Exame de Direito das Sucessões 18 de junho de 2014 I (17 valores) A é casado com B, tendo o casal três filhos, C, D e E. B tem ainda um filho, F, de um anterior casamento. C é casado com G e tem uma filha H. D é solteiro e tem 2 filhos J e L. E é casado com I e tem um filho M. Em 2005, A doa ao filho C o imóvel x e à neta H o imóvel y. Em 2008, C é condenado pelo crime de homicídio doloso de seu irmão D. Em 2010, A faz testamento público com as seguintes cláusulas: 1- Deserdo o meu filho C em virtude do crime que cometeu. 2- Deixo ao meu filho E, em vez da sua legítima, o imóvel z. 3- Deixo à minha mulher 1/10 da minha quota disponível. 4- Deixo à S, minha secretária há 30 anos, 1/10 da minha quota disponível. Em janeiro de 2014, A e E morrem num acidente de viação tendo-se provado que E sobreviveu a A embora sem recuperar a consciência. Após a morte de A vem a saber-se que mantinha um caso amoroso com S, há 20 anos. B repudia a deixa testamentária mas aceita a legítima. J repudia a sucessão de A. L repudia a sucessão de D. I repudia a sucessão de E. Aprecie a validade das deixas testamentárias e faça a partilha da herança de A sabendo que os bens deixados por morte valem 90 e há um passivo de 10. O imóvel x vale 25, o imóvel y vale 15 e o imóvel z 20. II (3 valores) Responda apenas a uma das seguintes questões: 1- Comente a seguinte afirmação: 1
A Reforma de 77 atribuiu ao cônjuge sobrevivo um estatuto privilegiado, quantitativa e qualitativamente, face aos demais herdeiros legitimários, que não resultava da Constituição de 76 e que urge rever. 2- A é casado com B e tem 5 filhos: C, D, E, F e G. Em 2009, A faz uma doação a B de um apartamento em Lisboa. Em 2014, A morre deixando bens no valor de 55. O apartamento em Lisboa vale, à data da morte, 35. Faça a partilha da herança de A. 2
Correção Grupo I 1- Apreciação da validade das deixas testamentárias a) Deserdo o meu filho C em virtude do crime que cometeu. Verifica-se uma causa de deserdação em virtude de C ter sido condenado pela prática do crime de homicídio de um descendente do autor da sucessão (artigo 2166, n.º 1, a)) A deserdação é feita em testamento com expressa declaração da causa. Neste caso, embora o autor da sucessão não tenha mencionado a condenação pelo crime, considera-se que não há dúvidas quanto à vontade de deserdar e quanto ao motivo que determina a deserdação pelo que se deve considerar a mesma válida. A deserdação determina o afastamento de C da sucessão do pai não só quanto à legítima mas também quanto à QD mas faz funcionar o direito de representação a favor do descendente de C, H (artigo 2166.º, n.º 2 e 2037.º, n.º 2)- b) Deixo ao meu filho E, em vez da sua legítima, o imóvel z. Esta deixa configura um legado em substituição da legítima previsto no artigo 2165.º e que confere ao sucessível o direito de optar entre o legado e a legítima. Trata-se de uma deixa perfeitamente válida. c) Deixo à minha mulher 1/10 da minha quota disponível. Trata-se de uma deixa a título de herança (artigo 2030.º, n.º 2) que é atribuída para além da parte a que B terá direito como herdeira legitimária e como herdeira legítima. d) Deixo à S, minha secretária há 30 anos, 1/10 da minha quota disponível. É também uma deixa a título de herança. Como se descobre que A e S tinham um caso amoroso verifica-se uma situação de indisponibilidade relativa prevista no artigo 2196-º, que configura uma situação de ilegitimidade testamentária ativa e que determina a nulidade da deixa. Há um prazo de 10 anos para arguir esta nulidade (artigo 2308.º). 3
Sendo a cláusula nula não produzirá efeitos e não dará lugar ao acrescer para B. 2- Partilha a) A deixa cônjuge e 3 descendentes, que são herdeiros legitimários (artigo 2157.º) pelo que há que calcular a herança para efeitos de cálculo da legítima. b) De acordo com o artigo 2162-º herança será igual ao relictum (90) + donatum (40) passivo (10) o que totaliza 120. c) Uma vez que concorrem cônjuge e descendentes a QI será de 2/3 (artigo 2159.º) ou seja, 80, e a QD, 40. d) Começando pela QI, e de acordo com o artigo 2139.º, n.º 1, a partilha entre o cônjuge e os descendentes faz-se por cabeça pelo que caberia 20 a cada um. e) Relativamente ao filho C, como foi deserdado verifica-se um caso de não poder aceitar pelo que funcionará o direito de representação a favor do seu descendente H (artigos 2039.º e 2042.º). f) Como lhe foi feita uma doação em vida essa doação está sujeita à colação recaindo a obrigação de colacionar também sobre o representante H (artigo 2015.º e 2106.º). Tal significa que a doação vai ser imputada na legitima subjectiva de C (H) e o excesso (5) na QD (artigo 2108.º, n.º 1). g) Quanto ao filho E, tendo-se verificado que o mesmo morreu depois de A, chegou a adquirir o direito de aceitar ou repudiar a herança deste, tendo, por sua morte, operado a transmissão de tal direito para os seus herdeiros, neste caso, apenas o filho M já que o cônjuge I repudia a sucessão de E (artigo 2058.º, n.ºs 1 e 2). h) Quanto a D, uma vez que não sobrevive ao autor da sucessão, haverá direito de representação a favor dos seus descendentes, J e L. O facto de L ter repudiado a sucessão de E não afasta o direito de representação (artigo 2043.º). Como J repudia a sucessão de A vai verificar-se o direito de acrescer apenas para L, uma vez que, havendo representação, cabe a cada estirpe aquilo em que sucederia o ascendente respectivo (artigo 2044.º, n.º 1). i) Quanto à QD (40), B tinha sido contemplada com uma deixa de 1/10 da QD, ou seja, 4. Como repudia a deixa testamentária, aceitando embora a legitima, 4
o que é possível pelo artigo 2055.º, n.º 2, vai funcionar o direito de representação a favor dos seus descendentes, o que significa que C (representado por H) vai receber 1, D (representado por L) também 1, E (M), também 1 e F igualmente 1. j) Relativamente à doação que H recebeu em vida não está sujeita a colação já que, no momento em que a mesma foi feita, H não era sucessível prioritária (artigo 2105.º) pelo que o valor da mesma (15) deve ser imputado na QD e não está sujeito a igualação. k) Pelo contrário a doação feita a C está sujeita a colação o que significa que há que contar com os 5 que excedem a legitima subjectiva de C (H). l) Assim sendo, dos 16 restantes da QD temos de dar 5 a B, 5 a D (L) e 5 a E (M) conseguindo-se deste modo a igualação absoluta. m) Sobra ainda 1 que deve ser dividido pelos 4 herdeiros legítimos, em partes iguais, o que dá 0,25 a cada um. II 1- Comentário Antes da Reforma de 77, o cônjuge sobrevivo não era herdeiro legitimário e como herdeiro legítimo ocupava a 4ª classe, sendo preterido por descendentes, ascendentes e irmãos do autor da sucessão. Todavia, quando eram chamados os irmãos, o cônjuge beneficiava de um usufruto vitalício dos bens da herança. A proteção do cônjuge assentava no regime de bens supletivo que até 1 de junho de 1967 (data da entrada em vigor do Código Civil de 1966) era o regime da comunhão geral e, a partir dessa data, passou a ser o da comunhão de adquiridos. Com a Reforma de 77 (introduzida pelo Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de novembro), o cônjuge sobrevivo passou a efetivamente um herdeiro legitimário privilegiado, quer quantitativamente (já que quando concorre com mais de 3 filhos recebe sempre ¼ da legítima e que, quando concorre com ascendentes recebe sempre o dobro destes), quer qualitativamente (beneficia de atribuições preferenciais no momento da partilha artigo 2103.ºA e ss- tendo direito a ser encabeçado no direito de habitação da casa de morada de família e de uso do respetivo recheio e direito à transmissão do arrendamento artigo 1109.º). Além disso, não está sujeito a colação e passou 5
a cumular a sua posição de herdeiro com a de cônjuge meeiro caso o regime de bens do casamento seja um regime com comunhão, mantendo o seu direito a alimentos previsto no artigo 2018.º (apanágio do cônjuge sobrevivo). Este estatuto não era imposto pela CRP 76 que apenas impõe a igualdade entre os cônjuges e a não discriminação entre filhos nascidos dentro e fora do casamento. Impõe-se a revisão deste estatuto uma vez que não está articulado com o regime de bens e tem determinado que em muitos casos não se opte pelo casamento para não prejudicar os filhos, maxime filhos de anteriores casamentos. 2- A deixa cônjuge e 3 descendentes, que são herdeiros legitimários (artigo 2157.º) pelo que há que calcular a herança para efeitos de cálculo da legítima. De acordo com o artigo 2162-º herança será igual ao relictum (55) + donatum (35) passivo (10) o que totaliza 90. 3- Uma vez que concorrem cônjuge e descendentes a QI será de 2/3 (artigo 2159.º) ou seja, 60, e a QD, 30. 4- Começando pela QI, e de acordo com o artigo 2139.º, n.º 1, como concorrem mais de 3 descendentes, ao cônjuge cabe ¼ (15) sendo os restantes ¾ divididos por cabeça pelos descendentes, pelo que cabe a cada um 9. 5- Relativamente à imputação da doação ao cônjuge perfilam-se, na doutrina portuguesa, três posições: a) A que sustenta que o cônjuge, tal como os descendentes, está sujeito a colação quando concorre com estes; b) A que defende que, apesar de o cônjuge não estar sujeito a colação, as doações que lhe são feitas pelo autor da sucessão devem ser, em princípio, imputadas na quota indisponível não havendo, no entanto, lugar a igualação se eventualmente as mesmas excederem a legítima subjetiva do donatário; c) A que entende que as doações ao cônjuge, não estando sujeitas a colação, devem ser, em princípio, imputadas na quota disponível. a) A primeira tese, defendida por José de Oliveira Ascensão, Rabindranath 6
Capelo de Sousa e Diogo Leite de Campos assenta no pressuposto de que a não sujeição do cônjuge à colação corresponde a uma lacuna gerada pela reforma do Código Civil levada a cabo pelo Decreto-Lei nº 496/77, de 25 de Novembro. Entendem estes autores que, tendo agora o cônjuge, por força de tal reforma, a qualidade de herdeiro legitimário prioritário, a par dos descendentes, não faz sentido isentá-lo da colação a que estes estão sujeitos. De acordo com esta tese, imputaríamos a doação na legitima subjetiva de B, e o excesso (20) na QD. Havendo colação e para igualar os demais herdeiros deveríamos dividir os 10 restantes pelos descendentes. b) A segunda tese é defendida por Carlos Pamplona Corte Real e defende que, apesar de o cônjuge não estar sujeito a colação, as liberalidades que lhe sejam feitas em vida devem ser imputadas na respetiva legítima subjetiva. A diferença em relação à 1ª tese é que não haveria que fazer colação pelo que os 10 restantes teriam de ser divididos de acordo com as regras da sucessão legítima (1/4 para o cônjuge e os demais ¾ em partes iguais para os descendentes). c) Finalmente a terceira tese, perfilhada por Pereira Coelho, sustenta que deve imputar-se a doação ao cônjuge na QD. Como esta vale 30 e a doação 35, o excesso deve imputar-se na legítima subjetiva de B não fazendo sentido recorrer à redução por inoficiosidade pois B seria simultaneamente autor e réu nessa ação. 7