SAÚDE MENTAL NA RODA :A SENSIBILIZAÇÃO DOS TRABALHADORES DA REDE DE ATENÇÃO BÁSICA Romaldo Bomfim Medina Jr 1 Luciane Silva Ramos 2 Fernanda Franceschi de Freitas 3 Carmem Lúcia Colomé Beck 4 O movimento da Reforma Psiquiátrica, iniciado no final da década de 70 a partir da crise do modelo de assistência centrado no hospital psiquiátrico juntamente com movimentos sociais pelos direitos dos pacientes psiquiátricos, é maior do que a sanção de novas leis e normas e do conjunto de mudanças nas políticas governamentais e nos serviços de saúde (Brasil, 2005). No início da década de 90, os movimentos sociais aprovam em vários estados brasileiros as primeiras leis que propõem uma rede integrada de atenção à saúde mental em substituição aos leitos psiquiátricos. Surgem também as primeiras normas federais regulamentando a implantação de serviços de atenção diária. Para a efetivação desta rede integrada, é necessário que os serviços de saúde mental e da atenção básica estejam articulados entre si, com ações estratégicas e inclusão de outras redes sociais. É com esta finalidade que surge, no município de Santa Maria, a Comissão de Saúde Mental e este relato é produto do trabalho realizado por esta Comissão na busca pela integração dos trabalhadores da Rede de Atenção Básica de Saúde no cuidado direto de usuários portadores de sofrimento psíquico. Para isto foi implantado o Saúde Mental na Roda, projeto que propõe a construção de arranjos voltados para ampliar a capacidade de direção dos trabalhadores no 1 Acadêmico do 8º semestre do Curso de Enfermagem da Universidade Federal de Santa Maria UFSM. Rua João Lenz nº217 Bairro: Presidente João Goulart Santa Maria RS 97090-360 email: romaldojr@hotmail.com. 2 Enfermeira. Mestranda do Programa de Pós-graduação em Enfermagem- Mestrado em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Maria Membro do Grupo de Pesquisa Trabalho, Saúde, Educação e Enfermagem/ UFSM. 3 Enfermeira Especialista do Hospital Universitário de Santa Maria. Membro do Grupo de Pesquisa Trabalho, Saúde, Educação e Enfermagem/ UFSM. 4 Enfermeira, Doutora em Enfermagem, Docente da Universidade Federal de Santa Maria UFSM. Líder do Grupo de Pesquisa Trabalho, Saúde, Educação e Enfermagem.
campo da saúde. Para Campos (2000), o método da Roda caracteriza-se como uma diretriz permanente e não apenas uma técnica com sentido tático para estimular o envolvimento ou a produtividade entre os trabalhadores. O Município de Santa Maria está localizado geograficamente no Centro do Estado do Rio Grande do Sul, possui uma população de aproximadamente 270 mil habitantes e representa o principal pólo assistencial da Macrorregião Centro- Oeste do Estado. Considerando a posição estratégica da Atenção Básica, como porta de entrada preferencial do Sistema Único de Saúde SUS, sendo o ponto de partida para a estruturação dos sistemas locais de saúde e consolidação dos princípios e diretrizes do SUS e da Reforma Psiquiátrica, a Secretaria de Município da Saúde, propôs a criação de um espaço de discussão com vistas à reestruturação da rede de atenção à saúde mental. Constituiu-se, a partir de maio de 2005, a Comissão de Saúde Mental, com o objetivo de aproximar a saúde mental da atenção básica, envolvendo todos os Serviços de Saúde municipais, incluindo os que prestam atendimento em Saúde Mental e as instituições formadoras. A Comissão de Saúde Mental do Município é composta por representantes das Unidades Básicas de Saúde, Equipes de Saúde da Família, Ambulatório Municipal de Saúde Mental, Centros de Atenção Psicossocial (CAPS II, CAPS ad e CAPS i), Programa de Redução de Danos, Hospital Universitário de Santa Maria, Universidade Federal de Santa Maria e Faculdade Santa Clara. A Comissão possui um cronograma de reuniões semanais, com duas horas de duração, no qual são discutidos temas baseados em uma pauta prévia e posteriormente registradas em ata. Destes encontros, foram levantadas questões essencias para a abordagem e articulação da Rede em Saúde Mental no município, dentre as quais, a crucial necessidade de ampliar o acesso da população ao atendimento de saúde mental, promover a troca entre as equipes sobre as questões de acolhimento do usuário com transtorno psíquico e de sua família, bem como a inserção dos usuários que estão em tratamento nos CAPS do município em suas comunidades. Seguindo na direção da articulação da Rede de Atenção em Saúde Mental, a Comissão de Saúde Mental elegeu como estratégia, Saúde Mental na Roda, espaço de diálogo e discussão tendo como principal objetivo
a troca e a integração entre os serviços de saúde mental e a rede de atenção básica do município. O Método da Roda segundo Campos (2000), privilegia as pessoas, o sujeito, e por isso aplica-se a equipes ou a coletivos. Sugere uma unidade dialética (paradoxal) entre a práxis, a reflexão e a capacidade de escuta e de análise. Como o município é dividido em Regiões Sanitárias, estruturou-se o trabalho a ser realizado em cada uma das regiões. Convidamos, num primeiro momento, a participar da reunião da Comissão, o coordenador e trabalhadores de saúde de cada unidade de uma das regiões sanitárias, para apresentação da proposta Saúde Mental na Roda e, para que os mesmos colocassem suas dificuldades em relação ao atendimento aos usuários portadores de transtornos mentais, a fim de instrumentalizar os integrantes da comissão na organização da Roda. Foi diagnosticado quais os temas de saúde mental que os participantes gostariam de discutir nos encontros subseqüentes, através de uma dinâmica de grupo que trabalhou o entendimento de cada um sobre a loucura, saúde mental e doença. Os principais temas foram relacionados a conhecimentos sobre saúde mental em seu aspecto amplo (conceito de saúde mental, tipos de doença mental, formas de tratamento e reforma psiquiátrica) bem como a necessidade de conhecer os serviços de saúde mental do município e seus encaminhamentos. Para o enfrentamento das situações que se apresentam no cotidiano dos serviços, optou-se pelo estudo de caso ou estudo de situações problema?. Quanto a falta de preparo dos trabalhadores da atenção básica para o atendimento dos usuários da saúde mental, Dimenstein (2005), refere que as equipes não estão capacitadas para atender essa demanda e, na maioria das vezes, atribuem esse papel a profissionais como psiquiatras e psicólogos, delimitando o campo de atendimento a esses dois profissionais, (p. 28). No último encontro, todos receberam um instrumento de avaliação da dinâmica proposta, a fim de contribuir no processo em construção. A cada rodada inicia-se mais um desafio, respeitando as particularidades de cada região que, até o momento, tem nos proporcionado como resultado, além da motivação, importantes trocas, interações e integrações, promovendo um aprimoramento não apenas técnicocientífico, mas de fundamental ganho na construção desta nova percepção em
saúde mental, na qual se identificam os fios, as tramas, os nós, os emaranhados, enfim, as conexões necessárias para se tecer a rede. Sabe-se que a resolutividade da atenção básica para os problemas de saúde mental é ainda muito baixa em muitos locais do país, realidade presente no município de Santa Maria. Entretanto, acredita-se que a estratégia da Saúde Mental na Roda tem muito a contribuir a fim de reverter este quadro. As várias experiências de saúde mental, na organização de serviços consoantes com os princípios da Reforma Psiquiátrica, caracterizam-se pela necessidade de inovar, construir novas práticas que possibilitem a transformação de toda uma cultura em torno da loucura. O eixo norteador dessas experiências é que torna possível, no âmbito social, estruturar relações de convivência mais saudáveis com as diferenças. Integrar-se ao cotidiano do usuário e conhecer sua realidade pode potencializar os cuidados em saúde mental e a reabilitação psicossocial, utilizando-se do cuidado como dispositivo para a integralidade da atenção e para a educação dos profissionais de saúde. O processo de capacitação-piloto ocorrido de outubro a dezembro de 2005 e que contemplou os trabalhadores da atenção básica da região norte, propiciou a problematização das concepções de Saúde Mental, maior capacidade técnica desses trabalhadores, principalmente dos agentes comunitários de saúde que participaram maciçamente, possibilitando também melhor atendimento dos usuários portadores de transtornos mentais, já que estes foram acolhidos pelas equipes. Neste processo surgiram também algumas dificuldades, principalmente, no que diz respeito a pouca adesão dos profissionais médicos. Entretanto, aposta-se na estratégia da Saúde Mental na Roda, como algo novo, sujeito a modificações, que se desdobra, se amplia, se aprofunda e vai desenhando seu próprio curso. A continuidade do processo de interlocução permanente com os trabalhadores da Região Norte, vem municiando a Comissão de Saúde Mental em relação as rodadas nas próximas regiões e, conseqüentemente, na articulação da Rede de Atenção em Saúde Mental. Descritores: Atenção Básica; Saúde Mental; Educação Continuada Área Temática: Formação e capacitação
Referências Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Reforma psiquiátrica e política de saúde mental no Brasil. Documento apresentado à Conferência Regional de Reforma dos Serviços de Saúde Mental: 15 anos depois de Caracas. OPAS. Brasília: nov.2005. CAMPOS, GW de S. Um Método para análise e co-gestão de coletivos: a constituição do sujeito, a produção de valor de uso e a democracia em instituições: o método da roda. São Paulo: Hucitec, 2000. DIMENSTEIN, M et al. Demandas em saúde mental em Unidades de Saúde da Família. Mental. 2005. 3 (5): 33-42.