estado se distancia dos problemas sociais, na medida em que repassa a responsabilidade para outros agentes econômicos. Outro aspecto marcante da política neoliberal no campo social é a privatização, que segundo Soares (2000, p. 81) consiste na transferência da produção de bens e serviços públicos para o setor privado, tanto no seu segmento lucrativo quanto para aquele segmento não lucrativo, composto por associações de filantropia, organizações comunitárias ou outras modalidades de organizações não governamentais. Nesse cenário, são exigidas novas relações de trabalho para atender ao novo sistema, a legislação trabalhista evolui para uma maior mercantilização (e, portanto, desproteção) da força de trabalho. Na medida em que o Estado estabelece novas regras flexibilizadoras das relações de trabalho, acaba por desregulamentar os direitos anteriormente conquistados. O Estado regula, desregulando. Na medida em que os Estados nacionais vão perdendo sua capacidade de controle e direção sobre os rumos da organização econômica e social dos respectivos países, os grupos econômicos organizados mundialmente criaram diretamente, nas próprias empresas em inter relação, condições gerais de produção de âmbito mundial (SILVA, 2004, p. 76) 1. Além disso, emergem (...) novas organizações e instâncias de regulação supracional (ONGs, Mercosul, Organização Mundial do Comércio, União Européia), cuja 1 Para Bernardo (1998, p. 46)... as companhias transnacionais têm a capacidade de perseguir uma estratégia própria, independente dos governos tanto dos países onde estão implantadas as matrizes como daquelas onde se estabelecem as filiais. Elas não são um agende que ainda hoje raciocina em termos estritamente nacionais. As companhias transnacionais são elas mesmas um poder, o mais importante na época atual. Graças a esse conjunto de processos, as companhias transnacionais tornaram se o elemento mais dinâmico no interior do Estado Amplo e o principal responsável pela desagregação do Estado Restrito.

3 influência se vem juntar a outras organizações que já não são recentes, mas que continuam a ser muito influentes (Banco Mundial, OCDE, FMI), sendo que elas têm sempre implicações diversas, entre as quais (...), aquelas que directa ou indirectamente ditam os parâmetros para a reforma do Estado nas suas funções de aparelho políticoadministrativo e de controlo social. (AFONSO, 2001, p. 24). Nesse quadro, os Estados nacionais vão perdendo o controle e direção dos rumos econômicos e sociais de seus países. Deixam de ser provedores sociais e assumem o papel de avaliadores das ações desenvolvidas pela iniciativa privada. É o que constata Gomes Canotilho (2001, p. 21) quando, por exemplo, se insiste na substituição do paradígma burocrático da administração pelo paradigma administrativo empresarial isso traduz se também na emergência de um novo paradigma do Estado que hoje tende a ser denominado paradigma do Estado Regulador. (grifos do autor). Orientados por estes princípios, os sistemas educacionais passam a viver a lógica da eficiência e da eficácia. As instituições públicas são exortadas a trilhar novos caminhos organizacionais, seguindo o paradigma da auto gestão que as aproximam das instituições privadas. Multiplicam se propostas de avaliação do desempenho escolar (por meio de testes padronizados), professores são estimulados a participar de atividades que não se limitam às salas de aula, mas que se destinem, inclusive, à própria organização da escola. Esta tendência reformista é legitimada nos textos legais expressos, sobretudo, pela LDB/EN 9394/96. Diante do exposto, constata se que as políticas neoliberais propiciaram profundas mudanças nos sistemas educativos, decorrentes da incorporação de diretrizes e linhas de ações definidas pelos organismos internacionais, sobretudo, pelos bancos multilaterais. Reflexos do Neoliberalismo na Educação Voluntár ia As reformas realizadas na década de 1990, sobretudo a Reforma Gerencial de 1995, incidiram diretamente na educação. Na perspectiva de Krawczyk (2002), a reforma educacional no limiar do século XXI vem instaurando um novo modelo de organização e gestão da educação pública. Ainda de acordo com a autora, o modelo de organização e gestão da educação que instaura a reforma educacional na região e no Brasil está definido pela descentralização em três dimensões que se complementam, gerando uma nova lógica de governabilidade da educação pública:

4 1 Descentralização entre as diferentes instâncias de governo municipalização; 2 Descentralização para a escola autonomia escolar; 3 Descentralização para o mercado responsabilidade social. A implementação da LDB/EN 9394/96, lei que regulamenta a educação nacional, é um instrumento de normatização alinhado aos ditames neoliberais. A partir da implementação dessa lei, o governo federal assumiu o papel de regulador e fiscalizador da política educacional como tarefa de sua competência, descentralizando sua execução para os Estados e Municípios, ou seja, fortaleceu o processo de municipalização do ensino fundamental e estadualização do ensino médio (VIEIRA; FREITAS, 2003). Para Oliveira (2002), a legislação de 1996 (Emenda Constitucional nº. 14/96, sua regulação pela Lei 9.424/96 e a nova LDB 9.394/96) é responsável pela indução à municipalização e definidora de atribuições e competências dos entes federados, além de disciplinadora dos gastos com a manutenção e o desenvolvimento do ensino. Como exemplo, tem se o FUNDEF (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério) que é considerado um grande indutor da municipalização. É um fundo de natureza contábil, de âmbito estadual, construído por percentuais de determinados impostos. O seu montante é redistribuído conforme o número de alunos mantido pela esfera estadual ou municipal, no ensino fundamental (OLIVEIRA, 2002, p. 81). Os apologetas da reforma argumentam que a descentralização entre os diferentes órgãos de governo permite direcionar os gastos públicos a alvos específicos. De acordo com o Planejamento Político Estratégico do MEC, é na escola que estão os problemas e é na escola que está a solução. A esse argumento, o MEC, denomina de modernização gerencial em todos os níveis e modalidades de ensino e nos órgãos de gestão (ZANETTI, 2008). A descentralização da educação (administrativa, financeira e pedagógica) ocorrerá não só como uma transferência de responsabilidades dos órgãos centrais para os locais, da União para os Estados e destes para os municípios, como também implicará um movimento de repasse direto de certas obrigações de órgãos do sistema para a escola (OLIVEIRA, 2002). Isso implicará em uma sobrecarga de trabalho administrativo, já que os órgãos centrais do sistema acabaram por delegar às escolas muitas das suas rotinas administrativas, sobrecarregando e precarizando ainda mais as instituições de ensino.

5 Como conseqüência da descentralização, ocorre a tão reivindicada autonomia escolar. Todavia, essa autonomia aparece com o caráter de desresponsabilização do Estado para com a manutenção do ensino, empurrando o para a captação de recursos na iniciativa privada, porém, mantendo o controle dos resultados por meio da avaliação (ZANETTI, 2008). Assim, passam a predominar duas vertentes de gestão na educação. Segundo Silva (2008), na perspectiva neoliberal, a centralidade que a escola assume corresponde a uma ausência do Estado, delegando às comunidades e às escolas a iniciativa de planejar, organizar e avaliar os serviços educacionais. Na perspectiva sócio crítica, a decisão significa valorizar as ações concretas dos profissionais na escola que sejam decorrentes de sua iniciativa, interesses e motivações em razão do interesse público dos serviços educacionais prestados, sem com isso desobrigar o Estado de suas responsabilidades (SILVA, 2008, p. 78). Dessa forma, evidencia se que a autonomia escolar na perspectiva neoliberal refere se à descentralização do Estado no que concerne ao financiamento e à centralização no que diz respeito ao controle, por meio de avaliações. Na perspectiva de Paro (1994), é necessário dotar a unidade escolar da necessária autonomia administrativa e financeira em relação ao Estado, todavia, não se trata da autonomia do abandono na qual o Estado se desincumbe de seu dever de financiar o ensino, incentivando essas instituições a desenvolverem parcerias com empresas privadas, favorecendo seus interesses particulares. Para o autor: A autonomia de que falamos exige a descentralização efetiva de todos os recursos que podem ser geridos pela escola, exigindo desta a prestação de contas diretamente ao Estado, e criando mecanismos institucionais que viabilizem a fiscalização, pelos usuários, da aplicação dos recursos disponíveis (PARO, 1994, p. 444). No entanto, por maiores transtornos que a descentralização tenha provocado na educação, houveram também alguns benefícios como a possibilidade da participação dos segmentos que compõem a escola na sua gestão. São exemplos: a possibilidade de cada estabelecimento de ensino elaborar seu projeto pedagógico, definir seu calendário, eleger diretamente seu diretor, constituir colegiados, entre outras possibilidades (OLIVEIRA, 2002, p. 136).

6 Outra conseqüência da descentralização foi o compartilhamento das responsabilidades do governo no que concerne a oferta da educação com a sociedade civil organizada ou terceiro setor 2. O terceiro setor é um termo bastante polêmico, situado em um terreno pantanoso. Não há consenso a respeito das entidades que o constituem. Existem autores como Montaño (2003) que questionam a própria existência deste setor. Na literatura corrente, o terceiro setor é denominado como uma nova figura jurídica que tem se expandido significativamente no cenário mundial. Em linhas gerais, é denominado como setor privado com função pública (MIRANDA, 2008). Existe uma grande variedade de entidades que se classificam como integrantes do terceiro setor. São exemplos: Fundações, Entidades Beneficentes, Fundos Comunitários, Entidades Sem fins Lucrativos, Organizações Não Governamentais (ONG s), Elite Filantrópica e Empresas Com Responsabilidade Social. Na década de 1990, várias organizações se mobilizaram e passaram a compartilhar as responsabilidades do Estado no que concerne ao social. As empresas que desenvolvem responsabilidade social merecem destaque, já que, foi exatamente nessa década que começaram a estruturar seus projetos direcionados para o social. Para Rico (2004), historicamente, a filantropia e a assistência não fizeram parte da cultura empresarial brasileira. Mesmo a partir do processo de industrialização, as ações sociais empresariais foram heterogêneas, pontuais, dependentes e tuteladas pelo Estado. As ações sociais mais evidentes até então se referem às práticas das irmandades, atribuindo um papel diferenciado à Igreja (MIRANDA, 2008). Esta situação começou a modificar se a partir da redemocratização do país na década de 1980 e, sobretudo, na década de 1990. Com o rápido avanço tecnológico, o toyotismo, a eliminação das fronteiras nacionais e a emergência das políticas neoliberais 3, que contribuíram para a inserção do país no contexto da globalização produtiva e financeira, concretizaram a internacionalização da economia e a abertura do comércio e das finanças ao mercado global. Nesse novo contexto, no qual as grandes empresas lutam por um espaço no mercado global e não mais se encontram vinculadas a 2 O uso das aspas no termo, ao longo do trabalho, pretende demarcar diferenças na apropriação em relação ao sentido comumente empregado pela literatura, que assume uma postura propositiva e de não questionamento em relação às políticas e práticas do terceiro setor. Para o questionamento conceitual que o termo terceiro setor encarna, busca se referência em Montaño (2003), o qual problematiza diferentes aspectos sobre os equívocos da referida expressão. 3 A subordinação brasileira às políticas neoliberais fez com que o Estado assumisse uma postura voltada para a estabilidade da moeda e deixando de investir cada vez mais nas questões sociais (RICO, 2004).

7 um estado nacional, as estratégias de obtenção de lucros são modificadas, já que apenas as vantagens em cima dos preços dos produtos não são suficientes para garantir o mercado consumidor (MIRANDA, 2008). É nesse contexto que as ações das empresas se intensificam. O setor produtivo privado identificou na ação social uma estratégia vantajosa e lucrativa, seja por meio das isenções de impostos, por meio das parcerias firmadas ou pelo marketing social angariado por meio dessas práticas. O depoimento de uma empresária é bastante elucidador: Talvez algumas empresas não consigam enxergar o retorno para sua marca. O reconhecimento que uma empresa tem por uma ação social estruturada, acompanhada e avaliada é diferente de uma simples propaganda que vai dar reforço à marca. Aquilo tem uma legitimidade maior (GARCIA, 2004, p. 23 Grifo nosso). Para desenvolver os projetos sociais, as empresas utilizam, sobretudo, dois programas: o primeiro denominado investimento social, que se refere às ações que são planejadas, executadas, avaliadas e financiadas pela empresa; e o segundo denominado voluntariado 4, esse programa é de responsabilidade dos funcionários da empresa e é gerido pela empresa, no entanto, seu financiamento, organização, planejamento, são trabalhos da competência dos trabalhadores voluntários. Na maioria das empresas predomina esse segundo tipo de projeto, o voluntariado. De acordo com pesquisa realizada por Miranda (2008), o termo trabalho voluntário, em sua real acepção etimológica, designa ações espontâneas, dotadas de generosidade, de vontade própria, desinteressadas e isentas de todas e qualquer coação 5. Uma modalidade de trabalho que mais se aproxima do real sentido etimológico do termo voluntário refere se ao trabalho desenvolvido pelas irmãs de caridade e alguns outros religiosos em Cuba, citados por Frei Betto: Aqui há congregações religiosas que trabalham em hospitais e asilos. Temos também o leprosário, onde as freiras sempre prestam serviços (FREI BETTO, 1985, p. 264). Nessa perspectiva, o autor apresenta uma definição de voluntário como: (...) Uma pessoa que se consagra a uma idéia, ao trabalho, que é capaz de sacrificar se pelos demais (FREI BETTO, 1985, p. 14). 4 De acordo com pesquisa realizada por Miranda (2008), os trabalhos sociais desenvolvidos pelas empresas e denominados como voluntários, não se configuram com o real sentido etimológico da palavra. Nesse sentido o termo é apresentado em itálico. 5 NOVO DICIONÁRIO AURÉLIO. 2ª edição. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.

8 Esses exemplos mencionados também não estão desprovidos de certo interesse; no entanto, configura se como um interesse metafísico de estar bem com Deus, com a sua religião. Trata se de realizar trabalhos direcionados para o campo social em uma perspectiva completamente diferente da dos trabalhos voluntários incentivados pelo segmento empresarial. São exemplos que não estão alinhados ao interesse do capital, diferentes dos projetos desenvolvidos pelas empresas que sempre buscam, de alguma forma, ampliar o lucro da classe dominante (MIRANDA, 2008). Tendo como referência essa diferenciação conceitual, seguramente, as atividades desenvolvidas pelos trabalhadores do setor produtivo privado não poderiam ser nomeadas como trabalho voluntário. Tem se como pressuposto que são elementos coercitivos promovidos por estratégias gestoriais que motivam o trabalhador a se envolver nestes trabalhos desprovidos de remuneração, além de outros interesses velados, não caracterizando, desta forma, o real sentido etimológico da palavra voluntário (MIRANDA, 2008). Nesse sentido, o trabalho direcionado para o setor social desenvolvido pelos trabalhadores assalariados das empresas se configura como um pseudo trabalho voluntário, porque estas ações desenvolvidas pelas empresas e nomeadas como trabalhos voluntários significam exatamente o contrário do real sentido do termo, já que são ações interessadas. Tal interesse, na maioria dos casos, ocorre tanto pelas práticas da empresa, visando aumentar seus rendimentos, quanto pelo trabalhador, visando conseguir reconhecimento, promoções ou estabilidade na empresa. As ações voluntárias se fazem presentes nos comitês de voluntariado, os quais se constituem em fortes elementos de coação, ainda que velados, para conseguir a adesão de trabalhadores assalariados. Os exemplos mais expressivos de coação são: o próprio chefe do assalariado, ao convidá lo para participar do comitê de voluntários; as promoções que ocorrem para aqueles trabalhadores que se dedicam ao voluntariado; declarações dos diretores de empresas ao afirmarem que: o trabalhador que participa do programa de voluntariado é mais sensível às questões da empresa, é mais comprometido, tem muito mais chances de permanecer mais tempo na empresa, entre outras (MIRANDA, 2008). Os programas de voluntariado desenvolvidos pelas empresas trabalham com várias frentes de assistência. Todavia, dados indicam que o foco de atuação tanto na realidade uberlandense quanto na realidade nacional, é a educação que lidera o ranking de atuação com um percentual de 81%.

9 A intervenção do setor privado no público provoca alguns desdobramentos, tais como: No âmbito da empresa: Marketing (discurso do consumo consciente); aquisição de selos sociais que refletem diretamente do consumo e assim aumento das receitas; implementação do trabalho voluntário; intensificação da jornada de trabalho de funcionários voluntários (fim de semana, feriado, horário de almoço, horário noturno); apropriação dos lucros gerados com os trabalhos voluntários de seus funcionários; além disso, transforma o dito trabalho voluntário em uma forma de despolitizar e controlar o trabalhador, já que o assalariado ao ser convidado pelo seu chefe deixa de se preocupar com suas próprias condições de trabalho para promover rifas, promover festinhas beneficentes, campanhas de arrecadação, visando arrecadar verbas para o caixa do voluntariado. E o que se mostra mais espantoso é que muitas empresas não financiam os projetos desenvolvidos, mas recebem vários selos sociais por trabalhos desenvolvidos por seus funcionários, sobretudo em horários fora do expediente. Per cepções dos tr abalhadores do setor produtivo privado que desenvolvem o trabalho voluntár io Os depoimentos abaixo analisados, sob a luz da teoria do voluntariado e das parcerias entre as esferas públicas e privadas, referem se às falas de profissionais que pertenciam ao setor produtivo privado e, na condição de trabalhadores dessas empresas, desenvolviam trabalhos voluntários. Hoje, ambos interlocutores não integram mais esse setor. O depoente Damião 6 atualmente é professor da Universidade Federal de Uberlândia e o depoente Cosme é profissional liberal e aluno do Curso de Pós Graduação em Educação da Universidade Federal de Uberlândia. Se, por um lado não é desejável um governo ditador, por outro, não é salutar o abandono dos direitos assegurados pela própria Constituição Brasileira, tais como educação e saúde. É extremamente importante que todos os cidadãos contribuam para a redução dos problemas sociais e ambientais que enfrentam, mas o envolvimento efetivo do Estado é crucial. Os depoimentos abaixo ilustram a ausência do Estado. (...) O público alvo da classe era constituído por jovens e adultos que não haviam cursado a escola regular no período convencional. Dois grandes objetivos me motivaram: primeiro, por dever de retribuição 6 Ambos depoentes receberam nomes fictícios com a finalidade de preservar suas identidades.

10 social ao povo brasileiro, pois estudei 05 anos sem pagar ; segundo, como forma de adquirir experiência em sala de aula, já que o curso de bacharel, por mim cursado, enfatiza a técnica profissional, sem nenhuma índole pedagógica propriamente dita. (...) O que eu observei de antemão foi que os educandos buscavam a conclusão do ensino fundamental pressionados pela lógica do mercado de trabalho, cada dia mais exigente com o trabalhador. Os alunos tinham plena consciência ou eram induzidos a pensar, que se não se qualificassem poderiam até descer mais no padrão de vida que levavam, frente a imensa gama de oferta de mão de obra (exército de reserva). (COSME) Para mim foi uma experiência muito rica. Aliás, foi através destas aulas que ingressei no mundo da docência. Sem nunca ter conhecido mecanismos de motivação de alunos, processos cognitivos, ambientes escolares, conduta do professor, processos de planejamentos de aula, etc., o voluntariado se apresentou como uma excelente oportunidade. Além de poder contribuir com a formação de pessoas que estavam a margem dos sistemas formais de ensino e que não tinham outras alternativas, eu pude viver a experiência de estar à frente de uma sala de aula. Os alunos daquele programa eram pessoas simples que não tiveram a oportunidade de estudar no tempo adequado ou que deixaram esta oportunidade passar, e agora estavam procurando recuperar o tempo perdido. É uma situação triste, mas vivenciada por muitos brasileiros nos dias de hoje. (DAMIÃO) O ensino é percebido pelos professores Cosme e Damião como uma oportunidade de ingressarem nesse campo de trabalho. Sem qualificação, eles vão ao encontro dos anseios de pessoas que não tiveram melhores oportunidades para se instruírem e que hoje se encontram a margem da sociedade. As chances de sucesso dos alunos são poucas em virtude não só de suas condições de vida, mas também pelas próprias limitações de que são constituídas as ações voluntárias. O Estado restrito, nas palavras de Bernardo (1998), em sua configuração moderna constituído pelos três poderes legislativo, executivo e judiciário é ampliado e passa a incorporar também o segmento empresarial, que por sua vez, passa a ter um papel ativo na formulação de leis e políticas direcionadas para o social. Surge neste contexto, uma nova modalidade de Estado, denominado por Bernardo (1998) como Estado Amplo. O Estado Amplo decorre do movimento globalizado, no qual as empresas buscam mecanismos diversos para expandir sua lucratividade e materializa se como um poder paralelo que controla toda sociedade. Uma estratégia bastante explorada pelo segmento empresarial na atualidade para alcançar sua hegemonia financeira e ideológica

11 refere se à responsabilidade social, concretizada nas comunidades carentes, sobretudo, por meio de comitês de voluntariado gerenciados e incentivados pelas empresas. Bernardo (1998), citando Tragtemberg (1980), descreve que empresa não é só o local físico onde o trabalho excedente cresce às expensas do necessário; é também o cenário da inculcação ideológica. Dessa forma, caracteriza a empresa como um aparelho ideológico. Segundo Bernardo (1998), o Estado Amplo, por meio da transnacionalização do capital, consolidou sua capacidade de coordenar diretamente toda a vida social já que, ao desagregar o Estado Restrito, é capaz de manipular políticos e parlamentares e, assim, ocupar o panorama ideológico. A partir de pesquisa realizada por Miranda (2008), foi possível constatar que geralmente as empresas tendem a remodelar valores morais de solidariedade e religiosidade dos trabalhadores e os transformar em mecanismos de ampliação do capital, por meio dos programas de voluntariado e assim, intensificar ainda mais a jornada de trabalho de seus assalariados. (...) Comecei a lecionar como professor voluntário em uma unidade descentralizada do SESI no Educandário Espírita Maria Lobato de Freitas e no Centro Espírita Ana Rita Vilela. Entre os anos de 2002 e 2004, atuei como professor de Matemática do Ensino Fundamental durante três semestres e como professor de Inglês do Ensino Fundamental durante um semestre (DAMIÃO Grifo nosso). Bernardo (1991) demonstra que são os trabalhadores assalariados que executam os raciocínios e gestos necessários à produção. Mas, a todo o momento os capitalistas lhes retiram o controle sobre essa ação, integrando os no processo produtivo em geral e subordinando os aos seus requisitos. Esta afirmação pode ser evidenciada concretamente nas empresas cidadãs, pois ações voluntárias já eram desenvolvidas por alguns de seus trabalhadores assalariados e as empresas fizeram exatamente o que já estavam habituadas a fazer, isto é, retiram o controle das ações lucrativas que os trabalhadores assalariados desenvolvem e as integraram ao planejamento estratégico da empresa. (...) também participei, voluntariamente, de um projeto de ensino na empresa que eu trabalhava. Era um convênio estabelecido entre a empresa e o Serviço Social da Indústria (SESI), por meio do Telecurso 2000. Ministrei a disciplina Matemática do Ensino Fundamental, por um semestre.

12 Este programa teve sucesso ainda menor que o anterior. Embora houvesse infra estrutura adequada: cadeiras almofadadas, sala ampla, iluminação, quadro branco, televisão, etc. Existiam outras limitações. As aulas eram ministradas antes do horário normal de trabalho, começavam às seis horas da manhã e terminavam às sete, antes dos alunos iniciarem a jornada de trabalho. Muitos deles desanimavam ao longo do curso por terem que acordar muito cedo. Outros haviam parado de estudar há muitos anos e não conseguiam acompanhar o ritmo das aulas (vídeo). Outros ainda desanimavam diante dos resultados obtidos nas provas. Finalmente, com a saída de alguns profissionais da empresa, os quais estavam envolvidos na coordenação do trabalho, o programa acabou por ser extinto, durou apenas um ano. Nenhum aluno concluiu o curso (DAMIÃO). O depoimento de Damião possibilita confirmar que as empresas realmente tentam captar e remodelar valores seculares de caridade e filantropia e adequá los a sua lógica. Revela ainda duas grandes dificuldades enfrentadas tanto pelos beneficiados com os programas, quanto pelo voluntário. Os trabalhadores, geralmente ligados aos serviços gerais da empresa não tinham condições de se empenhar e aprender, em virtude do horário, 6:00 da manhã. Assim, não conseguiam conciliar os estudos com uma longa jornada de trabalho. Esse era um problema enfrentado também pelos voluntários, pois iniciavam sua jornada remunerada às 07:00 e se dirigiam para a empresa por volta das 5:30. Diante desses dados, é possível apreender que esses trabalhos voluntários motivados pela empresa contribuíam sistematicamente para uma super exploração de sua mão de obra, pois ocorriam fora do horário de expediente e era desprovido de qualquer remuneração. Um dos maiores problemas dos programas desenvolvidos por entidades do terceiro setor é seu caráter vulnerável, desprovido de garantias legais de continuidade. O programa no qual Damião atuou como voluntário durou apenas um ano. Nesse sentido, depreende se que as empresas investem no social enquanto for rentável para elas, já que seu objetivo é a expansão de seus lucros, em que os programas sociais apresentam se como um meio para se alcançar esse fim. A fala do depoente ilustra bem essa questão: Nessa experiência eu pude constatar dois fatores importantes: a empresa não tinha a formação de seus funcionários como uma meta a ser alcançada e o programa de ensino oferecido era muito vulnerável. Não recebia a valorização necessária para ter êxito em seus propósitos. Só foi implantado devido ao baixo custo que teria para a empresa. Ela aproveitava o empenho de alguns funcionários e, se desse certo, ótimo. Teria pessoas mais capacitadas e mais um item a ser divulgado

13 no seu balanço social. Se não funcionasse, como de fato não funcionou, não teria perdas econômicas significativas (Damião). O interesse velado das empresas ao promoverem os projetos sociais fica bastante evidente quando se analisa, por exemplo, sua abrangência. Montaño (2003) afirma que é critério das empresas desenvolver projetos nas comunidades em que se encontram inseridas, ou seja, nas regiões do país nas quais estão instaladas as empresas. Sul e sudeste são as regiões que mais recebem ajuda das empresas. Em contrapartida, os municípios mais pobres ficam praticamente desprovidos de assistência, além de se configurarem como áreas de maior desmobilização social. Soares (2002) afirma que 73,7% das empresas assistem à população da região onde estão instaladas. Assim, as áreas mais prósperas do país são mais assistidas, marginalizando as demais regiões realmente necessitadas, como o nordeste, que não abriga grande número de empresas privadas de grande porte. Um grave problema se apresenta quando se observa a parte prática da implementação dos projetos sociais promovidos pelas empresas. Como se trata de uma oferta que não é de sua competência, não existem recursos suficientes para desenvolver um trabalho de qualidade. Na perspectiva de Miranda (2008), as entidades situadas no espaço público não estatal, são desprovidas de garantia legal e são de qualidade questionável, já que são oferecidas por voluntários, que têm boa vontade, mas, muitas vezes, não são profissionais da área. Os trabalhadores assalariados não têm tempo para acompanhar constantemente os projetos sociais, pois tem suas tarefas ligadas a empresa para cumprirem. Assim, os serviços oferecidos são descontínuos e sem garantias de permanência. Denota se, diante desse fato, a importância do Estado enquanto provedor desses serviços sociais, pois a finalidade da empresa é gerar lucros, por outro lado, os serviços oferecidos pelo Estado são garantidos constitucionalmente e de forma universal a todos os cidadãos. Vale destacar também o quanto os serviços do terceiro setor são focalizados e sem garantias legais. O depoimento de Damião é esclarecedor: Embora a intenção do programa e das pessoas envolvidas fosse meritória, as condições estruturais eram precárias. Os professores, com raras exceções, eram inexperientes como eu. As salas e carteiras eram improvisadas nos centros espíritas ou emprestadas nas escolas públicas. A coordenação do programa somente aparecia algumas

14 vezes no semestre para apoiar os professores, pois também era composta por voluntários, que tinham outras atividades no seu dia adia. Essa realidade reafirma o caráter restrito e pontual dos serviços sociais oferecidos pelas instituições. Denota ainda o caráter precário a que os sujeitos que oferecem os serviços e os beneficiados são submetidos, já que nem sempre existem recursos para desenvolverem os trabalhos. Diante disso, embora saibamos que existem exceções, se a educação fica a cargo do poder privado estará, inevitavelmente, subordinada ao lucro. E tal subordinação poderá comprometer os resultados esperados na formação dos cidadãos. Considerações Finais Diante do exposto, constata se que a adesão do governo brasileiro ao ideário neoliberal nos anos 90 marcou sobremaneira todos os setores da sociedade: econômico, político, legal e sócio educacional. Deve se ressaltar que as medidas neoliberais, presentes no Plano de reforma do Estado de 1995, determinaram a primazia da esfera econômica sobre as necessidades sociais, com implicações profundas em termos de uma menor capacidade do Estado em prover recursos para o financiamento de políticas públicas. E estas mudanças impactaram diretamente na educação brasileira, que vem se reorganizando mediante inúmeras parcerias orientadas pelos princípios dos ditames neoliberais e do terceiro setor. Também foi possível apreender que no âmbito da comunidade a lógica do mercado se faz presente na cooptação de voluntários na prestação de serviços sociais como a educação dever do Estado para com a sociedade civil. Todavia, esses serviços são marcados pela insuficiência de recursos físicos, materiais e financeiros. Já no campo do setor produtivo privado, verifica se a vulnerabilidade e pontualidade dos programas educacionais oferecidos, pois as empresas não têm a formação de seus funcionários como prioridade. Refer ências

15 AFONSO, Almerindo Janela. Reforma do Estado e políticas educacionais: entre a crise do Estado Nação e a emergência da regulação supranacional. Educação & Sociedade. Ano XXII, n. 75, Ago. 2001. BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto (maio de 1995). Planejamento Político Estratégico 1995/1998. Brasília. P. 4. BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. BERNARDO, João. O Estado: a silenciosa multiplicação do poder. São Paulo: Escrituras Editora, 1998. Economia dos conflitos sociais. São Paulo: Cortez, 1991. FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. São Paulo: Editora Paz e Terra S.A., 2002. FREI, B. 1985. Fidel e a Religião. 7. ed. São Paulo: Brasiliense. MAGRELO, L. R. 2004. Responsabilidade Social: Construindo grandes marcas. Revista Meio e Mídia, Uberlândia, v. 37, p 01 29. KRAWCZYK, N. R. Em Busca de Uma Nova Governabilidade na Educação. In: OLIVEIRA, D. A. e ROSAR, M. de F. F. (orgs). Política e Gestão da Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2002. HADDAD, D. Os bancos multilaterais e as políticas educacionais no Brasil. In: VIANA JR., A. (org.). Estratégias dos bancos multilaterais para o Brasil. Brasília: Instituto de Estudos Socioeconômicos/Rede Brasil, 1998. MIRANDA, Aline Barbosa de. As Novas Configurações do Estado Sob as Influências do Terceiro Setor na Contemporaneidade: um estudo sobre o papel do voluntariado no âmbito empresarial e escolar. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Educação, Universidade Federal de Uberlândia, 2008. MONTAÑO, Carlos. Terceiro Setor e Questão Social: Crítica ao Padrão Emergente de Intervenção Social. São Paulo: Cortez, 2003. OLIVEIRA, Cleiton de. A Pesquisa Sobre Municipalização do Ensino: algumas tendências. In: OLIVEIRA, D. A. e ROSAR, M. de F. F. (orgs). Política e Gestão da Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2002. PARO, V. H. Gestão da Escola Pública: Alguns Fundamentos. Revista Brasileira Est. Pedag., Brasília, v. 75, n. 179/180/181, p. 395 467, jan./dez. 1994. RICO, Elizabeth. de Melo. A responsabilidade social empresarial e o Estado: uma aliança para o desenvolvimento sustentável. São Paulo Perspectiva. São Paulo, v. 18, n. 4. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=s0102 88392004000400009&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 08 fev. 2007. Pré publicação. doi: 10.1590/S0102 88392004000400009, 2004.

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