RAZÃO E PAIXÃO NO PENSAMENTO WEBERIANO 1

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Transcrição:

1 RAZÃO E PAIXÃO NO PENSAMENTO WEBERIANO 1 Rogério José de Almeida 2 No presente trabalho, tem-se por objetivo fazer uma breve análise do aparente conflito na formulação de dois conceitos fundamentais na obra de Max Weber: razão e paixão. Weber não fornece respostas prontas aos problemas teórico-metodológicos apresentados por ele em suas diversas obras. Os dois conceitos, fonte de exploração neste trabalho, são exemplos disso. Partindo desse pressuposto, serão analisados alguns conceitos teórico-metodológicos que podem nos ajudar a enfrentar este aparente conflito. Weber preconiza uma metodologia individualista, já que para ele o agente individual seria o único portador real de sentido. Cada fenômeno social ou cultural só poderia ser compreendido e ter sua origem explicada a partir da referência a agentes sociais. Como se sabe, o ponto de partida de toda sociologia weberiana reside na ação social 3 e no postulado de que a sociologia é uma ciência compreensiva. Assim, a sociologia pretende compreender interpretando a ação social. Nas palavras de Weber, a sociologia significa: uma ciência que pretende compreender (grifo meu) interpretativamente a ação social e assim explicá-la causalmente em seu curso e em seus efeitos (2000a, p. 3). Contudo, deve-se atentar para o fato de que normalmente as motivações da ação não se apresentam de maneira clara para o indivíduo, e que, muitas vezes nem sequer é uma ação consciente. O conceito de compreensão (Verstehen) é um dos conceitos importantes para se entender a relação, como já disse, conflitante entre razão e paixão. Compreensão significa para Weber uma apreensão interpretativa do sentido ou da conexão de sentido (2000a, p. 6). Para a sociologia compreensiva, os comportamentos dos atores são interpretados como sendo dotados de uma propriedade de intencionalidade e, por conseguinte, como tendo a condição de ações. 1 Texto inicialmente apresentado para a disciplina Teoria Sociológica I do Programa de Mestrado em Sociologia da Universidade Federal de Goiás UFG. É aqui disponibilizado com objetivo didático. Goiânia, 2011. 2 Doutorando em Sociologia pela Universidade de Brasília UnB. Professor da Pontifícia Universidade Católica de Goiás PUC/GO. Professor da Faculdade Araguaia FARA. Bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CNPq. 3 Para Weber, ação social (incluindo omissão ou tolerância) orienta-se pelo comportamento de outros, seja este passado, presente ou esperado como futuro (vingança por ataques anteriores, defesa contra ataques presentes ou medidas de defesa para enfrentar ataques futuros). Os outros podem ser indivíduos e conhecidos ou uma multiplicidade indeterminada de pessoas completamente desconhecidas (2000a, p. 13-14).

2 O que Weber está interessado em explicar com o termo compreensão é o desenvolvimento das relações entre os indivíduos, ou seja, das relações sociais, sempre fazendo referência às intenções e motivações subjetivas desses indivíduos. Assim, a ação do indivíduo constitui o limite e o único portador de um comportamento dotado de um sentido subjetivo. Em princípio, pode-se pensar que Weber está se utilizando de uma decisão valorativa ou que esteja sendo levado por paixões para compreender e interpretar as ações dos indivíduos. Deste modo, dizer que uma mulher, quando piscou para um homem estava o paquerando, não seria um pouco precipitado? Pode-se perguntar, mas, será que ela piscou por outro motivo? Que quando ela piscou nem tinha visto que aquele homem estava ali? Para a sociologia Weberiana seria precipitado, pois, a compreensão passa por intermediações de conceitos e relações. É preciso investigar os motivos das ações dos indivíduos, segundo os próprios indivíduos, para assim poder distinguir entre o que é verdadeiro e o que é provável. Desta forma, a ciência weberiana se define, assim, como um esforço destinado a compreender e a explicar os valores aos quais os homens aderiram, e as obras que constituíram (ARON, 1999, p. 453). Seguindo essa linha de raciocínio, de que as obras dos indivíduos são criadoras de valores, como pode existir então uma ciência objetiva, isto é, que não seja impregnada pelos próprios julgamentos de valor do cientista, tomando como ponto de partida que o objetivo da ciência é a validade universal? Desta pergunta suscitam mais dois conceitos importantes para a análise. O conceito de julgamento de valor (Werturteil) e o conceito de relação com os valores (Wertbeziehung). Weber sustenta que é possível alcançar um conhecimento objetivo dentro das Ciências da Cultura, e que, muito embora o objeto do conhecimento esteja dentro da esfera de valores, o cientista não está por isto condenado a produzir um conhecimento subjetivo ou meramente movido por suas próprias paixões. Os julgamentos de valor são pessoais e subjetivos, são afirmações morais e vitais. A relação com os valores é um procedimento de seleção e de organização da ciência objetiva. A distinção feita por Weber entre esses dois conceitos visava precisamente diferenciar o papel do cientista do papel do homem de ação, ou seja, para diferenciar entre a atividade do cientista e a atividade do político. Sabe-se que, em uma investigação de um objeto qualquer, o cientista é inspirado por seus próprios valores e paixões, pois é por meio da paixão e da fé que o indivíduo se relaciona

3 com os valores. Assim, o cientista deve estar capacitado a fazer uma distinção entre reconhecer e julgar, e a cumprir, idealmente, seu dever como cientista de ver a verdade dos fatos e rejeitar seus próprios ideais. De acordo com Weber, apenas as idéias de valor que dominam o investigador em uma época podem determinar o objeto do estudo e os limites desse estudo (1997, p. 100). Isso acontece quando o cientista precisa decidir se defende um ou outro programa de investigação, incluindo-se também o recorte do objeto e a elaboração da metodologia. Ora, o trabalho do cientista é determinado pelas relações sociais 4 estabelecidas em determinada época. Como exemplo, alguns anos atrás os trabalhos sobre a união entre homossexuais não existiam. Contudo, hoje em dia e um tema recorrente na literatura sociológica. As épocas mudam, conseqüentemente, as idéias de valor também mudam, determinando assim, alguns objetos de estudos que em outras épocas eram improváveis de serem vistos como científicos. Para Weber, os valores, por um lado, devem ser incorporados conscientemente à pesquisa e controlados através de procedimentos rigorosos de análise. É a paixão que o valor desperta no cientista que guiará seu interesse entre o infinito material empírico da realidade (SAINT-PIERRE, 1994, p. 11). Mas, é preciso, por outro lado, distanciar-se do próprio interesse para encontrar respostas universalmente válidas a questões inspiradas pelas paixões dos indivíduos. Somente uma certa distância do cientista em relação ao objeto possibilita o questionamento do real. Sobre essa possível neutralidade do cientista, diz JASPERS: A neutralidade valorativa da ciência não significa, pois, para Weber, a interdição de valorar na vida, mas pelo contrário: é a paixão do valorar e do querer que engendra, como seu próprio esclarecimento e auto-educação, a legítima objetividade da pesquisa. A neutralidade valorativa também não quer dizer, para ele, que valorações efetivamente feitas ou possíveis não possam ser objeto de pesquisa, mas, pelo contrário, elas constituem o objeto essencial para a investigação das coisas humanas; é apenas através da neutralidade valorativa que vem a existir aquela reserva no exame de cada valoração e do seu sentido, da sua origem e das suas conseqüências que efetivamente as traz aos olhos e à consciência. A neutralidade valorativa não significa para ele, finalmente, que a escolha dos problemas a serem pesquisados não repouse sobre valorações; pelo contrário, a decisão valorativa acerca daquilo que me atinge é precondição para a legítima paixão da pesquisa (1977, p. 130-131). Viu-se até aqui que a elaboração cientifica começa por uma escolha que só tem justificação subjetiva. Então, quais serão as atividades cientificas que, partindo da 4 Por relação social entendemos o comportamento reciprocamente referido quanto a seu conteúdo de sentido por uma pluralidade de agentes e que se orienta por essa referência. A relação social consiste, portanto, completa e exclusivamente na probabilidade de que se aja socialmente numa forma indicável (pelo sentido), não importando, por enquanto, em que se baseia essa probabilidade (2000a, p. 16).

4 subjetividade e influenciadas por valores, permitem garantir a validade universal dos resultados científicos? O principal meio metodológico utilizado por Weber para formular proposições empíricas sobre os fenômenos da cultura é o tipo ideal. São três as características fundamentais que definem as possibilidades e limites dos tipos ideais, são elas: a racionalidade, a unilateralidade e o caráter utópico. Portanto, diante de uma realidade infinita, a elaboração de tipos ideais permite a escolha de certas características do objeto que são relacionadas de modo racional, mas que sempre acentuam unilateralmente os traços considerados mais relevantes para e explicação. Nesse sentido, o tipo ideal só existe como utopia e não é, e nem pretende ser, um reflexo ou uma repetição da realidade, muito menos um modelo do que deveria ser o real. O tipo ideal é um instrumento que orienta o cientista social em sua busca de conexões causais, é um instrumento que o cientista lança mão para guiar-se pela infinitude do real. O cientista, então, cria definições exageradas e unilaterais das dimensões da realidade que pretende conhecer, sendo que essas definições devem num segundo momento, ser utilizadas para uma espécie de comparação com a realidade. O recurso metodológico tipo ideal mostra bem esse paradoxo entre razão e paixão. Um tipo ideal, mesmo construído de modo racional, é considerado útil ou não segundo os interesses do pesquisador. Não há como admitir uma neutralidade valorativa dos tipos ideais, pois os pontos de vista valorativos que guiam o interesse do cientista impregnam tanto sua construção quanto sua aplicação. Portanto, todo o processo do tipo ideal fica em grande parte submetido aos motivos do cientista. Outra teoria importante para se enfrentar esse aparente conflito entre razão e paixão é a teoria de dominação 5. No caso de Weber, essa teoria constitui em um exemplo desse conflito. Esta é constatada em todo o tipo de organização social onde há a presença de um chefe ou similar. Com efeito, a forma de domínio que, segundo Weber, vai se impondo sobre as outras pela sua efetividade é a dominação legal com a administração burocrática. Por outro lado, há segundo Weber, uma certa tendência à racionalização, e um dos meios que essa tendência à racionalização se expressa nas sociedades ocidentais é a burocracia. Deste modo: 5 A dominação baseia-se numa probabilidade de obediência a um certo mandato. Weber nos apresenta somente três tipos puros de dominação: a legal, a tradicional e a carismática. Ver, (Weber 2000a).

5 A progressiva racionalização de todas as relações sociais juntamente com a crescente expansão da burocratização de todas as instituições sociais mostram-se para ele [Weber] como sendo um inevitável destino pelo menos para seu próprio mundo contemporâneo 6 (MOMMSEN, 1989, p. 133). Então, Weber partilha a visão do avanço da racionalidade como uma decadência geral da cultura. Weber chama esse processo de desencantamento do mundo, onde a humanidade partiu de um mundo habitado pelo sagrado, pelo mágico e chegou a um mundo racionalizado e manipulado pela técnica e pela ciência. Weber questiona essa tendência à racionalização de algumas esferas da vida e a conseqüente perda de valores. A razão é insuficiente e cega para dar sentido à vida. Assim, ele conclui a Ética Protestante: os últimos homens desse desenvolvimento cultural poderiam ser designados como especialistas sem espírito, sensualistas sem coração, nulidades que imaginam ter atingido um nível de civilização nunca antes alcançado (2000b, p. 131). A nulidade aqui é dada pelo abandono das paixões. Como foi exposto no início deste trabalho, Weber deixou uma vasta literatura teóricometodológica para as Ciências Sociais. Contudo, ele não nos forneceu todas as respostas para os problemas que ele próprio apresentou. Razão e paixão constituem um exemplo disso, pois depois de analisar alguns conceitos teórico-metodológicos de seu pensamento, observa-se claramente este aparente conflito que entremeia seus conceitos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARON, Raymond. A geração da passagem do século Max Weber. In:. As etapas do pensamento sociológico. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999. JASPERS, Karl. Método e visão do mundo em Weber. In: COHN, Gabriel (org.). Sociologia: para ler os clássicos. Rio de Janeiro: LTC, 1977. p. 121-135. MOMMSEN, Wolfgang J. The political and social theory of Max Weber: collected essays. Chicago: The University of Chicago Press, 1989. SAINT-PIERRE, Héctor L. Max Weber: entre a paixão e a razão. 2. ed. Campinas: Editora da Unicamp, 1994. WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. v. 1. 4. ed. Brasília: Editora da UnB, 2000a. 6 No original, The progressive rationalization of all social relationships together with the increasingly expansive bureaucratization of all social institutions appeared to him to be an inevitable fate at least for his own contemporary world.

6. A ética protestante e o espírito do capitalismo. 15. ed. São Paulo: Pioneira, 2000b.. A objetividade do conhecimento nas ciências sociais. In: COHN, Gabriel (org). Weber - Coleção grandes cientistas sociais. São Paulo: Ática, 1997, p. 79-127.