CARLO ROVELLI
TEMPORADA 2017
Expediente Fronteiras do Pensamento Temporada 2017 Curadoria Fernando Schüler Direção Comercial Pedro Longhi Coordenação Editorial Luciana Thomé Marketing Karina Roman Equipe Denise Donicht Francisco Azeredo Michele Marten CIVILIZAÇÃO A SOCIEDADE E SEUS VALORES Pesquisa Juliana Szabluk Editoração e Design Lampejo Studio Revisão Ortográfica Renato Deitos www.fronteiras.com
O Fronteiras do Pensamento, em seus 10 anos de história e mais de duas centenas de conferências internacionais realizadas, traz ideias, fomenta debates e estimula a inquietação e o questionamento, apontando os caminhos para as questões fundamentais da atualidade. Desde 2007, o projeto oportuniza um espaço para a discussão a respeito do mundo em que vivemos e daquilo que está ao nosso alcance fazer pelo nosso futuro. A cada temporada, a série de encontros com intelectuais reconhecidos em suas áreas de atuação concretiza o objetivo de promover educação de alta qualidade, enaltecendo preceitos como liberdade de expressão, diversidade geográfica e pluralidade de ideias. Em 2017, o projeto realiza oito eventos internacionais com renomados pensadores para discutir o que nos conecta enquanto civilização. O tema da temporada é Civilização A sociedade e seus valores. O conceito de civilização está representado no conjunto que nos define e que, em momentos de crise e a partir dele, pode gerar novas ideias. Muitos são os valores que ditam ritmos, constroem relações e determinam minúcias e grandezas em nosso mundo. Na CIÊNCIA, uma teoria física que ousa conceber um espaço-tempo onde o infinito não existe. A respeito da LEVEZA, a discussão sobre o culto contemporâneo à felicidade em contraposição à rotina veloz que enfrentamos. O olhar da literatura como forma de disseminar a COMPAIXÃO e a MEMÓRIA, retratando conflitos e conquistas a partir do olhar do outro. A busca por IGUALDADE e por condições justas a todos. A importância do DINHEIRO e o peso que ele representou para o progresso e a modernidade ao longo da história. Cada um com sua IDENTIDADE, analisada a partir do espelho que ressalta nossas diferenças e nossas semelhanças. Cada um em sua busca por DIGNIDADE, construindo um novo cenário a partir das nossas diferenças e semelhanças. Quando o que mais ansiamos é um futuro de LIBERDADE. Valores que, por meio dos conferencistas internacionais convidados e dos temas que serão apresentados, o Fronteiras do Pensamento vai resgatar, analisar e debater.
CONFERENCISTAS TEMPORADA 2017
CARLO ROVELLI (Itália, 1956) Físico teórico italiano. Autor do best-seller Sete breves lições de física, no qual popularizou conceitos da ciência. É um dos pioneiros na pesquisa sobre gravidade quântica. Acho que os ensinamentos mais importantes da física são (1) que não devemos acreditar muito na intuição direta: devemos estar prontos para mudar a mente, e (2) não devemos acreditar no que as gerações anteriores pensavam: elas sabiam muito pouco, menos ainda do que nós. Rovelli é um dos pioneiros na pesquisa sobre gravidade quântica. Graduado em Física pela Universidade de Bolonha, com doutorado e pós-doutorado pela Universidade de Pádua, é professor na Universidade Aix-Marseille e diretor do grupo de pesquisa do Centro de Física Teórica de Luminy, em Marseille na França. Tornou-se conhecido ao publicar Sete breves lições de física, best-seller que explica o universo com textos e abordagem acessíveis. Lançado em 2014 na Itália e publicado no Brasil em 2015, Sete breves lições de física foi traduzido para mais de 40 idiomas e alcançou milhões de exemplares vendidos. O livro é o resultado de sete artigos escritos para um jornal italiano, com o objetivo de apresentar, com simplicidade e clareza, as revoluções científicas que transformaram os séculos XX e XXI. 8 9
DESTAQUES Foi um dos criadores da Teoria da Gravidade Quântica em Loop, também conhecida como gravidade em loop. É uma teoria de espaço-tempo que propõe reconciliar as incompatibilidades teóricas da Mecânica Quântica e da Relatividade Geral. Por seus estudos, foi agraciado com honrarias internacionais na área científica. É membro da Academia Internacional de Filosofia das Ciências. Carlo Rovelli defende que a compreensão humana sobre a realidade mudou ao longo dos séculos. Em seu mais recente livro, A realidade não é o que parece, lançado em 2017 no Brasil, ele descreve o desenvolvimento da física através dos tempos, projetando um mundo novo, com buracos negros esperando para explodir, um espaço-tempo feito de grãos e onde o infinito não existe. Rovelli foi um dos criadores da Teoria da Gravidade Quântica em Loop (LQG), também conhecida como gravidade em loop. A sua abordagem envolve a visualização do espaço-tempo a partir de pedaços ou peças. A LQG é considerada por muitos como a alternativa mais bem desenvolvida para a gravidade quântica fora da Teoria das Cordas. Publicado no Brasil em 2017, A realidade não é o que parece traz uma investigação sobre o espaço, o tempo e a noção sobre o mundo que nos cerca. De acordo com Rovelli, ao longo dos séculos a nossa compreensão da realidade mudou muito. Nesse livro, ele vai ainda mais longe e fala da estrutura elementar de todas as coisas, convidando o leitor a imaginar um cenário completamente novo. 10 11
Best-seller em vários países, Sete breves lições de física trouxe reconhecimento internacional a Rovelli. A partir de pequenas lições e com linguagem simples e clara, ele apresenta as revoluções científicas que transformaram os séculos XX e XXI. Fazendo uma introdução à física moderna, o autor explica a Teoria da Relatividade Geral de Albert Einstein, a mecânica quântica, os buracos negros, as partículas elementares, a gravidade e a arquitetura do universo. Em março de 2017, Rovelli concedeu uma entrevista para o jornal Zero Hora para falar de ciência e, principalmente, de educação. Para ele, é necessário que exista paixão tanto dos professores quanto dos alunos para que a transmissão do conhecimento seja profícua em sala de aula. Hoje os jovens têm muito mais do que na minha geração: mais informações, mais ideias, mais diversidade. Isso é ótimo. A escola precisa aprender a se somar a isso, aprender a ajudar as mentes jovens a distinguir entre tudo isso o que é bom e o que é ruim, o que é inteligente e o que é estúpido. https://is.gd/rovelli1 http://www.fronteiras.com/entrevistas/carlo-rovelli-a-escola-deveria-aceitar-a-diversidade-dos-jovens Em palestra, proferida em julho de 2016 na London School of Economics, Rovelli explica por que a física precisa da filosofia para apresentar suas questões fundamentais. Qual a natureza do tempo e do espaço? Qual o papel da mente na descrição da realidade? A partir da integração das duas disciplinas o filósofo italiano mostra como é possível tornar o nosso conhecimento sobre o universo ainda mais abrangente e intrigante. https://is.gd/rovelli2 (em inglês) https://www.youtube.com/watch?v=ij0upkg-pr4 O ceticismo quanto ao aquecimento global é o pior e hoje o mais perigoso exemplo da pandemia de notícias falsas. Mas esses não são fenômenos novos. A negação dos efeitos nocivos dos cigarros, anos atrás, foi similar e promovida por interesses privados. Claro que a ciência não tem todas as respostas, mas não recorrer à ciência quando ela está disponível é autodestrutivo. Espero que a humanidade não seja tão tola. (Folha de S.Paulo, abril de 2017) 12 13
ARTIGO também que o próprio espaço-tempo deveria fazer parte do jogo, deixando de ser apenas uma simples arena para a matéria em movimento. SONHO DE UMA TEORIA FINAL POR EMERSON LUNA Professor do Instituto de Física da UFRGS desde 2011. Realizou sua graduação em Física na Unicamp e obteve os seus mestrado e doutorado no Instituto de Física Teórica (IFT) e na Unicamp, respectivamente. Possui doutorado-sanduíche pela Université de Montréal no Canadá e pós-doutorado pelo Institute for Particle Physics Phenomenology da Universidade de Durham na Inglaterra. Há cerca de um século, vimos o surgimento de duas teorias científicas que mudaram de forma profunda a nossa visão de mundo: a Teoria da Relatividade Geral e a Teoria Quântica. A primeira, finalizada por Albert Einstein em 1915, fornece uma descrição inovadora e surpreendente da gravidade. Nela o campo gravitacional passa a ser uma propriedade geométrica do espaço-tempo, um continuum que agrega o espaço e o tempo em uma mesma estrutura de quatro dimensões. Einstein já havia percebido que as relações corretas entre medidas de posição e de tempo de um mesmo evento físico tomadas em dois referenciais inerciais diferentes, conhecidas por transformações de Lorentz, não apenas implicavam que espaço e tempo eram intrinsecamente ligados, mas Essa intuição seria devidamente aprofundada e matematicamente estabelecida na Teoria da Relatividade Geral, na qual a presença de matéria e energia passa a gerar uma curvatura no espaço-tempo; é esta curvatura, que podemos imaginar como um conjunto de vales e montanhas, que faz com que corpos nas redondezas se movam. Por exemplo, embora a Terra pareça ser puxada em direção ao Sol pela gravidade, não existe uma força gravitacional similar àquela introduzida por Isaac Newton no século XVII em sua Teoria da Gravitação Universal: é a geometria do espaço-tempo em torno do Sol que dita como a Terra deve se mover. Nesse sentido, a geometria substitui o conceito de força e a responsabilidade de descrever a interação gravitacional é transferida ao próprio espaço-tempo. A Teoria Quântica, por sua vez, é o formalismo teórico que nos proporciona a melhor descrição que temos da natureza e do comportamento da matéria e da energia em escalas microscópicas. Ela nasceu em 1900 com a hipótese de Max Planck de que a energia de qualquer radiação eletromagnética (um exemplo dessa radiação é a luz emanada por uma lâmpada) estaria concentrada em pacotes discretos, ou quanta, que hoje chamamos de fótons. Em um certo sentido, o fóton pode ser considerado como uma partícula de luz. Cinco anos depois, Einstein sugeriu que não apenas a energia, mas a própria radiação se comportava de forma quantizada. A aparente contradição entre o caráter corpuscular da luz e a visão tradicional da radiação em termos de ondas foi resolvida pelo princípio da dualidade 14 15
onda-partícula, proposto por Louis de Broglie em 1924. De acordo com este princípio, os comportamentos corpuscular e ondulatório se manifestam isoladamente de acordo com a forma com que observamos a luz, ou mais precisamente de acordo com o tipo de experimento utilizado na sua observação. A luz não pode, portanto, se comportar como partícula e onda ao mesmo tempo. De acordo com Niels Bohr, as formas partícula e onda formam aspectos complementares da realidade. Por volta de 1928, graças aos esforços de Werner Heisenberg, Erwin Schrödinger, Max Born, Paul Dirac, dentre outros, todas as regras e fórmulas matemáticas da Teoria Quântica estavam estabelecidas. Desde então, a Teoria Quântica (também conhecida por Física Quântica ou Mecânica Quântica) tem fornecido as previsões mais precisas já observadas nos domínios atômico e subatômico. Apesar do enorme sucesso da Relatividade Geral e da Física Quântica em seus próprios domínios, ao tentamos aplicar os conceitos da Física Quântica à Relatividade Geral sempre obtemos resultados absurdos e que contradizem os fundamentos de ambas as teorias. Aparentemente, não somos capazes de descrever, com uma mesma teoria, fenômenos da Cosmologia e da Física atômica, da Astrofísica e da Física da matéria condensada, da Física dos buracos negros e da Física das partículas elementares. A Teoria da Relatividade Geral e a Teoria Quântica são simplesmente contraditórias entre si. Seria, então, a construção de uma Teoria Quântica da Gravitação, etapa essencial na antiga busca da Física por uma visão unificada de todas as interações, impossível? Para muitos pesquisadores a resposta é um redondo não, uma vez que, dentre os muitos caminhos explorados nos últimos 50 anos na procura de uma Teoria Quântica da Gravitação, dois nos levaram a formalismos consistentes e com grande potencial para o entendimento das propriedades quânticas do campo gravitacional: a Teoria de Cordas e a Gravidade Quântica em Laços (do inglês Loop Quantum Gravity). É importante observar que ambas as teorias nunca foram testadas experimentalmente e ainda abrigam inúmeras questões em aberto, mas são atualmente as teorias mais promissoras para a esperada quantização da gravidade. Entre os pioneiros da Gravidade Quântica em Laços está o físico italiano Carlo Rovelli. Juntamente com o físico Lee Smolin, Rovelli desenvolveu, no final dos anos 1980, uma maneira de tratar um campo gravitacional quântico em termos de uma nova variável chamada laço (do inglês loop). Esses laços representam simplesmente excitações quânticas das linhas de força do campo gravitacional, em uma clara analogia com o que observamos no eletromagnetismo clássico, onde linhas de força fechadas (ou seja, laços) representam campos magnéticos. Essa representação de laços permitiu a obtenção de uma grande classe de soluções exatas da então complicada equação de Wheeler-DeWitt, a principal equação da gravidade quântica. A introdução dos laços transformou a teoria de Wheeler-DeWitt, desenvolvida nos anos 1960, em um formalismo que pôde finalmente ser utilizado para o cálculo de quantidades físicas na gravidade quântica. Nascia nesse momento o que viria a ser conhecido por Gravidade Quântica em Laços. Mas, afinal, o que vem a ser esse formalismo e como ele tenta combinar a Relativi- 16 17
dade Geral e a Teoria Quântica, duas teorias aparentemente incompatíveis? A principal pista está na forma como a Gravidade Quântica em Laços enxerga o espaço. Para ela, o espaço deixa de ser um contínuo, ou seja, divisível ad infinitum, passando a ter uma estrutura granular. Essa propriedade do espaço está em plena consonância com as ideias da Física Quântica, que nos mostra, como no já citado exemplo da luz, que um campo de radiação pode ser representado por um quantum. Nos anos 1990, Rovelli mostrou que o volume dessas pequenas regiões do espaço era discretizado e extremamente pequeno (muito menor que qualquer núcleo atômico). Portanto, assim como ocorre no caso das cargas elétricas, em que o valor da carga de um objeto carregado é um múltiplo do valor de uma carga elementar, o volume dessas regiões é proporcional a um quantum de volume elementar. Esses quanta de espaço nada mais são que os laços introduzidos por Rovelli e Smolin, ou seja, os laços não estão imersos em um espaço independente e fixo, pois não há esse espaço; os laços são o próprio espaço, pois são excitações quânticas do campo gravitacional que, por sua vez, são relacionadas ao próprio espaço físico. Isso nos mostra que a identificação dos laços diretamente com o espaço está também em consonância com as ideias da Relatividade Geral. Porém, sendo o espaço-tempo quadridimensional composto pelo tempo e pelo espaço, o que ocorre com o tempo após a quantização do espaço? A resposta dada pela Gravitação Quântica em Laços é relativamente simples, apesar de perturbadora: uma vez que a ideia de um espaço contínuo que contém as coisas desaparece, a ideia de um tempo que flui de forma independente também some. A variável tempo não mais aparece nas equações que descrevem a matéria e os grãos de espaço. Nas palavras do próprio Rovelli, o escoar do tempo é interno ao mundo, nasce no próprio mundo, a partir das relações entre eventos quânticos que são o mundo e são eles mesmos a nascente do tempo. Não há garantias de que a Teoria da Gravidade Quântica em Laços esteja certa. É possível que esses estudos se mostrem incorretos ou mesmo que nos apontem que há um limite à explicação científica. Mas há, por sorte, a possibilidade de a teoria ser verificada experimentalmente, levando-nos ao tão esperado momento da história da ciência em que poderemos anunciar que uma explicação fundamental do Universo foi encontrada. Aguardemos. 18 19