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Transcrição:

4 O mercado brasileiro de energia elétrica A matriz energética brasileira é altamente diversificada em função de sua vasta extensão. Nos últimos dez anos, é crescente a participação de fontes não renováveis, principalmente o petróleo, em função do desenvolvimento tecnológico do setor e a descoberta de novas reservas, ambos os movimentos liderados pela Petrobrás. A figura 4 apresenta a evolução das fontes de energia primária entre fontes renováveis (energia hidráulica, lenha, cana-de-açúcar e outras) em comparação com as fontes não renováveis (petróleo, gás natural, carvão, carvão metalúrgico e urânio), dados do Ministério de Minas e Energia (MME) até 2007. 140.000 Matriz Energética Brasileira - Renovável x Não Renovável Mil Ton Equivalente de Petróleo 120.000 100.000 80.000 60.000 40.000 20.000 0 1970 1972 1974 1976 1978 1980 1982 1984 1986 1988 NÃO RENOVÁVEL 1990 1992 RENOVÁVEL Figura 4: Matriz Energética Brasileira (fontes renováveis e não renováveis) Fonte: MME 1994 1996 1998 2000 2002 2004 2006

37 figura 5. A composição atual da matriz energética do Brasil está ilustrada na 238,8 milhões tep (2% da energia mundial) BIOMASSA 31,1% RENOVÁVEIS: Brasil: 46 % OECD: 6,7 % Mundo: 12,9 % PETRÓLEO e DERIVADOS 37,4% HIDRÁULICA E ELETRICIDADE 14,9% URÂNIO CARVÃO 1,4% MINERAL 6,0% GÁS NATURAL 9,3% Biomassa: Lenha: 12% Produtos da cana:15,9% Outras: 3,2 % Figura 5: Matriz Energética Brasileira Fonte: MME Essa composição energética coloca o Brasil como décimo maior produtor mundial de energia elétrica, atrás de EUA, China, Japão, Rússia, Canadá, Índia, Alemanha, França e Reino Unido. É crescente, também, a produção de energia via fonte hidráulica. Em vinte anos, a produção anual saltou de cerca de 18 milhões toneladas equivalentes de petróleo (tep) para mais de 32 milhões de tep em 2007. O gráfico abaixo mostra também a grave interrupção da tendência de crescimento ocorrida em 2001, ano da crise do apagão.

38 Produção Anual Energia Elétrica - Fonte Hidráulica Mil Ton Equivalente de Petróleo 35.000 30.000 25.000 20.000 15.000 10.000 5.000 0 1970 1973 1976 1979 1982 1985 1988 1991 1994 1997 2000 2003 2006 ENERGIA HIDRÁULICA Figura 6: Energia de fonte hidráulica Fonte: MME Quando se trata exclusivamente da oferta de energia elétrica, notase uma forte concentração na fonte hidráulica. Isso se deve a vasta extensão territorial do país e a abundância das bacias hidrográficas. GÁS INDUSTRIAL 0,9% BIOMASSA 3,7% DERIVADOS DE PETRÓLEO 2,8% CARVÃO MINERAL 1,4% GÁS NATURAL 3,6% IMPORTAÇÃO 8,0% NUCLEAR 2,6% HIDRO 77,4% TWh TOTAL 483,4 HIDRO 374,0 GÁS NATURAL 15,5 DER. PETRÓLEO 13,3 NUCLEAR 12,4 CARVÃO 6,8 BIOMASSA 18,1 GÁS INDUST. 4,5 IMPORTAÇÃO 38,8 Figura 1: Fontes de energia elétrica Fonte: MME

39 Cabe ressaltar que, segundo dados do MME de 2005, o Brasil possui um potencial de energia hidráulica da ordem de 260 TW, do qual menos de um terço é atualmente aproveitado. Atualmente, estão em andamento diversos projetos hidrelétricos de geração de grande porte, de forma a atender a demanda futura de energia elétrica. Os principais são Jirau e Santo Antônio, no Rio Madeira, com expectativa de geração de 6,5 GW e Belo Monte, no Rio Xingu, com potência prevista de 11,2 GW. Estes três projetos têm previsão de estarem prontos em 2014. É importante destacar a importância da evolução do marco regulatório no Brasil e seus impactos para o setor. Nos próximos itens, será apresentado também brevemente como funciona atualmente o mercado de energia elétrica, os principais agentes (privados e institucionais) e o mecanismo de precificação. 4.1. Histórico O setor elétrico nacional apresenta em sua história conturbada evolução, marcada por diversos momentos de ruptura. Os diversos modelos de desenvolvimento do setor sempre estiveram intrinsecamente ligados ao comportamento da economia brasileira. Pode-se dividir essa evolução em quatro fases. Até 1930, com predominância de propriedade privada de capital estrangeiro e mínima regulação. Cabiam aos governos locais os investimentos em infra-estrutura. Em seguida, eram cedidos direitos de concessão às empresas privadas. Durante este período, empresas como a Light e Amforp estabeleceram-se no país e a rede elétrica estava concentrada predominantemente no Rio de Janeiro e São Paulo. Décadas de 1930 e 1940, propriedade privada com maior regulação estatal. Com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder, os contratos entre as empresas privadas e os governos locais foram suspensos, de forma a dar maior poder de regulação ao governo central. O objetivo era incentivar

40 os investimentos no setor e ter maior controle sobre as tarifas. Alguns instrumentos criados neste período podem ser destacados: A criação do Código das Águas, que estabeleceu o regime de concessões federais para o aproveitamento dos recursos hídricos; Criação da Comissão Federal de Forças Hidráulicas, órgão responsável pela fiscalização do setor. O marco regulatório criado neste período prevaleceu sem muitas modificações até 1993. Década de 1950 até a primeira metade da década de 1990, predominância do capital estatal e controle centralizado. Neste período foram criadas as maiores empresas do setor, tais como Companhia Hidrelétrica do São Francisco (CHESF), FURNAS, as companhias elétricas estaduais e a Eletrobrás (1962). Foi neste período que se criou também o Ministério de Minas e Energia (1960). Em pouco tempo, a Eletrobrás passou a ser o protagonista do setor elétrico brasileiro e foi o principal agente de centralização: possuía quatro subsidiárias (CHESF, FURNAS, Eletronorte e Eletrosul) e 50% do controle de Itaipu Binacional. As crises do petróleo de 1973 e 1979 provocaram uma forte redução dos canais de crédito internacionais, o que reduziu drasticamente a capacidade de investimento do governo central no setor energético. Some-se a isso a estagnação econômica do Brasil na década de 1980 ( década perdida ) e o uso da tarifa de energia elétrica como forma de controle da inflação. O resultado dessa conjunção de fatores é o esgotamento da capacidade de financiamento e o esgotamento do modelo centralizado. A reestruturação do setor veio a partir da segunda metade da década de 1990, já no governo de Fernando Henrique Cardoso com a criação de um modelo de propriedade mista, privatizações e evoluções do marco regulatório. Foram marcos dessa reestruturação os seguintes eventos:

41 Aprovação em 1995 da Lei Geral de Concessões n o 8987, que estabeleceu as regras gerais para as licitações de concessões em vários segmentos de infra-estrutura; Aprovação em 1995 da Lei n o 9074, específica para o setor elétrico, estendeu por vinte anos as concessões das usinas que estavam em construção. Mais importante que isso, esta lei criou a figura jurídica do produtor independente de energia elétrica e possibilitou a liberdade de escolha dos consumidores na contratação de energia elétrica; Em 1996, entrega do relatório intitulado Reestruturação do Setor Elétrico Brasileiro (RESEB). Este trabalho foi realizado pela empresa de consultoria Coopers & Lybrand e propôs um novo modelo visando o aumento da competição no setor. Como principais sugestões estão a privatização das companhias do setor, criação de um mercado atacadista de eletricidade, o desmembramento dos ativos de geração, transmissão e distribuição e criação de um operador independente do sistema para administrar o sistema interligado; Criação da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) pela Lei n o 9427, autarquia especial vinculada ao MME, com diretoria independente; Lei n o 9.648: formaliza as propostas do RESEB, cria o Mercado Atacadista de Energia e o ONS. Antes mesmo da criação da ANEEL, o processo de privatização já havia iniciado. As primeiras empresas do setor a serem privatizadas foram as do governo federal (Light e Escelsa), seguida das distribuidoras estaduais (a CERJ foi a primeira destas a ser privatizada). Em 2003 e 2004, o Governo Federal lançou (já na gestão do presidente Lula) os aprimoramentos do modelo do Setor Elétrico Brasileiro, pelas Leis nº 10.847 e 10.848, de 2004; e pelo Decreto nº 5.163, também de 2004. Este modelo definiu a criação de uma entidade responsável pelo planejamento do setor elétrico a longo prazo (a Empresa

42 de Pesquisa Energética EPE), uma instituição com a função de avaliar a segurança do suprimento de energia elétrica (o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico CMSE) e uma instituição para dar continuidade às atividades do MAE (Mercado Atacadista de Energia), relativas à comercialização de energia elétrica no Sistema Interligado (a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica - CCEE). Outras alterações importantes incluem a definição do exercício do Poder Concedente ao Ministério de Minas e Energia (MME) e a ampliação da autonomia do ONS. Em relação à comercialização de energia, foram instituídos dois ambientes para celebração de contratos de compra e venda de energia: o Ambiente de Contratação Regulada (ACR), do qual participam Agentes de Geração e de Distribuição de energia; e o Ambiente de Contratação Livre (ACL), do qual participam Agentes de Geração, Comercializadores, Importadores e Exportadores de energia e Consumidores Livres. 4.2. Os principais agentes Neste item, iremos apresentar brevemente a organização institucional do setor elétrico. As informações e definições foram buscadas diretamente do MME. O fluxo abaixo mostra o escopo de atuação de cada grupo de agentes. Políticas CONGRESSO CASA CIVIL/PR CNPE MME Regulação e Fiscalização ANEEL Agentes de Mercado CCEE ONS Agentes Institucionais CMSE EPE BNDES Figura 8: Agentes do setor elétrico brasileiro, Fonte: MME

43 Conselho Nacional de Política Energética CNPE: composto basicamente por ministros e vinculado à presidência, tem como função a proposição de políticas energéticas ao presidente da república. Ministério de Minas e Energia MME: responsável pela criação de políticas, concessões e planejamento setorial. Antes da sua criação em 1960, os assuntos de minas e energia eram de competência do Ministério da Agricultura. Após o apagão de 2001, o MME ganhou mais visibilidade. Empresa de Pesquisa Energética EPE: realiza estudos e pesquisas orientadas para o planejamento energético brasileiro, considerando aspectos técnicos, econômicos, sociais e ambientais. Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico CMSE: acompanha e monitora as condições de abastecimento de energia e aspectos ligados à segurança da rede. Agência Nacional de Energia Elétrica ANEEL: autarquia de direito público e autonomia patrimonial, administrativa e financeira, vinculada ao MME. Suas principais finalidades são regular e fiscalizar a produção, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica. Pelo Decreto 2.335/97 (art. 2º e 3º): A ANEEL orientará a execução de suas atividades finalísticas de forma a proporcionar condições favoráveis para que o desenvolvimento do mercado de energia elétrica ocorra com equilíbrio entre os agentes e em benefício da sociedade, observando as seguintes diretrizes: I - prevenção de potenciais conflitos, por meio de ações e canais que estabeleçam adequado relacionamento entre agentes do setor de energia elétrica e demais agentes da sociedade; II - regulação e fiscalização realizadas com o caráter de simplicidade e pautadas na livre concorrência entre os agentes, no atendimento às necessidades dos consumidores e no pleno acesso aos serviços de energia elétrica; III - adoção de critérios que evitem práticas anti-competitivas e de impedimento ao livre acesso aos sistemas elétricos; IV - criação de condições para a modicidade das tarifas, sem prejuízo da oferta e com ênfase na qualidade do serviço de energia elétrica; V - criação de ambiente para o setor de energia elétrica que incentive o investimento, de forma que os concessionários, permissionários e autorizados tenham asseguradas a viabilidade econômica e financeira, nos termos do respectivo contrato;

44 VI - adoção de medidas efetivas que assegurem a oferta de energia elétrica a áreas de renda e densidade de carga baixas, urbanas e rurais, de forma a promover o desenvolvimento econômico e social e a redução das desigualdades regionais; VII - educação e informação dos agentes e demais envolvidos sobre as políticas, diretrizes e regulamentos do setor de energia elétrica; VIII - promoção da execução indireta, mediante convênio, de atividades para as quais os setores públicos estaduais estejam devidamente capacitados; IX - transparência e efetividade nas relações com a sociedade. Nota-se do exposto acima que a ANEEL não formula políticas de investimentos de expansão da oferta. Câmara de Compensação de Energia Elétrica CCEE: Associação civil, de direito privado e sem fins lucrativos. Suas funções são a administração, contabilização e liquidação de contratos de energia elétrica no sistema integrado. É uma instituição proveniente da modificação do Mercado Atacadista de Energia MAE, a CCEE é regulada e fiscalizada pela ANEEL. Atua diretamente junto aos agentes privados de mercado: Na implantação e divulgação das Regras de Comercialização e dos Procedimentos de Comercialização; Administração do Ambiente de Contratação Regulada (ACR) e Ambiente de Contratação Livre (ACL); Medição e registro da energia verificada através do Sistema de Coleta de Dados de Energia (SCDE), Responsável pela coleta automática dos valores produzidos e consumidos no sistema elétrico interligado; Registro dos contratos firmados entre os Agentes da CCEE; Realização de leilões de compra e venda de energia elétrica; Apuração das infrações e cálculo de penalidades por variações de contratação de energia; Apuração do Preço de Liquidação das Diferenças (PLD), utilizado para liquidação da energia comercializada no curto prazo; Contabilização e liquidação das transações realizadas no mercado de curto prazo;

45 Monitoramento das condutas e ações empreendidas pelos Agentes da CCEE. Como agentes do mercado, pode-se considerar as seguintes definições: Agentes da Categoria Geração: o Classe de Geradores Concessionários de Serviço Público >= 50 MW instalados; o Classe de Produtores Independentes >= 50 MW instalados o Classe de Autoprodutores >= 50 MW instalados e despachados pelo ONS Agentes da Categoria Distribuição: o Classe de Distribuidores >= 500 GWh/ano e aqueles com < 500 GWh/ano, mas que não adquirirem a totalidade da energia de supridor com tarifa regulada; Agentes da Categoria Comercialização o Classe de Agentes Importadores e Exportadores >= 50 MW intercambiados; o Classe de Comercializadores >= 500 GWh/ano; o Classe de Consumidores Livres. Mais adiante no trabalho, iremos apresentar como funciona de fato este importante mercado de energia elétrica. Operador Nacional do Sistema Elétrico ONS: Deve coordenar e controlar a operação dos ativos de geração e transmissão do sistema integrado nacional. Instituição foi sugerida a partir do RESEB. O ONS é regulado e fiscalizado pela ANEEL.

46 4.3. Como funcionam os mercados O novo modelo do setor elétrico define que a comercialização de energia elétrica é realizada em dois ambientes de mercado, o Ambiente de Contratação Regulada - ACR e o Ambiente de Contratação Livre - ACL. A contratação no ACR é formalizada através de contratos bilaterais regulados, denominados Contratos de Comercialização de Energia Elétrica no Ambiente Regulado (CCEAR), celebrados entre Agentes Vendedores (comercializadores, geradores, produtores independentes ou autoprodutores) e Compradores (distribuidores) que participam dos leilões de compra e venda de energia elétrica. Já no ACL há a livre negociação entre os Agentes Geradores, Comercializadores, Consumidores Livres, Importadores e Exportadores de energia, sendo que os acordos de compra e venda de energia são pactuados por meio de contratos bilaterais. Os Agentes de Geração, sejam concessionários de serviço público de Geração, Produtores Independentes de energia ou Autoprodutores, assim como os Comercializadores, podem vender energia elétrica nos dois ambientes, mantendo o caráter competitivo da geração, e todos os contratos, sejam do ACR ou do ACL, são registrados na CCEE e servem de base para a contabilização e liquidação das diferenças no mercado de curto prazo. Uma visão geral da comercialização de energia, envolvendo os dois ambientes de contratação, é apresentada na figura 9:

47 Vendedores Geradores de Serviço Público, Autoprodutores, Produtores Independentes e Comercializadores Ambiente de Contratação Regulada (ACR) Ambiente de Contratação Livre (ACL) Contratos Resultantes de Leilões Contratos Livremente Negociados Figura 9: Ambientes de contratação de energia elétrica Fonte: CCEE Ambiente de Contratação Regulada: participam do Ambiente de Contratação Regulada - ACR - os Agentes Vendedores e Agentes de Distribuição de energia elétrica. Para garantir o atendimento aos seus mercados, os Agentes de Distribuição podem adquirir energia das seguintes formas, de acordo com o art. 13 do Decreto nº 5.163/2004: Leilões de compra de energia elétrica proveniente de empreendimentos de geração existentes e de novos empreendimentos de geração. Geração distribuída, desde que a contratação seja precedida de chamada pública realizada pelo próprio Agente de Distribuição e com montante limitado a 10% do mercado do distribuidor. Usinas que produzem energia elétrica a partir de fontes eólicas, pequenas centrais hidrelétricas e biomassa, contratadas na primeira etapa do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica - PROINFA. Itaipu Binacional. Ambiente de Contratação Livre: no Ambiente de Contratação Livre - ACL - participam Agentes de geração, comercializadores, importadores e exportadores de energia elétrica e consumidores livres. Nesse ambiente há liberdade para se estabelecer volumes de compra e venda de energia

48 e seus respectivos preços, sendo as transações pactuadas através de contratos bilaterais. O processo de comercialização de energia elétrica ocorre de acordo com parâmetros estabelecidos pela Lei nº. 10.848/2004, pelos Decretos nº 5.163/2004 e nº. 5.177/2004 (o qual instituiu a CCEE), e pela Resolução Normativa ANEEL nº. 109/2004, que instituiu a Convenção de Comercialização de Energia Elétrica. As relações comerciais entre os agentes participantes da CCEE são regidas predominantemente por contratos de compra e venda de energia, e todos os contratos celebrados entre os agentes no âmbito do Sistema Interligado Nacional devem ser registrados na CCEE. Esse registro inclui apenas as partes envolvidas, os montantes de energia e o período de vigência. Detalhe interessante, os preços de energia dos contratos não são registrados na CCEE, sendo utilizados especificamente pelas partes envolvidas em suas liquidações bilaterais. A CCEE contabiliza as diferenças entre o que foi produzido ou consumido e o que foi contratado. As diferenças positivas ou negativas são liquidadas no Mercado de Curto Prazo e valoradas ao PLD (Preço de Liquidação das Diferenças) acrescido de um ágio. O PLD é determinado semanalmente para cada patamar de carga e para cada sub-mercado, tendo como base o custo marginal de operação do sistema, este limitado por um preço mínimo e por um preço máximo. Dessa forma, pode-se dizer que o mercado de curto prazo é o mercado das diferenças entre montantes contratados e montantes verificados, conforme figura 10: Mercado Spot Energia Contratada Energia Verificada Figura 10: Mercado de liquidação de diferenças Fonte: CCEE

49 4.4. Precificação O Preço de Liquidação das Diferenças (PLD) é utilizado para valorar a compra e a venda de energia no Mercado de Curto Prazo. A formação do preço da energia comercializada no mercado de curto prazo se faz pela utilização dos dados considerados pelo ONS para a otimização da operação do Sistema Interligado Nacional. Em função da preponderância de usinas hidrelétricas no parque de geração brasileiro, são utilizados modelos matemáticos para o cálculo do PLD, que têm por objetivo encontrar a solução ótima de equilíbrio entre o benefício presente do uso da água e o benefício futuro de seu armazenamento, medido em termos da economia esperada dos combustíveis das usinas termelétricas. A máxima utilização da energia hidrelétrica disponível em cada período é a premissa mais econômica, do ponto de vista imediato, pois minimiza os custos de combustível. No entanto, essa premissa resulta em maiores riscos de déficits futuros. Por sua vez, a máxima confiabilidade de fornecimento é obtida conservando o nível dos reservatórios o mais elevado possível, o que significa utilizar mais geração térmica e, portanto, aumento dos custos de operação. Com base nas condições hidrológicas, na demanda de energia, nos preços de combustível, no custo de déficit, na entrada de novos projetos e na disponibilidade de equipamentos de geração e transmissão, o modelo de precificação obtém o despacho (geração) ótimo para o período em estudo, definindo a geração hidráulica e a geração térmica para cada submercado. Como resultados desse processo são obtidos os Custos Marginais de Operação (CMO) para o período estudado, para cada patamar de carga e para cada submercado. O PLD é um valor determinado semanalmente para cada patamar de carga com base no Custo Marginal de Operação, limitado por um preço máximo e mínimo vigentes para cada período de apuração e para cada Submercado. Os intervalos de duração de cada patamar são

50 determinados para cada mês de apuração pelo ONS e informados à CCEE. Na CCEE são utilizados os mesmos modelos adotados pelo ONS para determinação da programação e despacho de geração do sistema, com as adaptações necessárias para refletir as condições de formação de preços na CCEE. No cálculo do PLD não são consideradas as restrições de transmissão internas a cada submercado e as usinas em testes, de forma que a energia comercializada seja tratada como igualmente disponível em todos os seus pontos de consumo e que, conseqüentemente, o preço seja único dentro de cada uma dessas regiões. No cálculo do preço são consideradas apenas as restrições de transmissão de energia entre os submercados (limites de intercâmbios). A determinação do preço à vista da eletricidade é realizada através do Custo Marginal da Operação (CMO). A utilização deste método em sistemas com predominância hidráulica, que é o caso brasileiro, apresenta uma dificuldade adicional devido principalmente à variabilidade das condições hidrológicas. A metodologia para determinação do PLD é operacionalizada através dos programas NEWAVE e DECOMP. Estes sistemas computacionais são desenvolvidos levando-se em conta características importantes da operação de sistemas hidro-térmicos, tais como: acoplamento temporal - a operação de uma usina hidrelétrica depende do uso futuro da água, sua disponibilidade e valor; e variáveis estocásticas as afluências nos reservatórios, a oferta e a demanda por eletricidade são variáveis aleatórias. A seguir apresenta-se uma breve descrição desses programas, além dos limites mínimo e máximo do PLD estipulados pela Aneel: NEWAVE: modelo de otimização para o planejamento de médio prazo (até 5 anos), com discretização mensal e representação a sistemas equivalentes. Seu objetivo é determinar a estratégia de geração hidráulica e térmica em cada estágio que minimiza o valor esperado do custo de operação para todo o período de planejamento. Um dos principais resultados desse modelo são as funções de custo futuro, que traduzem para os modelos de outras etapas (de curto prazo) o impacto da utilização da água armazenada

51 nos reservatórios. Nesse modelo, a carga e a função de custo de déficit podem ser representadas em patamares e permite-se a consideração de limites de interligação entre os subsistemas. DECOMP: modelo de otimização para o horizonte de curto prazo (até 12 meses), que representa o primeiro mês em base semanal, as vazões previstas, a aleatoriedade das vazões do restante do período através de uma árvore de possibilidades (cenários de vazões) e o parque gerador individualizado (usinas hidráulicas e térmicas por subsistemas). Seu objetivo é determinar o despacho de geração das usinas hidráulicas e térmicas que minimiza o custo de operação ao longo do período de planejamento, dado o conjunto de informações disponíveis (carga, vazões, disponibilidades, limites de transmissão entre subsistemas, função de custo futuro do NEWAVE). Os principais resultados desse modelo são os despachos de geração por usina hidráulica e térmica de cada submercado, e os custos marginais de operação para cada estágio por patamar de carga. O sistema é projetado para assegurar a oferta de energia mesmo sob condições adversas, que acontecem raramente. Como conseqüência, na maior parte do tempo existe excessos de energia que implicam em um CMO do sistema muito baixo. Caso um período muito seco aconteça, o CMO poderá aumentar bruscamente, e até mesmo alcançar o custo de racionamento do sistema. Devido à capacidade de armazenamento dos reservatórios, os períodos de baixo custo ocorrem usualmente durante vários anos, separados por períodos de alto custo, causados por secas ou rápido crescimento de demanda não lastreado por geração de energia.

52 PLD POR SUBSISTEMA 800 700 600 500 400 300 200 100-6/7/2001 6/11/2001 6/3/2002 6/7/2002 6/11/2002 6/3/2003 6/7/2003 6/11/2003 6/3/2004 6/7/2004 6/11/2004 6/3/2005 6/7/2005 6/11/2005 R$/M Wh 6/3/2006 6/7/2006 6/11/2006 6/3/2007 6/7/2007 6/11/2007 6/3/2008 6/7/2008 6/11/2008 Médio SE Médio S Médio NE Médio N Figura 11: PLD por subsistema Fonte: CCEE Na figura 11 destacam-se os períodos do apagão de 2001, e seus reflexos sentidos no PLD daquele ano e início de 2002, e o período de que começa no final de 2007 e segue até o início de 2008. Desde setembro de 2008, uma sucessão de problemas resultou na escalada dos preços de energia no mercado spot. Segundo reportagem da Revista Exame de 24/01/2008: Primeiro, foi a escassez de gás, que chegou ser racionado para taxistas e indústrias em outubro, para garantir o funcionamento de termelétricas. Ao mesmo tempo, a estiagem no Nordeste foi deixando os reservatórios da região cada vez mais secos. Às voltas com sua própria crise energética, a Argentina parou de vender o excedente para o Brasil. Para culminar, no Sudeste, desde dezembro as chuvas foram as mais escassas em 76 anos. Vale ressaltar que o PLD é limitado por valores mínimo e máximo de acordo com legislação da Aneel, com validade entre a primeira e a última semana operativa de preços do ano. Limites do PLD (2008) R$/MWh Mínimo 15,47 Máximo 569,59 Tabela 7: Limites do PLD Fonte: CCEE