RELAÇÕES ENTRE O COMPRIMENTO DE COXA E A LOCALIZAÇÃO DA ZONA DE INERVAÇÃO EM MÚSCULOS DO MEMBRO INFERIOR Eduardo Marczwski da Silva, Cristine Lima Alberton, Marcus Peikriszwili Tartaruga, Luiz Fernando Martins Kruel Laboratório de Pesquisa do Exercício Escola de Educação Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS Porto Alegre. Resumo: O objetivo do presente estudo foi analisar as relações existentes entre o comprimento de coxa e a localização da zona de inervação (ZI) de músculos do membro inferior direito. Dezesseis mulheres foram submetidas aos procedimentos de estimulação elétrica para localização da principal ZI nos músculos Reto Femoral, Vasto Lateral, Semitendioso e Bíceps Femoral. Posteriormente, o Comprimento de Coxa (CC) (distância entre o trocânter maior e o epicôndilo lateral do fêmur) foi mensurado. Para verificar as relações existentes entre a localização das ZI`s e o CC utilizou-se o coeficiente de correlação de Pearson e a análise de regressão linear. Todos os músculos avaliados apresentaram altos coeficientes de correlação entre a localização da ZI e o CC. Nossos resultados sugerem a possibilidade de mensurar o CC para a determinação indireta da ZI o que facilitaria a localização do sítio para o posicionamento de eletrodos de superfície na aquisição do sinal EMG. Palavras Chave: Estimulação Elétrica, Zona de Inervação, Comprimento de Coxa. Abstract: The aim of the present study was to analyse the relations between the thigh length and the location of innervation zone (IZ) in muscles of the right lower limb. Sixteen women were subjected to electrical stimulation procedures to find the IZ in Rectus Femoris, Vastus Lateralis, Semitendinous and Biceps Femoris. Subsequently, the thigh length (distance between the greater trocanter and the lateral epicondilous of femoris) was measured. Pearson s Correlations and linea regression were utilized to verify the relations between IZ`s location and the thigh length. High Correlations were found between the IZ location and the thigh length in all muscles analysed. Our results suggested the possibility to measure the thigh length to the indirect determination of IZ. It would help the location of the superficial electrods placement to EMG recordings. Key words: Electrical Stimulation, Innervation Zone, Thigh Length. INTRODUÇÃO A eletromiografia (EMG) de superfície tem sido usada para investigações nas ciências do esporte e aplicações clínicas [1,2,3]. Nessas situações, as variáveis estimadas, os resultados estatísticos e as conclusões são dependentes de diferentes fatores como, por exemplo, das propriedades de padronização dos eletrodos de superfície ao longo dos músculos avaliados [4,5,6]. Diversos métodos são sugeridos na literatura na tentativa de estabelecer o melhor local para posicionar os eletrodos durante a coleta do sinal EMG [7]. Delagi [8] sugeriu o posicionamento dos eletrodos no ponto médio entre as inserções musculares. Mais tarde, Dainty e Norman [9] sugeriram o posicionamento dos eletrodos exatamente sobre a principal zona de inervação (ZI) muscular. Entretanto, o método mais utilizado atualmente sugere que o sinal EMG seja coletado com os eletrodos posicionados num ponto médio entre a principal ZI muscular e as inserções do músculo de interesse [4,10]. Independentemente do método utilizado, a determinação da principal ZI parece essencial. Roy et al., [11] denominaram a principal zona de inervação muscular (local de maior inervação ao longo do ventre muscular) de ponto motor. Rainoldi et al., [10,12] no intuito de facilitar a determinação do ponto motor através de um método indireto, avaliaram o comportamento do sinal EMG com eletrodos bipolares posicionados
ao longo da superfície muscular. O ponto motor de cada músculo foi estimado através do registro de um sinal EMG não representativo devido ao movimento das zonas de despolarização em direção oposta e a concomitante subtração do sinal entre os pares de eletrodo. No entanto, os resultados da localização do ponto motor de alguns músculos analisados foram apresentados em distâncias referentes a marcações anatômicas em valores absolutos. Esse tipo de análise pode aumentar a variabilidade de determinação dos pontos motores em indivíduos com diferentes comprimentos de membro inferior. Ainda, alguns pontos anatômicos indicados são de difícil palpação superficial. Dessa forma, no intuito de facilitar a localização do ponto motor através de um método indireto, o objetivo do presente estudo foi avaliar as relações existentes entre o comprimento de coxa e a determinação do ponto motor em quatro músculos superficiais do membro inferior. MATERIAIS E MÉTODOS Amostra Dezesseis mulheres jovens fisicamente ativas (62,04 ± 7,13 Kg, 1,65 ± 0,08 m, 27,28 ± 4,06 % de gordura corporal e 38 ± 2,87cm de comprimento de coxa) estudantes da Escola de Educação Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), com idades entre 18 e 25 anos foram selecionadas. Todas assinaram um termo de consentimento informado. Avaliação Antropométrica A coleta dos dados foi realizada no Laboratório de Pesquisa do Exercício da UFRGS. Foram mensuradas a massa e a estatura corporal com uma balança analógica (resolução de 0,1 kg, FILIZOLA) e um estadiômetro (resolução de 1 mm, FILIZOLA). A densidade corporal foi medida com um plicômetro (LANGE, resolução 1 mm) e estimada utilizando-se o protocolo de dobras cutâneas propostos por Jackson et al. [13]. A composição corporal foi estimada por meio da fórmula de Siri apud Heyward e Stolarczyk [14]. Paralelamente a mensuração das dobras cutâneas o comprimento de perna das amostras foi mensurado com uma fita métrica (LANGE, resolução 1 mm). Preparação dos indivíduos Os pêlos foram removidos e a pele sobre a superfície muscular de interesse foi limpa com abrasão de algodão umedecido em álcool gel [14,15]. Determinação do Comprimento de Coxa O comprimento de coxa (CC) dos indivíduos foi determinado utilizando-se uma fita métrica. O protocolo de determinação consistiu no posicionamento dos indivíduos em decúbito lateral esquerdo com o quadril e o joelho em posição anatômica. O CC foi mensurado como a distância entre o trocânter maior e o epicôndilo lateral do Fêmur direito. Determinação do Ponto Motor Para determinação do ponto motor foi utilizado um Estimulador Elétrico comercial (EGF 4030, CARCI). O protocolo de estimulação foi o mesmo proposto por Dainty e Norman [9]. O procedimento consistia no deslocamento de um eletrodo ativo sobre a superfície muscular. A estimulação foi realizada com a geração de uma corrente farádica com pulso exponencial ajustável entre 1Hz, com duração de 200ms. A intensidade
era aumentada até atingir-se o limiar motor que pode ser visível ou palpável. Segundo Roy et al., [11] o ponto motor é o ponto mais excitável (onde a menor intensidade de corrente vai gerar a maior contração visível ou palpável) do ventre muscular, podendo existir mais de um ponto motor em cada músculo. Foi determinado o principal ponto motor (região mais excitável) para os músculos Reto Femoral (RF), Vasto Lateral (VL), Bíceps Femoral (porção curta) (BF) e Semitendinoso (ST) da perna direita de cada indivíduo. Um Atlas de anatomia [15] foi utilizado para auxiliar na localização das principais zonas de inervação. O ponto motor identificado para os músculos RF e VL foi registrado como a distância ao longo de uma linha reta imaginária entre o trocânter maior do fêmur e a borda superior da patela, iniciando do trocânter. O ponto motor identificado para os músculos BF e ST foi registrado como a distância ao longo de uma linha reta imaginária entre o trocânter maior do fêmur e a cavidade poplítea, iniciando do trocânter. diferentes músculos e o comprimento de coxa aparece na Tabela 1: Tabela 1: Coeficientes de Correlação (r) entre a localização do ponto motor nos músculos Reto Femoral (RF), Vasto Lateral (VL), Semitendinoso (ST), Bíceps Femoral (BF) e o comprimento de coxa. r Sig. RF 0,905 0,001 VL ST BF 0,717 0,778 0,740 0,002 0,001 0,002 Nas figuras 1,2,3 e 4 são apresentadas as equações da reta: Análise Estatística Para verificar a normalidade dos dados foi realizado o teste de Shapiro-Wilk. Para analisar as correlações existentes entre a localização do ponto motor nos diferentes músculos e o CC utilizou-se o coeficiente de correlação de Pearson e para verificar as relações existentes entre as variáveis utilizou-se a análise de regressão linear. Todo processamento estatístico foi realizado no pacote estatístico SPSS versão 11.0, com p>0,05. RESULTADOS Localização do Ponto Motor (cm) 23 22 21 20 19 18 y = 0,6714x - 6,0162 17 Figura 1: Relação entre a localização do Ponto músculo Reto Femoral. O resultado referente às correlações encontradas entre a localização do ponto motor nos
Localização do Ponto Motor (cm) 27 26 25 24 23 22 21 y = 0,8824x - 10,882 20 Figura 2: Relação entre a localização do Ponto Localização do Ponto Motor (cm) 31 30 29 28 27 26 25 músculo Vasto Lateral. y = 0,7292x + 0,357 24 Figura 3: Relação entre a localização do Ponto Localização do Ponto Motor (cm) 34 33 32 31 30 29 músculo Semitendinoso. y = 0,6856x + 3,9351 28 Figura 4: Relação entre a localização do Ponto músculo Bíceps Femoral. DISCUSSÃO Nossos resultados sugerem altas correlações (r > 0,7) e fortes relações (coeficiente angular > 0,6) entre a localização do ponto motor nos músculos RF, VL, ST e BF e o comprimento de coxa. Esses achados justificam a proposta inicial de Rainoldi et al., [10], que embora apresente a localização do ponto motor de alguns músculos, como o Vasto Lateral, baseada em distâncias absolutas ao longo da superfície muscular, sugeriram que a variabilidade entre sujeitos poderia ser diminuída através da localização do ponto motor a partir de uma distância percentual ao longo da superfície muscular. Entretanto, no presente estudo utilizou-se uma relação de causa e efeito entre as variáveis analisadas, através da determinação do coeficiente de regressão linear. Também, os resultados encontrados por Rainoldi et al., [10], mostraram variações de até 10% na localização do ponto motor. No nosso estudo as variações apresentadas foram menores de 5%. Provavelmente, alguma outra variável interveniente possa estar relacionada à localização do ponto motor além do comprimento de coxa. Ainda, Rainoldi et al., [10] e Falla et al., [12] avaliaram a localização do ponto motor através do registro EMG, o que não permitiu a localização fidedigna do ponto motor de músculos como o reto femoral, e sugeriram a localização do ponto motor em músculos do membro inferior em distâncias entre superfícies ósseas de difícil palpação como a tuberosidade isquiática. No presente estudo, de acordo com as propostas de Roy et al., [11] e Araújo [7] a localização do ponto motor foi determinada através de estimulação
elétrica, o que nos permitiu localizar o ponto motor do músculo Reto Femoral. Também, utilizamos como referência para a localização do ponto motor superfícies ósseas como o trocânter maior e a borda superior da patela no intuito de facilitar a localização por parte dos avaliadores. Em suma, a partir do registro de altas correlações e fortes relações existentes entre a localização do ponto motor e o comprimento de coxa foi possível estabelecer coeficientes de regressão linear para a localização do ponto motor através de um método indireto. Esse método parece de grande utilidade para estudos que utilizam a eletromiografia de superfície, uma vez que essas análises são dependentes da metodologia de posicionamento dos eletrodos de superfície e esta é diretamente relacionada à localização do ponto motor [4,5,6,9,10]. CONCLUSÃO Nossos achados demonstram fortes correlações e altas relações entre a localização do ponto motor e o comprimento de coxa. A partir dessas correlações foi possível estabelecer coeficientes de regressão linear para a localização do ponto motor através da utilização de um método indireto que facilite o posicionamento dos eletrodos de superfície em análises com eletromiografia. REFERÊNCIAS [1] Sutherland, D. The evolution of clinical gait analysis. Part I. Kinesiological EMG. Gait Posture 2001;14(1):61-70. [2] Merletti, R, Farina, D, Gazzoni, M, Schieroni, MP. Effect of age on muscle functions investigated with surface electromyography. Muscle Nerve 2002; 25(1):65-76. [3] Casale, R, Rainoldi, A, Nilsson, J, Bellotti, P. Can continuous physical training counteract aging effect on myoeletric fatigue? A surface electromyography study application. Arch Phis Med Rehabl 2003; 84(4): 513-517. [4] DeLuca, CJ. The use of surface electromyography in biomechanics. J. of Appl. Biomechanics (1997) 13: 135 163. [5] Merletti, R, Farina, D, Granata, A. Noninvasive assessment of motor unit properties with linear electrode arrays. Electroenceph Clin Neurophysiol. 1999:Suppl; 50:293-300. [6] Rainoldi, A, Nazzaro, M, Merletti, R, Farina, D, Caruso, I, Gaudenti, S. Geometrical factors in surface EMG of the vastus medialis and lateralis muscles. J Electromyogr Kinesiol 2000;10(5):327-336. [7] Araújo, RC. Utilização da eletromiografia na análise biomecânica do movimento humano. São Paulo, 1998. Tese de Doutorado. Instituto de Ciências Biomédicas, Universidade de São Paulo. [8] Delagi, EF, Perotto, A, Iazzetti, J, Morrison, D. Anatomic Guide for the electromyographer: the limbs. Segunda edição. Springlield, C. Thomas, 1981. [9] Dainty, DA, Norman, RW. Standarding biomechanical testing in sport. Champaign, Human Kinetics, 1987. [10] Rainoldi A, Cescon C, Bottin A, Casale R, Caruso I. Surface EMG alterations induced by underwater recording. J. Electromyogr. Kinesiol. 2004; 14: 325-31. [11] Roy, SH, DeLuca, CJ, Schneider, J. Effects of electrode location on myoelectric condution velocity and median frequency estimates. J Appl Physiol. 1986; 61(4):1510-1517. [12] Falla, D, Dall Alba, P, Rainoldi, A, Merletti, R, Jull, G. Location of innervation zones of sternocleidomastoid and scalene muscles: a basis for clinical and researchs eletromiography applications. Clin. Neurophysiol. 2002; 113(1):57-63. [13]Jackson AS, Pollock ML, Ward A. Generalized equations for predicting body density
of women. Med. Sci. Sports Exerc. 1980; 12: 175-82. [14]Heyward VH, Stolarczyc lm. Avaliação da composição corporal aplicada. São Paulo: Manole, 2000. [15] Netter, FH. Atlas de anatomia humana. São Paulo, Brasil: Artes Médicas, 1999. e-mail: Eduardomarczwski@yahoo.com.br