I-082- ESTUDO DO CONTEÚDO DE CALOR NOS RESERVATÓRIOS DE JURAMENTO, SOBERBO E RIBEIRÃO UTILIZADOS PARA ABASTECIMENTO PÚBLICO EM MINAS GERAIS. Tales Heliodoro Viana (1) Biólogo pela Universidade Federal de Minas Gerais, Mestre em Saneamento pelo Depto. de Engenharia Sanitária e Hidráulica da Escola de Engenharia da UFMG, Doutorando em Saneamento pelo Depto. de Engenharia Sanitária e Hidráulica da Escola de Engenharia da UFMG. Eduardo Von Sperling Engenheiro Civil pela Universidade Federal de Minas Gerais, Doutor em Ecologia Aquática, Porfessor do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da UFMG Endereço (1) : Av.Santa Tereza, 612 Taquaril Belo Horizonte - MG - CEP: 30290-000 - Brasil - Tel: (31) 3483-3882 - e-mail: tales.viana@copasa.com.br. RESUMO O estudo do conteúdo de calor de reservatórios para abastecimento, especificamente o Reservatório de Juramento, utilizado para o abastecimento da cidade de Montes Claros, os reservatórios do Soberbo e Ribeirão, utilizados no abastecimento das sedes municipais dos municípios de Pedra Azul e Medina, respectivamente, foram objeto deste trabalho, haja vista a existência de lacunas deste tipo de estudos realizados nestas regiões geográficas do semi árido mineiro e em represas ou reservatórios cuja finalidade possa ser o abastecimento público exclusivo e que possuam tempo de retenção maior que 200 dias. Os padrões de comportamento deste parâmetro físico foram mensurados e calculados através de metodologia própria. As séries temporais foram obtidas para a quantidade de calor no corpo dos reservatórios nos períodos amostrados. Discute-se a influencia deste parâmetro físico no metabolismo do reservatório e a manutenção da qualidade biológica das águas. PALAVRAS-CHAVE: Limnologia física, calor em reservatórios, reservatórios para abastecimento, reservatórios do semi-árido. INTRODUÇÃO Nos estudos limnológicos tem-se dado especial atenção aos componentes bióticos, químicos e físico-químicos dos sistemas reservatório/lagos, sendo que os componentes físicos, de uma forma geral, são algumas vezes citadas apenas e deixados como informação complementar. Desta forma tem-se a idéia de que os processos de origem química e biológica não viessem a ser influenciados primeira e profundamente pelos componentes físicos que atuam sobre a massa líquida. As velocidades de metabolização biológica de nutrientes são influenciadas pela temperatura, e como consequência, pelo conteúdo de calor da massa líquida. O desenvolvimento de comunidades algais desbalanceadas pela floração de espécies mais tolerantes a determinadas condições físicas e físico-químicas podem ter ou ser relacionados a variações do conteúdo de calor, e não se conhecem estudos mais profundos sobre estas interações. Este trabalho tenta avaliar o comportamento térmico destas massas líquidas nos seus aspectos temporais, relacionados com o regime estacional da região ( seca/úmida ou inverno/verão). As quantidades de calor são comparadas entre as estações climáticas em cada reservatório e entre os reservatórios em cada estação climatológica. A própria questão do tratamento desta massa d água pelos processos convencionais de potabilização, pode ser influenciado pelo componente térmico da massa aduzida ao tratamento, atuando sobre a velocidade das reações inerentes ao processo de tratamento. O acompanhamento das variações da quantidade de calor em cada reservatório poderá ser de enorme valia nos estudo da ressolubilização de nutrientes na coluna d água, bem como permitirá o conhecimento dos padrões de estratificação e desestratificação destes reservatórios. ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 1
MATERIAIS E MÉTODOS Os reservatórios têm sido amostrados, no chamado ponto limnológico (região mais profunda), com garrafa de Kemmerer/Van Dorn. Os dados de temperatura dos perfis são obtidos por medição da temperatura na própria garrafa coletora e eventualmente com termistor / oxímetro Methron. A precisão das leituras das temperaturas é da ordem de 0,5 ºC. Os dados de cota /área/ volume são obtidos a partir das curvas hipsográficas de cada reservatório, tendo sido estas produzidas através de ecobatimetria (HDC 2004). As séries temporais de dados foram extraídas dos relatórios de qualidade das águas, produzidos nos programa de monitoramento ao longo do tempo, sendo que cada reservatório possui um cronograma de amostragem e elenco de parâmetros de qualidade das águas próprios, tendo sido, estas séries, ainda produzidas em programas amostrais próprios à realização deste trabalho. O conteúdo de calor é calculado a partir do volume de cada camada e de sua temperatura média; a razão entre o conteúdo de calor de todas as camadas e a área superficial do lago informa o conteúdo de calor por unidade de área (cal.cm -2 ), sendo que a temperatura média do reservatório na data de amostragem também é obtida por meio do método adotado (COLE 1983). A análise comparativa entre o comportamento térmico de cada reservatório, foi realizada por meio de análise do conteúdo de calor em cada reservatório entre as estações do ano (seca/chuva) e entre os reservatórios em cada um dos períodos amostrados. Foram considerados meses de seca o período de abril a setembro, sendo os demais os meses de chuva ou úmidos. RESULTADOS OBTIDOS Os primeiros resultados indicam uma forte estratificação durante todo o período amostral para as represa do Soberbo e Ribeirão, bem como a ocorrência de florações de cianobactérias. O conteúdo de calor para o Reservatório do Ribeirão está na ordem de 11,13 Kcal.cm -2 a 19,51 Kcal.cm -2, para o Reservatório do Soberbo os valores de conteúdo de calor variam de 8,97 cal.cm -2 a 22,33 Kcal.cm -2 e para o Reservatório de Juramento foi observada uma constante estratificação térmica, ocorrendo no entanto, nos meses de seca e inverno (maio agosto), episódios de desestratificação de curta duração. Os conteúdos de calor mensurados e calculados, fornecem valores da ordem de 16,85 Kcal.cm -2 a 27,29 Kcal.cm -2 para o período calculado de 1985 a 2005. A ampla variação dos conteúdos de calor sugere haver uma possível inter-relação entre esta variação e a facilitação da ocorrência ou não de florações expressivas.de cianobactérias O balanço de calor em cada reservatório foi analisado para as estações do ano hidrológico (seca/chuva) desde a construção até os dias atuais. A comparação entre o comportamento térmico dos reservatórios indica que as condições metabólicas de cada biótopo podem estar relacionadas a estratificação de cada reservatório em relação às suas estruturas de retirada d água e à sua morfometria. A obtenção das séries históricas do conteúdo de calor e do balanço térmico podem vir a explicar o crescimento de algas cianófitas em reservatórios, nos quais não ocorre o aporte de nutrientes de origem alóctone. O conhecimento da estrutura térmica permite a classificação dos reservatórios em três tipos: aqueles que estão constantemente estratificados, aqueles que estão sem estratificação permanente e aqueles que temporariamente estão térmica e quimicamente estratificados (HENRY apud Tundisi, 1995). Os estudos relativos à estabilidade e ao trabalho do vento de cada reservatório poderão ser obtidos, permitindo o acompanhamento do comportamento sazonal da estrutura hídrica do corpo d água. A tabela 1 nos informa a variação do conteúdo de calor em cal/cm 2 para os três reservatórios bem como as análises estatísticas básicas. Como forma de compreender as variações do conteúdo de calor nos reservatórios menores, que são os de Ribeirão e Soberbo é apresentada a figura 1, a qual permite visualizar as variações medidas a cada amostragem. Pode-se admitir que maiores variações entre os valores máximos e mínimos dos conteúdos de calor dão-nos a informação de que Soberbo absorve ou perde mais calor, relativamente falando, que as outras represas, haja vista apresentar uma maior amplitude de conteúdo calórico mensurado. No entanto o reservatório de Juramento apresenta os maiores valores máximos e uma média geral muito acima dos demais reservatórios. Variáveis morfométricaa podem estar influenciando tanto o ganho de calor quanto a sua perda ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 2
para o ambiente, já que as profundidades médias são muito próximas, entre os três reservatórios, mas a posição e altura dos maciços e suas larguras podem estar facilitando a perda de calor nos reservatórios menores, cujo fetch é da ordem de 300m. enquanto em Juramento ele chega a 2500m. A fig. 2 apresentada a seguir permite acompanhar a evolução dos conteúdos de calor no reservatório de Juramento desde o seu enchimento e as pequenas variações podem ser observadas com mais minúcias. A figura 3 mostra as variações dos conteúdos de calor médios para cada reservatórios e a cada ano. Nota-se uma tendência ao aumento da quantidade de calor médio nos três reservatórios o que pode sugerir uma possível tendência ao aumento da produtividade primária nestes biótopos, a qual poderá ser analisada no futuro para se atestar a possibilidade de correlações estatística entre estas duas variáveis. A figura 4 descreve o balanço térmico anual das três unidades estudadas. Percebe-se para Juramento uma queda acentuada para o ano em curso, possivelmente devido à época e às condições de amostragem que abrangeram apenas a fase úmida e com baixa variação dos conteúdos de calor entre as amostragens. Maiores perturbações são visualizadas para Ribeirão e Soberbo não permitindo-se lograr êxito em possíveis comparações de seus conteúdos calóricos. Juramento Ribeirão Soberbo Valor mínimo 16,85 11,13 8,97 Valor máximo 27,29 19,51 22,33 Amplitude 10,44 8,38 13,36 Média Geral 21,61 14,56 14,53 Desvio-Padrão 1,84 2,61 3,69 Coeficiente variação 8,51 17,93 25,40 Nº de amostras 213 22 15 Tabela 1 Estatística básica dos dados de calor nos reservatórios em estudo. FIG.1 - Variação temporal do conteúdo de calor dos reservatórios do Ribeirão e Soberbo durante os períodos amostrais 1999 a 2005 Calorias em Kcal.cm -2.ano-1 26 24 22 20 18 16 14 12 10 1985 1990 1995 2000 2005 Período de amostragem FIG.2 - Variação do conteúdo de calor do reservatório de juramento entre 1985 e 2005 ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 3
Conteúdo de calor(kcal.cm -2) 29 27 25 23 21 19 17 15 0 12 24 36 48 60 72 84 96 108 120 132 144 156 168 180 192 204 216 Nº das coletas FIG.3 - Variação do conteúdo de calor médio anual no reservatório de Juramento entre 1985 e 2005 e nos Reservatórios do Ribeirão e Soberbo entre 1999 e 2005 Kcal.cm -2.ano-1 10 9 8 7 6 5 4 3 2 1 0 1985 1990 1995 2000 2005 Período amostral Juramento Ribeirão Soberbo FIG.4- Variação do balanço térmico nos reservatórios de Juramento, Soberbo e Ribeirão CONCLUSÕES As análises dos dados parecem sugerir um acúmulo de calor, representado pelas médias anuais nos reservatórios do Soberbo e Ribeirão, o que talvez esteja relacionado com a constante estratificação causada pelas estruturas de engenharia que promovem a retirada de água da camada superior destas unidades, ambas possuindo características construtivas semelhantes, ocorrendo a captação 10 metros acima do fundo do reservatório e 10 metros abaixo da cota da ogiva dos vertedores, não havendo descargas de fundo. O balanço térmico anual para os reservatórios de Ribeirão e Soberbo apresenta variações acentuadas, provavelmente devido à ocorrência de chuvas mal distribuídas temporalmente e com volumes expressivos para 24 horas, que ocorreram no período de estudo. A represa do Juramento possui estrutura de descarga de fundo funcional mas de ação deficitária, possivelmente causada por problemas de origem hidráulica. Seu comportamento calórico é mais variável que o encontrado nos dois outros reservatórios, apresentando no entanto maiores variações em termos absolutos do conteúdo calórico para o período analisado no presente estudo. Os altos conteúdos calóricos encontrados podem estar influindo em toda a cadeia trófica, permitindo que espécies de plâncton termofílicas sejam favorecidas em termos de produtividade primária, acarretando ainda a ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 4
possível falta de nutrientes, haja vista o aumento dos processos de sedimentação e da diminuição da viscosidade do meio líquido, permitindo que espécies menos exigentes ou que possuam melhores estratégias de absorção de nutrientes possam estar dominando a comunidade planctônica. Desta forma as Cianoprocariotas têm se feito notar apresentando valores significativos de organismos por volume analisado. Tais concentrações anormais de organismos cianoprocariotas podem tornar problemático o aproveitamento destes reservatórios se for levada em conta a possibilidade destes organismos virem ou se tornarem produtores de cianotoxinas. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. COLE, G. Textbook of limnology.toronto:c.v. Mosby Company, 401p. 1983. 2. HDC (HYDROLOGIC DATA COLLECTION Engenharia S/C Ltda.) Levantamentos batimétricos das Represas do Juramento, Soberbo e Medina. 2004. 3. HENRY,R. The thermal structure of some lakes and reservoir in Brazil. In: Tundisi, J. G.;\Bicudo,C.E.M; Matsumura-Tundisi, T. (eds.).limnology in Brazil, R.J: ABC/SBL., p. 351-364, 1995. 4. TUNDISI, J.G. Estratificação hidráulica em reservatórios e suas consequências ecológicas. Ciência e Cultura, vol 36 Nº,Soc. Bras. Prog.da Ciência SBPC, São Paulo, 1489-1496 p. 1984. ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 5