FERNANDO PESSOA & Heterônimos

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Transcrição:

FERNANDO PESSOA & Heterônimos

Com uma tal falta de gente coexistível, como há hoje, que pode um homem de sensibilidade fazer senão inventar os seus amigos, ou quando menos, os seus companheiros de espírito?

A LÍRICA MODERNA Característica comum a todos os artistas da vanguarda moderna: a ruptura com a tradição cultural e o desejo de criar uma nova estética em face à crise da humanidade provocada pelos horrores do entreguerras.

O poeta moderno agride o leitor com seus versos inefáveis, inexplicáveis, alimentando-se do prazer aristocrático de não ser compreendido.

Não há mais lugar para a unidade e a totalidade. A totalidade é sempre falsa porque está estilhaçada e seu estilhaçamento produz uma cisão no sujeito que se divide entre o sujeito lírico (o poeta) e o sujeito empírico (o homem).

A fragmentação em Fernando Pessoa envolve um ato de fingimento que se completa na utilização de várias linguagens, reveladoras do sujeito como um ser múltiplo. Parece que Pessoa levou ao extremo a fragmentação, chegando mesmo à despersonalização.

Criou não um, mas vários sujeitos líricos. Entende-se esses sujeitos líricos como personas, como máscaras, como criações. Sua obra é dividida em produção ortônima e heterônima...

O heterônimo é um personagem criado pelo poeta, que escreve a sua própria obra. Tem nome, obra, biografia e, sobretudo, um estilo próprios.

O autor, o criador do heterônimo, passa a ser chamado de ortônimo e a sua criação passa a ser chamada de heterônimo, não havendo possibilidade de existência de um sem o outro. Fernando Pessoa foi quem criou essa designação e é o único caso de heteronímia na literatura universal.

1ª parte: Brasão - feitos anteriores às navegações 2ª parte: Mar Português - as grandes conquistas OBRA ORTÔNIMA Cancioneiro e Quadras ao Gosto Popular - poesia lírica, de reflexão existencial e sobre a arte poética Mensagem - (único livro publicado em vida) poemas Místicos e Nacionalistas. Dividese em:

MAR PORTUGUÊS Ó Mar Salgado, quanto do teu sal São lágrimas de Portugal! Por te cruzarmos, quantas mães choraram, Quantos filhos em vão rezaram! Quantas noivas ficaram por casar Para que fosses nosso, ó mar! Valeu a pena? Tudo vale a pena Se a alma não é pequena. Quem passar além do Bojador Tem que passar além da dor. Deus ao mar o perigo e o abismo deu, Mas nele é que espelhou o céu.

POEMAS DO CANCIONEIRO:

AUTOPSICOGRAFIA O poeta é um fingidor, Finge tão completamente Que chega a fingir que é dor A dor que deveras sente. E os que lêem o que escreve, Na dor lida sentem bem, Não as duas que ele teve, Mas só as que ele não tem.

Dizem que finjo ou minto Tudo o que escrevo. Não. Eu simplesmente sinto Com a imaginação Não uso o coração. Fernando Pessoa Tudo o que sonho ou passo, O que me falha ou finda É como que um terraço Sobre outra coisa ainda. Essa coisa é que é linda. Por isso escrevo em meio Do que não está ao pé, Livre do meu enleio, Sério do que não é. Sentir? Sinta quem lê!.

ISTO Dizem que finjo ou minto Tudo que escrevo. Não. Eu simplesmente sinto Com a imaginação. Não uso o coração. Tudo o que sonho ou passo, O que me falha ou finda, É como que um terraço Sobre outra coisa ainda. Essa coisa é que é linda. Por isso escrevo em meio Do que não está ao pé, Livre do meu enleio, Sério do que não é. Sentir? Sinta quem lê! (...)

OS HETERÔNIMOS

Heterónimos de Fernando Pessoa: Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos. Desenhos de José de Almada Negreiros. Pormenor da fachada gravada da Faculdade de Letras da U.C.L., 1957-61. França, J. Augusto (1974)

Sentir tudo de todas as maneiras, Viver tudo de todos os lados, Ser a mesma coisa de todos os modos possíveis ao mesmo tempo, Realizar em si toda a humanidade de todos os momentos Num só momento difuso, profuso, completo e longínquo. Álvaro de Campos

Quando o autor faz uso de heterônimos, não se esconde sob um nome falso. Ocorre bem o contrário, ele se coloca em posição de diálogo com o sujeito lírico que ele mesmo criou, além de assinar a sua própria obra.

HETERÔNIMOS PRINCIPAIS: Alberto Caeiro Ricardo Reis Álvaro de Campos

Ricardo Reis Álvaro de Campos Alberto Caeiro Médico Engenheiro Naval Camponês Poeta culto e calmo Rebelde- tudo questiona Pouca escolaridade- poesia voltada para natureza Filosofia de Epicuro irônico Simplicidade da vida Contentar-se com o que se tem razão Sentir- coração

ALBERTO CAEIRO nasceu em 1889 em Lisboa, mas passou toda sua vida no campo. Não tinha profissão e educação mínima. Poeta da Natureza, linguagem simples, espontânea, sem rimas, quase uma prosa. Valoriza o viver de modo simples e objetivo. Ficções do Interlúdio (O Guardador de Rebanhos; O pastor Amoroso ) É preciso desaprender as ideias para aprender as coisas.

Alberto Caeiro O Pai dos heterônimos, o mestre. Aquele cuja poesia mais se aproximou da do próprio Fernando Pessoa, por encontrar no sentir a base mais sólida de se viver. Para o mestre, o que importava era viver o mundo, era nele estar presente, sem querer saber o porquê de estar-se ali naquele momento, sem interrogar-se do que se vive. Para Caeiro, o objetivo era aprender a desaprender, aprender a não pensar, a silenciar a mente, a somente viver o contato direto com a realidade que se tinha à frente, palpável. A vida para ele era o puro sentir. O que valia para Caeiro era o hoje, era o presente, era o agora. Era solitário e neutro. Contrário ao misticismo. Camponês, de linguagem simples e paradoxal.

O GUARDADOR DE REBANHOS Sou um guardador de rebanhos. O rebanho é os meus pensamentos E os meus pensamentos são todos sensações Penso com os olhos e com os ouvidos E com as mãos e os pés E com o nariz e a boca.

METAFÍSICA Há metafísica bastante em não pensar em nada. O mistério das coisas? Sei lá o que é o mistério! O único mistério é haver quem pense no mistério. (...) É essa a única missão no Mundo Essa existir claramente, E saber fazê-lo sem pensar nisso.

RICARDO REIS nasceu em 1887 na cidade do Porto. Foi educado num colégio jesuíta, representa a face humanista de Fernando Pessoa. Estudou grego, latim e formou-se em medicina. Em 1919 vem ao Brasil. Escreveu Odes (composição poética lírica que entre os gregos antigos se destinava a ser cantada) com linguagem trabalhada e purista (postulados gramaticais rígidos). Sua temática é de inspiração clássica (Concebe a vida estoicamente).

Ricardo Reis A veia clássica dos heterônimos de Fernando Pessoa. Monarquista, educado em colégio de jesuístas, amante das culturas grega e latina. Buscou sempre o mais alto, o impossível em sua poesia, esta refinada, concisa, com linguagem bem trabalhada e vocabulário rebuscado. Participou bastante da revista Presença, da denominada 2ª fase do modernismo português. Seus poemas eram odes, poemas líricos, com métrica, estrofes regulares e variáveis. Suas odes voltavam-se aos deuses da mitologia grega. Ao contrário de seu mestre, Reis pensava bastante nos deuses, esses que, para ele, controlavam o destino dos homens e estavam acima de tudo.

ODES Para ser grande, sê inteiro: nada Teu exagera ou exclui. Sê todo em cada coisa. Põe quanto és No mínimo que fazes. Assim em cada lago a lua toda Brilha, porque alta vive

NÃO SÓ QUEM NOS ODEIA OU NOS INVEJA Nos limita e oprime; quem nos ama Não menos nos limita. Que os deuses me concedam que, despido De afetos, tenha a fria liberdade Dos píncaros sem nada. Quem quer pouco, tem tudo; quem quer nada É livre; quem não tem, e não deseja, Homem, é igual aos deuses.

ÁLVARO DE CAMPOS nasceu em 1890, em Tavira. Estudou engenharia (mecânica e naval) na Escócia. Sua obra é dividida em 3 fase: 1ª Influência Simbolista, tédio diante do mundo Opiário 2ª Influência do Modernismo, poemas futuristas Ode Triunfal e Ode Marítima 3ª Poesia amarga e angustiada, imagens de uma vida vazia, desencontro do sujeito com o mundo Tabacaria e Lisbon Revisited.

Álvaro de Campos é o mais fecundo e versátil heterônimo de Fernando Pessoa, e também o mais nervoso e emotivo, por vezes até histérico. Com algumas composições iniciais, que devem algo ao Decadentismo ("Opiário"), Álvaro de Campos é, sobretudo, o futurista da exaltação da energia até ao paroxismo (ao auge), da velocidade e da força da civilização mecânica do futuro, patentes na "Ode Triunfal".

É o único heterônimo que conhece uma evolução ("Fui em tempos poeta decadente; hoje creio que estou decadente, e já não o sou"). Passa por três fases: a decadentista, a futurista e sensacionista e, por fim, a intimista-melancólica.

LISBON REVISITAD Não : não quero nada. Já disse que não quero nada. Não me venham com conclusões! A única conclusão é morrer. Não me tragam estéticas! Não me falem em moral! (...) Não me peguem no braço! Não gosto que me peguem no braço. Quero ser sozinho. Já disse que sou sozinho! Ah, que maçada quererem que eu seja da companhia!

TABACARIA Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo. Janelas do meu quarto, Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é (E se soubessem quem é, o que saberiam?), Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente, Para uma rua inacessível a todos os pensamentos, Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa, Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres, Com a morte a por umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens, Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada. Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade. Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer, E não tivesse mais irmandade com as coisas Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada De dentro da minha cabeça, E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.

Como aludido, Ricardo Reis é um poeta doutrinário. Ele considera a existência humana um jogo em que, por definição, sairemos derrotados o xeque-mate nos é aplicado pelas mãos hábeis e insondáveis do Destino. (OLIVEIRA, Paulo. In: Revista Discutindo Literatura. Ano 1, 2. ed.) Segundo a citação, Ricardo Reis heterônimo pagão de Fernando Pessoa põe a existência humana nas mãos das forças irrevogáveis do Destino. Há momentos que seus versos inflamam-se de tamanha consciência da brevidade da vida, que beiram a um pessimismo esnobe por considerar-se único sabedor de que tudo passa. Deste modo investe-se de certo didatismo e convida o leitor a atentar para a consciência de que nada somos, de que nada sabemos. Com base na citação e na afirmação, interprete os versos em que o poeta, afastando-se dessa linha, propõe uma meta apenas para si próprio.

a) Ninguém, na vasta selva virgem Do mundo inumerável, finalmente Vê o Deus que conhece. b) Seja qual for o certo, Mesmo para com esses Que cremos sejam deuses, não sejamos Inteiros numa fé talvez sem causa. c) Deixemos, Lidia, a ciência que não põe Mais flores do que a Flora pelos mesmos campos Nem dá de Apolo ao carro Outro curso que Apolo. d) Quero ignorado, e calmo Por ignorado, e próprio Por calmo encher meus dias. De não querer mais deles. e) Não te destines que não és futura. Quem sabe se, entre a taça que esvazias, E ela de novo enchida, não te há sorte Interpõe o abismo?

a) Ninguém, na vasta selva virgem Do mundo inumerável, finalmente Vê o Deus que conhece. b) Seja qual for o certo, Mesmo para com esses Que cremos sejam deuses, não sejamos Inteiros numa fé talvez sem causa. c) Deixemos, Lidia, a ciência que não põe Mais flores do que a Flora pelos mesmos campos Nem dá de Apolo ao carro Outro curso que Apolo. d) Quero ignorado, e calmo Por ignorado, e próprio Por calmo encher meus dias. De não querer mais deles. e) Não te destines que não és futura. Quem sabe se, entre a taça que esvazias, E ela de novo enchida, não te há sorte Interpõe o abismo?

(UFPE) Fernando Pessoa é considerado o maior poeta do primeiro Modernismo português, pela genial versatilidade de sua criação. Leia o poema abaixo e analise as questões seguintes. Gato que brincas na rua Como se fosse na cama, Invejo a sorte que é tua Porque nem sorte se chama. Bom servo das leis fatais Que regem pedras e gentes, Que tens instintos gerais E sentes só o que sentes. És feliz porque és assim, Todo o nada que és é teu. Eu vejo-me e estou sem mim, Conheço-me e não sou eu. (Fernando Pessoa, Obra Poética.)

( ) Fernando Pessoa, o ortônimo, escreveu uma poesia diversificada. Além de seu cancioneiro, dialogou, por exemplo, com a literatura quinhentista, como no caso da obra Mensagem; compôs poemas dramáticos, poemas ingleses e quadras ao gosto popular. ( ) No poema lido, o olhar do eu lírico se move para as coisas ínfimas, para o pormenor, o que desperta a reflexão filosófica e faz encontrar nessas coisas significados maiores. ( ) Tal como em Tabacaria, do heterônimo Álvaro de Campos, em que o poeta se fixa na rapariga que come chocolate, o poema destacado reflete um momento existencial do eu lírico, em que a atenção se foca na falta de preocupação do gato, que espanta o poeta e lhe inspira inveja. ( ) O sujeito do discurso sente inveja do gato porque o animal, seguindo a lei de seu destino, sente prazer em brincar sem ter disso consciência, o que nos permite remeter à filosofia do heterônimo Alberto Caeiro, para quem a luz do sol vale mais que os pensamentos. ( ) Os dois últimos versos do poema encerram um lamento do eu lírico e permite concluir que o gato, ao contrário do

(V ) Fernando Pessoa, o ortônimo, escreveu uma poesia diversificada. Além de seu cancioneiro, dialogou, por exemplo, com a literatura quinhentista, como no caso da obra Mensagem; compôs poemas dramáticos, poemas ingleses e quadras ao gosto popular. ( V ) No poema lido, o olhar do eu lírico se move para as coisas ínfimas, para o pormenor, o que desperta a reflexão filosófica e faz encontrar nessas coisas significados maiores. (V ) Tal como em Tabacaria, do heterônimo Álvaro de Campos, em que o poeta se fixa na rapariga que come chocolate, o poema destacado reflete um momento existencial do eu lírico, em que a atenção se foca na falta de preocupação do gato, que espanta o poeta e lhe inspira inveja. (V ) O sujeito do discurso sente inveja do gato porque o animal, seguindo a lei de seu destino, sente prazer em brincar sem ter disso consciência, o que nos permite remeter à filosofia do heterônimo Alberto Caeiro, para quem a luz do sol vale mais que os pensamentos. (F ) Os dois últimos versos do poema encerram um lamento do eu lírico e permite concluir que o gato, ao contrário do poeta, não se vê e está centrado em si; não se conhece, mas sabe o que é, ou seja, um gato.