Aproximações entre Brasil e Argentina: aspectos da recepção crítica da. Garay



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Transcrição:

Aproximações entre Brasil e Argentina: aspectos da recepção crítica da tradução de Os Sertões de Euclides da Cunha feita por Benjamín de Garay André da Costa Cabral (FFLCH-USP/ FAPESP) 1 La primera etapa en toda obra de colaboración consiste en el conocimiento (LEVENE, 1937, p. 14-15). Este trabalho tem como objetivo comentar um pouco sobre a aproximação político-cultural entre Brasil e Argentina, ocorrida no final dos anos trinta, período no qual se destaca a imagem de um grande nome na difusão da cultura brasileira na Argentina, Benjamín de Garay, autor e tradutor argentino que foi um dos principais incentivadores dessa relação no âmbito cultural. A idéia deste trabalho surgiu do encontro de uma carta de Benjamín de Garay enviada a Plínio Barreto em agradecimento a uma crítica publicada em O Estado de S. Paulo, em 12 de novembro de 1938, sobre a tradução ao espanhol de Os Sertões, documento conservado no acervo Correspondência Passiva de Plínio Barreto, pertencente ao Instituto de Estudos Brasileiros da USP, acervo com o qual trabalho em meu mestrado, que visa à organização e anotação de uma seleta de cartas enviadas por escritores brasileiros a Plínio Barreto. Este estudo possibilitará, a mim e outros pesquisadores, a exploração do conjunto dessas cartas, trazendo novos elementos para o estudo da vida literária da primeira metade do século XX em São Paulo e no Brasil. Os anos trinta marcam um novo período na relação político-cultural entre Brasil e Argentina, envoltos nessa aproximação encontramos dois grandes projetos 237

editoriais argentinos: a Biblioteca de Novelistas Brasileños e a Biblioteca de Autores Brasileños Traducidos al Castellano. Dois projetos que visavam à difusão da cultura literária brasileira em terras argentinas. A existência dessas empreitadas editoriais e intelectuais só foram possíveis devido ao plano político e ao novo interesse comercial da época. As condições para que uma coleção como a Biblioteca de Autores Brasileños Traducidos al Castellano, projeto do governo argentino mais voltado a textos sobre sociologia e estudos sobre a história brasileira, fosse possível, se conectam com o estado geral das relações argentino-brasileiras durante os anos 30, momento em que uma preocupação com a revisão histórico-cultural representava uma ação política, no qual o primeiro passo para uma obra de colaboração partia do conhecimento, e esse era um momento histórico propício para isso, como podemos ver no seguinte fragmento de Eduardo Madrid: en el periodo de los gobiernos conservadores la Argentina inició una etapa de mayor nivel de entendimiento con el Brasil. En ese sentido fue importante la influencia ejercida por la retracción económica en los años de la Gran Depresión y de la Segunda Guerra Mundial, que permitieron aumentar el intercambio comercial entre ambos países al encontrar dificultades en los mercados tradicionales, tanto europeos cuanto norteamericanos (MADRID, 1999, p. 1). É nessa época marcada pelas manifestações de aproximações que ocorrem as visitas do presidente Agustín Pedro Justo ao Rio de Janeiro em 1933, um ano após a sua posse, e a de Getúlio Vargas a Buenos Aires em maio de 1935. É interessante ressaltar que a visita de Vargas esteve precedida por imponentes cerimônias que incluíam desde comitivas culturais até ações aeronavais conjuntas. Além dessa proximidade entre os presidentes dessa época são diversos os acordos entre os dois países, como é o caso do convênio para a revisão dos textos do ensino de História e Geografia, um convênio de intercâmbio intelectual, outro de intercâmbio 238

artístico, um acordo para a permuta de publicações e um convênio para o fomento do turismo. Era explícita a intenção de que a revisão histórico-cultural representava uma ação política, na qual estava em jogo a construção de uma imagem do público geral que se conquistaria através da ciência, e do conhecimento mútuo. Imerso nesse contexto é que aumentou na Argentina um interesse pelo Brasil e as suas formas de arte, em meio a esse contexto encontramos o nome de Benjamín de Garay, modelo de embaixador cultural do Brasil na Argentina, empenhado em levar adiante projetos arriscados, convertendo-se em um formador de público. Muito da qualidade das edições de autores brasileiros na Argentina foi garantida pela presença de Garay, que foi o Diretor da Biblioteca de Novelistas Brasileños, projeto da editora Claridad que demonstra o interesse comercial pelo que é brasileiro. Além do cargo de diretor, Garay também foi responsável pela tradução, organização de glossários e redação de prefácios. Em suas escolhas buscou para a coleção uma mostra de quadros de diferentes regiões e situações sociais do país, meta que foi comentada na carta enviada a Plínio Barreto: Envío a usted, por separado, los dos primeros volúmenes de la Biblioteca de Novelistas Brasileños que dirijo, y con la cual me propongo desplazar por completo la literatura de ficción de los demás países. Presento en esta colección un panorama de la novela brasileña de la vieja y de la nueva generación. A Biblioteca de Novelistas Brasileños expôs e afirmou o nome de Benjamín de Garay a partir de 1937, confirmando a sua posição como importador de literatura brasileira, trabalho que vinha realizando desde os anos 20, como podemos ver neste fragmento de uma carta de Léo Vaz enviada a Plínio Barreto, também pertencente ao acervo do IEB-USP: 239

Mas, agora que já está o livro feito [Vida forense de Plínio Barreto], venho fazer o que fazem os devotos da Guiomar Novaes: venho pedir bis. Não da edição, mas do volume. É o caso que o Benjamín de Garay, argentino que promove o estreitamento (salvo seja) argentino-brasileiro, me pediu que lhe cavasse um volume, de meia-cara, a fim de ele o enviar ao Ingenieros, o que é uma das formas por que ele conta estreitar ainda mais o tudo nos une (VAZ, Léo. Carta a Plínio Barreto, de 8 de maio de 1922). Foi nos anos 20 que Benjamín de Garay circulou por uma das tantas vertentes modernistas da São Paulo já marcada e envolvida pela notoriedade retrospectiva da Semana de Arte Moderna de 1922, na qual os desenvolvimentos econômicos e culturais argentinos freqüentemente apareciam retratados na imprensa como metas a alcançar. Prova disso é o comentário e citação de Yone Soares Lima a um prefácio da Revista do Brasil de 1919: Comparando as revistas nacionais com as argentinas o edital justificava a superioridade dos periódicos no país vizinho: Têm-nas ótimas, prósperas e em melhoria crescente. Porque não havemos nós de conseguir o mesmo? Já possuímos uma por todas as razões em caminho e digna de ser a grande revista nacional (LIMA, 1985, p. 80). Marca também dessa admiração pelo sistema editorial argentino é a grande empreitada da Editora de Monteiro Lobato, que em muitos aspectos apoiou-se no modelo do autor e editor argentino Manuel Galvéz para o seu projeto editorial. Modelo adotado pela editora Claridad, que buscando alcançar um público maior, reduziu os preços dos livros, objetivo distinto ao do projeto do governo argentino, e que também é comentado por Garay em sua carta: Si alguna angustia me ha costado la versión de este libro genial, me doy por generosamente pagado con el éxito moral obtenido por él. Y tanto es así que, agotada la edición realizada por el gobierno de mi país, está en impresión una segunda edición que, en rigor de verdad, equivale a una retraducción por la depuración literaria a que he sometido la primera edición. Esta será realizada por la 240

Editorial Claridad en una edición si bien económica, acaso más elegante que la anterior y destinada a un público pobre, que es el público que lee. Em suas viagens a São Paulo, Benjamín de Garay era atraído pelo grupo A Colméia, da qual participavam Léo Vaz, Menotti del Picchia, Monteiro Lobato, Affonso Schmidt, entre outros. Esse grupo criou em 1921 a revista A Novela Semanal, similar a La Novela Semanal de Buenos Aires que, feita em papel jornal, publicava semanalmente uma novela completa junto à seção de crítica literária: El Suplemento. Garay foi o propulsor da idéia patrocinada por Clóvis Ribeiro, filho de um jornalista e impressor de Bragança Paulista. Yone Lima esclarece alguns aspectos da presença de Garay em São Paulo: Além de acolher e promover escritores e poetas dos países do Prata, suas obras as dos modernistas paulistas dos anos vinte eram prestigiadas também nos meios culturais de Buenos Aires, com repercussão em revistas de Paris (LIMA, 1985, p. 85). Mesmo quando o trabalho de importador da literatura brasileira de Garay pode haver rivalizado com o de outros agentes sobre os quais hoje não temos rastros, o capital de relações e funções de representação acumulado nos anos vinte foi habilmente mobilizado segundo testemunha a presença de Garay nas coleções argentinas de autores brasileiros. Os títulos por ele promovidos entre os anos trinta e quarenta, não somente correspondem aos romancistas publicados pela editora Claridad, mas também a vários pensadores sociais que complementavam a estes na iluminação dos contornos da cultura brasileira legítima. Benjamín de Garay realizou as traduções de alguns títulos da Biblioteca de Autores Brasileños Traducidos al Castellano, publicada pelo Ministerio de Justicia e Instrucción Pública: Los sertones de Euclides da Cunha (1938); Mis memórias de los otros de Rodrigo Octavio (1940); Casa grande & senzala de Gilberto Freyre (1942); San Pablo en el siglo XVI. Historia 241

de la Villa de Piratininga de Alfonso de E. Taunay (1947). Também realizou a tradução de El conventillo de Aluísio Azevedo (Editorial Nova, 1943). Isso quer dizer que Garay ocupou as principais posições entre o pólo da edição comercial e a oficial, entre a literatura e o pensamento social. O capital reconhecimento acumulado por Benjamín de Garay beneficiou a recepção nacional dos autores brasileiros. Sua atividade diversa e duradoura criou condições para uma apresentação sistemática dessas obras. O poder e a autonomia intelectuais que possibilitaram o reconhecimento internacional fizeram com que o nome de Garay fosse simultaneamente reconhecido na Argentina e no Brasil. Se no primeiro país ninguém parecia conhecer melhor as obras escritas do Brasil, no segundo foi progressivamente valorizado como uma confirmação desinteressada sobre a possível validade universal dos livros mais expressivos da brasilidade. E é esta a principal função da crítica de Plínio Barreto. O advogado, jornalista e político paulista Plínio Barreto foi durante muitos anos o responsável pela coluna de crítica literária, crítica a livros novos, do jornal O Estado de S. Paulo jornal que se caracterizava por atrair ao seu redor um núcleo intelectual, como podemos ver nesta citação: Além do indiscutível papel que representa como jornal, o jornal mais independente e mais bem-feito do Brasil, o mais eficiente como instrumento de informação e o mais coerente como órgão de opinião, O Estado de S. Paulo desempenhou ainda outro notável papel social no meio paulista. Exercendo funções de polarizador, foi sempre um centro de atração para que convergiam, como ainda convergem, elementos dos mais representativos da intelectualidade, da cultura e da integridade moral do ambiente humano de São Paulo (COARACY, 1962, p. 211). Como representante desse grupo, com uma coluna que tinha como principal objetivo apresentar as principais novidades no campo editorial é que nos questionamos qual o objetivo de Plínio ao realizar uma crítica à tradução ao espanhol 242

de Os sertões de Euclides da Cunha, justamente em um momento histórico, anos 30, que é marcado como uma época da refundação da autêntica cultura brasileira. Essa questão que inicialmente pode parecer muito complexa é esclarecida pelo próprio crítico. Podemos pensar que Plínio, como formador de opinião, reflete o modo de pensar de um grupo, o grupo que se vincula ao jornal O Estado de S. Paulo, desse modo, podemos pensar que a crítica deste representa o pensamento de uma parcela da sociedade paulista. Para esses intelectuais a tradução de obras canônicas de nossa literatura representam a possibilidade de uma maior difusão dessa obra dentro e fora do país, fazendo com que os valores culturais nacionais sejam por ela divulgados, expondo fora de nosso país o que anteriormente só era resenhado. Isso pode ser observado neste fragmento: Através dela [da tradução] poderão os que só conhecem o espanhol fazer uma idéia do que é, pela forma e pelo fundo, na literatura brasileira e mesmo na literatura universal, a obra de Euclides da Cunha. Porém a importância central dessa tradução a Plínio Barreto não se reduz somente ao acesso à leitura, mas sim à função de apresentar o caráter internacional da cultura: Até os brasileiros encontrarão nele alguma coisa mais que a reprodução, em língua tão sonora e pomposa como é o espanhol, da prosa retorcida e vibrante do mais original e do mais grandioso, nas suas visões, dentre os maiores escritores brasileiros. A divulgação da obra de Euclides na Argentina concorrerá, naturalmente, para que se dilate, na República vizinha, o círculo de admiradores do pensador para o qual as fronteiras em nosso belo e maravilhoso continente são mais expressões geográficas que históricas, subordinadas, em seu significado físico, à elevação cada vez mais dominadora da consciência sul-americana que as avassala. [...] Não haverá perigo da América se transviar por maus caminhos nem de se enxovalhar no crime se permanecer atenta à direção de espíritos e de consciências como as daquele caboclo, jagunço manso, mescla de celta, de tapuya e grego. 243

Em síntese, o perceber-se traduzido nos faz superar um momento de formação de um campo literário nacional dominado, sem tradição que se apóia, em grande medida, na tradução como acumulação de capital. No momento em que nos percebemos traduzidos entramos na concorrência literária mundial, transformando-nos em um elemento reconhecido como capital universal literário. Referências BROCA, Brito. A vida literária no Brasil-1900. Rio de Janeiro: Serviço de Documentação/ MEC. 1956. COARACY, Vivaldo. Encontros com a vida (memórias). Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1962. LEVENE, Ricardo. Prólogo. In: CALMON, Pedro. Historia de la civilización brasileña. Buenos Aires: Ministerio de Justicia e Instrucción Pública, Biblioteca de Autores Brasileños Traducidos al Castellano, 1937. p. 9-16. v. 1. LIMA, Yone Soares de. A ilustração na produção literária: São Paulo década de 20. São Paulo: IEB/ USP, 1987. LUCA, Tânia Regina de. A Revista do Brasil: um diagnóstico para a (N)ação. São Paulo: Editora da UNESP, 1999. 244

SORÁ, Gustavo. Traducir el Brasil. Una antropología de la circulación internacional de ideas. Buenos Aires: Libros del Zorzal, 2003. Nota 1 Orientador: Prof. Dr. Marcos Antonio de Moraes. 245