Cirurgia de Catarata em Olhos Vitrectomizados e Não Vitrectomizados: Diferenças nas Complicações?



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Oftalmologia - Vol. 36: pp.75-79 Artigo Original Cirurgia de Catarata em Olhos Vitrectomizados e Não Vitrectomizados: Diferenças nas Complicações? António Friande 1, Pedro Reimão 1, Rita Reis 1, Eduarda Matos 2, Bernardete Pessoa 3, Natália Ferreira 3, Angelina Meireles 4 1 Licenciado; Interno de especialidade de Oftalmologia do Hospital de Santo António Centro Hospitalar do Porto 2 Mestrado; Departamento de Estudo das Populações, Laboratório da Saúde 3 Assistente Hospitalar Hospital de Santo António Centro Hospitalar do Porto 4 Assistente Hospitalar Graduada Hospital de Santo António Centro Hospitalar do Porto Serviço de Oftalmologia do Hospital de Santo António Centro Hospitalar do Porto Hospital de Santo António Centro Hospitalar do Porto Largo prof. Abel Salazar 4099-001 Porto friande_pereira@hotmail.com Trabalho apresentado no 51º Congresso Nacional da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia, Porto 2008 Os autores não têm qualquer interesse comercial a declarar no trabalho apresentado Cedem desta forma os direitos de autor à Sociedade Portuguesa de Oftalmologia. resumo Objectivo: Avaliar e comparar as complicações intra e pós-operatórias da cirurgia de catarata em olhos vitrectomizados e não vitrectomizados. Material e Métodos: Estudo retrospectivo caso-controlo independente de 192 registos clínicos referentes a doentes submetidos a cirurgia de catarata entre Janeiro e Dezembro de 2007 por 1 de 3 cirurgiões. Recolheram-se registos de 87 cirurgias em olhos vitrectomizados (grupo casos) e 105 em olhos não vitrectomizados (grupo controlo). Foram avaliadas as complicações intra- -operatórias (deiscência zonular, fuga na capsulorrexis, ruptura de cápsula posterior, queda de fragmentos de cristalino no vítreo, lente no sulco, lente de suspensão escleral) e pós-operatórias (edema de córnea, hipertensão intra-ocular, reacção na câmara anterior, perda de fluido pela incisão, hérnia de íris, presença de sutura de córnea, luxação de lente intra-ocular, endoftalmite, descolamento de retina, hemovítreo, edema macular) em ambos os grupos. Resultados: Não se verificaram diferenças significativas nas taxas de complicações intra-operatórias nos dois grupos. Nas complicações pós-operatórias precoces o edema de córnea foi o mais prevalente (29.1% versus 24.8%) não sendo estatisticamente significativa a diferença. O aumento da pressão intra-ocular (39.6% versus 21.3%), foi mais frequente nos casos (p=0.038). De entre as complicações tardias, verificam-se diferenças estatisticamente significativas apenas no grupo de doentes com mais de 65 anos. Opacificação da cápsula posterior mostrou-se mais frequente no grupo dos casos (19.5% versus 5.7%, p=0.003, Chi-Square < 0.05). Conclusão: A cirurgia de catarata em olhos vitrectomizados, além de constituir um maior desafio técnico, está também associada a uma maior taxa de complicações pós-operatórias. Palavras-chave Facoemulsificação, vitrectomia, complicações, intra-operatórias e pós-operatórias. Vol. 36 - Nº 1 - Janeiro-Março 2012 75

António Friande, Pedro Reimão, Rita Reis, Eduarda Matos, Bernardete Pessoa, Natália Ferreira, Angelina Meireles Abstract: To evaluate and to compare the intra and postoperative complications of the surgery of cataract in vitrectomized and nonvitrectomized eyes. Material and Methods: Retrospective study independent case-control of 192 referring clinical registers of submitted people to the surgery of cataract between January and December of 2007 for 1 of 3 surgeons. Registers of 87 surgeries in vitrectomized eyes (group cases) and 105 in eyes nonvitrectomized had been collected (group control). The intraoperative complications had been evaluated (zonular dehiscence, anterior capsule tears, posterior capsule tears, fall of lens fragments posteriorly, lens in the ridge, lens of scleral suspension) and postoperative (corneal oedema, elevated intraocular pressure, increased anterior inflammation, wound leak, Iris prolapse, presence of corneal suture, luxation of intra-ocular lens, endophthalmitis, retinal detachment, macular oedema) in both the groups. Results: Significant differences in the results of intraoperative complications in the two groups had not been verified. In the precocious postoperative complications corneal oedema was the most prevalent (29,1% versus 24.8%) not being statistical significant difference. The increase of the intra-ocular pressure (39,6% versus 21.3%) was more frequent in the cases group (p=0.038). About delayed complications, significant statistical differences were only achieved in the group of people with more than 65 years. Posterior capsule opacification revealed to be more frequent in the group of cases (19,5% versus 5.7%, p=0.003, Chi-Square < 0.05). Conclusion: The surgery of cataract in vitrectomizados eyes, beyond constituting a bigger challenge technician, is also associated with a bigger number of postoperative complications. Key-words Phacoemulsification, vitrectomy, complications, intraoperative and posoperative. INTRODUçãO A vitrectomia pars plana (VPP) é um procedimento cada vez mais comum e eficaz na resolução de patologias do segmento ocular posterior tais como hemorragia vítrea, retinopatia proliferativa, descolamento de retina, buraco macular, membrana epirretiniana, endoftalmite e corpo estranho intra-ocular 1,2. O desenvolvimento de catarata após vitrectomia é um acontecimento comum, estando a sua progressão condicionada por outros factores como a idade avançada (>50 anos), evidência de retinopatia diabética, presença de catarata antes da vitrectomia, lesão do cristalino durante a VPP, e o uso de tamponamento com gás ou silicone intra-ocular 1. A evolução para catarata é de cerca de 100%, quando o tamponamento é feito com silicone, no prazo de 10 anos 3. Está igualmente referenciado que a facoemulsificação em doentes vitrectomizados é um procedimento tecnicamente mais exigente devido às contrariedades e variações anatómicas que lhe estão inerentes. São alguns exemplos a presença de câmara anterior (CA) mais profunda, a alteração da dinâmica dos fluidos intraoculares, a alteração da hialóide anterior, a menor dilatação pupilar, bem como a maior incidência de deiscência zonular, fibrose ou ruptura da cápsula posterior e sinéquias posteriores. 2,4 Há vários estudos que relatam aumento da taxa de complicações na cirurgia de catarata pós VPP. Com este estudo pretende-se comparar a taxa de complicações da cirurgia de facoemulsificação clear córnea entre olhos submetidos previamente a VPP e olhos sem este antecedente cirúrgico. MATERIAIS E MÉTODOS Estudo retrospectivo em que foram revistos os registos cirúrgicos de 192 olhos submetidos a cirurgia de facoemulsificação clear córnea, por um grupo de 3 cirurgiões (AM, NF, BP), no serviço de Oftalmologia do Hospital de Santo António, no período entre Janeiro e Dezembro de 2007. Destes, 87 olhos haviam sido submetidos previamente a VPP, que constituiu o grupo dos casos. Para cada um dos doentes foi feito o registo das complicações intra-operatórias (deiscência zonular, fuga da capsulorrexis, ruptura de cápsula posterior, queda de fragmentos de 76 Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia

Cirurgia de Catarata em Olhos Vitrectomizados e Não Vitrectomizados: Diferenças nas Complicações? cristalino para o vítreo, colocação de lente no sulco e lente de suspensão escleral) e pós-operatórias. Nas complicações pós- -operatórias registaram-se todos os eventos que ocorreram fora do período ou da exuberância normal esperada decorrente do acto cirúrgico. As complicações pós-operatórias foram ainda agrupadas em precoces e tardias. Consideraram-se como complicações pós-operatórias precoces o edema de córnea, aumento da tensão intra-ocular (> 20 mmhg, avaliada com tonómetro de aplanação de Goldmann) e presença de reacção na câmara anterior. As complicações pós-operatórias tardias em análise incluíram a opacificação da cápsula posterior, aumento da intra-ocular (> 20 mmhg, com tonómetro de aplanação), ocorrência de descolamento de retina, descolamento da coróide, edema macular, hemovítreo, reacção na câmara anterior, perda de fluido pela incisão, hérnia de íris, presença de sutura de córnea, luxação de lente intra-ocular e endoftalmite. Na facoemulsificação preconizada foram empregues duas incisões clear córnea, temporal e nasal superiores, com um ângulo aproximado de 90º entre si, capsulotomia circular contínua após injecção de viscoelástico na CA, hidrodissecção e hidrodelaminação com solução salina balanceada, com posterior remoção do núcleo e córtex do cristalino por facoemulsificação e aspiração. A CA e o saco capsular foram refeitos com viscoelástico e introduzida, com injector, a lente intra-ocular (AcrySoft FA 60AT) pela incisão corneana. As incisões corneanas, por sua vez, foram seladas com hidratação estromal ou com ponto de nylon 10-0, conforme necessário. Em situações de ruptura da cápsula posterior com possibilidade de suporte no sulco ciliar foi usada lente (AcrySoft MA 60AC), introduzida com pinça. Nas situações de ausência de saco capsular foi introduzida lente de suspensão escleral (CZ 70BD). Para a análise estatística foi utilizado o programa SPSS 15.0, e definiu-se um nível de significância de 5%. Foram feitos testes bilaterais, utilizado o teste Chi-Square para comparar variáveis qualitativas, e no caso da comparação das variáveis quantitativas entre os dois grupos foi utilizado o teste de Mann-Whitney. RESULTADOS Das 192 cirurgias realizadas, 87 foram em olhos vitrectomizados, grupo dos casos, as restantes 105 realizadas em olhos não vitrectomizados, grupo controlo. O tempo médio decorrido entre a VPP e facoemulsificação foi de 18 meses, mediana de 10 meses, mínimo de 1 mês e máximo de 158 meses, o desvio padrão foi de 25.7. Em ambos os grupos verificou-se uma prevalência ligeiramente superior do sexo feminino, como mostra a tabela 1. Tabela 1 Distribuição por sexos Masculino Feminino Total Casos 37 50 87 Controlos 42 63 105 A média de idades entre os dois grupos foi ligeiramente diferente, 61.9 anos para o grupo dos casos e 72.1 anos para o grupo controlo, estando as idades compreendidas entre 16 e 81 anos para o primeiro grupo, e entre 15 e 92 anos para o segundo grupo. Relativamente às complicações intra-operatórias avaliadas, compiladas na tabela 2, não se verificaram diferenças estatisticamente significativas entre os dois grupos (p=0.359). Em 2.3% dos casos não foi possível colocar a lente no saco ou no sulco, tendo a opção sido a colocação de lente de suspensão escleral. Por se tratar de um valor tão pequeno, não foi possível tirar conclusões estatísticas, tal como para as restantes complicações avaliadas. Tabela 2 Ruptura de CP Queda de fragmentos Lente no sulco Deiscências das zónulas Reacção na CA Lente suspensão escleral Fuga na capsulorréxis Complicações intra-operatórias CP cápsula posterior; CA câmara anterior Número Percentagem Valor de (p) Casos Controlos Casos Controlos 7 5 8.04% 4.76% 0.36 2 0 2.3% 0% 0.12 2 2 2.3% 1.9% 0.86 2 2 2.3% 1.9% 0.86 0 1 0% 0.95% 0.36 2 0 2.3% 0% 0.12 0 0 0% 0% 0.0 No grupo das complicações precoces verificou-se que o aumento da tensão intra-ocular de novo foi a complicação mais frequente tanto nos casos (39.6%) como nos controlos (21.3%), sendo a diferença entre estes dois grupos estatisticamente significativa (p=0.038). O edema de córnea foi Vol. 36 - Nº 1 - Janeiro-Março 2012 77

António Friande, Pedro Reimão, Rita Reis, Eduarda Matos, Bernardete Pessoa, Natália Ferreira, Angelina Meireles a segunda complicação encontrada mais frequentemente, estando presente em 29.1% no grupo dos casos e em 25.0% no grupo controlo, estes valores não são estatisticamente significativos (p=0.53). A outra complicação precoce avaliada foi a reacção na CA, que esteve presente em 1.1% no grupo casos e 2.0% no grupo controlo, o que revela ausência de diferença estatisticamente significativa entre ambos (p=0.64). As complicações tardias, sumariadas na tabela 3, no seu conjunto, mostram uma diferença estatisticamente significativa entre os dois grupos (o total de complicações nos casos foi de 38.4%, e nos controlos de 14.3%, p<0.001). Tendo em conta estes resultados e a diferença de idades entre os dois grupos (os controlos são mais idosos), definiram- -se grupos etários e procurou-se avaliar a relação estatística entre eles. Após subdivisão dos doentes em 3 classes etárias (<50 anos, 50-65 anos e >65 anos) controlando desta forma o factor idade, encontraram-se valores significativos para a classe > 65 anos. Neste caso concluiu-se haver uma relação entre as complicações tardias no seu todo (conjunto de todas as complicações) entre os dois grupos, tendo o grupo dos casos mais complicações (33.3% VS 11.5%, p=0.004, intervalo de confiança de 99%). Tabela 3 Opacificação da CP Tensão intra-ocular > 20 mmhg DISCUSSÃO Complicações tardias Casos Controlos Valor de (p) 19.5% 17.4% 5.7% 0.003 3.4% 0.003 Hemovítreo 1.1% 1.0% 0.89 Edema macular Descolamento da coroide Reacção na CA 5.7% 2.3% CP cápsula posterior; CA câmara anterior 5.7% 0.99 0% 0.12 1.2% 0% 0.27 O desenvolvimento de catarata após VPP é frequente, havendo autores que estimam valores de 80% após um período de 10 anos 5. O tempo médio para o desenvolvimento de catarata é variável e está dependente de vários factores já enumerados anteriormente, contudo os tempos médios entre a VPP e a cirurgia de catarata variam nas diversas séries da literatura, entre 11 meses 6 e 27 meses 7 (15.4 meses 2, 15.8 meses 1, 18.4 meses 8, 19 meses 9 e 20 meses 10,8 ). Estes valores são semelhantes aos encontrados neste trabalho onde o tempo médio foi de 18 meses, contudo não foi tido em conta a distribuição dos doentes por patologia ou grupo etário, pois é sabido que algumas patologias e fármacos induzem o desenvolvimento precoce de facoesclerose. A cirurgia de facoemulsificação com incisão clear córnea é consensualmente um desafio acrescido em olhos vitrectomizados 4,11,12 devido à presença de CA mais profunda, diminuição do suporte vítreo e consequentemente maior mobilidade da cápsula posterior, para a qual também contribui a diminuição do suporte zonular. As referências mais antigas apresentam taxas de complicação maiores quando comparadas com séries mais recentes, não mostrando contudo taxas de complicações estatisticamente diferentes entre o grupo de casos e controlos. 7,8,9,10,11,13,14 Séries mais recentes têm evidenciado uma diminuição da taxa de complicações intra-operatórias em olhos vitrectomizados, não havendo diferenças entre o grupo de casos e o grupo controlo 4. Foi também o que se verificou neste trabalho onde a complicação mais frequente foi a ruptura de cápsula posterior (8.4% dos casos, 4.76% controlos, P=0.36), sem diferença estatisticamente significativa. Relativamente a outras complicações as incidências foram ainda menores, como está patente na tabela 2. Misra e Burton 4 encontraram uma percentagem semelhante de complicações intra-operatórias nos dois grupos. O desenvolvimento da técnica cirúrgica e o maior à-vontade do cirurgião podem estar na base desta progressão. Por outro lado, nas séries referidas anteriormente, encontrou-se uma limitação na valorização dos resultados tendo em conta o baixo número de olhos operados e o pequeno número de complicações. O mesmo se pode argumentar deste trabalho, embora o número de casos recolhidos seja dos maiores encontrados na literatura. Nas complicações tardias verificou-se a existência, no grupo dos doentes com mais de 65 anos, de uma significativa maior frequência destas complicações no grupo dos casos. Discriminados por tipo específico de complicações, essa relação mantinha-se significativa relativamente à opacificação da cápsula posterior e ao aumento da tensão intra- -ocular (p=0.003). Isto pode dever-se não só a presença de patologia concorrente nesta classe etária como também à provável menor colaboração do doente e às diferenças no estado fisiológico do olho que já foi sujeito a VPP 4. Os valores encontrados para a opacificação da CP estão em consonância com outros estudos 2, mas há que ressalvar que a evolução desta complicação está dependente, numa relação 78 Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia

Cirurgia de Catarata em Olhos Vitrectomizados e Não Vitrectomizados: Diferenças nas Complicações? directa, do tempo decorrido após a cirurgia 15 e, no caso do nosso estudo, alguns doentes foram acompanhados por um período inferior a 1 ano, sendo de esperar que essa percentagem aumente ao longo dos anos seguintes. Por outro lado, existe uma limitação na observação destes doentes já que alguns são posteriormente seguidos no hospital da área de residência, ou pelo seu médico assistente. EM CONCLUSÃO Não se encontraram diferenças estatisticamente significativas nas complicações intra-operatórias nos dois grupos. Apreciou-se porém um aumento de algumas de complicações pós-operatórias precoces e tardias no grupo dos doentes com antecedentes de VPP. A cirurgia de catarata em doentes vitrectomizados deve ser considerada de risco mais elevado, e apresenta taxas de complicações superiores às encontradas em olhos sem este antecedente cirúrgico. Este estudo apresenta limitações especialmente porque foi identificada uma heterogeneidade na idade dos dois grupos, e para ultrapassar este viés seria necessário o emparelhamento por idade e também pelo sexo e patologia de base, só assim se poderiam inferir conclusões mais reprodutíveis. Esta diferença de idade resulta do facto de os doentes submetidos a VPP serem em geral mais novos relativamente aos doentes submetidos a facoemulsificação sem VPP, o que por sua vez acelerou o processo de facoesclerose. Outro factor importante na apreciação dos resultados relaciona-se com o facto deste trabalho ter decorrido num hospital terciário que recebe uma fracção significativa de doentes referenciados por outros centros, muitas vezes clinicamente mais graves, logo, nem sempre representativos da população geral. bibliografia 1. Biró Z, Kovacs B. Results of cataract surgery in previously vitrectomized eyes. J Cataract refract Surg 2002;28:1003 1006. 2. Chang MA, Parides MK, Chang S, Braunstein RE. Outcome of phacoemulsification after pars plana vitrectomy. Ophthalmol 2002;109:948 954. 3. Federman JL, Schubert HD. Complications associated with the use of silicone oil in 150 eyes after retinavitreous surgery. Ophthalmol 1988; 95:870-876 4. Misra A, Burton RL. Incidence of intraoperative complications during phacoemulsification in vitrectomized and nonvitrectomized eyes: Prospective study. J Cataract Refract Surg 2005; 31:1011 1014. 5. Blankenship GW, Machemer R. Long-term diabetic vitrectomy results; report of 10 year follow-up. Ophthalmol 1985; 92:503-506. 6. Schachat AP, Oyakawa RT, Michels RG, Rice TA. Complications of vitreous surgery for diabetic retinopathy. II. Postoperative complications. Ophthalmol 1983;90: 522-529. 7. Smiddy WE, Stark W J, Michels RG, Maumenee AE, Terry AC, Glaser BM. Cataract extraction after vitrectomy. Ophthalmol 1987; 94:483-487. 8. Grusha YO, Masket S, Miller KM. Phacoemulsification and lens implantation after pars plana vitrectomy. Ophthalmol 1998; 105:287 294. 9. Pinter SM, Sugar A. Phacoemulsification in eyes with past pars plana vitrectomy: case-ontrol study. J Cataract RefractSurg 1999; 25:556 561. 10. McDermott ML, Puklin JE, Abrams GW, Eliott D. Phacoemulsification for cataract following pars plana vitrectomy. Ophthalmic Surg Lasers 1997; 28:558-564. 11. Lacalle VD, Ga rate FJO, Alday NM, Garrido JA, Agesta JA. Phacoemulsification cataract surgery in vitrectomized eyes. J Cataract Refract Surg 1998; 24:806 809. 12. Braunstein RE, Airiani S. Cataract surgery results after pars plana vitrectomy. Curr Opin Ophthalmol 2003;14:150 154. 13. Sneed S, Parrish RK II, Mandelbaum S, O Grady G. Technical problems of extracapsular cataract extractions after vitrectomy (letter). Arch Ophthalmol 1986; 104:1126-1127. 14. Desai P, Minassian DC, Reidy A. National cataract survey 1997-8: a report of the results of the clinical outcomes. Br J Ophthalmol 1999; 83:1336 1340. 15. Schaumberg DA, Dana MR, Christen WG, Glynn RJ. A systematic overview of the incidence of posterior capsule opacification. Ophthalmology 1998;105:1213 21. Vol. 36 - Nº 1 - Janeiro-Março 2012 79