A SUPREMA CAUSA MOTORA: O PROVIDENCIALISMO E A ESCRITA DA HISTÓRA NO BRASIL (1808-1825)



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Transcrição:

UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS GIORGIO DE LACERDA ROSA A SUPREMA CAUSA MOTORA: O PROVIDENCIALISMO E A ESCRITA DA HISTÓRA NO BRASIL (1808-1825) Mariana 2011

GIORGIO DE LACERDA ROSA A SUPREMA CAUSA MOTORA: O PROVIDENCIALISMO E A ESCRITA DA HISTÓRA NO BRASIL (1808-1825) Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História do Instituto de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal de Ouro Preto, como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em História. Área de concentração: Poder e Linguagens, Linha: Idéias, Linguagens e Historiografia. Mariana Instituto de Ciências Humanas e Sociais/UFOP 2011

À Deus, e à todos aqueles que, de alguma forma, tornaram esse trabalho possível

Agradecimentos Agradeço à Universidade Federal de Ouro Preto, pela formação e pelo apoio financeiro a essa pesquisa. Ao Programa de Pós-Graduação em História, lotado no Instituto de Ciências Humanas e Sociais, seu ambiente e sua historicidade setecentista estimulam a reflexão e a produção do conhecimento. Deixo aqui meu agradecimento póstumo ao professor Ivan de Almeida, que por anos, como diretor, trabalhou pela preservação e crescimento desse instituto, o mais belo de toda a Universidade. Lembro aqui também de todos os funcionários com os quais convivi por esses anos, desde a simplicidade do senhor Euclídes e seu infinito trabalho nos jardins do ICHS, à eficiência e competência da Meire, do Lindomar e do senhor Toninho. Agradeço ao corpo de professores do Departamento de História, em especial ao Profº. Àlvaro Antunes, pela amizade, à Profª. Virgínia Buarque, pelo estímulo à continuidade dessa pesquisa e pelas observações feitas na qualificação, e aos professores Marco Antônio Silveira, Fernando Nicolazzi, Helena Mollo e Renato Pinto Venâncio, cujas disciplinas no mestrado foram de imensa importância para minha formação como historiador. Não posso deixar de mencionar a Profª Íris Kantor e agradecer pelas críticas e sugestões no exame de qualificação. Sou grato ao NEHM, que proporcionou as condições necessárias para o desenvolvimento dessa pesquisa. Ao Ieb, Biblioteca Nacional e ao Google books, cujos projetos de digitalização de obras raras permitiram o acesso aos livros utilizados nessa dissertação. Aprendi que os mestres devem ser valorizados e que um historiador só é capaz de se inserir no universo da pesquisa em história através do apoio de um orientador. Assim, faço um agradecimento especial ao professor Valdei Lopes de Araujo, pela oportunidade que me concedeu de fazer parte de sua pesquisa, foi através dela que os temas dessa dissertação surgiram, e pela qual se esforçou com incansáveis leituras, observações e indicações. A amizade e o respeito ao mestre e amigo não se perderão pela longa caminhada da vida acadêmica. Agradeço aos bolsistas e colaboradores do grupo de pesquisa Contextos Discursivos da Historiografia luso-brasileira à época da Independência: Luara França, José Luiz Ferreira Bahia Júnior, Rafael da Silva Alves, e em especial ao Bruno Diniz, amigo de longa data, a proximidade de nossas pesquisas foi capaz de gerar debates e discussões de imensa importância para o desenvolvimento dessa dissertação, e espero que não terminem por aqui. Menciono também os novos pesquisadores do grupo que tiveram parcela nessa trajetória: Camila Braga, Bruno Omar, Thamara Rodrigues e André Ramos. Agradeço aos meus pais, Manoel e Leny, pelos anos de esforço e apoio, sem os quais a minha formação acadêmica e esse trabalho não seriam possíveis, vocês são meu

maior exemplo. Sou grato aos meus irmãos Giancarlo e Giselle, e à minha nova irmã Carol, longe pela distância, mas perto pelo carinho. Às minhas sobrinhas Rachel e Rebecca, cujos sorrisos e alegria são um estímulo à vida. Faço também um agradecimento especial à família Silva Gomes, que me adotou como um dos seus e me fez sentir em casa em uma cidade estranha: à Ruth, apesar de ser um filho negligente, sinto imensa falta de seus quitutes, das tardes de conversa, da amizade e do carinho, nunca saberei como retribuir tudo que fez por mim; ao Luciano e à Janaína, um casal que guardo no meu coração e que me proporcionou o convívio com o João Vítor, o pequeno grande motivo do meu eterno retorno ao circuito Belo Horizonte/Mariana. Agradeço aos amigos e agregados da República Vúlvaros pelos anos de convivência, pelas influências positivas, longos debates e pelo apoio incondicional ao desenvolvimento dessa pesquisa, em especial ao David Lacerda, Gabriel Silva (Thunder), Rafael Fani, Ezequiel Barel, Leandro Braga, Gilson Moutinho, José Carlos Silvério (Rone) e Dalton Sanches. Sou grato também aos companheiros da Revista Eletrônica Cadernos de História, que com muito esforço e dedicação fizeram e fazem desse periódico discente um dos mais importantes do país, representados por: Weder Ferreira, Ana Prates, Eduardo Gerber, Gabriela de Almeida e pelo amigo gaúcho Pedro Telles da Silveira. Aos amigos do grupo de comunhão com quem tanto pude contar nesses anos e que lembrarei com carinho para sempre: Odair José, Renan, Rogéria Cristina, pelas constantes orações, Mariana, a quem devo a revisão tão atenciosa do texto dessa dissertação, e Crislayne Alfagali, ouvido e ombro amigo que suportou todas as inquietações da minha vida de historiador, cujos dilemas existenciais e a busca por um cristianismo verdadeiro são compartilhados de forma ímpar _ porque há amigos mais chegados que um irmão. Deixo aqui um agradecimento especial ao Gabriel Conselheiro, pelo tempo de convívio, pelas traduções, pela paciência de ler longos textos em suas fases mais preliminares e desconexas, e por ser um amigo sempre solícito quando precisei. Nessa fase final pude contar também com apoio de novos amigos no CEFET-Timóteo, os professores Leonardo Gabriel, Romerito Valeriano, e em especial Ísis Castro, de professora à colega de trabalho, foi com quem mais pude contar na reta final dessa dissertação. Aos meus alunos do CEFET, através deles descobri o quanto vale à pena lecionar História. Dedico essa dissertação à Vanessa Silva Gomes, companheira sem igual, um estímulo vibrante na minha vida, sua presença e seu carinho foram o maior apoio que recebi ao longo desse trabalho!

ROSA, Giorgio de Lacerda. A Suprema Causa Motora: O providencialismo e a escrita da história no Brasil (1808-1825). Dissertação (Mestrado). Universidade Federal de Ouro Preto. Instituto de Ciências Humanas e Sociais. Departamento de História. Programa de Pós-Graduação em História. 2011. Resumo: Essa pesquisa procura contribuir para uma melhor compreensão do período histórico em que a Corte Portuguesa esteve em terras brasílicas, e do início da formação de um discurso histórico moderno no Brasil. Abordamos como eixo problemático central as narrativas históricas escritas entre 1808-1825, que tinham como tema central o governo de D. João VI e a Monarquia lusitana. A ênfase está principalmente nas linguagens político-historiográficas que estruturaram a produção de tais narrativas. O ponto central recai sobre o papel desempenhado pela linguagem do providencialismo como elemento organizador dos fatos e eventos associados à passagem de D. João VI pelo Brasil. Tal linguagem se associou a um discurso histórico que se modernizava e que se manteve, por algum tempo, como um dos elementos cruciais na forma de compreender o passado. As duas principais obras trabalhadas são: Memória dos Benefícios Políticos de El Rey D. João VI (1818), de autoria de José da Silva Lisboa, e Memória para servir a História do Reino do Brasil (1825), de autoria do padre Luís Gonçalves dos Santos. Palavras-chave: Historiografia; Providencialismo; Brasil Joanino; Linguagens Políticas; Escrita da História

ROSA, Giorgio de Lacerda. A Suprema Causa Motora: O providencialismo e a escrita da história no Brasil (1808-1825). Dissertation (M.A.). Federal University of Ouro Preto. Institute of Social and Human Sciences. Department of History. Graduation Program. 2011. Abstract This research attempts to contribute to a better understanding of the historic period in which the Portuguese Court were in brazilian lands, and the beginning of the formation of a modern historic discourse in Brazil. We will have as the central problem the historic narratives written between 1808-1825 that had as a main theme the government of D. John VI and the Lusitanian Monarchy. The emphasis is mainly upon the politicalhistoriographical languages that structured the production of such narratives. The main point falls upon the role providential language exerts, as an organizing element of the facts and events associated to the passage of D. John VI through Brazil. Such language was associated with a historic speech that was modernizing and remained for some time as a key element in the way of understanding the past. The two main works utilized are Memória dos Benefícios Políticos de El Rey D. João VI, (1818) written by José da Silva Lisboa, and Memória para servir a História do Reino do Brasil, (1825) written by the priest Luís Gonçalves dos Santos. Keywords: Historiography; Providentialism; Joanine Brazil; Political Languages; Historic Writting.

Lista de Gráficos: Gráfico I página 23 Gráfico II página 24 Gráfico III página 25 Gráfico IV página 89 Gráfico V página 89 Lista de Abreviaturas: MLW: Memória da Vida Pública do Lord Wellington MPB: Memória dos Principais Benefícios do Governo de El-Rey Nosso Senhor Dom João VI. HPS: História dos Principais Sucessos Políticos do Império do Brasil. MSHRB: Memória para Servir à História do Reino do Brasil

7 Índice Introdução... 08 Capítulo I Modernidade, providência e a escrita da história no mundo luso-brasileiro 1. Das tradições discursivas à Divina Providência... 19 2. O providencialismo como linguagem político-historiográfica... 26 3. A modernização do providencialismo e a escrita da história... 30 4. A Providência na historiografia luso-brasileira na passagem do século XVIII para o XIX... 40 19 Capítulo II As formas de se escrever história no Brasil Joanino 47 1. A modernidade e as transformações no discurso histórico... 47 2. A escrita da história no Brasil no início do século XIX... 49 3. Os gêneros historiográficos... 53 4. As memórias históricas e a Corte portuguesa no Brasil... 57 4.1 Memória dos Benefícios Políticos de El Rei D. João VI... 57 4.2 Memórias Para Servir à História do Reino do Brasil... 62 Capítulo III A linguagem do providencialismo na escrita da História 73 1. O grande plano da Providência: a transmigração da corte e uma nova experiência do tempo... 73 2. A Providência Divina e o fim do Império da Morte... 79 3. O fio condutor da história: os usos modernos da linguagem do providencialismo... 92 Considerações finais... 100 Bibliografia... 103

8 Introdução Durante muito tempo, os principais estudos sobre a História da Historiografia brasileira oitocentista estiveram focados no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro IHGB. 1 As análises recaiam sobre seu papel inaugural na escrita da história no Brasil, bem como na construção de uma identidade nacional, que se consolidou, sobretudo, ao final da primeira metade do século XIX. Dentre os principais especialistas desse tema estão Lúcia Maria Paschoal Guimarães 2, Manuel Luís Salgado Guimarães 3, Arno Wehling e Lilia Schwarcz. 4 O crescimento da publicação de obras que produziam narrativas sobre o passado ganha fôlego no Brasil, principalmente a partir de 1822, quando a escrita da história adquire um papel de destaque no cenário intelectual brasileiro. Porém, a concentração das pesquisas no IHGB fez com que estudos acerca de uma produção historiográfica considerável, formada dentro e fora do Brasil, antes da criação do Instituto, fossem relegados para um segundo plano, carecendo de estudos mais aprofundados. Importante destacar que, pesquisas recentes vêm tentando preencher essa lacuna em relação à história da historiografia brasileira anterior a 1838. Na perspectiva de um olhar mais atento para a História da Historiografia, optamos por seguir as propostas mais atuais dos estudos referentes à formação de um discurso histórico moderno no Brasil. São exemplos os trabalhos conduzidos por Íris Kantor 5, que analisou o ainda obscuro universo da historiografia luso-brasileira no século XVIII. Kantor demonstrou que os primeiros esboços do que viria, mais tarde, a se configurar em uma identidade nacional brasileira também devem ser buscados na tradição aristocrática da ilustração colonial. Uma das principais questões lançadas pela autora diz respeito ao dimensionamento da importância 1 Como esclarecem João Paulo Pimenta e István Jancsó, a história passa a ter seu lugar garantido como campo de investigação do passado nacional, ainda que comportando grandes variações de conteúdo, [a nação] sempre contemplava duas variáveis definidoras da comunidade cuja natureza pretendia expressar: uma herança (memória e história) e um território, ambos comuns aos membros da nação. István JANCSÓ & João Paulo PIMENTA. Op. cit., p. 159. 2 Lúcia Maria Paschoal GUIMARÃES. Da Escola Palatina ao Silogeu: Instituto Histórico e Geográfico Brasiliero (1889-1938). Rio de Janeiro: Editora Museu da República, 2007. v. 1. 246 p., passim; Debaixo da Imediata Proteção de Sua Majestade Imperial o Intituto Histórico e Geográfico Brasileiro (1838-1889), Tese de Doutorado, 1995. 3 Manuel Luis Salgado GUIMARÃES. Nação e civilização nos trópicos: o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e o projeto de uma história nacional, passim. 4 SCHWARCZ, Lilia Moritz. Um monarca nos trópicos : Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, a Academia Imperial de Belas-Artes e o Colégio Pedro II. As barbas do Imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos. São Paulo: Cia. Das Letras, 1998, passim. 5 Íris KANTOR. Esquecidos e Renascidos: historiografia acadêmica luso-americana (1724-1759), passim.

9 das narrativas históricas setecentistas na formação do cânone historiográfico oitocentista, para tanto, a autora procurou observar a utilização dos procedimentos de investigação historiográficos ao longo do século XVIII. Assim, ela buscou apreender o imaginário retrospectivo do processo de colonização, visto a partir da experiência dos acadêmicos brasílicos, analisando as publicações das academias dos Esquecidos (1724) e dos Renascidos (1759). 6 As projeções do passado, longínquo ou próximo, estabelecidas pelos autores das Academias, serviram para que eles construíssem uma identidade americana, em uma visão de unidade com Portugal, mas evidenciado suas especificidades. Tendo em vista o tema das transformações do conceito de história, na virada do século XVIII para o XIX, no mundo luso-americano, alguns trabalhos se debruçam sobre os objetos relativos aos conceitos e narrativas que foram operacionalizados em Portugal e no Brasil, nesse contexto. Com isso, o campo de investigação da escrita da história ganhou atenção especial em pesquisas que buscam, por exemplo, compreender a centralidade do conceito de história e sua relação com as mudanças na experiência do tempo. Seguem esta trilha os trabalhos de Valdei Lopes de Araujo e João Paulo G. Pimenta 7, que desenvolveram, em parceria, uma pesquisa que teve por finalidade a compreensão do conceito moderno de história no mundo ibero-americano. Essa pesquisa busca a produção, em um âmbito geral, de um Dicionário Comparado de conceitos históricos e sociais no mundo ibero-americano. 8 Em Inventando a Nação, Ana Rosa Cloclet da Silva investigou a constituição dos cenários políticos, econômicos e sociais que formaram os intelectuais luso-brasileiros em finais do século XVIII e início do XIX. Buscando uma relação entre o pensamento reformista e a elaboração de discursos históricos, Silva procura, a partir daí, compreender, do ponto de vista intelectual, os motivos que levaram o Brasil a se tornar independente. A autora destaca, ainda, o papel da Academia Real das Ciências de Lisboa e a importância que seus letrados tiveram na elaboração de projetos políticos que visavam a reforma do Império. 9 6 Íris KANTOR. Esquecidos e Renascidos: historiografia acadêmica luso-americana (1724-1759), passim. 7 João Paulo G. PIMENTA. Estado e nação no fim dos Impérios ibéricos no Prata (1808-1828). Valdei Lopes de ARAUJO. A Experiência do Tempo: conceitos e narrativas históricas na formação nacional brasileira (1813-1845). 8 Valdei Lopes de ARAÚJO & João Paulo Garrido PIMENTA. História. Ler História (Lisboa), v. 55, p. 83-96, 2008. ARAUJO & PIMENTA. História (conceito de). In: João Feres Júnior. (Org.). Léxico da história dos conceitos políticos do Brasil. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2009, v. 1, p. 119-140. O projeto é desenvolvido em paralelo em diversos países da América Latina. Este trabalho está sob coordenação-geral do professor Javier Fernández Sebastián, da Espanha, enquanto o grupo de trabalho brasileiro é coordenado pelo professor João Feres. 9 SILVA, Ana Rosa Cloclet da. Inventando a nação: Intelectuais ilustrados e estadistas luso-brasileiros na

10 Em a Experiência do Tempo, Valdei Araújo procurou identificar alguns deslocamentos decisivos na forma de experimentar o tempo no mundo luso-americano, na primeira metade do século XIX. 10 Para tanto, o autor privilegiou a análise das transformações nos conceitos de história e literatura, bem como a reconfiguração dos campos discursivos nos quais esses conceitos foram inseridos. Este trabalho se apresenta como uma tentativa de dimensionar a experiência moderna no Brasil, sendo que a modernidade: [...] deve ser entendida menos como um conceito normativo, frente ao qual fosse possível medir o grau de modernização, e mais como um conjunto de fenômenos históricos que instauram uma condição. No interior dessa condição foram encaminhadas múltiplas respostas, todas igualmente modernas, embora de qualidades distintas. 11 A hipótese central de Valdei Araujo é a de que houve uma descontinuidade discursiva e conceitual a partir da década de 1830, graças às mudanças na experiência e advento da modernidade. Tal descontinuidade se caracteriza por uma realidade que se historicizava, cada vez mais, frente à experiência dos letrados ilustrados que se formavam em Portugal. Discutindo a partir de vários autores, que reforçam e validam o desenvolvimento de sua argumentação, podemos perceber a extensão da mudança conceitual em diversos níveis, principalmente o político e o intelectual. Nesse sentido, nos últimos anos, jovens pesquisadores têm se voltado para temas de estudos, dentro do campo da história da historiografia, referentes à compreensão do processo de modernização do discurso histórico entre os finais do século XVIII e as primeiras décadas do XIX. Por exemplo, em sua tese de doutorado, Taíse Quadros da Silva investigou as relações entre os usos da crítica, aplicada como método de verificação documental concebidas na Academia Real das Ciências de Lisboa, e as posições e expectativas políticas do grupo que realizava tais práticas. Taíse Silva identificou, nas publicações elaboradas pelos membros da Academia, a formulação de projetos historiográficos ilustrados e como esses projetos adquiriram novos significados e foram modificando-se, tendo em vista a crise política que se agravava em Portugal, a partir do início do século XIX. O reformismo seria constantemente contestado à crise do Antigo Regime Português (1750-1822). São Paulo: Hucitec, 2006. 10 Valdei Lopes de ARAUJO. Op. cit., passim. 11 Ibidem, Introdução. Neste trabalho, as construções discursivas que enfrentaram o problema de situar o mundo luso-brasileiro e depois, o Império do Brasil, nas narrativas constitutivas da autoconsciência da modernidade, foram especialmente destacadas.

11 medida que surgiam posições políticas ora contrárias e ora favoráveis às grandes transformações. Nossa intenção foi: 1) recuperar o projeto da instituição e as convicções predominantes no momento de criação da Academia, antes que tal polarização passasse a dominar o debate político e literário em Portugal; e 2) como suas práticas e propostas repercutiram em meio à radicalização das posições no momento posterior às invasões. Indagamo-nos, dessa forma, qual o papel assumido pelo projeto historiográfico propugnado na Classe de Literatura Portuguesa, considerando as mudanças por que passava o pensamento jurídico, histórico e político entre os anos de fundação da Academia e o final da Guerra Peninsular, período em meio ao qual publicaram-se os oito tomos das Memórias de Literatura Portuguesa (1792-1814). 12 Já Bruno Diniz Silva analisou os efeitos discursivos das linguagens políticohistoriográficas operacionalizadas por José da Silva Lisboa na formação de narrativas históricas sobre o Brasil. Apontado o início do século XIX como um período caracterizado como um momento de aceleração do tempo histórico, e principalmente pela disputa/convívio de formas antigas e modernas do conceito de história, investigou a relação, nessa tensão discursiva, entre as diferentes tradições historiográficas nas narrativas históricas publicadas por Silva Lisboa, entre os anos de 1808 e 1830. 13 Bruno Silva estabeleceu, a partir das obras historiográficas publicadas pelo Visconde de Cairu, dois momentos distintos. O primeiro seria marcado pelo emprego da linguagem da Restauração 14, que tinha como principal objetivo invalidar os ideais da Revolução Francesa e simultaneamente promover uma reabilitação da imagem da monarquia lusitana abalada pela invasão napoleônica e a transmigração da Corte para o Rio de Janeiro. O segundo momento iniciaria com a Revolução do Porto e com as Cortes Constitucionais de Lisboa, tendo sido marcado pelo emprego da linguagem da regeneração. 15 Se a princípio o discurso de Silva Lisboa se vinculava à defesa da continuidade da união dos três reinos, devido à iminente 12 Taíse Quadros da SILVA. Maquinações da Razão Discreta: Operação historiográfica e experiência do tempo na Classe de Literatura Portuguesa da Academia Real das Ciências de Lisboa (1779-1814). Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Doutor em História Social, p. 14. 13 Bruno Diniz SILVA. Da Restauração à Regeneração: Linguagens políticas em José da Silva Lisboa (1808-1830). 2010. Dissertação (Mestrado). Universidade Federal de Ouro Preto. Instituto de Ciências Humanas e Sociais. Departamento de História. Programa de Pós-Graduação em História, 2010. 14 Uma linguagem comumente empregada pelos letrados luso-brasileiros de finais do século XVIII e início do século XIX, principalmente por aqueles, que de algum modo, estavam ligados aos projetos políticos portugueses. É fruto das discussões políticas em torno do Movimento Vintista e o estabelecimento das Cortes Constituintes de Lisboa. 15 Essa linguagem é fruto das discussões políticas em torno do Movimento Vintista e o estabelecimento das Cortes Constituintes de Lisboa.

12 ameaça de retomada do pacto colonial, passou a defender a formação de um Império brasileiro separado de Portugal e governado pelo legítimo herdeiro da Casa de Bragança. Trabalhando com o discurso historiográfico do francês Alphonse de Beauchamp, autor, dentre outros livros, de Histoire du Brésil (1815), Bruno Franco Medeiros procurou analisar a produção do autor francês tendo em vista a convivência de duas formas de se escrever a história na França, no início do século XIX. 16 Ele identifica uma nova maneira de escrever o passado, que, graças à Revolução, teria sido colocada em evidência, e outra que havia sido cultivada desde os historiadores da Antiguidade, moldada pela fórmula historia magistra vitae. Assim, Medeiros divide sua análise em duas partes, buscando compreender como as narrativas históricas produzidas por Beauchamp situaram-se nesse conflito entre dois regimes de historicidade. Na primeira parte investiga a narrativas historiográficas do autor francês relativas aos acontecimentos que ocorreram na França, no início do século XIX, e em um segundo momento, analisa o seu discurso histórico, que teve o Brasil como objeto principal. As obras de Beauchamp situavam-se em um contexto político ligado aos projetos de restauração, em que se tinha por objetivo principal a reconstrução da memória da Revolução Francesa e a legitimação dos interesses monárquicos. Foi a partir desses interesses políticos que o historiador francês voltou sua atenção para a Monarquia portuguesa, e logo, para os acontecimentos referentes à transmigração da Corte para o Brasil. Procurando preencher o vazio de pesquisas sobre a geração de intelectuais que produziram obras historiográficas a respeito do Brasil em um período anterior a primeira geração do IHGB, Flávia Florentino Varella analisou a História do Brasil, do comerciante inglês John Armitage, escrita em 1836, e sua relação com a formação da historiografia brasileira das primeiras décadas do século XIX. 17 Mesclando uma análise que contempla a trajetória de comerciante e de historiador de Armitage, Varella analisou o processo de formação da História do Brasil, levando em consideração a recusa de seu autor no que diz respeito à imitação como critério de análise histórica, e no surgimento de um novo tipo de narrativa, a sentimental. Essa última se associa à consolidação do que Flávia Varella identifica como sendo uma linguagem do humanismo 16 Bruno Franco MEDEIROS. Plagiário, à maneira de todos os historiadores: Alphonse de Beauchamp e a escrita da história na França nas primeiras décadas do século XIX. Universidade de São Paulo. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Departamento de História, Programa de Pós-Graduação em História Social, 2011. 17 Flávia Florentino VARELLA. Da impossibilidade de aprender com o passado: sentimento, comércio e escrita da história na História do Brasil de John Armitage. Universidade de São Paulo. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Departamento de História, Programa de Pós-Graduação em História Social, 2011.

13 comercial, em que o comércio foi tido como o meio pelo qual seria possível realizar o refinamento das paixões em maneiras. Para além de compreender a formação do discurso historiográfico de Armitage, a autora ressalta a importância de se observar a incorporação, na narrativa do autor inglês, dos valores de uma sociedade comercial e polida, e, por conta disso, as consequentes dificuldades na recepção de seu trabalho por parte da historiografia brasileira oitocentista. Inseridos nesse campo de discussões que visam estabelecer novos objetos e abordagens para o estudo da história da historiografia brasileira oitocentista, buscamos nessa pesquisa responder algumas questões em aberto sobre o estatuto da escrita da história entre o período de 1808 e 1825 no Brasil. Há muito que se pesquisar sobre o contexto histórico da vinda da família Real até o período de consolidação da Independência, e não resta dúvida de que historiografia é umas das importantes vias de acesso a esse período. De acordo com a tese de Koselleck, entre 1750 e 1850 houve uma transformação conceitual significativa, fruto de uma nova experiência do tempo que se constituía com o advento da modernidade. O autor alemão denomina esse período de uma considerável mudança conceitual de Sattelzeit. 18 Um novo vocabulário referente ao conceito de história apontava para uma mudança no modo como o passado e o futuro, isso é, o espaço de experiência e horizonte de expectativa, eram relacionados enquanto forma da experiência histórica. Essa assimetria crescente entre essas duas categorias foi capaz de criar expectativas, em relação ao futuro, que desvinculavam das experiências do passado a função de conduzir as ações no presente. A formação do conceito de história como um singular coletivo possibilitou que o próprio tempo se tornasse objeto da experiência histórica. 19 Fundamentados nessa concepção de transformação na experiência do tempo que analisamos a chegada da Corte no Brasil como um fator que possibilitou a abertura de nova experiência histórica, dando início a uma cadeia de eventos, em todos os campos: a suspensão do Sistema Colonial ; a abertura dos portos; a elevação do Brasil a Reino Unido a Portugal e Algarves; a coroação de Dom João; o estabelecimento das Cortes Constituintes em Lisboa e a declaração de Independência do Império do Brasil. Nesse sentido, compreendemos que a escrita da história, nesse período, reforçou projetos de Restauração do Império Português buscando construir um discurso à favor das políticas estabelecidas por D. João VI. 18 Para uma melhor definição do termo Sattelzeit ver: Reinhart KOSELLECK. Futuro Passado: contribuição a semântica dos tempos históricos. Ver principalmente a parte I, Sobre a relação entre passado e futuro da história moderna, passim. 19 Ibidem, ver a parte III, Sobre a semântica histórica da experiência, passim.

14 A partir dessas considerações, o principal objetivo dessa pesquisa é o de compreender as características da formação do discurso histórico no Brasil, no início do século XIX. Constatamos que a escrita da história, nesse momento, esteve fortemente ligada à linguagem do providencialismo, funcionando como elemento organizador dos fatos e eventos que formavam o contexto ligado a transmigração da Corte Portuguesa para o Brasil. A partir disso, temos o intuito de mapear os usos, as estruturas e as transformações dessa linguagem, que definimos aqui de político-historiográfica 20, devido ao seu papel estruturante na concepção e construção das narrativas históricas, que passam a ganhar uma força política central na modernidade. Para tanto, priorizamos a análise das duas principais obras relacionadas ao período em que a Corte portuguesa esteve no Brasil e que foram redigidas entre os anos de 1808 e 1830 Memória dos Benefícios Políticos de El Rey D. João VI, de 1818, de autoria de José da Silva Lisboa, e Memória para servir a História do Reino do Brasil, redigida até 1821 e publicada em 1825, de autoria do padre Luiz Gonçalves dos Santos. 21 Seguimos as concepções de linguagem tal como a história dos discursos a compreende, principalmente através de trabalhos de John Pocock e Quentin Skinner. Para esses autores, a linguagem se apresenta como uma chave para o historiador no entendimento do contexto em que esse lança luz a sua investigação. Pocock redimensiona sua abordagem metodológica para o campo das várias linguagens políticas que operam em um discurso, em como se forma a tessitura linguística na qual as diversas performances são operadas e podem ser compreendidas pelos usuários de linguagens. Pocock, assim como Skinner, também se esforça para repensar toda a conceituação e formulação teórica dos contemporâneos a respeito da história do pensamento político. No intuito de desvendar as linguagens que operavam no contexto linguístico do mundo de fala inglesa do século XVIII, Pocock busca, através de termos-chave, compreender o que constituía o cerne de um determinado campo linguístico à disposição dos autores desse período. O que ele propõe é uma reconstrução das linguagens políticas no período histórico estudado, seja analisando um autor ou um conjunto de ideias, juntamente com os usos e as inovações feitas dentro da linguagem. 22 20 Referência no capítulo I. 21 José da Silva LISBOA. Memória dos Principais Benefícios Políticos do governo de El-Rey Nosso Senhor D. João VI, passim. Luiz Gonçalves dos SANTOS. Memórias para servir à história do Reino do Brazil, divididas em tres epocas da felicidade, honra, e gloria, passim. 22 J. G. A. POCOCK. Prefácio de Cícero Araújo. In: Linguagens do Ideário Político, p. 10.

15 Esses autores estão preocupados, sobretudo, em interpretar o pensamento político dos escritores a partir de seu contexto linguístico 23, sendo este capaz de nos indicar suas próprias situações política, social ou histórica, dentro das quais a linguagem se situa. 24 Sendo assim, busca-se identificar o estado da linguagem no tempo, além de estabelecer o contexto no qual um dado autor construiu o seu texto e as próprias estruturas, usos e apropriações da linguagem que aludem a instituições, autoridades, valores simbólicos e acontecimentos registrados que ela apresenta como parte da política dessa sociedade e dos quais deriva muito do seu próprio caráter. 25 Pocock diz que para poder dar aos autores/atores políticos ou ao seu pensamento uma história é preciso que haja enunciação, um ação discursiva, e essa ação tem que ser analisada a partir do seu contexto, pois tanto o contexto é capaz de dar as dimensões e as intenções de um ator no seu ato de fala, como também o próprio ato discursivo traz a luz características de um contexto histórico. Desta forma, procuraremos indicar que foi por meio de performances que os pensamentos dos autores estudados se tornaram realidades históricas, e que através delas a linguagem do providencialismo figura como um imprescindível objeto de estudo. Em síntese, poderemos dizer que existiu uma história formada por meio das interações entre parole e langue 26, o que possibilita entender as dimensões da linguagem em questão e recuperar seu contexto histórico. Acreditamos que a linguagem do providencialismo é um elemento estruturante das narrativas históricas elaboradas nesse período abordado, permitindo aos sujeitos do processo constituir um quadro de referências capaz de organizar, mesmo que provisoriamente, uma realidade em crise. O discurso histórico presente nas obras de José da Silva Lisboa e Luiz Gonçalves dos Santos é marcado por um constante uso da linguagem do providencialismo, o que lhes possibilitou estabelecer um sentido e uma organização à história. A noção de Providência, em consonância com o discurso político por trás das obras mencionadas, 23 J. G. A. POCOCK. Prefácio de Cícero Araújo. In: Linguagens do Ideário Político, p. 10.. 24 Por conceber as linguagens como algo que vai ser formando ao longo do tempo, em reposta a muitas expressões internas e externas, o historiador não supõe que a linguagem do momento simplesmente denota, reflete ou é um efeito da experiência desse momento. J. G. A. POCOCK. O Estado da Arte. In. Linguagens do Ideário Político, p. 55. Nesse ponto, vale ressaltar as considerações sobre os fatores extralingüísticos trazidos por Koselleck: Mas nem os acontecimento e nem as experiências se reduzem a sua articulação linguística. Pois em cada acontecimento entram numerosos fatores que nada tem a ver com a linguagem. Sem dúvida, para serem eficazes, quase todos os elementos extralinguísticos dos acontecimentos, os dados naturais e materiais, as instituições e os modos de comportamento, dependem da mediação da linguagem, mas não se restringem a ela. Reinhart KOSELLECK. Modernidade. In:. Futuro Passado, p. 267. 25. J. G. A. POCOCK. O Estado da Arte. In. Linguagens do Ideário Político, p. 36. 26 De maneira simples Performance é o que o autor estava fazendo quando escreveu ou disse algo. Desempenho sob a linguagem utilizada - Parole é o que foi dito; a forma com a qual Pocock especifica um discurso político e Langue: é como algo poderia ser dito; a forma com a qual Pocock define uma linguagem política.

16 favoreceu a legitimação do sistema monárquico de governo de D. João, em conformidade com o projeto político da Restauração da Monarquia lusitana, e a anulação dos aspectos positivos em torno da Revolução Francesa. O providencialismo, da forma em que é concebido, foi capaz de pelo menos por algum tempo justificar e dar sentido a uma vasta quantidade de acontecimentos, que pareciam ser desordenados e caóticos, sem perder de vista a história enquanto progresso. Uma das hipóteses centrais é a de que, por mais que seja sempre reduzida a uma forma antiga de explicar os fatos históricos, a linguagem do providencialismo se vinculou a um discurso histórico que iniciava, em finais do século XVIII e início do século XIX, um processo de modernização, e tal linguagem se manteve ainda, por algum tempo, como um dos elementos cruciais na forma de compreender o passado. Percebe-se que o objeto em questão mostra-se como uma força capaz de operar uma visão de mundo e como uma das bases para a formação de um discurso político-historiográfico sobre a monarquia de D. João VI e sobre o Brasil. Entendemos que o discurso enaltecedor da monarquia bragantina, promovido pelos autores trabalhados, não pode ser considerado algo demasiadamente forçado ou forjado, mas sim, como enfatiza Luis Gonçalves dos Santos, um sentimento de felicidade, glória e honra 27 em relação à presença de D. João no Brasil. Nas palavras de José da Silva Lisboa, foi justamente o monarca português, através de sua Real Bondade e do Otimismo Civil do seu Reinado, que alcançou a salvação da Monarquia e que ainda traria o progresso para a adormecida terra do Brasil, não apenas pela sua própria virtude, mas pela proteção da Divina Majestade. 28 **** O texto dessa dissertação foi dividido em três capítulos visando estabelecer as relações entre a linguagem do providencialismo e escrita da história no Brasil, no início do século XIX. No capítulo I, buscamos traçar os principais aspectos para a configuração do objeto estudado. Tendo em vista os limites, as continuidades e as descontinuidades da formação do discurso histórico moderno, analisaremos a linguagem do providencialismo e sua 27 Luis Gonçalves dos SANTOS. Op. Cit., passim. Divisão cronológica em 3 momentos, estabelecida na obra de Luiz Gonçalves dos Santos, relacionando-se respectivamente a chegada da família Real, elevação do Brasil a Reino Unido a Portugal e Algarves e coroação do Príncipe Regente como Rei de Portugal. 28 José da Silva LISBOA. Op. Cit., p.188.

17 constituição no tempo, respeitando um corte temporal menos extenso e mais afim ao período estudado. Diante do papel preponderante dos elementos em torno da noção de modernidade e sua relação com o providencialismo, buscaremos estabelecer alguns pontos importantes para pensarmos o conceito moderno de história e o papel desempenhado pela linguagem providencialista. Serão ressaltados alguns pontos mais relevantes de letrados que se destacaram no universo intelectual ligado à escrita da história e que apresentam maiores elementos que podemos associar ao processo de modernização discursiva. Destacaremos os autores que se estabeleceram como cânones para a constituição da linguagem em questão, tendo em vista as consequências dessa transformação para contexto historiográfico lusobrasileiro do século XVIII e início do XIX. Abordaremos, do ponto de vista teórico, as questões em torno das definições de linguagem e de providência, e o uso do que chamaremos aqui de linguagem político-historiográfica, termo que terá papel central para as análises feitas nesse trabalho. No capítulo II analisamos a escrita da história no Brasil no início do século XIX. A partir das considerações de autores como Koselleck, Gumbrecht e Pocock, buscamos estabelecer os principais aspectos em torno do advento da modernidade e a consequente transformação no discurso histórico. Assim, definimos a vinda da Corte como um marco de aceleração de uma nova experiência do tempo na América portuguesa. Devido à importância desse evento, os temas relacionados a ele tornam-se importantes catalisadores das narrativas históricas produzidas nesse período. Apresentamos os principais gêneros historiográficos existentes no Brasil nesse momento, como a História Geral e a Memória Histórica, com ênfase maior nesta última. Analisando as principais obras trabalhadas nessa pesquisa, Memória dos Benefícios Políticos e Memória para Servir a História do Reino do Brasil, buscamos traçar a estrutura de composição e os principais temas a elas relacionados, como: a centralidade do Rio de Janeiro e os aspectos de modernização e civilização; defesa da vinda e da permanência da Corte no Brasil; Restauração da Monarquia Portuguesa; Legitimação do Governo de D. João VI; Invasões Napoleônicas; Elevação do Brasil a Reino Unido a Portugal e Algarves; Aclamação de D. João VI como Rei de Portugal. O Capítulo III configura-se pela análise mais exaustiva do desempenho da linguagem do providencialismo na composição dos discursos históricos presentes nas obras analisadas. Assim, buscou-se abordar o tema dessa linguagem na escrita da história tendo como pano de fundo o início do momento de formação do discurso histórico moderno no Brasil. Analisamos a linguagem providencial em sua relação com uma narrativa que já produzia, nesse momento,

18 um discurso histórico no qual podemos encontrar os primeiros indícios de interpretações dos acontecimentos através de fórmulas racionais de se experimentar o passado, e também a busca pelo fio condutor capaz de explicar o presente. Abordaremos o papel desempenhado pela linguagem do providencialismo e sua relação com uma nova experiência do tempo que se abria com a vinda da Corte, com o restabelecimento da monarquia, com as possibilidades de crescimento do Império a partir do Brasil e com a anulação dos aspectos positivos em torno da Revolução Francesa. Para tanto, buscou-se compreender o objeto em questão como parte estruturante de um discurso que concebia a história enquanto processo, cuja análise racional não impedia de vincular a ação providencial à organização do processo histórico. Silva Lisboa e Luís Gonçalves dos Santos foram capazes de escrever uma história da América portuguesa, pautados na linguagem providencial, sem deixar de compreendê-la, racionalmente, enquanto processo.

19 CAPÍTULO I Modernidade, providência e a escrita da história no mundo luso-brasileiro 1. Das tradições discursivas ao providencialismo histórico A escrita da história no mundo luso-brasileiro, no período compreendido entre os anos de 1808 a 1830, apresenta-se como um importante tema de estudo para a história da historiografia brasileira Oitocentista. A produção historiográfica desse período se torna uma considerável fonte de análise, por exemplo, para mapearmos os contextos discursivos em torno do processo histórico que culminou na Independência do Brasil e seus desdobramentos políticos. A importância de se dimensionar o contexto discursivo para a compreensão de um determinado momento histórico é cara aos contextualistas ingleses. Para Quentin Skinner, por exemplo, somente quando consideramos um determinado autor dentro de seus respectivos contextos de convenções linguísticas podemos almejar a compreensão histórica de seus textos. Ele está afirmando que, para tanto, os textos devem ser estudados dentro de seu contexto ideológico adequado, para que possamos ter uma noção mais realista de como se constituiu o pensamento político, em todas as suas formas, e como ele efetivamente procedeu no passado. Recuperando os termos do vocabulário político, disponíveis aos agentes históricos,é que podemos ter uma noção geral não só dos limites e das possibilidades do pensamento político de uma época, como também do delineamento dos fatores que determinaram as suas ações. Para Skinner, isso, por sua vez, sugere que, se concentrarmos nossas forças nos estudos desses vocabulários, teremos condições de entender exatamente por que meios a explicação do comportamento político depende do estudo do pensamento político. 29 O que o autor deixa claro é que não podemos compreender, de fato, um texto apenas por ele mesmo. Para que seja possível chegar a algumas formulações e algumas respostas, o investigador deve voltar o olhar para a sociedade, para o contexto no qual o texto foi escrito. 29 Quentin SKINNER, Fundações do Pensamento Político Moderno, pp. 12 e 13.

20 E para entender os efeitos diretos dos seus argumentos expostos devemos nos preocupar com o vocabulário político mais amplo de uma determinada época. 30 Dentre algumas importantes fontes historiográficas que podem nos dar a dimensão dos contextos discursivos no Brasil a partir de 1808, temos as obras de um personagem central para os estudos da história intelectual e política da época em questão, José da Silva Lisboa - o Visconde Cairu, que foi autor dos seguintes livros: Memória da Vida Pública do Lord Wellington, Memória dos Principais Benefícios Políticos do governo de El-Rey Nosso Senhor D. João VI e História dos Principais Sucessos Políticos do Império do Brasil. 31 Buscando mapear os principais autores e obras citados nos livros de Silva Lisboa, fizemos um levantamento completo de todas as referências contidas neles. 32 Por mais que tenhamos percebido algumas imprecisões de referência e de citação, as notas explicativas das obras de Lisboa são bem acabadas e as referências são inúmeras, mostrando-se como uma rica fonte de análise. Reunimos os dados em uma tabela geral, em que constavam todas as referências e as seguintes informações: autor citado, obra citada, obra de José da Silva Lisboa, página e considerações gerais. 33 Feito isso, através do número de vezes em que determinado autor foi mencionado e cuja relevância no corpo da obra justificava um estudo mais aprofundado, elaborou-se uma lista com os principais autores, e em seguida separamos as informações obtidas pelo que chamamos de matrizes de pensamento. O objetivo era esclarecer quais seriam as diversas tradições intelectuais e as respectivas linguagens a elas vinculadas e que foram utilizadas nos discursos político-historiográficos de José da Silva Lisboa. Cada matriz de pensamento 30 Como não poderia ser diferente, são variadas, e muitas vezes antagônicas, as formas de apropriação e de aplicação das premissas da história dos discursos no campo da história. Porém, desde que seja feita uma adaptação sempre consciente da tradução e de adequação dos pressupostos da história dos discursos para a realidade dos objetos de pesquisa dentro do contexto histórico, essa será sempre uma fonte riquíssima para os trabalhos sobre a história política do Brasil, e para novos campos, como o da história da historiografia, que já vem apresentando resultados promissores com a aplicação dessa metodologia. 31 José da Silva LISBOA. Memória da Vida Pública do Lord Wellington. Rio de Janeiro: Impressão Régia, 1815. Memória dos Principais Benefícios Políticos do governo de El-Rey Nosso Senhor D. João VI. Rio de Janeiro: Impressão Régia, 1818. História dos Principais Sucessos Políticos do Império do Brasil.4 Vols. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1825-1830. 32 Essa pesquisa foi realizada pelo grupo: Contextos discursivos à época da Independência. Esse grupo está vinculado ao NEHM - Núcleo de Pesquisa em História da Historiografia e Modernidade Departamento de História da Universidade Federal de Ouro Preto. Além do coordenador, o professor Dr. Valdei Lopes de Araújo, o grupo contou, na época, com a presença de um aluno do programa de pós-graduação da mesma instituição, Bruno Diniz, e mais outros quatro graduandos também da UFOP, Giorgio Lacerda, Luara Galvão de França, Rafael da Silva e José Luís Bahia Júnior. 33 O roteiro de atividade que envolveu essa pesquisa teve sua estrutura formulada em torno de um trabalho a ser realizado em grupo, trabalho que contou com o número de seis pesquisadores. Tomou-se como base inicial as propostas metodológicas da história dos discursos, principalmente os estudos de Quentin Skinner e John Pocock.

21 girava em torno de linguagens em comum, e ficaram assim representadas: autores de uma tradição da historiografia clássica, considerada como modelo, na qual os maiores expoentes eram o romano Tácito e o português João de Barros. Ainda nesse quadrante figura o nome de Luís de Camões, que, por mais que não seja uma referência para a escrita da história, estava associado ao momento áureo português, assim como João de Barros. Uma segunda vertente está relacionada a autores do Iluminismo britânico, principalmente David Hume, Edmund Burke, Adam Smith e William Robertson. E uma terceira vertente vinculada ao universo Cristão e que foi constatada nas obras de Silva Lisboa através de várias expressões, citações a autores do pensamento católico, como o Padre Vieira, e enriquecida por um extenso vocabulário religioso, e ainda, preponderantemente por diversas citações à Bíblia. Para a conclusão dessa segunda etapa foi proposto um trabalho mais elaborado e que necessitou de uma releitura mais atenta das obras. A releitura das obras foi realizada no intuito de se analisar mais detidamente cada citação, sua estrutura linguística, seu contexto dentro da obra, o desempenho proporcionado pela interação dos usos de determinada linguagem vinculada às matrizes de pensamento e o discurso político-historiográfico operado por Silva Lisboa. Por fim, contamos com a formulação de tabelas que tinham as seguintes informações: livro de José da Silva Lisboa, autor por ele citado, transcrição do trecho da obra onde havia a citação, o contexto da obra em que está a citação e as observações mais detalhadas, de acordo com as propostas de análise. Os resultados obtidos nessa segunda etapa da pesquisa foram compilados em gráficos detalhados e estruturados no sentido de obtermos uma visão geral dessas referências, do volume de citações e de autores ao longo das obras. É preciso lembrar que as Memórias historiográficas 34, às quais estamos nos referindo, foram obras de exaltação e de comemoração em virtude dos acontecimentos políticos relacionados à derrota de Napoleão Bonaparte, à heróica participação do Lord Wellington e à coroação de D. João VI, tendo sido produzidas nos anos de 1815 e 1818. Por mais que seus temas sejam distintos, ambas se encontram relacionadas ao momento histórico específico da História de Brasil e Portugal e ao projeto de Restauração do Império Português. No capítulo seguinte abordaremos melhor os gêneros historiográficos e as características das memórias históricas escritas nesse período. 34 Memória da Vida Pública de Lord Wellington (1815); Memória dos Benefícios Políticos de El Rei D. João VI (1818).

22 Os gráficos compilados na pesquisa que se referem à análise das duas memórias em questão seguem abaixo: Gráfico I: 16 Autores mais citados na Memória da Vida Pública de Lord Wellington 14 12 10 8 6 MLW 4 2 0 Camões Tácito Burke Virgílio Smith Gibbon Bíblia Gráfico I: Fonte dos três gráficos: Grupo de Pesquisa Contextos Discursivos da Historiografia lusobrasileira à época da Independência Gráfico II: 35 30 25 20 15 10 5 0 Autores mais citados na Memória dos Principais Benefícios Políticos MPB Gráfico II: Fonte dos três gráficos: Grupo de Pesquisa Contextos Discursivos da Historiografia lusobrasileira à época da Independência