Estudo de estabilidade de equações diferenciais ordinárias autônomas e aplicação

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Transcrição:

Artigo Original DOI:1592/217946X14644 Ciência e Natura, Santa Maria, v 37 Ed Especial PROFMAT, 215, p 474 48 Revista do Centro de Ciências Naturais e Exatas - UFSM ISSN impressa: 1-837 ISSN on-line: 2179-46X Estudo de estabilidade de equações diferenciais ordinárias autônomas e aplicação Stability study of autonomous ordinary differential equations and application Luciano Aparecido Magrini 1 e Marta Cilene Gadotti 2 1 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia - Campus São Paulo, Brasil lucianomagrini@hotmailcom 2 Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Neto - Campus Rio Claro martacg@rcunespbr Resumo Pretende-se com este trabalho introduzir alguns resultados importantes sobre estabilidade de soluções de equações diferenciais ordinárias autônomas e utilizá-los no estudo de estabilidade de um modelo matemático do controle biológico de pragas da broca da cana Palavras-chave: sistema linear, equação autônoma, estabilidade, autovalores, exponencial matricial Abstract The aim of this work is to introduce some important results on stability of solutions of autonomous ordinary differential equations and use them in the stability study of a mathematical model of the biological pest control of the sugarcane borer eywords: linear systems, autonomous equation, stability, eigenvalues, matrix exponential submissão: 214-6-3 Aceito: 214-12-1

Ciência e Natura, v 37 Ed Especial PROFMAT, 215, p 474 48 475 1 Introdução As equações diferenciais ordinárias EDO são indispensáveis na modelagem de fenômenos presentes nas mais diversas áreas do conhecimento, em que o tempo deve ser admitido como grandeza contínua A análise dos modelos depende de dados coletados de maneira experimental e que, portanto, estão sujeitos a erros de medição ou coleta, por exemplo Particularmente espera-se que as soluções de uma EDO possam auxiliar no entendimento do fenômeno em estudo, apesar de pequenas perturbações nos dados experimentais Porém determinar explicitamente as soluções de qualquer equação diferencial é uma tarefa árdua devido a alta complexidade da maior parte das equações diferenciais envolvidas no processo de modelagem Portanto o estudo de propriedades qualitativas de soluções de equações diferenciais tem um papel fundamental no desenvolvimento desta análise Um fenômeno qualitativo de grande interesse é a noção de estabilidade de uma certa solução de uma equação diferencial, a qual será discutida neste trabalho Na próxima seção serão desenvolvidos alguns resultados para sistema autônomos com respeito à estabilidade Na seção 3 será apresentado um modelo matemático do controle biológico de pragas da broca da cana, baseado na referência [RAFIOV, 212] e analisada a estabilidade de seus pontos de equilíbrio Também serão apresentadas algumas considerações e sugestões sobre o trabalho docente com modelos biológicos na Educação Básica 2 Fatos básicos Seja F : D R n uma função contínua num aberto D R R n e admita que suas derivadas parciais F x i, com i = 1,2,,n existam e também sejam contínuas em D Uma equação diferencial de primeira ordem é dada pela relação X = Ft,X, 1 em que Xt =x 1 t,x n t é a função incógnita Um sistema linear homogêneo de primeira ordem pode ser escrito na forma: x 1 t =a 11tx 1 t+a 12 tx 2 t+ + a 1n tx n t x 2 t =a 21tx 1 t+a 22 tx 2 t+ + a 2n tx n t x nt =a n1 tx 1 t+a n2 tx 2 t+ + a nn tx n t, 2 onde a ij são funções contínuas definidas em algum intervalo I da reta real, i = 1,2,n Quando as funções a ii são constantes o sistema 2 em notação matricial, pode ser representado por: X = AX 3 a 11 a 12 a 1n x 1 t a 21 a 22 a 2n com A = e X = x 2 t matrizes em M n e M 1 n respectivamente a n1 a n2 a nn x n t Dada uma condição inicial t,x R 1+n, a existência e a unicidade de solução da equação 3 estão garantidas pelas hipóteses feitas acerca da função F no início da seção Denotaremos por γt,t,x a solução de 3 que em t vale x Uma solução γt,t,x de 2 é chamada de estável se dado ɛ > existir δ > tal que se x x < δ então γt,t,x γt,t,x < ɛ para t > t Se γt,t,x for estável e existir > tal que se x x < então γt,t,x γt,t,x quando t então a solução será chamada de assintoticamente estável Caso uma solução não seja estável, dizemos que ela é instável Os pontos X R n tais que AX = são chamados de pontos de equilíbrio da equação 3 Para estudar a estabilidade da equação 3, basta que analisemos a estabilidade dos pontos X, veja a referência [BRAUN, 1979] A estabilidade da equação 3 é determinada pela análise dos autovalores da matriz A Para demonstrarmos este resultado, usaremos o lema abaixo, cuja prova pode ser encontrada em [BARREIRA, 212] Lema 1: Suponha que a matriz A M n possua apenas autovalores com parte real negativa; então devem existir constantes k, > tais que para t e At ke t AX com a norma A = sup definida a partir de x X qualquer norma em R n Teorema 1: A solução de equilíbrio X = da equação X = AX linear e homogênea é: 1 Assintoticamente Estável se todos os autovalores de A possuírem parte real negativa; 2 Estável se todos os autovalores de A possuírem parte real negativa ou parte real nula e os autovalores de parte real nula possuírem multiplicidade algébrica igual à multiplicidade geométrica; 3 Instável se pelo menos um dos autovalores tiver parte real positiva ou se existir algum autovalor com parte real nula com multiplicidade algébrica maior que a multiplicidade geométrica

476 Magrini e Gadotti: Estudo de estabilidade de equações diferenciais ordinárias autônomas e aplicação Demonstração Provemos apenas o item 1 O restante da demonstração pode ser encontrada em [BRAUN, 1979] Como toda solução Xt =X 1 t,x n t T de 3 é da forma Xt =e At X, seja φ ij t o elemento ij da matriz e At e seja X =x 1,,x n T R n ; então X i t =φ i1 tx 1 + + φ intx n 4 Suponha que todos os autovalores de A, denominados λ 1, λ r, possuam parte real negativa, ou seja, que max i=1,,r Reλ i < Seja 1 = max i=1,,r Reλ i o valor da maior parte real no conjunto dos autovalores Então, existem pelo Lema 1, > e > tais que 1 < < e φ ij t e t para todo t Consequentemente, para todo i = 1,,n temos X i t = φ i1 tx 1 + φ intx n Assim, e t x 1 + + x n e t max{ x 1,, x n } = e t n X 5 Xt = max{ X 1 t,, X n t } ne t X 6 Dado ɛ >, para garantir Xt < ɛ é suficiente que ocorra X < ɛ, com t = Neste caso, escolhemos δ > tal que δ < ɛ n, de onde X δeportanto, Xt < ɛ Resulta também que para qualquer condi- n ção inicial temos Xt quando t +, ou seja, a solução de equilíbrio é assintoticamente estável O estudo de sistemas não lineares da forma X = FX pode ser realizado inicialmente calculando-se os pontos de equilíbrio e em seguida analisando o comportamento próximo a esses pontos É possível provar que o comportamento local do sistema não linear autônomo próximo a um ponto de equilíbrio hiperbólico X isto é, nenhum autovalor da matriz A = DFX tem parte real nula é qualitativamente determinado pelo comportamento do sistema linear X = AX, em que A = DFX, próximo à origem A função AX = DFX X é chamada de parte linear de F em X Para maiores detalhes veja o Teorema de Hartman-Grobman na referência [PERO, 1996], por exemplo A seguir apresentaremos os resultados sobre sistemas não lineares autônomos necessários para o desenvolvimento da seção 3 Consideremos a equação X = FX, em que F : U R n R n é uma função não linear e denotemos por X um ponto de equilíbrio O lema abaixo, cuja demonstração essencialmente usa o Polinômio de Taylor, será fundamental para as considerações que faremos na sequência Lema 2: Seja F : U R n R n uma função com derivadas parciais de segunda ordem contínuas com respeito a cada uma de suas variáveis x 1,x 2,,x n e seja X um ponto qualquer do aberto U em particular tomaremos X = X um ponto de equilíbrio de F Então, dado Z =z 1,z 2,,z n R n suficientemente próximo de X, FX + Z pode ser escrita como onde FX + Z =FX+DFXZ + GZ, GZ max{ z 1, z 2,, z n } é uma função contínua na variável Z e identicamente nula se Z = e F 1 X F 1 X x 1 x n DFX = F n X F n X x 1 x n é a matriz jacobiana de F calculada no ponto X A estabilidade do ponto de equilíbrio X é determinada pela análise da matriz DFX, nos mesmos moldes do que fizemos para equações lineares Para provarmos isso, assumiremos sem perda de generalidade que X = é a solução de equilíbrio De fato, para um ponto X qualquer de equilíbrio, considere Z = X X e portanto X = Z + X Segue que Z = FX =FZ + X ou ainda Z = GZ Se X é a solução de equilíbrio de X = FX, isto é, se FX = então é solução de equilíbrio de Z = GZ pois G =F + X = Os dois lemas a seguir serão utilizados na demonstração do resultado sobre a estabilidade das equações não lineares Para a demonstração, consulte as referências indicadas no final do artigo Lema 3: Fórmula da Variação das Constantes Seja G : R R d uma função contínua Supondo t,x R 1+d como condição inicial, a solução da equação X = AX + Gt é dada por Xt =e At t X + e At s Gsds, t com t I R Lema 4: Lema de Gronwall Sejam u,v : [a,b] R funções contínuas com vt para todo t [a,b] e seja c R Se ut c + usvsds a para qualquer t [a,b], então para qualquer t [a,b] ut ce a vsds Teorema 2: Considere X = FX e suponha que F possua derivadas de segunda ordem contínuas Então:

Ciência e Natura, v 37 Ed Especial PROFMAT, 215, p 474 48 477 1 O ponto de equilíbrio X de X = FX é assintoticamente estável se todos os autovalores da matriz DFX possuem parte real negativa; 2 O ponto de equilíbrio X de X = FX é instável se pelo menos um dos autovalores de DFX possuir parte real positiva Demonstração Sem perda de generalidade, vamos supor que X = seja o ponto de equilíbrio de X = FX Como X = AX + Gt e G é contínua, segue do Lema 3edeX =X que Xt =e At X + e At s Gsds, t I R Sob as hipóteses assumidas no item 1, não somente Xt é limitada para qualquer t como também que Xt quando t + Pela construção feita na demonstração do Lema 1 sabemos que, sendo os autovalores todos negativos, existem > e k > tais que e At X e kt X, t I de onde resulta também e At s Gt e kt s Gt, t I Além disso, existe σ > tal que X < σ Gt k 2 X Portanto, podemos agora escrever para X < σ: Xt e At X + e At s Gs ds Xt e kt X + e kt s Gs ds Xt e kt X + e kt s k 2 Xs ds Xt e kt X + k e kt s Xs ds 2 Multiplicando a equação anterior por e kt segue que e kt Xt X + k e ks Xs ds 2 e fazendo Zt =e kt Xt a desigualdade acima pode ser colocada na forma Zt X + k 2 Pelo Lema 4 segue que Zt X e tk 2 Zsds e portanto Zt =e kt Xt X e tk 2, ou seja, Xt X e kt e tk 2 = X e k 2 t, desde que Xs σ, s t Mas se X = X < σ a desigualdade Xt X e k 2 t garante que Xt < σ se verifica para todo t e consequentemente ela é verdadeira para todo t se o valor inicial estiver sujeito à X < σ Neste caso se verifica também Xt, quando t Para a demonstração do item 2, consulte [PERO, 1996] Vale mencionar que o estudo de estabilidade abordado neste trabalho não é único, existem outros métodos importantes para o estudo de estabilidade de ponto de equilíbrio, por exemplo o uso de uma função auxiliar apropriada, este método é conhecido como o segundo método de Liapunov; para maiores detalhes veja as referências [BOYCE, 22] e [PERO, 1996] 3 Análise de Modelo Biológico Passamos a descrever nesta seção um modelo de interação entre a broca da cana-de-açucar e seu parasitóide Trichogramma galloi, proposto por [RAFIOV, 212] Introduziremos uma hipótese adicional, de modo a modificar ligeiramente o modelo original e analisaremos sua estabilidade usando a teoria apresentada anteriormente Como primeira hipótese para o modelo, admitiremos que as principais fases do desenvolvimento da broca da cana-de-açucar sejam os estágio de "ovo"e "larval" Admitiremos também que o controle biológico da praga é feito através da introdução de um único parasitóide dos ovos no ambiente comum, de modo que a interação entre eles não seja modificada pela presença de indivíduos estranhos A taxa de infestação dos ovos é suposta proporcional ao número de encontros entre parasita e hospedeiro Neste caso, supondo γ a taxa de parasitismo e chamando de x e z respectivamente o número de indivíduos não infectados e o número de parasitóides, a expressão matemática para a taxa de infestação é γxz 7 Usaremos ainda o fato de que o parasitóide adulto infecta os ovos da praga no início de sua vida, de modo que o parasitismo no tempo t é causado somente pelos parasitóides que emergiram no tempo t, ou seja, z = δn 2 x 2, 8 onde δ, n 2 e x 2 indicam o número de parasitóides que emergem para cada ovo parasitados, a fração de ovos

478 Magrini e Gadotti: Estudo de estabilidade de equações diferenciais ordinárias autônomas e aplicação parasitados que emergem no tempo t e o número de ovos parasitados no tempo t respectivamente Seja x 1 a população de ovos existentes no instante t Supondo um crescimento logístico com capacidade de suporte com taxa de reprodução, admitindo a hipótese 7 e notando que m 1 e n 1 indicam as taxas de mortalidade desta população e a fração de ovos que emergem no tempo t, a variação de x 1 em relação ao tempo t é dada por dx 1 = 1 x 1 x 1 m 1 x 1 n 1 x 1 γx 1 z 9 Seja agora x 2 a população de ovos parasitados no instante t Novamente admitindo 7 e supondo z o número de parasitas adultos no ambiente, temos para a variação de x 2 com relação ao tempo: dx 2 = γx 1 z m 2 x 2 n 2 x 2, 1 onde as constantes m 2 e n 2 representam a taxa de mortalidade de ovos parasitados e fração dos ovos parasitados que emergem em t respectivamente Considere agora x 3 a população de larvas no tempo t Admitindo m 3 como taxa de mortalidade das larvas e n 3 como a fração da população que atinge o estágio de pupa, temos: dx 3 = n 1 x 1 m 3 x 3 n 3 x 3 11 Modificaremos aqui o modelo original de [RAFIOV, 212] admitindo uma infestação pela broca da cana-deaçucar mais resistente, supondo que a taxa de mortalidade da broca no estágio larval observada em uma infestação específica é na prática desprezível, de modo que todos os ovos atinjam o estágio larval Das equações 9, 1 e 11 onde m 3 = e n 3 = 1, pela hipótese introduzida, substituindo 8 e tomando = γδn 2, podemos obter o seguinte sistema não linear de equações diferenciais para o modelo de interação entre a broca da cana-de-açúcar e seu parasitóide: dx 1 = 1 x 1 x1 m 1 x 1 n 1 x 1 x 1 x 2, dx 2 = x 1 x 2 m 2 x 2 n 2 x 2, dx 3 = n 1 x 1 x 3 12 Observamos que a matriz jacobiana de 12 é dada por J = 1 2x 1 m 1 n 1 x 2 x 1 x 2 x 1 m 2 n 2 n 1 1 13 Os pontos de equilíbrio de 12 são obtidos através da resolução do sistema algébrico 1 x 1 x1 m 1 x 1 n 1 x 1 x 1 x 2 =, γx 1 x 2 m 2 x 2 n 2 x 2 =, n 1 x 1 x 3 =, cujas soluções são os pontos P 2 = P 1 =,,, m 1 n 1,, n 1 m 1 n 1 e m2 + n P 3 = 2, m 2 + n 2 2 m 1 + n 1 14, n 1m 2 + n 2 De fato, por simples inspeção, verifica-se que o ponto P 1 =,, é solução de 14 Não há sentido biológico supor x 1 nulo, pois neste caso, estaríamos admitindo a não existência da praga Portanto, tomemos x 1 e x 2 = Da primeira equação de 14, colocando x 1 em evidência, temos de onde segue que 1 x 1 m 1 n 1 =, x 1 = m 1 n 1 Como x 3 = n 1 x 1, segue imediatamente da equação anterior que x 3 = n 1 m 1 n 1 Portanto, P 2 = m 1 n 1,, n 1 m 1 n 1 também é solução de 14 Considere x 2 Segue então da segunda equação do sistema que x 1 = m 2 + n 2 15 Agora, novamente usando x 3 = n 1 x 1 e a equação anterior, temos x 3 = n 1m 2 + n 2 Finalmente, substituindo 15 na segunda equação de 14, determinamos x 2, de modo que uma terceira solução P 3 é dada por m2 + n P 3 = 2, m 2 + n 2 2 m 1 + n 1, n 1m 2 + n 2

Ciência e Natura, v 37 Ed Especial PROFMAT, 215, p 474 48 479 Chamamos a atenção para o fato de que é necessário garantir que os pontos encontrados não sejam negativos; ou seja, vamos admitir explicitamente que em P 2 e em P 3, que > m 1 + n 1 > m 1 + n 1, 16 m2 + n 2 17 k Passaremos agora à análise da estabilidade de cada um dos pontos de equilíbrio encontrados Substituindo as coordenadas de P 1 em 13, encontramos m 1 n 1 JP 1 = m 2 n 2, 18 n 1 1 cujos autovalores são λ 1 = 1 e λ 2 = m 1 n 1 e λ 3 = m 2 n 2 Vemos portanto, que P 1 será estável se < m 1 + n 1 ou seja, se a taxa de reprodução da população de ovos for menor que a soma das taxas de mortalidade e de transformação de ovos em larvas No caso de P 2, temos: JP 2 = 1 2x 1 m 1 n 1 x 1 x 1 m 2 n 2 n 1 1 19 cujos autovalores são λ 1 = 1 e λ 2 = m 1 n 1 m 2 + n 2 e λ 3 = + m 1 + n 1 A negatividade de λ 3 está garantida por 16; para λ 2 ser negativo, devemos ter de onde m 1 n 1 m 2 + n 2 <,, < m 1 + n 1 + m 2 + n 2 2 Finalmente, substituindo P 3 em 13, após as devidas simplificações usamos aqui o fato de que no sistema algébrico 14, na segunda das equações temos x 1 m 2 n 2 = obtemos JP 3 = 1 2x 1 m 1 n 1 x 2 x 1 x 2 n 1 1 21 Um dos autovalores é λ 1 = 1; os demais são as raízes da equação λ 2 + m 2 + n 2 λ+ m 2 + n 2 m 1 + n 1 m 2 + n 2 =, 22 que serão negativas se m 2 + n 2 m 1 + n 1 m 2 + n 2 >, ou seja, se > m 1 + n 1 + m 2 + n 2 23 Então, usando os resultados da seção anterior, segue que esta solução também será estável Note que não podemos garantir a estabilidade simultânea dos pontos de equilíbrio P 2 e P 3 devido às condições 16 e 23 Logo, a análise dos pontos de equilíbrio está concluída Quando se admite t como variável discreta as equações que descrevem o fenômeno em estudo não envolvem derivadas; neste caso a criação de modelos matemáticos para fenômenos simples pode ser desenvolvida na Educação Básica, contribuindo para "novo modelo de educação menos alienado e mais comprometido com as realidades dos indivíduos e sociedades [BASSANEZI, 22] Dentre múltiplas possibilidades para a inserção da modelagem matemática na Educação Básica destaca-se a vantagem do estudo de fenômenos biológicos, pois alguns destes ao serem modelados de maneira simplista exigem pouca complexidade matemática e computacional, apresentam um comportamento muito próximo ao observado empiricamente e naturalmente despertam o interesse dos estudantes Versões simples de problemas como evolução de populações, propagação de doenças, eficácia de campanhas de vacinação, taxa de mortalidade infantil e outros podem ser desenvolvidos Um exemplo de como é possível desenvolver o tema "evolução de populações"na Educação Básica pode ser encontrado na referência [MAGRINI, 213] 4 Conclusões Desde a criação do Cálculo, são inúmeras as aplicações e resultados desenvolvidos utilizando as ferramentas deste importante ramo da Matemática As Equações Diferenciais Ordinárias são objetos matemáticos fundamentais na modelagem de fenômenos físicos, biológicos, ecológicos, etc Neste trabalho tivemos a oportunidade de enunciar e provar resultados relevantes sobre o estudo de estabilidade de soluções de equações diferenciais autônomas O conhecimento sobre o comportamento assintótico das soluções nos fornece uma boa ideia de como elas se comportam no futuro, sem a necessidade de exibir a expressão destas soluções Vimos também a importância

48 Magrini e Gadotti: Estudo de estabilidade de equações diferenciais ordinárias autônomas e aplicação de estabelecer resultados para o caso linear, um caso mais simples mas que abrange diversas aplicações, para elaborarmos um estudo de estabilidade sobre o caso não linear, em uma vizinhança do ponto de equilíbrio A aplicação envolvida neste trabalho ilustra como essa ferramenta pode ser útil no entendimento de um problema biológico Com este trabalho, esperamos que o leitor tenha apreciado um pouco desta bela linha de pesquisa e se aventure aos diversos temas envolvendo as equações diferenciais São inúmeras as referências - livros e artigos científicos - existentes sobre este tema Também esperamos que aqueles que são professores da Educação Básica se sintam motivados a criar e investigar modelos matemáticos de fenômenos biológicos em suas versões discretas com seus alunos Finalizamos então este trabalho desejando ao leitor interessado uma ótima viagem ao mundo da Matemática, especialmente ao das Equações Diferenciais PERO, L Differential Equations and Dynamical Systems New York: Springer, 1996 RAFIOV, M; LIMEIRA, EH Mathematical modelling of the biological pest control of the sugarcane borer, International Journal of Computer Mathematics vol 89 no 3, p 39-41, 212 Agradecimentos Agradecemos à SBM pela iniciativa na criação do Profmat e à CAPES pelo apoio financeiro Agradecemos também aos revisores deste artigo pelas sugestões Referências BARREIRA, L; VALLS, C Equações Diferenciais Ordinárias: Teoria Qualitativa 1a edição São Paulo: Livraria da Física, 212 26 p BASSANEZI, RC Ensino-aprendizagem com modelagem matemática: uma nova estratégia 1a edição São Paulo: Contexto, 22 392 p BOYCE, W; DIPRIMA, R C Equações Diferenciais Elementares e Problemas de Valor de Contorno 7a edição Rio de Janeiro: LTC, 21 624 p BRAUN, M Equações Diferenciais e suas Aplicações Rio de Janeiro: Editora Campus, 1979 MAGRINI, L A Modelos Matemáticos e Aplicações ao Ensino Médio 213 126f Dissertação Mestrado em Matemática em Rede Nacional - Instituto de Geociências e Ciências Exatas, UNESP Rio Claro 213