Modelagem Matemática do Resfriamento de Massa de Grãos Armazenados em Silos com Aeração

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Transcrição:

TEMA Tend. Mat. Apl. Comput., 8, No. 1 (2007), 99-107. c Uma Publicação da Sociedade Brasileira de Matemática Aplicada e Computacional. Modelagem Matemática do Resfriamento de Massa de Grãos Armazenados em Silos com Aeração F.A. de OLIVEIRA 1, O.A. KHATCHATOURIAN 2, A. BIHAIN 3, Departamento de Física, Estatística e Matemática-DeFEM. Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul - UNIJUÍ, Cx.P. 560, 98700-000 Ijuí, RS, Brasil. Resumo.Neste artigo, foi realizado um estudo teórico-experimental sobre o estado térmico de uma massa de grãos de soja armazenada em silos sujeita a aeração. Para simular a dinâmica de resfriamento foi proposto um modelo matemático, que se apresenta como um caso intermediário entre o problema de estado térmico de um corpo constituído por dois materiais diferentes (com fronteira fixa) e o problema de Stefan, onde a fronteira móvel separa os domínios de fases diferentes. Foi obtida a solução analítica deste problema e feita a identificação do modelo proposto pelos dados experimentais. Realizou-se a comparação das simulações deste modelo com os dados experimentais e com outros três modelos matemáticos já conhecidos na literatura.foi mostrado que o modelo proposto neste trabalho, descreve razoavelmente o processo de resfriamento. 1. Introdução Durante o armazenamento de grãos em silos, estes ficam sujeitos às alterações da temperatura ambiente que, junto com o teor de umidade da massa de grãos, são os responsáveis pela evolução da população de insetos e microorganismos que influenciam significativamente na qualidade do produto. Para preservar esta qualidade, utiliza-se o processo de aeração que consiste no resfriamento dos grãos através da passagem forçada de ar ambiente. Apesar do número considerável de recomendações sobre administração de armazéns, os projetistas e operadores de sistemas de armazenamento encontram várias dificuldades desenvolvendo e operando os sistemas de aeração de grãos. A modelagem matemática adequada do funcionamento destes sistemas, que resulta da simulação da distribuição dos parâmetros em silos ( pressão estática, velocidade do ar e temperatura), poderia facilitar significativamente o aperfeiçoamento do armazenamento. Atualmente existem modelos que descrevem satis fatoriamente o escoamento do ar em silos em condições isotérmicas [5]. Por outro lado, a simulação do estado térmico de um silo para condições não isotérmicas a presenta algumas dificuldades relacionadas com a ausência de dados confiáveis dos coeficientes de transferência de calor entre o grão e o ar, os coeficientes de difusão 1 fabiane@unijui.tche.br 2 olegkha@unijui.tche.br 3 andersonbihain@yahoo.com.br

100 Oliveira, Khatchatourian e Bihain térmica do próprio grão e da camada de grãos. Vários autores tentaram descrever a dinâmica de variação de temperatura da massa de grãos. Alguns deles, como por exemplo, Bakker-Arkema & Bickert [1], Khatchatourian et al.[6], Khatchatourian & Oliveira [8], admitiram que, para o caso da aeração de grãos, o fenômeno de transferência de massa de água pode ser desprezado. Outros autores, como Hunter [4], Sanderson et al.[11], White [13], levaram em conta nos modelos matemáticos a existência de transferência de calor e de massa nas camadas de grãos. Estes últimos modelos são mais adequados para simulação de secagem de grãos apesar de que, às vezes, estão unidos pelo termo Aeration models [10]. Este trabalho está inserido como parte de um trabalho maior, relacionado com criação de um modelo matemático, um algoritmo e um software para cálculo da dinâmica de variação da temperatura sob condições não homogêneas de escoamento do ar em armazéns com sistema de aeração. Neste trabalho, os objetivos principais são: desenvolver um modelo matemático simples que descreva a dinâmica de resfriamento da massa de soja; utilizar este modelo e realizar simulações numéricas; obter dados experimentais da variação da temperatura da massa de grãos de soja em função do tempo e da posição na coluna para diferentes velocidades de aeração; comparar os resultados obtidos pelas simulações com os dados experimentais para observar se o modelo descreve satisfatoriamente o processo de resfriamento/aquecimento de grãos. 2. Modelo Matemático Considera-se o resfriamento de um meio particulado pela ventilação do ar ambiente (uma massa pré-aquecida de grãos armazenada em silo com seção transversal constante sujeita a aeração). No trabalho de Khatchatourian & Oliveira [7] foi mostrado que, para as condições de resfriamento de grãos por aeração, o número de Biot é pequeno (Bi < 0.2), que justifica o uso de um coeficiente de difusividade térmica efetivo para a camada de grãos. Mesmo assim, para evitar a necessidade de levar em conta a variação significativa deste coeficiente durante o processo de resfriamento conforme a seção considerada, foram propostos alguns modelos matemáticos que não utilizam este coeficiente e que apresentaram boa concordância com os dados experimentais. No presente trabalho, para descrever a propagação do calor na massa de grãos resfriados por ar ambiente é proposto um modelo matemático que é intermediário entre o problema de estado térmico de um corpo constituído por dois materiais diferentes (com fronteira fixa) e o problema de Stefan onde a fronteira móvel separa os domínios de fases diferentes. Neste modelo o domínio total consiste de dois subdomínios (barra limitada e barra semi-infinita), separadas por uma fronteira móvel. Em cada subdomínio, o coeficiente de difusividade térmica efetivo é considerado constante, isto permite obter soluções analíticas do problema para as condições de fronteira consideradas. Seja o domínio Ω = {(y,t) 0 < y < ;0 < t < t max } dividido por dois subdomínios Ω 2 = {(y,t) 0 < y < S(t);0 < t < t max } e Ω 1 = {(y,t) S(t) < y < ;0 < t < t max }, onde S(t) é alguma fronteira móvel inicialmente desconhecida. Os subdomínios Ω 1 e Ω 2 possuem diferentes coeficientes de difusividade térmica e as temperaturas T 1 (y,t) e T 2 (y,t) nestes subdomínios satisfazem às correspondentes

Modelagem Matemática do Resfriamento de Massa de Grãos 101 equações de calor 2 T 1 y 2 = 1 T 1 α 1 t, (y,t)ǫ Ω 1 (2.1) 2 T 2 y 2 = 1 T 2 α 2 t, (y,t)ǫ Ω 2, (2.2) onde T(y,t) é a temperatura da massa de grãos; y é a posição na coluna de grãos e α é o coeficiente de difusividade térmica da massa de grãos, para cada subdomínio. Um esquema do problema pode ser visualizado na figura 1. Figura 1: Esquema do Problema As condições de contorno para os dois subdomínios são T 1 (y,t) = T 0 e T 1 (S,t) = T S, (2.3) T 1 (y,0) = T 2 (y,0) = T 0, T 2 (0,t) = T a e T 2 (S,t) = T S. (2.4) A temperatura inicial da massa de grãos é dada por T 0, que é constante. A temperatura T S é a temperatura na fronteira de separação dos dois domínios. Para satisfazer as condições de continuidade da solução, a temperatura da fronteira móvel foi escolhida constante (como no problema de Stefan). A posição da fronteira (S) em função do tempo foi escolhida na forma linear, dada pela expressão abaixo S(t) = kt, (2.5) onde k é a constante de proporcionalidade e representa a velocidade da frente de resfriamento. Conforme a posição desta fronteira, a camada de grãos foi dividida em dois intervalos: à direita da fronteira, relacionando a posição da fronteira com a nova origem, foi introduzida uma nova coordenada dada por ζ = y S(t). (2.6) Fazendo a mudança de variáveis, substituindo a expressão (2.5) e (2.6) na equação do calor unidimensional (2.1) tem-se d 2 T 1 (ζ) dζ 2 + k α 1 dt 1 (ζ) dζ = 0. (2.7)

102 Oliveira, Khatchatourian e Bihain As condições de contorno para este caso são T 1 (ζ = 0) = T S e T 1 (ζ ) = T 0. (2.8) A solução da equação dada em (2.7) foi obtida na seguinte forma T 1 (y,t) = T 0 + (T S T 0 )e k α 1 (y S(t)). (2.9) A distribuição da temperatura no intervalo à esquerda da fronteira pode ser descrita pela equação do calor (2.2) com as condições iniciais e de fronteira dadas por (2.4). A solução para este intervalo foi obtida na forma onde T 2 (y,t) = T a + (T S T a ) y S + B n e n2 π 2 α 2t/S 2 sen(nπy/s), (2.10) n=0 B n = 2 nπ (T S( 1) n T a ) + 2 S ϕ(y) sen(nπy/s) dy. (2.11) S 0 Para este caso, ϕ(y) é a distribuição inicial da temperatura. Na fronteira que separa os subdomínios estão satisfeitas as condições T 1 (S(t) 0,t) = T 2 (S(t) + 0,t) = T S, t ǫ[0,t max ]. (2.12) 3. Identificação do Modelo Matemático Para realizar as simulações numéricas aplicando o modelo proposto e comparar os resultados das simulações e dos experimentos, é necessário determinar os valores dos coeficientes de difusividade térmica efetivos α 1 e α 2 (eq.2.1 e 2.2), a posição e a forma da fronteira móvel S(t) e os valores da temperatura T S correspondentes a esta fronteira para cada velocidade. Estes dados foram obtidos pela análise e tratamento dos dados experimentais de resfriamento de grãos de soja pelo ar ambiente. Foi construído um aparato experimental que consiste em um pequeno silo composto por um tubo de PVC (diâmetro de 0,15 m e 1,0 m de altura) com isolamento térmico nas laterais. Os grãos de soja foram previamente aquecidos em uma estufa até uma temperatura aproximada de 50 o C, durante um tempo suficiente para uniformizar a temperatura em toda a massa de grãos. O resfriamento dos grãos aquecidos foi realizado, através de ventilação de ar ambiente, para uma camada de grãos de soja de 0,60 m de altura. Para cada experimento, a velocidade do ar foi mantida constante e foi medida indiretamente a partir das medidas de vazão realizadas por uma placa de orifício. Experimentos preliminares realizados na bancada experimental para o intervalo de velocidades do ar estudadas neste trabalho (0,05 a 0,5m.s 1 ) mostraram que a diferença da temperatura do ar e do grão durante o resfriamento não é significativa (excluindo a seção próxima da entrada do ar, nos instantes iniciais). Por isso, foi medida a temperatura dos grãos por termopares que foram inseridos dentro da massa de grãos ao longo do

Modelagem Matemática do Resfriamento de Massa de Grãos 103 tubo nas seguintes seções da coluna de grãos: y = 0, 15m, y = 0, 27m, y = 0, 40m, y = 0, 54m. Os experimentos foram realizados para três diferentes velocidades do ar (v = 0,23m.s 1,v = 0,41m.s 1,v = 0,53m.s 1 ). Alguns destes dados estão apresentados na figura 4 (pontos). A posição da fronteira móvel em função do tempo de resfriamento para diferentes velocidades do ar são mostradas na figura 2. Pode-se notar que a posição da fronteira depende significativamente da velocidade de ventilação do ar e varia linearmente com o tempo. Então a suposição feita na eq.2.5 está satisfeita para as condições estudadas neste trabalho. Figura 2: Posição da fronteira S(t) em função do tempo de resfriamento para dife rentes velocidades do ar. Figura 3: Velocidade da frente de resfriamento em função da velocidade do ar. A relação entre a velocidade da frente de resfriamento (velocidade da fronteira)

104 Oliveira, Khatchatourian e Bihain e velocidade do ar é mostrada na figura 3. Como era esperado, para pequenos números de Biot considerados neste trabalho, a dependência entre estas velocidades é linear. Os coeficientes de difusividade térmica efetivos para cada subdomínio foram escolhidos minimizando a discrepância entre os dados experimentais e os resultados das simulações. 4. Resultados e Discussão Aplicando o modelo matemático proposto para o processo de resfriamento de massa de grãos sujeita a aeração e as dependências experimentais obtidas pela identificação deste modelo, foram realizadas simulações numéricas para amplo intervalo de variação dos parâmetros iniciais. Na figura 4, por exemplo, são apresentadas as curvas de dinâmica de resfriamento de massa de grãos de soja para diferentes seções do armazém para a velocidade do ar v = 0,23m.s 1. Os pontos apresentam dados obtidos experimentalmente. Em geral, a coincidência satisfatória entre os dados experimentais mostra que o modelo proposto descreve razoavelmente o processo de resfriamento. A análise dos resultados das simulações indica que a taxa de resfriamento varia significativamente durante todo processo em todas as seções. Para seções mais próximas da entrada do ar fresco o resfriamento ocorre mais rápido. Para seções mais distantes da entrada pode-se identificar três intervalos principais de variação de taxa de resfriamento. No primeiro intervalo (início do processo de resfriamento), a taxa de resfriamento não é muito alta (resfriamento lento). Isto ocorre porque a temperatura do ar que retira o calor dos grãos das seções anteriores, mais próximas à entrada de ar, cresce e reduz a capacidade do ar de resfriar as camadas mais distantes. A extensão deste intervalo depende da secção analisada e da velocidade do ar. No segundo intervalo, quando o resfriamento da massa de grãos nas seções iniciais já ocorreu, a taxa de resfriamento aumenta consideravelmente e, por conseqüência, ocorre uma aceleração do processo de resfriamento das camadas mais distantes. A parte principal do processo de resfriamento encontra-se neste intervalo. No terceiro intervalo novamente ocorre resfriamento lento, onde a temperatura de grãos assintoticamente tende para temperatura inicial do ar. No início do resfriamento, a camada considerada está sendo ventilada por ar aquecido pelas camadas anteriores e a medida que ocorre o resfriamento das camadas anteriores, o ar que passa pela camada considerada, possui a temperatura cada vez menor. A taxa de resfriamento dos grãos, que é proporcional à diferença entre as temperaturas do grão e do ar, aumenta. Posteriormente, esta diferença reduz-se devido à diminuição da temperatura do grão pelo resfriamento. O método proposto permitiu transformar o problema não-linear em uma sequência de problemas lineares e obter a solução analítica. As soluções obtidas foram comparadas com simulações numéricas realizadas para três modelos já conhecidos. A figura 5 apresenta a comparação de simulações realizadas para o modelo proposto com simulações de outros três modelos.o primeiro modelo é o do reator homogêneo que considera todo o domínio dividido em pequenas camadas onde o

Modelagem Matemática do Resfriamento de Massa de Grãos 105 Figura 4: Dinâmica de resfriamento de massa de grãos de soja, para diferentes seções na coluna de grãos para a velocidade v = 0,23m.s 1. equilíbrio térmico entre o ar e a massa de grãos, contidos nestas camadas, é atingido instantaneamente [7].O segundo modelo é o método da generalização que é baseado nas equações de Luikov [9] e no uso de uma dependência empírica para a tempera tura. As curvas simuladas para o modelo de Michigan [3]-terceiro modelo- são as soluções obtidas a partir um sistema de equações diferenciais parciais, que descreve a conservação de energia e as transferências de calor e massa no processo de resfriamento. As simulações foram realizadas para a velocidade do ar v = 0,23m.s 1 em duas diferentes seções do armazém (y=0,27 m e y=0,54 m) e comparadas com os dados experimentais. Para o modelo do reator homogêneo,as curvas obtidas apresentaram bons resultados para a velocidade do ar considerada mas, a medida que esta velocidade aumenta, as diferenças entre as temperaturas simuladas das seções mais externas e as experimentais, também aumentam [7]. Para o terceiro modelo, a comparação mostrou um resfriamento mais rápido em relação aos dados de resfriamento experimentais. Além disto, observa-se uma dificuldade ao adaptar-se o sistema de equações à geometria de silos reais, onde a área da seção reta não é constante. As simulações do modelo de fronteira móvel, apresentadas neste trabalho, mostram uma discrepância entre os dados experimentais e os calculados que aparece principalmente nas seções mais distantes da entrada do ar. Provavelmente esta discrepância é causada pelas simplificações aplicadas para se obter a solução analítica, ou seja, pela linearização do modelo, com a escolha dos coeficientes de difusividade térmica efetivos constantes para cada subdomínio.

106 Oliveira, Khatchatourian e Bihain 55 50 y=0.27m y=0.54m contorno móvel reator homogêneo -------- método da generalização modelo de Michigan Temperatura( o C ) 45 40 35 30 0 500 1000 1500 2000 2500 3000 3500 Tempo de Resfriamento(s) Figura 5: Dinâmica de resfriamento da massa de grãos de soja para v = 0,23m.s 1, considerando duas seções da câmara: dados experimentais e calculados para diferentes modelos matemáticos. 5. Conclusão Foi realizado um estudo teórico-experimental sobre o estado térmico de uma massa de grãos de soja armazenada em silos sujeita ao resfriamento por aeração. A análise dos resultados obtidos experimentalmente mostrou que o coeficiente de difusividade térmica das camadas não poderia ser considerado constante. Para simular a dinâmica de resfriamento foi desenvolvido um modelo matemático, que se apresenta como o problema intermediário entre o problema de estado térmico de um corpo constituído por dois materiais diferentes (com fronteira fixa) e o problema de Stefan onde fronteira móvel separa os domínios de fases diferentes.o método proposto transforma o problema não-linear em uma sequência de problemas lineares, que permite obter uma solução analítica.a comparação das simulações deste modelo com os dados experimentais mostrou que o modelo descreve razoavelmente o processo de resfriamento. Abstract.This research shows a theoretical/experimental study of the thermal state of soybean mass a stored in silos with aeration.to simulate the cooling dynamics a mathematical model was proposed.this model represents the intermediate case between the thermal state problem for a body constituted by two different materials (with fixed boundary) and Stefan s problem, where the movable boundary separates the domains of different phases.the analytical solution of this problem was obtained.the parameters of proposed model was identified using of experimental data.a simulation work was carried out to compare the proposed model with experimental data and three mathematical models known in the literature.the comparison between the simulated and experimental data has shown that the model reasonably describes the cooling process.

Modelagem Matemática do Resfriamento de Massa de Grãos 107 Referências [1] F.W. Bakker-Arkema, W.G. Bickert, A deep-bed computational cooling procedure for biological products, Trans. ASAE, 9, No. 6 (1966), 834-836. [2] F.W. Bakker-Arkema, L.E. Lerew, S.F. Deboer, M.G. Roth, Grain dryer simulation, Agricultural Experiment Station Report, Michigan State University, East Lansing, MI, 224 (1974). [3] F. Courtois, A. Lebert, J.C. Lasseran, J.J. Bimbenet, Simulation of industrial dryers: solving numerical and computer problems, Drying Technology, 9, No. 4 (1991), 927-945. [4] A. Hunter, Temperature and moisture front movement in an aerated seed bulk, Journal of Agricultural Engineering Research, 40, No. 2 (1988), 113-127. [5] O.A. Khatchatourian, D.L. Savicki, Mathematical modelling of airflow in an aerated soya bean store under non-uniform conditions, Biosystems Engineering, 88, No. 2 (2004), 201-211. [6] O.A. Khatchatourian, F.A. Oliveira, Mathematical modelling of air flow and thermal state in large aerated grain storage, em Proceedings of the IADC - 3rd Inter-American Drying Conference, (V.Orsat, G.S.V.Raghavan, eds.) CD-ROM,IADC, pp.a-12, 2005. [7] O.A. Khatchatourian, F.A. Oliveira, Mathematical modelling of air flow and thermal state in large aerated grain storage, Biosystems Engineering, 95, No.2 (2006), 159-169. [8] O.A. Khatchatourian, F.A. Oliveira, N.A. Toniazzo, Air flow and thermal state in large aerated grain storage, em Proceedings of the COBEM - 18th International Congress of Mechanical Engineering, (L.G. Trabasso, M. Ziviani, M.P. Barbosa, S.F.M. Almeida, eds.), CD-ROM, ABCM, 2005. [9] A.V. Luikov, Theory of Heat and Mass Transfer in Capillary-porous Bodies, Pergamon, New York, 1966. [10] S. Navarro, R.T. Noyes (eds.), The Mechanics and Physics of Modern Grain Aeration Management, CRC Press, LLC, USA, 2002. [11] D.B. Sanderson, W.E. Muir, R.N. Sinha, Intergranular air temperatures of ventilated bulks of wheat, Journal of Agricultural Engineering Research, 40, No. 1 (1988), 33-43. [12] L.E. Sisson, Fenômenos de Transporte, Guanabara, Rio de Janeiro, RJ, 1988. [13] G.G. White, Temperature changes in bulk stored wheat in sub-tropical Australia, Journal of Stored Products Research, 24, No. 1, (1988), 5-11.

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