A seca no Rio Grande do Sul entre setembro de 211 e fevereiro de 212. Tais Bavaresco Baldasso 1 Siclério Ahlert 2 1 Acadêmica do curso de Licenciatura em Geografia da Universidade de Caxias do Sul. 2 Geógrafo e Licenciado em Geografia, Mestre em Sensoriamento Remoto, professor da Universidade de Caxias do Sul. Introdução A seca é um fenômeno essencialmente climático, mas com impactos econômicos e sociais e, ocorre devido à baixa quantidade de precipitação em diferentes épocas do ano numa determinada região (GARCIA, 1996). Caracteriza-se pela sua ocorrência anômala em termos de intensidade da seca, duração e abrangência geográfica (CUADRAT & PITA, 24). Dentre as várias definições e compreensões a respeito do conceito de seca, podemos destacar a diferenciação do British Rainfall Organization, que caracteriza o processo em termos de duração (dias) em que a precipitação é mínima. Já o Instituto Nacional de Meteorologia da Espanha define as secas baseado em métodos estatísticos, classificando o regime de chuvas em cinco categorias. Segundo a Organização Meteorológica Mundial, uma região está em seca quando no mínimo 5% desta área apresenta precipitação anual inferior a % da normal climática por um período de dois anos consecutivos (GARCIA, 1996). Além disso, o crescimento acelerado da população urbana, a extração de água pelas indústrias e a irrigação de cultivos influenciam para a falta de água no ambiente, incrementando o processo da seca (GARCIA, 1996). No Rio Grande do Sul, vários fatores geográficos influenciadores do clima, como a latitude subtropical marcada pela sazonalidade e a dinâmica de diferentes massas de ar, além das diferenças de altitude, implicam em grandes contrastes nos regimes térmicos e pluviométricos ao longo do ano. Essa característica natural do clima é circunstancialmente intensificada por eventos como o El niño e a La Niña, que causam grande variabilidade interanual ocasionando, respectivamente, anos chuvosos e secos (BERLATO & FONTANA, 23; GRIMM, 29). Essa variabilidade da precipitação costuma causar transtornos em várias atividades agrícolas, ocasionando perda expressiva na produtividade das safras. Durante a primavera e o verão, a ocorrência de seca intensa é relativamente frequente, o que afeta a produção de milho e soja, dois cultivos importantes da agricultura gaúcha, além
de afetar também outras atividades agropastoris. No contexto urbano, várias cidades apresentam dificuldade de abastecimento de água, implantando políticas de racionamento, sendo notórios os casos de seca na cidade de Bagé, conforme destacado por Silva (21). Apesar da seca ser um processo relativamente frequente, poucas atitudes amenizadoras ou preventivas são implantadas no âmbito da gestão pública, o que acaba piorando as consequências socioeconômicas da situação climática da seca. Nesse contexto, o objetivo desse estudo é analisar a variabilidade da precipitação e o processo da seca no Rio Grande do Sul entre setembro de 211 até fevereiro de 212, comparando o padrão de precipitação registrado nesse período em algumas cidades do estado com os mapas da normal climática 1961/199 do estado. Métodos Para a análise da variabilidade da precipitação e intensidade, foram selecionados no site do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET) os dados diários da precipitação da rede de estações automáticas das cidades de Bagé, Bento Gonçalves, Erechim, Rio Grande, Santa Maria, Santa Rosa, Tramandaí e Uruguaiana. Essas cidades foram selecionadas a fim de ter uma amplitude geográfica de diferentes regiões do estado, conforme apresenta o mapa da figura 1.
Os dados foram analisados mantendo o horário UTC, padrão nas observações meteorológicas. As estações de Rio Grande, Santa Maria, Santa Rosa, Tramandaí e Uruguaiana não apresentam dados nas quinze horas iniciais do dia 1 de setembro. Contudo, a análise de imagens de satélite dessa data permite constatar que provavelmente a precipitação foi inexistente ou insignificante. Com base nesses dados, foi feita a representação gráfica da precipitação diária, a fim de contextualizar o aspecto temporal e a variabilidade deste processo nas diferentes cidades. A soma da chuva mensal foi tabelada e comparada com os mapas mensais das normais climatológicas do Brasil, obtidos também junto ao INMET e adaptadas para o Rio Grande do Sul, como mostra a figura 2. Figura 2: Mapas mensais da normal climatológica de precipitação no Rio Grande do Sul Fonte: Modificado do INMET (212). É importante salientar também que a base de dados utilizada pelo INMET para a geração da normal não é baseada nos dados da rede de estações automáticas, de implantação mais recente. Contudo, o contexto climático regional da normal (obtido por rede de estações convencionais) é um importante referencial comparativo com os dados das estações atuais. O clima do Rio Grande do Sul e sua variabilidade O contexto climático do Rio Grande do Sul é bastante variado, conforme pode ser observado nas ilustrações mensais de precipitação da normal climatológica de
1961-199, apresentadas na figura 2 (INMET, 212). Com base nos mapas do INMET, apresentados nessa figura, percebe-se que em setembro a região sudoeste registra o menor volume de precipitação do estado (< mm), enquanto que regiões do planalto recebem em torno de 2mm de precipitação. Em outubro, percebe-se uma diminuição no volume de chuvas no planalto e também no litoral sul. Já em novembro, praticamente todo o estado tem redução de chuvas, com valores ficando abaixo de 1mm e notadamente, a região sudoeste e o litoral registram pouca precipitação. A partir de dezembro, a precipitação aumenta um pouco, especialmente no sudoeste e algumas regiões do planalto. Em janeiro ocorre um aumento da quantidade de chuva em quase todo o estado, com exceção do litoral médio com menores índices pluviométricos. Esse quadro se mantém em fevereiro, contudo com a região sudoeste já apresentando acumulados expressivos. Além dessa variabilidade natural no regime de chuvas, a ocorrência de secas no estado se constitui num evento relativamente frequente. Berlato e Fontana (23) analisaram uma série histórica de eventos La Niña e as consequências climáticas para o Rio Grande do Sul, como a ocorrência de secas. Contudo, as causas da seca não podem ser explicadas somente pela La Niña, pois a alteração da circulação de jato em baixos níveis da atmosfera, responsável por trazer umidade para o sul e sudeste do Brasil a partir da região amazônica, também é uma das possíveis causas para a ocorrência de secas (Grimm, 29). Resultados A tabela 1 apresenta os volumes de precipitação mensal para cada cidade e, entre parênteses, é apresentada a expectativa média de precipitação baseado nos intervalos da normal climatológica, interpretados a partir da figura 2. Pode-se perceber que todas as cidades apresentaram precipitação inferior ao mínimo da normal climatológica em pelo menos três dos seis meses analisados. As situações mais críticas ocorreram nas cidades de Bagé, Bento Gonçalves, Erechim e Rio Grande, onde tivemos cinco meses de precipitação abaixo do esperado, configurando um nítido quadro de seca. Santa Rosa apresentou um mês com precipitação dentro do previsto e dois meses com precipitação acima da expectativa. Na tabela 1, o quadro laranja expressa precipitação inferior ao esperado. Em amarelo, a precipitação ficou dentro do esperado e em verde, o volume precipitado foi superior a média da normal climática.
Tabela 1: Volume mensal registrado em comparação com a expectativa da normal Cidade / Mês 9/211 1/211 11/211 12/211 1/212 2/212 1. Bagé 63,6 2. Bento Gonçalves 57,8 3. Erechim,6 4. Rio Grande 62,6 5. Santa Maria 72,8 6. Santa Rosa 39,2 7. Tramandaí 28,2 8. Uruguaiana 89, 87,4,2 186, 63,4 197,6 242,6 124,2 165, 36,4 23, 82,4 52, (-) 46,4 125,6 (-) 24,2 (-) 54,6 52,8 69,2 14,6 53, (-) 13,6 39,6 (-) 84,2 (-) 195,6 43,6 58,6 7,6 28, 7,2 66,8 172,4 29, 224, 27,4 21,2 124,8 24,6,8 64, 118,4 (1-22) Fonte: Elaborado a partir dos dados da normal climatológica e das estações automáticas do INMET. No acumulado dos seis meses, a cidade de Rio Grande recebeu o menor volume de precipitação (385,2mm), seguida de Erechim (479,2mm). Tramandaí (56,4mm), Bagé (512,8mm) e Bento Gonçalves (52,6mm) tiveram volumes de precipitação bem similares. Em situação um pouco menos crítica em termos de volume de precipitação ficaram as cidades de Santa Maria (636,mm), Santa Rosa (654,4mm) e Uruguaiana (661,mm). Contudo, para todas as cidades, o volume de precipitação ficou abaixo do esperado pela normal climatológica, o que caracteriza esse processo como seca. Os gráficos das figuras 3 até 1 mostram a distribuição da precipitação ao longo do período analisado, onde podemos perceber que as precipitações que ocorreram tiveram distribuição irregular, com semanas de intervalo entre duas precipitações expressivas. A cidade de Bagé apresentou precipitação inferior ao esperado de setembro até janeiro e o expressivo acumulado de chuvas do mês de fevereiro ocorreu em função da pluviosidade ocorrida no dia 29 de fevereiro, como pode ser observado na figura 3. Nessa figura, notamos que o intervalo entre duas precipitações consecutivas foi superior a uma semana em vários momentos. Além disso, os acumulados foram baixos, nunca ultrapassando o volume de mm (exceção a 29 de fevereiro). Em setembro, somente em cinco dias foi registrada precipitação em Bagé, sendo significativos somente dois dias. Outubro e novembro tiveram poucos eventos de precipitação e sempre de intensidade baixa. Dezembro tem marcado o final do mês com ausência de precipitação que se estende até a segunda semana de janeiro.
Figura 3: Distribuição da precipitação em Bagé (9/211 até 2/212). 12 2 No início de fevereiro, ocorre precipitação mais expressiva e de forma concentrada durante três dias, com volume superior a 9mm. Essa precipitação aliviou o quadro da seca momentaneamente, pois na sequência, retorna-se a situação de pouca chuva, interrompida somente no final do mês. A cidade de Bento Gonçalves (figura 4), registrou mais eventos chuvosos, contudo todos de baixa intensidade, raramente ultrapassando 2mm diários. Essa situação fez com que o processo de seca tenha sido intenso nessa cidade. Essa situação só foi interrompida com as precipitações registradas no mês de fevereiro de 212. Figura 4: Distribuição da precipitação em Bento Gonçalves (9/211 até 2/212). 12 2 A figura 5 apresenta a distribuição da precipitação para Erechim, onde a frequência de chuva foi considerável em setembro, ainda assim, abaixo do esperado. Em outubro, a precipitação foi expressiva, acima da expectativa, marcada especialmente pelos 71mm precipitados no dia 13. No início de novembro ocorre alguma precipitação significante, contudo, do meado desse mês até final de fevereiro poucos dias registraram precipitações e as quantidades sempre foram pouco expressivas, com exceção do dia 13 de janeiro (67mm). Em Rio Grande, o processo de seca foi bem intenso, com volume normalmente inferior a 5% do esperado para o mês. Ainda que as precipitações fossem mais
Figura 5: Distribuição da precipitação em Erechim (9/211 até 2/212). 12 2 frequentes, com intervalos das chuvas raramente ultrapassando dez dias, todos os eventos de precipitação foram de baixa intensidade, sempre inferiores a mm, com exceção ao dia 29 de fevereiro, com 64,2mm, conforme a figura 6. Figura 6: Distribuição da precipitação em Rio Grande (9/211 até 2/212). 12 2 Essa precipitação ocorrida no último dia de fevereiro enquadrou a cidade como tendo tido uma situação dentro do esperado conforme a tabela 1. No entanto, se analisada a distribuição dessa precipitação, percebe-se que todos os seis meses registram um total de chuvas abaixo do esperado. A distribuição das chuvas em Santa Maria é marcada pela ocorrência de eventos que trouxeram um total precipitado acima de mm nos meses de setembro e outubro, como pode ser percebido na figura 7. Em novembro, somente quatro dias registraram precipitação e em dezembro, todas as precipitações foram de fraca intensidade, nunca ultrapassando os 5mm diários. Essa ausência de chuvas nessa cidade durante dezembro de 211 torna este mês o mais seco do período em análise dentre todas as cidades. Situação similar é a de Erechim, com 14,6mm para dezembro de 211. A distribuição da precipitação na cidade de Santa Rosa (figura 8) marca a ocorrência de poucos eventos de chuva e de fraca intensidade durante o mês de setembro. A partir de outubro e novembro, a precipitação é bastante expressiva, com um
Figura 7: Distribuição da precipitação em Santa Maria (9/211 até 2/212). 12 2 Figura 8: Distribuição da precipitação em Santa Rosa (9/211 até 2/212). 12 2 total mensal acima da expectativa da normal climática (tabela 1). Essa precipitação ocorreu de forma intercalada em intervalos de sete a dez dias e registrando sempre uma quantidade expressiva de chuvas. Todos os eventos ocorridos, às vezes distribuídos em dois ou três dias consecutivos, registraram precipitação superior a faixa dos mm, com um máximo de 7,8mm ocorridos no dia 29 de outubro. A partir do final de novembro, as precipitações diminuem em frequência e são de intensidade um pouco menor, com eventos isolados. Esse quadro se manteve até meados de fevereiro, quando a frequência das precipitações aumentou, ainda que na maioria das vezes, a intensidade fosse pouco expressiva. Em Tramandaí, as precipitações tiveram distribuição irregular e de intensidade diária inferior a mm, desde setembro até 31 de dezembro, quando foram registrados 53mm, como mostra a figura 9. Em outubro, o total precipitado ficou dentro do intervalo esperado, contudo os outros meses de 211 registraram seca, conforme visto na tabela 1. Em janeiro, dois eventos expressivos trouxeram um total de chuva significativo para a cidade, amenizando o quadro da seca nesse mês. Já em fevereiro, apesar de vários dias com precipitação, o volume precipitado sempre foi muito baixo, fazendo com que a situação de seca se mantivesse configurada.
Figura 9: Distribuição da precipitação em Tramandaí (9/211 até 2/212). 12 2 Em Uruguaiana, no extremo oeste do estado, a situação de seca é bem definida nos meses de novembro de 211 e especialmente em janeiro de 212, quando o total de precipitação mensal ficou bem abaixo do mínimo esperado. Em setembro, a precipitação está concentrada num evento ocorrido no dia 17, com 63mm. Já em outubro as chuvas estão distribuídas em três eventos principais, conforme a figura 1. Figura 1: Distribuição da precipitação em Uruguaiana (9/211 até 2/212). 12 2 Em dezembro, a precipitação foi registrada em cinco dias com destaque para o evento ocorrido entre os dias 22 e 24, quando o total precipitado foi de 167mm. A situação de seca registrada em janeiro perdurou em fevereiro com poucos dias de chuva. A análise conjunta dos gráficos da distribuição da precipitação indica grande variabilidade em termos de frequência e intensidade entre as cidades estudadas. Dentre as principais causas para ocorrência da seca está a influência do evento La niña, que altera o padrão de circulação sobre o sul do Brasil e ocasiona seca nessa região. A fraca atuação de frentes frias intensas nessa época do ano e a não ocorrência de complexos convectivos de mesoescala durante o período estudado incrementaram o quadro de seca. A maior parte das precipitações registradas nas diferentes cidades ocorreu predominantemente em função de processos locais e regionais, constatado através da irregularidade em que as chuvas foram registradas.
Conclusões No período de setembro de 211 até fevereiro de 212, o Rio Grande do Sul registrou uma seca que afetou todas as regiões do estado, ainda que a intensidade tenha variado expressivamente entre elas. O período de maior escassez de chuvas também varia regionalmente, pois, enquanto que em algumas cidades a precipitação foi mínima, em outras a mesma ocorreu dentro ou acima do esperado para a normal climática no mesmo mês. As precipitações que ocorreram nas diferentes cidades tiveram frequência e intensidade variada e possivelmente associadas a fatores locais e regionais, dada a ausência de frentes frias ou complexos convectivos de mesoescala que poderiam ter ocasionado chuvas mais generalizadas em todo o estado. Bibliografia BERLATO, Moacir A.; FONTANA, Denise C. El Niño e La Niña Impactos no clima, na vegetação e na agricultura do Rio Grande do Sul Aplicações de previsões climáticas na Agricultura. Porto Alegre. Editora da UFRGS, 23. 11 p. CUADRAT, José Mª; PITA, Mª Fernanda. Climatologia. 3ºed. Madrid: Cátedra, 24. 496 p. GARCIA, Felipe F. Manual de climatología aplicada: clima, medio ambiente y planificación. Madrid. Editora Sintesis, 1996. 285 p. GRIMM, Alice M. Clima da Região Sul do Brasil. In: CAVALCANTI, Iracema, F.A.; FERREIRA, Nelson J.; SILVA, Maria G.A.J.; DIAS, M.A.F. S (org.) Tempo e Clima no Brasil. São Paulo. Oficina de Textos, 29. 463 p. INSTITUTO NACIONAL DE METEOROLOGIA, 212. Disponível em: http://www.inmet.gov.br Acessado entre outubro de 211 e março de 212. SILVA, Miriam Rejane Machado da. Identificação da ocorrência de estiagens em Bagé (RS) entre 1961-29 (Trabalho de Graduação). Porto Alegre. IGEO/UFRGS. 21. 66 p. Agradecimento Os autores agradecem ao INMET pela disponibilização dos dados da rede de estações automáticas e dos mapas da normal climatológica e, ao CPTEC/INPE pela disponibilização de imagens de satélite na internet.