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Transcrição:

O PREÇO DA RAZÃO: AS MEMÓRIAS DOS DESAPROPRIADOS DO BAIRRO DO TATUAPÉ SÃO PAULO. Autor: Prof.º José Ferreira de Souza. (Universidade Cruzeiro do Sul UNICSUL) A partir de 1991, nos meses de outubro o Jornal Gazeta do Tatuapé Zona Leste, edita um suplemento especial em comemoração ao aniversário do Tatuapé, bairro que no ano de 91 completava 323 anos. Este suplemento traz na capa uma foto, que ao fundo dá ênfase aos espigões já construídos e uma área à frente com casas térreas, mas que logo seria trocadas pelos edifícios as edificações. A descrição 323 anos de vida, o Tatuapé chega ao clímax de sua grandeza 1, nós remete a um discurso que tenta colocar o bairro com diferencial em relação aos outros bairros, principalmente, em se pensando na zona leste 2. O jornal coloca que, nas duas últimas décadas o bairro sofreu uma acentuada evolução, caracterizando os anos 80 como a década do sucesso e que se tornou o mais importante da zona leste, com um reconhecimento que chega a ultrapassar bairros como Morumbi e Moema, estes na zona sul da cidade de São Paulo, em termos de valorização imobiliária. Segundo dados do Jornal a Folha de São Paulo, edição de 20/10/1991, a valorização imobiliária em milhões percentuais de 1984 a 1991 é de 185 contra 164 do Itaim Bibi, 144 do Brooklim, 134 de Moema, 130 dos Jardins. Os sofisticados prédios de apartamentos, considerados de alto padrão são ocupados por empresários que vem de outras regiões para residirem próximo de suas empresas e passam a viver e participar das vivências dos outros moradores do bairro. Mas quando é apontado o Jardim Anália Franco como o orgulho dos tatuapeenses, mesmo porque é lá que estão os luxuosos edifícios, percebemos a estratificação do bairro em três categorias, ou seja, o lado norte e o lado sul dividido em duas regiões, Silvo Romero e Anália Franco. É colocado que a grandeza fantástica, não tira da população do bairro a simplicidade e que as pessoas de todas as camadas sociais conseguem ter um convívio sem formalidades, diferentemente de outros bairros. E que a isso se deve o seu crescimento determinante. Quanto a Zona Leste e seu crescimento é uma realidade. Visto que São Paulo tem a tendência e a opção de crescer para esta região, mas de acordo com a descrição é o Tatuapé que vai centralizar e comandar o desenvolvimento devido o dinamismo dos empresários e moradores. Quanto à longevidade histórica o bairro teve muitas caras, ou seja, de um bairro de chácaras, bem rural, para um bairro de indústrias e depois para um bairro de comércio e moradias, mas com característica industrial. Já a partir da década de 80, a prestação de serviços, toma conta de todo o Tatuapé e suas vilas e então, o uso dos instrumentos urbanos é muito intenso pela cidade como um todo, pois a grande maioria de variedades de serviços, ali está posto. 1

Na época do prefeito Faria Lima 1965 a 1969, acontece à abertura da avenida Radial Leste, que vai dar maior vazão ao tráfego de veículos, juntamente com a avenida Celso Garcia e a posterior a construção da Marginal do Tietê. Desta forma, estas três grandes vias vão cortar o bairro e permitir um grande fluxo de passagem rumo ao centro da cidade. A circulação das pessoas, sendo elas moradoras ou não, por dentro do bairro vai exigir alguns meios de transportes, como ônibus e peruas de lotações para fazer uso dos aparelhos urbanos que estão no interior do bairro. Assim, as vias oficiais não satisfazem as necessidades daqueles que se utilizam desta região 3. A rede ferroviária e a construção do Metrô, a partir dos anos 80, não permitem o acesso dos usuários diretamente, sendo necessário para atender o fluxo de pessoas a estes meios de transportes, as lotações, os ônibus e os veículos particulares. Estas acentuadas mudanças na reurbanização das estruturas e equipamentos vão dar mais importância para a construção das obras do Metrô, segundo a fala de moradores que foram desapropriados, em virtude destas obras, mas que cediam os seus valores sobrepondo ao valor público como prioridade e o seu uso pela população. Com a chegada do shopping center, os moradores vão reclamar pela utilização do espaço que antes era o estacionamento do lado sul da Estação Terminal do Tatuapé, cedido para a construção do Shopping Metrô Tatuapé. É o caso do senhor Emilio, 51 anos, morador nascido no bairro do Tatuapé, mora na rua Platina, 149, é proprietário de um mercado que fica na esquina da rua Platina com a praça Coronel Sandoval de Figueiredo. Na entrevista com senhor Emílio temos questões sobre as relações do comércio no entorno do Metrô e principalmente os conflitos para com a chegada do shopping. O senhor Emílio fala sobre os transtornos das obras da estação e da inquietação em virtude do grande fluxo de gente e, principalmente, o problema do trânsito lhe prejudicando na medida que seus clientes não mais podiam estacionar para fazer as suas compras. Quanto à segurança, ele diz que teve, várias vezes, o seu estabelecimento roubado, o que antes não acontecia. Mas, o shopping, diz ele que (...) eu também não entendo qual era a lei, se houve uma desapropriação para um bem público, nunca podem colocar uma coisa privada, que foi colocada o Shopping Metrô Tatuapé, mas é o nome, mas é privado 4 (...). Desta forma, o entrevistado mostra a sua indignação, porque muitas pessoas foram forçadas a mudarem de suas casas, a grande maioria teve que ir para outros bairros diferentes por conta das desapropriações e também o seu comércio, novamente passa por outros modos de vivência, pois o shopping chega e muda muito as condições do que era antes. Acentua-se uma variedade de 2

comércio, inclusive, o comércio ambulante, os bares casas de jogos; o sentido do tráfego é alterado, ou seja, muitas ruas que eram mão agora não são; e o shopping que vai atrair usuários e consumidores ao colocar alguns atendimentos que centralizaram a procura serviços. Isto acontece devido à instalação de postos como: da Prefeitura, Detran, Polícia Federal, Procon, Previdência Social, entre as outras coisas que um shopping já proporciona. O senhor Emílio diz que os benefícios do Metrô e Shopping não vão servir totalmente aos moradores do bairro, pois a maioria possui carros, assim não utilizam o Metrô, enquanto que o shopping foi feito para atender uma classe de pessoas de menor poder aquisitivo e sendo parte dos moradores do Tatuapé considerados possuidores de uma renda melhor, não usam este shopping e sim procuram o Center Norte ou o Anália Franco 5. O senhor Emílio afirma que noventa por cento dos seus clientes não freqüentam o Shopping Tatuapé, isto dos que não foram embora porque se mudaram ou foram desapropriados como é o caso das moradoras donas Jandira e Oneida. As moradoras donas Jandira e sua irmã Oneida 6 foram desapropriadas de sua casa que estava localizada a rua Tuiuti, 1732, onde residiam há seis anos, casa esta que haviam comprado e reformado. Antes moravam em frente no número 1719 e esta casa foi vendida para seu cunhado que possuía um comércio. As entrevistadas contam que quando vieram do interior do Estado de São Paulo, chegaram no bairro do Tatuapé, lado norte, especificamente na rua Ivai. Também moraram por um período na rua Tuiuti do lado norte, para depois e com muitas economias conseguirem comprar as casas que foram desapropriadas. A desapropriação para Jandira e Oneida, não foi tão ruim, dizem elas, pois conseguiram ficar no próprio bairro que gostam tanto, inclusive na parte sul. Dizem que não gostam do lado norte devido ter muitos comércios, fábricas e trânsito. Mas, ao mesmo tempo descrevem que as imediações da Estação Tatuapé e a rua Tuiuti logo será igual a uma rua 25 de Março, querendo dizer que há uma desordem generalizada, pois é assim que as pessoas conceituam o comércio da rua 25 de Março. As entrevistadas narram que moravam em uma casa muito pequena, quarto na frente, cozinhava no fundo, com mais famílias. Aí nós mudamos para uma casa maior, na rua Tuiuti, nós com muita luta, ajuntamos um dinheirinho para dar entrada numa casa caindo aos pedaços. Esta casa no Tatuapé, lado de cima da avenida Radial Leste, onde hoje está o marco luminoso 7 da Estação Terminal do Tatuapé. Elas fizeram uma reforma e pouco tempo depois o cunhado se interessou e quis adquirir o imóvel. Elas compraram em frente um sobrado e venderam para o cunhado que, satisfeito, comprou a casa pelo valor que pagaram no sobrado. Logo, em pouco tempo elas reformaram a nova moradia. Mas, por infelicidade ou felicidade, dizem elas, foram desapropriadas. O fato de terem 3

conseguido ficar morando no bairro, na rua Euclides Pacheco, 35, que fica no lado sul entre a praça Silvio Romero e o Jardim Anália Franco, significa ter melhorado, pois estão na parte do bairro que é bem vista. Entretanto ao questioná-las como foi o processo de desapropriações, dizem que inicialmente foi um terror, porque apareciam os homens medindo e fazendo anotações. Passaram seis anos para ter uma definição. Durante este tempo os moradores ficavam questionando quem seria ou não desapropriado. Elas comentam que eles vinham e tinham uma marca vermelha, quando agente chegava e tinha uma marca vermelha, Meu Deus!, é até aqui que vai desapropriar e aí era aquela coisa, tinha gente que falava assim: Olha, não vai ser do meu lado, vai ser só do seu lado. Diante de tantos comentários, as pessoas até achavam que era só boato, mas finalmente veio o aviso por escrito da desapropriação. Então, dona Jandira se colocou imediatamente a procurar uma outra casa para comprar e a que conseguiu teve o problema de o proprietário anterior estar morando, enquanto o prazo dado pelo Metrô para a demolição já havia vencido. Assim, diz dona Jandira ficamos nesta casa e aconteceu que eles foram demolindo, demolindo tudo em volta e a nossa casa em pé, mas foi um pesadelo. Desta forma podemos ver que as desapropriações transformaram muitos sonhos de vidas tranqüilas em pesadelos de rios de preocupações. Para alguns poucos como é o caso de dona Jandira, conseguiu ficar no bairro. E depois de tudo, achou que até melhorou com a mudança, apesar de ter sofrido muito com os transtornos. Mas, para a grande maioria o pesadelo continuou em suas vidas. Quanto ao bairro do Tatuapé, a entrevistada diz que sempre foi bom, portanto quando nós fomos desapropriadas o doutor ia levar nós para passar um pouquinho pra lá, ou seja, se mudar para um outro bairro... nós não queria, nós queria aqui no Tatuapé, na redondeza. Dona Jandira fala que o sofrimento maior foi pela preocupação em não sair do bairro, pois estava acostumada no Tatuapé, visto que desde a época em que morava na parte de baixo, na rua Tuiuti, quando ainda não tinha o Metrô, era a avenida Radial Leste, que dividia o bairro em sul e norte. Diz à entrevistada que tudo mudou tão rápido que se uma pessoa deixasse de aparecer no Tatuapé por cinco ou seis anos, quando voltasse e se baseava em algum prédio, em uma padaria, já não encontrava mais. Uma das primeiras mudanças foi à avenida Radial Leste que veio possibilitar um grande fluxo de tráfego viário para a região da zona leste. Quanto aos modos de vida mudou bastante, pois muitas pessoas fora vieram morar no Tatuapé e isto se deu com a chagada do Metrô que ajudou a valorar os imóveis. Assim, começou a vir pessoas com um poder aquisitivo maior, sendo que antes não era tanto esta diferença. Desta forma, narra a entrevistada que começou a aparecer gente mais bem vestida, carros melhores, começou a 4

construir prédios, aí começou até nisto que está agora. E isto diferenciou muito do que era antes com o uso das praças e das ruas para se fazer festas juninas e brincadeiras de crianças. A entrevistada fala de seu olhar quanto a uma diferenciação entre o que seria uma divisão do bairro pela via férrea e a avenida Radial Leste e do Metrô a partir de sua construção, onde à parte de cima evoluiu, enquanto que do lado de baixo, a avenida Celso Garcia e seu comércio não evoluíram. Para ela, onde não foram construídos prédios novos é um lugar cinzento. A avenida Celso Garcia teve o seu comércio diminuído com fechamento de lojas e os imóveis menos valorizados que os do lado sul. Ao questionar a entrevistada sobre este progresso com o olhar de prédios envidraçados significando o belo, construções de Metrôs e de shoppings que tem como causa o desaparecimento de várias moradias e nestas estão sendo demolidas memórias que existiram por longos anos, a dona Jandira fala que não precisaria ter tirado tantas pessoas, umas que até morreram de desgosto. Ou seja, não justifica a necessidade de um shopping center naquele local. Foram muitas pessoas que viviam há tanto tempo e que perderam o contato com o afastamento devido à distância que agora os separam. Dentro do discurso da racionalidade urbanística, a Estação do Metrô Tatuapé vem para reafirmar a necessidade em melhorar o tráfego da maior capital brasileira, facilitando o transporte de material humano das periferias para o centro. Com a redefinição do mapa viário do bairro, não foi apenas o meio de locomoção que ganhou novos contornos, mais também a história e a memória do Tatuapé 8, apontado como uma região emergente na capital paulistana. E, contudo, a saída dos antigos moradores e a chegada de novas categorias sociais trouxeram novos rostos para o Tatuapé, deixando de lado a historicidade de pessoas que nunca haviam morado em outro lugar. Para estes cidadãos, as mudanças transformaram seus espaços de sociabilização em estacionamento, ou em um Shopping Centers, esvaziando seus costumes e apagando seus registros de memórias socialmente construídos por vários anos 9. Quanto aos novos moradores, chegam abrindo a porta de entrada do bairro qualificando e quantificando os seus domínios de valores no sentido dos próprios favorecimentos. Desta forma, a idealização de configurar a estrutura urbana nos moldes do que se pretende criar um processo do novo cotidiano e usufruir daquilo que é e será dos que estão dentro. O bairro do Tatuapé que antes servia apenas de passagem, agora tem a sua dinâmica e é transitado em seu interior 10. Se as desapropriações significaram a possibilidade de transitar mais rapidamente por São Paulo, também permitiram a redefinição dos usos e abusos dos moradores do Tatuapé sobre a Estação do Metrô e as instituições públicas e particulares que o envolveram. Pois, a construção e instalação de uma estação metroviária também ocasionaram o desfacelamento de uma rede social 5

complexa e tradicional, na qual os valores comunitários estavam presentes e atuantes na vida daqueles habitantes. NOTAS Aluno de Mestrado do Programa de Estudos Pós-Graduados em História Social da PUC/SP. 1 (AJGT). Jornal Gazeta do Tatuapé 10/1991, Capa. Suplemento Especial de aniversário dos 323 anos do bairro. Título da reportagem: capa. 2 Idem. P. 01 3 Idem. P. 02 4 Senhor Antonio Emilio Mozer morador do Tatuapé, proprietário do mercado: Platina Mercado, localizado a rua Platina, 149 (a 300 metros do Shopping Metrô Tatuapé) entrevistada em 15/09/2001. P. 01 e 02 5 Center Norte shopping situado na zona sul, um dos maiores da cidade de São Paulo e está a 6 KM do Shopping Tatuapé. O Shopping Anália Franco está situado na parte alta, sul, do bairro do Tatuapé, a uma distancia de 4 KM do Shopping Tatuapé e foi inaugurado 3 anos depois, em 2000. 6 Senhoras Oneida Mulatti de Moura e Jandira Mulatti moradoras que foram desapropriadas da rua Tuiuti, 1732, onde atualmente esta o marco luminoso da Estação do Metrô Tatuapé entrevistadas em 16/09/2001 na sua residência, rua Euclides Pacheco, 35 no bairro do Tatuapé. 7 Marco luminoso é uma estrutura metálica que esta posta em todos os acessos das estações. Tem descrito o nome da estação especifica e o logotipo do Metrô. Parte da estrutura e de acrílico e iluminado. 8 PORTELLI, Alessandro. Tentando Aprender Um Pouquinho. In: Revista Projeto História. São Paulo: Educ, Nº 15, Abril/97, Pp. 13-50. 9 BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido se desmancha no ar. São Paulo: Cia das Letras, 1986, P. 21. Ver Também: SENNETT, Richard. O declínio do homem público. São Paulo: Cia das Letras, 1988, P. 26. 10 CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano 2. Morar, cozinhar. Petrópolis: Vozes, 1996. P. 41-2. 6