ESTE ARTIGO FOI PUBLICADO NA CARTA MAIOR AGÊNCIA DE NOTICIAS As mulheres negras no 14 de maio de 1888 Na trajetória das mulheres negras, sua luta pela dignidade da pessoa humana sempre foi uma constante: na busca por reparações após a escravidão e pela garantia do que não foi garantido a elas no 14 de maio de 1888 - o dia seguinte à Abolição da Escravatura. Deise Benedito Era um domingo de sol, quando a princesa Isabel assinou a Lei Áurea, que! Aboliu a Escravidão no Brasil. Quando a princesa chegou ao a multidão, ansiosa, ficou em silêncio. Pois bastou ela completar a assinatura para ecoar uma explosão de bravos e aplausos. A cidade nunca tinha visto festa igual! Famílias inteiras choravam de alegria. Inimigos da véspera abraçavam-se, O dia 13 de maio de 1888 foi um marco na vida de milhares de homens e mulheres africanas e a população negra ainda escravizada. (Machado de Assis) Porém... Na segunda-feira, dia 14 de maio de 1888, inicia-se a mais perversa trajetória de homens e mulheres, jovens e idosos negros no Brasil, agora na condição de ex-escravos. Muitos dos ex-senhores de escravos encontram-se ainda inconformados com a lei que dava por extinta a escravidão em todo o território nacional e pressionaram vários parlamentares por sua revogação. Em várias províncias que seriam rebatizadas de Estados em 1889, a segurança foi reforçada pelo temor de que ocorressem saques e vinganças contra os Senhores Escravocratas. No âmbito jurídico da transição da condição de escravo a homem e mulher livre, nada o acolheu, nenhuma política no campo da economia, da educação, da saúde, da moradia. Nenhum compromisso foi firmado com essa população agora livre. Para mulheres negras jovens e idosas, agora na condição de ex-escravas, está colocado mais um novo desafio para a sua sobrevivência e a reconstrução de suas vidas, de seus filhos, de seus maridos, sobrinhos e netos. Agora livres, muitas não mais poderiam continuar nas fazendas de seus senhores; e aquelas que já estavam nas ruas trabalhando como ambulantes agora deveriam ampliar suas atividades.
transforma-se em uma ama de leite, cuja amamentação garantiria herdeiros à saúde dos futuros Presidentes, Juizes, Desembargadores, Ministros, Secretários de Estado, Governadores e Prefeitos do Brasil. Através do devotamento, embalo e do afeto, na família para a qual prestavam serviços, muitas vezes, por não terem hora para o descanso, foram impedidas de acompanhar o crescimento e a educação de seus filhos, netos e sobrinhos. A trajetória de algumas mulheres negras já com idade avançada e acometidas por várias doenças causadas pelas condições desumanas de trabalho, péssimas acomodações e pouca ou nenhuma alimentação adequada levou-as a mendigar junto às portas das igrejas, na esperança de que a fé pública pudesse abrandar-lhes o sofrimento e o descaso por anos e anos de trabalho sem nenhuma indenização. Outro fator essencial para a sobrevivência pós-abolição foi a religiosidade que modelou a cultura brasileira. Muitas dessas mulheres passaram a assumir a liderança das comunidades sócio-religiosas afro-brasileiras, pois eram detentoras do poder de lidar com a força divina dos orixás e de seus ancestrais. Ao mesmo tempo, se tornavam mulheres temidas e respeitadas através dos mistérios e poderes ora sustentados através de uma sabedoria inviolável, seguida de códigos e símbolos africanos. Depois das gerações de mulheres negras que sobreviveram, através da religiosidade, ao rigor da escravidão, agora, nos novos tempos, teriam de resistir ao preconceito religioso e às perseguições, marcando uma forma de resistência cultural e em defesa da continuidade de seus valores éticos e culturais. O SAMBA Ele veio silencioso nos porões do navio negreiro, presenciou todas as barbáries praticadas contra homens, mulheres e crianças durante a escravidão. Tornou-se o acalanto para as dores e o sofrimento e espalhou-se nas senzalas. Após a abolição da escravatura, surge para o público o novo ritmo que fora introduzido no Rio de Janeiro e que se alastraria por todo Brasil, ganhando novos adeptos e novos instrumentos. Esse ritmo adentra a casa da baiana Tia Ciata, da Tia Amélia (mãe de Donga), de Priciliana, Mãe de João da Baiana. E instala-se o seu quintal no Rio de Janeiro, nos morros e becos, para que músicos e batuqueiros pudessem tocar e cantar ao redor de uma enorme mesa repleta de garrafas e quitutes, caldos e feijoada. O que garantiria o sustento de muitas famílias nos finais de semana, pedindo passagem para a dignidade, se tornou mais tarde patrimônio cultural da humanidade: o Samba. Com o crescimento da industrialização, as mulheres negras passaram a ter de ampliar os seus
ao preconceito e à discriminação de que eram vítimas. A Frente Negra Brasileira tinha seu departamento Feminino, que era responsável pela alfabetização de homens e mulheres negras, crianças e jovens, que se constituiu em um movimento de caráter nacional com repercussão internacional. Ela foi extinta em 1938, pelo Presidente Getúlio Vargas, 50 anos após a Abolição. Em 1944, nasce o Teatro Experimental do Negro, que tem a sua frente Abdias do Nascimento, e a primeira atriz negra, Ruth de Souza. O departamento Feminino do T.E.N tem como responsável a Sra. Maria Nascimento, que também fundou o Conselho Nacional das Mulheres Negras, composto por mulheres negras, cuja maioria era de empregadas domésticas. Vale a pena ler alguns trechos do seu pronunciamento, na noite de sua fundação do Conselho, em 18 de junho de 1950: A INTEGRAÇÃO DA MULHER DE COR NA VIDA SOCIAL A mulher negra sofre várias desvantagens sociais, por causa do seu despreparo cultural, por causa da pobreza, pela ausência adequada de educação profissional. O Conselho Nacional das Mulheres Negras terá um setor especializado em assuntos relativos à mulher e à infância. Este departamento feminino tem como objetivo lutar pela integração da mulher negra na vida social pela sua elevação educacional, cultural e econômica. Desejamos fazer funcionar imediatamente um curso de arte culinária, corte e costura, alfabetização, datilografia, admissão, ginásio e outros mais; contaremos com professores voluntários. Será uma campanha voluntária para elevação educacional das mulheres negras. Irão funcionar imediatamente os seguintes setores do Conselho Nacional de Mulheres Negras: Ballet Infantil. Educação e Instrução Curso de Orientação de Mães. Teatro Infantil. Assistência Jurídica Criminalista Dr. Celso Nascimento. Orientação Sociológica Prof. Guerreiro Ramos Corte e Costura Nina de Barros Tricot Sra Natalina Santos Correa. Bordados- Catyy Silva Natação- Caramuru de Amaral Educação Física- Alberto Cordovil Datilografia- Milka Cruz
manter a consciência negra. Não lhes foram assegurados os seus direitos básicos e fundamentais para a pessoa humana, o acesso ao trabalho remunerado com dignidade, moradia, assistência à saúde adequada, respeito aos valores éticos sociais, culturais e morais. As mulheres negras passam a se organizar em associações de moradores, escolas de samba e movimentos sociais. No movimento negro, passam então a exigir seus direitos e apontam que a discriminação racial e a violência doméstica são fatores agravantes na sua vida. Participam da vida política do Brasil, em Seminários, Encontro, Palestras e Congressos nacionais e internacionais. As Conferências do Sistema ONU, tais como ECO-92, a Conferência de População do Cairo, a Conferência da Mulher em Beijin, a Conferência de Direitos Humanos de Viena, a Conferência Mundial Contra o Racismo, em Durbam, em 2001, contaram com a presença das mulheres negras que atuam em ONGs e movimentos sociais e em partidos políticos sobre isso, vale dizer que têm representação bastante reduzida ou inexistente no Congresso, Câmaras e Assembléia Legislativas em todo o território nacional. Inúmeras mulheres negras que estão presentes em diversas mobilizações criam redes, fóruns e articulações de mulheres negras nos espaços de governo, onde apresentam sua pauta de reivindicações. As mulheres negras jovens, por sua vez, passam a se organizar e a participar de forma ativa nas discussões do movimento feminista e do movimento de mulheres negras, lutam contra a homofobia, o tráfico de mulheres e a exploração sexual. As bandeiras do movimento de mulheres negras é o combate à violência contra mulher, à violência familiar, ao abuso e aos maus tratos contra crianças e adolescentes, pela garantia de proteção à maternidade durante e após a gravidez, pelo combate ao trabalho infantil. São lutas do movimento de mulheres negras a implementação de ações afirmativas e o monitoramento das políticas públicas que visem relações igualitárias entre homens e mulheres. Além da necessidade de capacitação dos gestores públicos, para a implementação das políticas públicas com o corte de gênero e raça. A titularidades das terras de remanescentes de quilombos, a adoção de cotas nas universidades, a necessidade da melhoria da qualidade do ensino e ampliação do número de vagas no ensino superior. O acesso a Justiça, segurança e moradia digna, o reconhecimento dos Direitos Trabalhistas para as empregadas domésticas. O fim da violência e do racismo institucional nas Febens, Presídios, Manicômios e Hospitais Psiquiátricos.
BIBLIOGRAFIA Hunot Silva Lara Campos da Violência Fraga Valter Meninos, Moleques e Mendigos Nascimento Abdias Quilombo Vida Aspirações do Negro. Benedito Deise Deserdados do Destino. *Deise Benedito é coordenadora de Articulação Política e Direitos Humanos da Fala Preta - Organização de Mulheres Negras, secretária do Fórum Nacional de Mulheres Negras; e integrante do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial.