20 MEMÓRIAS NO PÁTIO: CONTRIBUIÇÕES DOS SABERES TRADICIONAIS KRAHÔ PARA A EDUCAÇÃO ESCOLAR BILINGUE, INTERCULLTURAL DIFERENCIADA DA ALDEIA MANOEL ALVES Aurinete Silva Macedo 1 aurisilma@yahoo.com.br Francisco Edviges Albuquerque 2 fedviges@uol.com UFT/ Campus Araguaína/TO Resumo: O presente trabalho objetiva apresentar a pesquisa, intitulada Memórias no Pátio: Contribuições dos Saberes Tradicionais Krahô para a educação Bilingue Intercultural e Diferenciada da Aldeia Manoel Alves, que está em andamento na aldeia Krahô Manoel Alves. A referida pesquisa propõe investigar como os Saberes Tradicionais Krahô se manifestam no cotidiano desse povo e a sua contribuição para o fortalecimento da língua oral e escrita na escola, bem como para manutenção da língua e da cultura. É nossa meta também investigar como se dá a relação entre os saberes tradicionais indígenas e os saberes escolares, relação comunidade/escola indígena, escola indígena/comunidade. Por ser esta uma pesquisa de cunho sociolinguístico, valeremo-nos dos estudos de Labov (2008); Brágio (1992), Tarallo (2007), Albuquerque (2012, 2013), Abreu (2012) e Sousa (2012), dentre outros. Utilizaremos, o método de entrevista de base sociolinguística de experiências pessoais. Ouviremos, os indígenas mais velhos da aldeia, para entendermos os aspectos socioculturais e linguísticos, as crenças, os costumes e saberes desse povo. Observaremos também as práticas pedagógicas dos professores indígenas e não indígenas, e da gestão da Escola Indígena 19 de Abril, para então descrevermos e analisarmos os aspectos dos Saberes Tradicionais Krahô e a sua contribuição para a educação escolar Bilíngue Intercultural e Diferenciada. Palavras chave: saberes tradicionais Krahô, educação escolar, escola indígena. 1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Letras (PPGL) Mestrado em Ensino de Língua e Literatura da Universidade Federal do Tocantins - UFT no Campus de Araguaína e bolsista do Observatório de Educação Indígena, Projeto nº 11395/Título: A educação escolar Indígena bilíngue e intercultural - Edital 049/2012/CAPES/INEP coordenado pelo Professor Dr. Francisco Edviges Albuquerque. 2 Coordenador do Laboratório de Línguas Indígenas/Araguaína. Coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas com Povos Indígenas-NEPPI/AraguaínaCoordenador do Programa do Observatório da Educação /UFT/CAPES Campus de Araguaína.
21 Os Krahô da aldeia Manoel Alves estão situados no Estado do Tocantins, no município de Goiatins. Segundo Melatti (1978), esse povo constitui o ramo Timbira que de acordo com Rodrigues (2002), fazem parte da família linguística Jê do Tronco Linguístico Macro-Jê. Essa comunidade indígena conserva muitos traços culturais e faz uso da língua materna nos mais diversos domínios sociais. Isso em tempos modernos como o nosso, envolto de transformações tecnológicas, velocidade na transmissão de informações e imensa facilidade de comunicação é um desafio constante. Reconhecemos esse desafio, e por isso almejamos contribuir com as discussões que se estabeleceu no Brasil nas últimas décadas, acerca da importância das relações interculturais para o desenvolvimento do país, do respeito as diferenças para a construção de uma sociedade mais humanizada e da necessidade do estabelecimento do diálogo entre os diversos saberes. Assim, propomo-nos investigar, descrever e analisar os Saberes Tradicionais Krahô e suas contribuições para a educação indígena escolar bilíngue, intercultural e diferenciada e, dessa forma fortalecer o diálogo entre os saberes tradicionais Krahô e os saberes escolares. A partir da proposta dessa pesquisa, vimos a necessidade de conhecermos as características dos povos indígenas dessa região. Para tanto, recorreremos aos estudos de Brágio (1992) que fez o levantamento da situação sociolinguística dos povos indígenas do Goiás e Tocantins. A importância de contextualizarmos a nossa pesquisa se dá pelo fato de pretendermos validar as informações por nós obtidas. Outro estudo que tem contribuído com nossa pesquisa, é o estudo realizado por Abreu (2012) que fez um levantamento sobre os aspectos sociolinguísticos dos Krahô da Manoel Alves e dos Krahô da aldeia Pedra Branca. Esse estudo demonstra que os Krahô da Manoel Alves apresentam vários graus de bilinguismos, mas que nas relações intragrupos usam somente a língua materna. Essa informação é muito válida para o estudo que estamos realizando, visto que a língua de um povo é o saber que mais fortalece a cultura e os demais saberes tradicionais de uma determinada sociedade. A Pesquisa desenvolvida por Sousa (2012) também com os Krahô da aldeia Manoel Alves, é significativa para nosso estudo, uma vez que a autora pesquisou a respeito dos mitos desse povo e
22 considerando que as narrativas são uma das formas de transmissão dos saberes tradicionais esse estudo contribuirá com nossas reflexões. Consideramos relevante o estudo de Albuquerque (2012, 2013), que nos apresenta os aspectos históricos e culturais dos indígenas do Tocantins. Interessa-nos, em especial, os aspectos históricos e culturais dos Krahô que o referido autor expõe de modo bem pontual. O autor faz referência a organização peculiar das casas, dos rituais e da vida cotidiana dos Krahô. Todas essas informações nos auxiliarão na compreensão das relações sociais, linguísticas e culturais dos Krahô e consequentemente na compreensão da importância dos saberes tradicionais no universo desse povo. Dado aos avanços tecnológicos e aos impactos e abrangências desses avanços na sociedade contemporânea, não é de se estranhar que os povos indígenas, inclusive os krahô, almejem inserir-se e usufruir das vantagens do mundo contemporâneo. É importante ressaltar que eles não abrem mão da manutenção de sua cultura, de seus saberes e acreditam ser possível conciliar os seus saberes tradicionais com o saberes vigentes na sociedade moderna e estabelecer uma relação de respeito entre esses dois universos. Veem a escola, que é uma instituição que se consolidou por se encarregar da transmissão de conhecimentos (NAVARRO, 2012), como o espaço mais indicado para contribuir com essa conciliação. Porém, algumas considerações devem ser feitas e mudanças devem acontecer para que a escola possa exercer esse papel de mediadora entre os conhecimentos da sociedade indígena e da sociedade envolvente. Diante dessa necessidade de mudança de paradigma no que se refere à escola, surge a proposta de uma escola que promova o diálogo entre culturas diferentes, ou seja, promova o que se denomina de diálogo intercultural ou interculturalidade e da necessidade do repeito as especificidades de cada povo e aos diferentes saberes. Eis, então a proposta de uma escola intercultural, específica e diferenciada que se encarregue não mais, de somente transmitir conhecimentos, mas de promover o diálogo intercultural enfocando todos os saberes (RCNEI, 2008).
23 Essa missão que é dada a escola é uma tarefa difícil e requer um envolvimento de todos que desejam essa escola intercultural. Por isso objetivamos investigar se os Krahô com seus saberes tradicionais estão caminhando no sentido dessa almejada escola. Para tanto precisamos inicialmente conhecer o povo Krahô. Consideramos, portanto o que afirma Funari e Piñón (2011, p.30): Um primeiro meio de se conhecer um grupo humano qualquer, e em particular uma comunidade indígena, consiste em mergulhar no seu cotidiano, numa imersão que permita perceber como o mundo pode ser visto e vivido de outra maneira. A maneira mais óbvia de conhecer os índios é, portanto, conviver com eles (a chamada experiência etnográfica ). Vimos que esse envolvimento com o povo pesquisado se faz necessário visto que somente com essa vivência é possível obervarmos as tradições que ainda se mantém no cotidiano deles. Nesse sentido, por ser bolsista do programa OBEDUC 3, tivemos a oportunidade de ir a aldeia algumas vezes e vivenciar o cotidiano desse povo. No entanto reconhecemos que esse envolvimento recai no que em sociolinguística se denomina de paradoxo do observador, Labov (2008) 4, visto que a parcialidade é uma característica não recomendada ao pesquisador. Mas o diferencial nesse contexto encontrará respaldo no bom senso do pesquisador. Devido a especificidade de nossa pesquisa, sentimos a necessidade de adotarmos alguns aspectos da sociolinguística. Referimo-nos, ao que diz Tarallo (2012, p.20) O pesquisador da área da sociolinguística precisa, portanto, participar diretamente da interação. É claro que, sendo especialmente interessado na comunidade como um todo, ele também se utilizará do método da observação no momento de adentrar a comunidade de falantes. 3 Programa Observatório da Educação, doravante denominado pela sigla OBEDUC, tem como base legal o Decreto nº 5.803, de 08/06/2006. Objetiva dentre outros, fomentar e apoiar projetos de estudos e pesquisas relacionados aos diferentes níveis e modalidades da educação. (Portaria 152 de 30 de outubro de 2012). 4 Trata do conflito porque passa o pesquisador da área da sociolinguística, que necessita de dados gerados espontaneamente pela comunidade de fala, no entanto precisa participar diretamente da interação. (LABOV,2008, p. 244).
24 Ao adentrar a comunidade pesquisada sentimos a necessidade de vivenciar seu cotidiano, só observar sem envolvimento, a nosso ver, não nos levaria ao encontro de nossos objetivos. Daí a razão de realizarmos visitas constantes a aldeia Manoel Alves. Apropriaremo-nos da coleta de entrevista de narrativas pessoais, método próprio da sociolinguística (LABOV 2008) e (TARALLO, 2012), com algumas adaptações, por acreditar que por meio dessas narrativas conseguiremos obter informações sobre que ora estamos pesquisando. Outro instrumento que estamos utilizando é o diário de campo com as anotações e reflexões do que é vivido no ambiente de realização da pesquisa. No pouco tempo de contato que temos com os Krahô da Manoel Alves, percebemos muitos aspectos culturais no cotidiano deles, a começar pelo uso da língua materna nos diversos domínios sociais, na família, nos rituais, nas conversas informais entre eles e até mesmo no contexto escolar. Esse aspecto cultural tem contribuído para a manutenção de outras tradições. Em conversas com alguns jovens, adultos e velhos da aldeia, percebemos a vontade deles de conciliarem as atrações do mundo moderno com suas tradições. Dizem sempre que os dois conhecimentos devem andar juntos. Querem sim adentrar no mundo do não indígena, mas sem abandonar as tradições indígenas, essa é uma vontade unânime dos Krahô com os quais já conversei. A escola indígena 19 de Abril, situada na Aldeia Manoel Alves conta com um quadro de 20 professores, sendo a maioria indígena. Conversando com os professores, o diretor da escola, com a coordenadora pedagógica, procuramos saber de suas dificuldades e de seus anseios. Pudemos presenciar algumas atividades realizadas pela escola e apresentadas a comunidade. Vimos que as dificuldades enfrentadas pela escola são muitas, a começar pela infraestrutura, pela falta de recursos pedagógicos, mas as estratégias desenvolvidas pela equipe da escola com a colaboração da comunidade têm dado resultados significativos. As atividades desenvolvidas propõem um diálogo entre a cultura Krahô e a cultura não indígena. Isso nos faz acreditar que a escola está caminhando rumo a proposta de uma escola que promove o diálogo intercultural. Ainda que haja muitas questões a serem consideradas, é importante ressaltar que na escola 19 de Abril, pelo que observamos, a discussão de uma escola diferenciada, de uma escola que atenda aos
25 interesses da comunidade já existe e, foi fortalecida por meio da implantação do projeto de nº 11395, Educação Escolar Indígena Krahô Bilíngue e Intercultural/ EDITAL 049/2012/CAPES/INEP- do Programa Observatório da Educação (OBEDUC), coordenado pelo prof. Dr. Francisco Edviges Albuquerque, Coordenador do Programa do Observatório da Educação /UFT/CAPES- Campus de Araguaína, Tocantins. O referido projeto objetiva a produção e publicação de livros didáticos que contextualize os conhecimentos a serem apreendidos pelos alunos. Em 2013, será produzido e publicado os livros do alfabeto Krahô ilustrado e o de alfabetização. Estão previstos para serem produzidos e publicados, também, ao longo do triênio 2013-2016, os livros bilíngues de história, geografia, matemática, ciências, português, um livro de pinturas corporais Krahô, um de plantas e animais e um de literatura. Todo esse material será produzido pelos alunos e professores indígenas, o que representa uma contribuição efetiva desses professores e alunos e, de certa forma de toda a comunidade Krahô, na construção de uma educação escolar indígena diferenciada, visto que a proposta é partir dos saberes tradicionais indígenas aos saberes não indígenas. Acreditamos que esse material construído dessa forma proporcionará essa possibilidade. Apresentar propostas, fomentar discussões e desenvolver atividades que promovam o respeito as diferenças e que estabeleçam o diálogo entre as diferentes culturas são princípios de uma escola bilíngue, intercultural, especifica e diferenciada. Pretendemos com essa pesquisa contribuir com a construção dessa escola na Aldeia Manoel Alves. Faz-se necessário reforçar que a presente pesquisa encontra-se em fase inicial e que ao final desta, será produzida uma dissertação de mestrado que contribuirá com as discussões vigentes acerca do estabelecimento do diálogo entre os diversos saberes, considerando que Se queremos enfrentar as incertezas que encontramos desde o nosso nascimento, precisamos também de um pensamento capaz de ligar conhecimentos que hoje estão separados, (MORIN, p. 26). Diante disso, acreditamos que possibilitar a ligação entre o saber tradicional Krahô ao saber escolar/científico, dar condições a esse diálogo, seja uma forma de amenizar as incertezas que circundam a sociedade contemporânea.
26 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA ABREU, Marta Virginia de Araújo Batista. Situação sociolinguística dos Krahô de Manoel Alves e Pedra Branca: uma contribuição para educação escolar. Dissertação (Mestrado em Letras) Universidade Federal do Tocantins. Araguaína, 2012. ALBUQUERQUE, Francisco Edviges. Índios do Tocantins: Aspectos Históricos e Culturais. In SILVA, Norma Lúcia da; VIEIRA, Marta Victor (org.). Ensino de Historia e formação continuada: Teorias, metodologias e práticas. Goiânia: Ed. da PUC de Goiás, 2013.. (Org.). Texto e Leitura: Uma prática pedagógica das escolas Apinayé e Krahô. Goiânia: Ed. América, 2012.. (Org.). Arte e Cultura do Povo Krahô. Belo Horizonte: FALE/UFMG: Núcleo Transdisciplinar de Pesquisa Literaterras, 2012. BRAGGIO, S.L.B. Situação Sociolingüística dos Povos Indígenas do Estado de Goiás e Tocantins: Subsídios Educacionais. Revista do Museu Antropológico, Goiânia: UFG, (a), V.1, n.1, p.1-76, jan./dez. 1992 a. BRASIL. Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas (RCNEI) /Ministério da Educação e do Desporto, Secretaria de Educação Fundamental. - Brasília: MEC/SEF, 1998. BRASIL. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CAPES. Dispõe sobre a aprovação do regulamento do Programa Observatório da Educação. Portaria nº 152, de 30 de outubro de 2012. Publicada no DOU de 31/10/12 seção 1 pág. 43. FUNARI, Pedro Paulo, PIÑÓN, Ana. A temática indígena na escola: subsídios para professores. São Paulo: Contexto 2011.
27 LABOV, William. Padrões Sociolinguísticos. tradução Marcos Bagno, Mª Marta Pereira Sherre, Caroline Rodrigues Cardoso- São Paulo: Parábola, 2008. MELATTI, Júlio Cesar. Ritos de uma Tribo Timbira. São Paulo: Ática, 1978. MORIN. Edgar. Desafios da transdisciplinaridade e da complexidade. Innovation and interdisciplinarity in the university = Inovação e interdisciplinariedade na universidade / Jorge Luis Nicolas Audy, Marília Costa Morosini (Orgs.). Porto Alegre: EDIPUCRS, 2007. NAVARRO, Gabriel. Saberes escolares e saberes indígenas: continuidades e descontinuidades para se pensar os sentidos da interculturalidade. In PALADINO, Mariana; CZARNY, Gabriela (org.). Povos indígenas e escolarização: discussões para se repensar novas epistemes nas sociedades latino-americanas. Rio de Janeiro: Garamond, 2012. RODRIGUES, Aryon Dall igna. Línguas brasileiras: para o conhecimento das línguas indígenas. São Paulo: Edições Loyola, 2002. SOUSA, Jane Guimarães. Educação Escolar indígena krahô da Aldeia Manoel Alves: Uma contribuição para o registro e manutenção do mito de Tirkre. Dissertação (Mestrado, em Letras). Universidade Federal do Tocantins. Araguaína, 2012. TARALLO, Fernando. A pesquisa sociolinguística. 8ª ed. São Paulo: Ática, 2007.