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Transcrição:

Televisão e História: os (des)caminhos teórico-metodológicos trilhados na pesquisa histórica sobre a criação do programa Telecurso 2º Grau da Fundação Roberto Marinho, 1978-1981. Wellington Amarante Oliveira 1 Resumo Este trabalho tem por objetivo discutir determinados aspectos teórico-metodológicos que cercam o trabalho do historiador com a televisão, tomando como eixo-central a análise das imagens televisivas do Telecurso 2º Grau, programa criado pela Fundação Roberto Marinho e veiculado nacionalmente a partir do ano de 1978. Com base nas férteis orientações de historiadores da mídia, tais como: os franceses Jean-Noël Jeanneney e Jerôme Bourdon; os ingleses Asa Briggs e Peter Burke; e os brasileiros Áureo Busetto e Marcos Napolitano chegou-se a resultados que demonstram como a televisão constituiu-se em um espaço de disputas, ora objetivas, ora simbólicas, em um período marcado pelo processo de abertura política no qual os principais agentes buscaram pavimentar seu caminho em um futuro período democrático. Palavras-Chave: Televisão; Ditadura Militar; Metodologia. Résumé Ce travail parle de certains aspects théoriques et méthodologiques qui entourent le travail de l historien, en ce qui concerne la télévision, en considérant comme essieu central l analyse des images télévisées du Telecurso 2º Grau, programme créé par la Fundação Roberto Marinho et véhiculé au territoire national à partir de 1978. À travers les fertiles orientations des historiens des médias, comme : les français Jean-Noël Jeanneney et Jérôme Bourdon ; les anglais Asa Briggs et Peter Burke ; et les brésiliens Áureo Busetto et Marcos Napolitano, on est arrivé aux résultats qui démontrent comment la télévision s est constituée dans un espace de disputes, tantôt objectives, tantôt symboliques, dans une période marquée par le processus d ouverture politique dans lequel les principaux agents ont cherché d établir son chemin dans la précédente période démocratique. Mots-clé : Télévision ; Dictature Militaire ; Méthodologie. Este texto tem por objetivo problematizar alguns dos elementos teórico-metodológicos que balizam as pesquisas históricas sobre a televisão. As noções e os conceitos que serão aqui apresentados não são definitivos, mas merecem destaque por serem introdutórios e pioneiros ao colaborar na árdua tarefa de trazer a história para o interior dos estudos da mídia, e a mídia para dentro da história (BRIGGS; BURKE, 2004, p.9). 1 Professor Substituto na Universidade Federal de Uberlândia (UFU), campus Pontal. Mestre em História pela Unesp/Assis. Contato: prof.amarante@gmail.com 3189

1. Os franceses e a pesquisa histórica sobre a televisão. Com o ressurgimento da História política na década de 1980 na França, a partir dos trabalhos de historiadores ligados à Fondation Nationale des Sciences Politiques e à Universidade de Paris X-Nanterre, a mídia passou a ser tratada como um objeto de estudo histórico. Dessa reformulação historiográfica, registrada no célebre livro Por uma história política, organizado por René Rémond (1996), surgiram pesquisas sobre a opinião pública, bem como outros objetos midiáticos, entre eles a televisão. Os trabalhos de Jean-Noël Jeanneney (1996a; 1996b) são relevantes, pois inserem a discussão da televisão em uma chave mais ampla que é a da comunicação social. A partir dessa perspectiva o autor problematiza as implicações teórico-metodológicas do trabalho com as fontes e objetos de natureza audiovisual. Entre os apontamentos sobre as dificuldades quando se pesquisa os meios de comunicação, o autor destaca a possibilidade de dispersão do foco, considerando a diversidade dos objetos aos quais as pesquisas sobre a mídia devem se ligar e à grande variedade de casos e situações (JEANNENEY, 1996a, p.6-7). Um exemplo seria o enorme número, formatos e dimensões dos veículos midiáticos. Entretanto, caso procure escapar a isso, o historiador corre o risco de perder de vista a realidade na sua complexidade em proveito de considerações estatísticas, gerais e abstratas em demasia (JEANNENEY, 1996a, p.6). Também se faz notório o desequilíbrio entre as fontes, pois, muitas vezes, elas se encontram em abundância, como materiais impressos e conservados. Mas, algumas empresas do setor, importantes para a interpretação do objeto histórico, não conservam seus arquivos; desse modo, tem-se a publicação, mas não os elementos que descrevem a rotina de produção de uma determinada redação, ou dos bastidores de uma emissora. Este problema ganha uma dimensão ainda maior quando se trata de documentos audiovisuais. Neste caso, além de não existirem os arquivos das empresas produtoras, o produto em si não tem garantia de conservação, pois sofre os embargos dos altos custos de acondicionamento, que, na maioria das vezes, as empresas não querem ou não têm condições de custear. No Brasil, tal característica, atrelada à falta de um grande acervo público de imagens, acaba gerando ao pesquisador dificuldades de consulta, e quando há a possibilidade acesso, esse se dá muitas vezes de forma precária, e sob condições que estão longe de pautar uma relação entre pesquisador e objeto de pesquisa. 3190

Em outra frente, Jeanneney destaca a importância e o papel que os estudos históricos ocupados com o campo midiático podem desempenhar no debate sobre mídia e democracia. Nas palavras do autor, ao relembrar antecedentes esquecidos, a História permite não exagerar no inédito e fornece algumas soluções para enfrentar os desafios recentes. Simultaneamente, pode alertar-nos, tranquilizar-nos e esclarecer-nos (JEANNENEY, 1996a, p.281). Para Jeanneney os trabalhos da escola de Pierre Bourdieu podem oferecer boas perguntas para os historiadores da mídia. Sobretudo, no que diz respeito, a realização de uma prosopografia dos agentes envolvidos nas instituições, tais como jornalistas e dirigentes, com vistas a compreender a socialização desses homens. (JEANNENEY, 1996b, p.222) Jérôme Bourdon é outro historiador francês que se ocupou, a partir da década de 1990, com as reflexões históricas sobre a televisão, desde seu trabalho inicial no qual pesquisou a televisão sob o governo do general Charles de Gaulle até o seu trabalho mais recente sobre a televisão europeia, o autor sempre esteve atento às implicações teórico-metodológicas para a pesquisa histórica com a TV (BOURDON, 1990; 1993; 1994; 2008; 2011). Para Jérôme Bourdon, a análise histórica de um programa televisivo deve percorrer três níveis indissociáveis: o texto, o co-texto e o contexto. O texto são as características internas do produto, tais como montagem, a forma, o cenário. O co-texto a relação de determinado programa com o restante da grade da emissora, o caráter repetitivo e intercambiável de grande parte dos programas, a concorrência entre as grades, o que faz com que os profissionais e os telespectadores combinem seus programas de acordo com seus interesses. E por fim, o contexto, no qual, Bourdon centra a atenção na recepção e afirma que há uma benéfica inflação documental, os programas televisivos estão cercados por textos escritos, por críticas, reações, comentários, cartas de leitores, entrevistas e lembranças de telespectadores, tornando possível ao historiador uma reconstituição do espaço social de recepção (BOURDON, 2011, p.18-19). Para Bourdon, o conceito de gênero, que tem sua origem na poética e na teoria do cinema, revela-se crucial para o entendimento da teoria e da história da televisão. Segundo o historiador, cada gênero tem sua história específica, que também é a história de suas interações internacionais e de seu desenvolvimento. Dessa forma, pensar a televisão a partir de seus gêneros televisivos é pensar a relação construída ao longo da história do meio, bem como a interação entre esses gêneros (BOURDON, 2011, p.20-21). 3191

Cabe pensar, ainda, a ideia aventada por Jérôme Bourdon sobre as possibilidades e potencialidades de uma história transnacional da mídia. Já que a maioria dos trabalhos históricos sobre os meios de comunicação (imprensa, televisão e cinema) estão circunscritos sob um recorte nacional (BOURDON, 2008, p.164). Uma história comparada e integrada que faça o pesquisador refletir sobre o quadro nacional e sobre as razões de suas convergências: escolhas políticas e regulamentares, fatores ligados especificamente a televisão, dinâmicas culturais transnacionais (BOURDON, 2011, p.20). Bourdon também dá especial atenção a história das técnicas que segundo ele não é feita de mutações brutais, mas de acréscimos progressivos, de inovações lentas, e de desaparecimentos ainda mais lentos (BOURDON, 1993, p.81). 2. Do outro lado do Canal da Mancha: os ingleses Historiadores ingleses também contribuíram com esses primeiros passos teóricometodológicos da história sobre a televisão. Destaque para a produção de Asa Briggs, responsável por realizar uma obra de fôlego e referência, escrevendo entre os anos de 1961 e 1995, a History of Broadcasting in United Kingdon em cinco volumes. (BUSETTO, 2010, p.158) Em Uma história social da mídia, Asa Briggs em parceria com Peter Burke alerta sobre a necessidade dos estudos históricos acerca da mídia serem desenvolvidos com base na interdisciplinaridade. Para os autores a compreensão dos novos padrões e da evolução dos meios de comunicação social depende de uma análise interdisciplinar, a qual deve considerar os debates e descobertas em torno das mídias e a forma que estes assumem atualmente. Assim, a mídia precisa ser vista como um sistema em contínua mudança, no qual elementos diversos desempenham papéis de maior ou menor destaque. Nesse sentido, deve-se realizar uma análise da mídia sob a óptica de uma história social e cultural que inclui política, economia e também tecnologia, todavia distante de qualquer determinismo tecnológico baseado em simplificações enganosas (BRIGGS; BURKE, 2004, p.15). Outro elemento importante configura-se em utilizar as imagens para além da simples exemplificação. De acordo com Peter Burke durante muito tempo os historiadores utilizavam as imagens como meras ilustrações, reproduzindo-as nos livros sem comentários ; cabe ao historiador, preocupado em trabalhar com a imagem como fonte e objeto, superar essa prática 3192

frequente e avançar no sentido de utilizá-la como forma de oferecer novas respostas e suscitar novas questões (BURKE, 2004, p.12). 3. No Brasil os primeiros passos Décadas se passaram após as primeiras pesquisas históricas na Europa sobre a TV e o campo historiográfico brasileiro permanece com um conhecimento restrito sobre o meio. Podemos levantar algumas hipóteses sobre os motivos pelos quais os historiadores brasileiros ainda não tomaram a televisão efetivamente como fonte e objeto. De um modo geral, os historiadores brasileiros relegaram a televisão a um papel secundário, criticando-a a partir de visões impressionistas, pouco alicerçadas em pesquisas. Os estudos que se detêm sobre a televisão como fonte e objeto de pesquisa o são ainda em quantidade aquém daquilo que se deveria produzir, considerando a importância do meio na sociedade contemporânea. A falta de pesquisas é notada por estudiosos ligados à Comunicação e que buscam na História sua principal interface. Ana Paula Goulart Ribeiro e Micael Herschmann apontam que há poucos trabalhos de fôlego sobre História da Comunicação na própria História. E ainda que a mídia, sobremaneira os jornais, esteja sendo cada vez mais utilizada como fonte histórica, os estudos dos meios em si (e de suas práticas sociais) ainda são restritos nas universidades do país. (RIBEIRO; HERSCHMANN, 2008, p.14). Dois exemplos separados temporalmente por mais de uma década ilustram a falta de pesquisas entre os historiadores sobre o meio televisivo. O primeiro deles diz respeito à coleção A história da vida privada no Brasil, dirigida por Fernando Novais; sobremaneira no quarto volume, organizado por Lilia Moritz Schwarcz, ainda que exista um capítulo referente à televisão sua autoria é da socióloga Ester Hamburguer. Em entrevista posterior, o historiador Nicolau Sevcenko, que integrava a equipe de organização da coleção reconheceu a importância do tema e a falta de pesquisadores: como falar do século XX, caso do último volume, sem falar da televisão? E justificou a escolha: não se tem ainda uma historiografia da televisão, é preciso contar com alguém que trabalhe com referenciais sociológicos. (MORAES, 2002, p.360). No outro caso, o recente livro Novos domínios da História, organizado por Ronaldo Vainfas e Ciro Flamarion Cardoso (2011), coletânea dedicada aos 3193

novos temas da História, sequer apresenta capítulo específico destinado a discutir a relação entre televisão e história. Todavia a despeito dos exemplos citados, há alguns esforços isolados dentro do campo historiográfico de se pensar a televisão como fonte e objeto para a pesquisa histórica. No ano de 1997, Marcos Napolitano, publicou o texto intitulado A televisão como documento ; ainda que com um foco exclusivo para o trabalho em sala de aula, essa é a primeira reflexão de um historiador sobre o meio. Apesar de não se constituir como uma pesquisa empírica, esse primeiro trabalho de Napolitano o inspirou a dar prosseguimentos em seus estudos pontuais acerca da TV. Destacamos outros três trabalhos de sua autoria: Como usar a televisão na sala de aula (1999), A história depois do papel (2008), A MPB na era da TV, (2010) No primeiro, Napolitano aprofunda suas reflexões de como trabalhar com a TV em ambientes de ensino-aprendizagem. No segundo, apresentou os meios audiovisuais como objetos possíveis para a pesquisa historiográfica; o texto de cunho teórico-metodológico tem por objetivo refletir acerca do olhar que o historiador deve ter frente às fontes televisivas, cinematográficas e fonográficas. No último, e mais recente trabalho, Napolitano tratou a interface entre TV e a música. E é notável e louvável o esforço do autor de pensar as relações dos programas musicais com o próprio movimento da MPB o que marca um avanço em sua reflexão sobre a TV como objeto da história. Há, ainda, uma produção acadêmica recente na área de História que visa à construção de uma história social da televisão brasileira. Esta produção está alicerçada no esforço de Áureo Busetto em colocar a TV definitivamente no rol de objetos historiográficos. Com tal fim criou e coordena, desde 2005, o Núcleo de Pesquisas Interdisciplinares de Memória, Mídia e Linguagem, sediado na Unesp/Assis. Iniciou suas pesquisas sobre o meio há alguns anos, com trabalhos voltados para pensar a TV na sala de aula (BUSETTO, 2005; 2006; 2007a); realizou análise sobre uma feira de divulgação da TV como invenção tecnológica durante o Estado Novo (BUSETTO, 2007b); rapidamente sua reflexão se verticalizou para pensar as implicações teórico-metodológicas de escolher a TV como fonte e objeto de pesquisa histórica (BUSETTO, 2008, 2010, 2011); e consequentemente, pensar um produto específico da televisão brasileira, a TV Excelsior, e buscar historicizá-lo (BUSETTO, 2009). Cabe ressaltar que, na maioria desses estudos, destaca-se a preocupação do autor com a reflexão sobre as relações sociais entre a TV e o domínio do político. Essa inquietação produtiva de Busetto para com a TV resultou em um amplo espaço de reflexão acadêmica, do qual já nasceram cinco novas pesquisas (BERNO, 2010; LIMA, 3194

2010; BARROS FILHO, 2011; OLIVEIRA, 2011; COSTA, 2012) que buscaram na interface com a temática política pensar a religião, a cultura, a educação no campo televisivo e dessa forma, vem contribuindo para a construção de uma história social da televisão brasileira. 4. Em busca da dimensão histórica do Telecurso. Os elementos teórico-metodológicos acima discutidos serviram de base para o desenvolvimento de uma pesquisa histórica sobre a criação do Telecurso 2º Grau (OLIVEIRA, 2011). O programa criado, no ano de 1978, pela Fundação Roberto Marinho em parceria com a Fundação Padre Anchieta, mantenedora da Rádio e TV Cultura, utilizaria televisão, rádio e material impresso com o intuito de colaborar na preparação de pessoas para os Exames Supletivos. A produção, comercialização e veiculação do curso dividiu-se em três fases: a primeira com as disciplinas de História, Geografia e Língua Portuguesa; a segunda com Matemática, Educação Moral e Cívica (EMC), Organização Social e Política Brasileira (OSPB) e Inglês; e, por fim, Física, Química e Biologia, totalizando 450 teleaulas. Os textos dos fascículos do Telecurso eram escritos por professores da USP e adaptados por redatores pedagógicos Integravam a equipe técnica nomes como Gregório Bacic, jornalista e cineasta, Naum Alves, cenógrafo e Silvio de Abreu, roteirista. Entre os apresentadores das disciplinas estavam artistas como Gianfrancesco Guarnieri (História), Ariclê Perez (Geografia), Kito Junqueira e Cléo Ventura (Língua Portuguesa), Jorge Fernando (EMC/OSPB), Marco Nanini (Matemática), Silvia Bandeira (Física), Marília Gabriela e Mário Lago (Química) e o casal Antônio Fagundes e Clarisse Abujamra (Biologia). Podemos ainda pontuar participações especiais do jornalista Heródoto Barbeiro, do jurista Dalmo Dallari, e do ator Lima Duarte. A partir da análise dos elementos televisuais do programa buscou-se compreender o significado e a dimensão histórica do Telecurso. Dentro de um quadro televisivo com alguns experimentos educativos pouco duradouros e sem abrangência nacional o surgimento do Telecurso acabaria por impor um paradigma à produção dos programas educativos no Brasil. O empreendimento de Roberto Marinho no setor se constituiria em um elemento de legitimação política de suas ações, e por extensão da Rede Globo, quer dentro do campo televisivo, quer no campo político, fosse durante o regime militar, fosse num provável futuro político democrático. 3195

A posição privilegiada de Roberto Marinho no campo da comunicação social, então garantida pela ampla proximidade do empresário ao regime militar, era um dos móveis que possibilitaria o sucesso e a boa repercussão alcançados pelo Telecurso. Naquele momento e dado o quadro televisivo nacional, a Rede Globo era a única que dispunha de condições para investir recursos tecnológicos e profissionais adequados e, modernos à produção e veiculação de um programa educativo da magnitude alcançada pelo Telecurso. Para além da lógica comercial, marca indelével da produção da Rede Globo, Roberto Marinho soube valer-se de relações com o campo político para divulgar o Telecurso e, mais uma vez, angariar apoio a um dos seus empreendimentos televisivos, inclusive para um futuro desdobramento do projeto, com uma versão para o 1º Grau, com financiamento público. Em uma época em que a abertura política se apresentava no horizonte do país, entretanto envolta em incertezas, a característica marcante do projeto educativo de Roberto Marinho foi aliar o padrão de qualidade adotado pela sua rede de televisão à sua influência política como estratégia para conseguir o apoio do regime militar e demais setores da sociedade civil, fortalecendo, dessa forma, o empreendimento e tornando o programa como paradigma para o setor. Assim, pode-se afirmar que o empreendimento de Roberto Marinho com o Telecurso e o sucesso obtido pelo programa se constituiriam em um dos elementos de legitimação à posição privilegiada da Rede Globo de Televisão, junto a setores militares. As teleaulas do Telecurso eram muito superiores em termos de produção técnica de tudo o que havia sido realizado anteriormente por outras emissoras, configurando como um importante elemento de avanço no setor. Ademais, rompiam com o modelo de aula propício à sala escolar, o qual tinha marcado sobremaneira os primeiros programas de telensino. Ainda que se retomassem alguns expedientes já experimentados nas produções anteriores, como o recurso do uso do teledrama, vindo das telenovelas educativas, e do parcial uso de audiovisuais, as aulas do Telecurso eram investidas mais amplamente de recursos próprios da linguagem audiovisual televisiva. Seus textos eram mediados ampla e sistematicamente por imagens de arquivos da TV (produzidas por jornalismo, documentário, dramaturgia, musicais, cinematográficos e fotográficos), ou mesmo as produzidas especialmente para a apresentação do conteúdo de uma teleaula, elaboradas com base em ilustrações, cenários com reprodução de ambientes relacionados às disciplinas ou conteúdos destas, na linguagem da teledramaturgia, quando não de programas humorísticos. E mesmo em relação aos conteúdos, as teleaulas mostraram um dinamismo e uma riqueza de detalhes, inclusive com a 3196

participação de especialistas, que a escola tradicional do final da década de 1970 não teria facilidade em superar, embora as dificuldades no ensino de Matemática igualassem o Telecurso e a escola, pelo menos inicialmente. Dessa forma, a Rede Globo que já dominava desde o inicio da década de 1970 a produção do entretenimento, com suas telenovelas, e da informação, com o Jornal Nacional, conquistava com o Telecurso 2º Grau o terceiro elemento sagrado da produção televisiva: a educação. Referências Bibliográficas BARROS FILHO, Eduardo Amando de. Por uma televisão cultural-educativa e pública: a TV Cultura de São Paulo, 1960-1974. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2011. BERNO, Monise Cristina. Entre a Cruz e a Antena de TV: Um dia sem TV em prol do bom senso (Assis, 1978 1983). Dissertação de Mestrado. Assis: UNESP, 2010. BOURDON, Jérôme. Histoire de la télévision sous de Gaulle. Paris : Anthropos-INA, 1990.. Les techniques de production et les professionnels à la télévision française depuis 1974. Réseaux, volume 11, n 2, 1993. pp. 11-25.. Haute Fidélité: pouvoir et télévision, 1935-1994. Paris: Éditions du Seuil, 1994.. Comment écrire une histoire transnationale des médias? L'exemple de la télévision en Europe. Le Temps des médias, 2008/2 n 11, p. 164-181.. Du service public à la télé-réalité. Une histoire culturelle des televisions européennes, 1950-2010. Paris: INA Éd., coll. Médias Histoire, 2011. BRIGGS, Asa; BURKE, Peter. Uma história social da mídia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. BURKE, Peter. Testemunha ocular. Bauru: EDUSC, 2004. BUSETTO, Áureo. Ensino sobre a TV: preâmbulo de uma pesquisa. In: Pinho, Sheila Zambello, Saglietti, José Roberto Corrêa i. (org.). Núcleos de Ensino. São Paulo: Editora UNESP, 2005, v. 1, p. 215-231. 3197

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