COBERTURA VEGETAL COMO FATOR DE PROTEÇÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS Daniel Antonio Salati Marcondes, Washington Luiz Azevedo Geres, Elaine Genniffer C. Sanches Companhia Energética de São Paulo RESUMO 1 - INTRODUÇÃO A redução da cobertura florestal nativa no Brasil, afetou significativamente os recursos hídricos. As copas das árvores e a camada de resíduos vegetais existentes no solo das florestas, amortecem o impacto direto das gotas das chuvas, propiciando o aumento na infiltração de águas no solo, alimentando as nascentes e reduzindo o escorrimento superficial evitando o início de processo erosivo. Toda matéria orgânica proveniente da vegetação ciliar diminui a pressão de competição e predação da comunidade (Naimann et al. 1988).Além disto, toda matéria orgânica de origem terrestre que entra no sistema aquático será decomposta e servirá como fonte de nutrientes para muitos tipos de organismos, contribuindo para a manutenção da biodiversidade e da produtividade total do sistema (Naiman et al.,1988; Esteves,1988) O preparo de solo desenvolvido na agrossilvicultura brasileira, utilizou práticas que não contribui com a proteção do solo, atualmente com desenvolvimento de tecnologia aliado a conscientização ambiental sugere-se ao cultivo mínimo, e outras operações conservacionistas buscando a redução de custos, conservação do solo e proteção dos recursos hídricos. 1
Dentre as práticas conservacionistas que mantém a cobertura vegetal para proteção dos hídricos podemos citar o cultivo mínimo com roçadas, subsolagem, sendo elas desenvolvidas em nível ou perpendiculares a inclinação do terreno. Para complementar o êxito na proteção de córregos e rios sugere-se a manutenção ou a implantação da mata ciliar com espécies arbóreas nativas da região. A Companhia Energética de São Paulo (CESP) desenvolve o Programa de Reflorestamento Ciliar das margens dos reservatórios das usinas hidrelétricas com o objetivo de proteger os recursos hídricos, pois a água é a matéria-prima para geração de energia elétrica. 2 - IMPORTÂNCIA DA MATA CILIAR A ação da mata ciliar sobre a qualidade da água tem sido reconhecida há algum tempo. Através de mecanismos físicos, químicos e biológicos, a influência desta mata pode ser de grande magnitude na qualidade da água que atinge a rede de drenagem por via superficial e subsuperficial (Tabela 1). Parte da ação da mata ciliar consiste na criação de uma barreira a ser superada pelo escoamento superficial quando este se propaga em direção a rede de drenagem (Figura 1). Este efeito é, aparentemente, mais importante do que a proteção contra a erosão gerada pela vegetação ciliar. Devido a este fato, diferentes eficiências de remoção resultam para componentes em estado particulado e em estado dissolvido na água (Tabelas 2 e 3). 2
Tabela 1. Funções da mata ciliar. Dimensão Função Hidrológica Contenção de encostas Diminuição e filtração do escoamento superficial Interceptação do transporte de sedimentos para o ambiente aquático Interceptação e absorção da radiação solar (manutenção da estabilidade térmica) Controle de fluxo e vazão dos cursos d água Ecológica Formação de microclima Formação de habitats, áreas de abrigo, alimentação e reprodução Corredores de fluxo gênico (polinização, dispersão de sementes e migração de animais silvestres) Aporte de materiais (folhas, frutos, insetos) e energia Tabela 2. Características da água antes e após as chuvas. Característica Antes da chuva Após a chuva Turbidez 44 45 Sólidos em suspensão 99 402 DBO (mg/l) 4,6 11 Adaptada de Barrella (2000) a partir de dados do rio Tietê por Hess (1993) Figura 1 3
Tabela 3. Taxa de remoção (kg/ha/ano) de alguns parâmetros de qualidade da água devido à ação de uma mata ciliar Parâmetro Taxa de Remoção (kg/ha/ano) Escoamento Material Particulado 41,0 Superficial N Orgânico Particulado 11,0 Superficial N Amoniacal Dissolvido 0,8 Superficial Nitrato 2,7 Superficial P Particulado Total 3,0 Superficial Nitrato 45,0 Subsuperficial 3 - PROGRAMA DE REFLORESTAMENTO CILIAR 3.1 - OBJETIVOS Controle de erosão e assoreamento dos reservatórios Redução do aporte de nutrientes e poluentes Abrigo, alimentação e corredores de dispersão para a fauna silvestre 3.2 - ETAPAS DE PLANTIO Análise de solo Isolamento da área (cercas) Rebaixamento da vegetação Aplicação de herbicida Sulcagem ou subsolagem em nível Plantio florestal Manutenções (coroamento, capina) 4
3.3 - INFORMAÇÕES COMPLEMENTARES: Espaçamento de 2x2 a 3x2 m Densidade: 1.667 a 2.500 mudas por hectare Número de espécies: cerca de 150 3.4 - ÁREAS IMPLANTADAS (Tabela 4) Tabela 4. Áreas reflorestadas em cada empreendimento da CESP. Usina Comprometido (ha) Realizado (ha) Ilha Solteira 80 Eng. Souza Dias 100 Eng. Sérgio Motta 4.427 313 Três Irmãos 2.500 2.160 Paraibuna 2.180 Jaguari 16 Totais 6.927 4.849 Experiência anterior a cisão 13.131 4 - ESTUDO DE CASO: PLANO DE RECUPERAÇÃO AMBIENTAL DA BACIA DO RIO DO PEIXE SP 4.1 - HISTÓRICO A CESP utilizou o reservatório da usina hidrelétrica Barra Bonita, na bacia do rio Peixe, afluente do rio Tietê, como unidade experimental de estudos para a recuperação dos recursos hídricos e gestão ambiental, com a implantação de projetos de desenvolvimento sustentável A bacia hidrográfica do rio do Peixe abrange uma área de aproximadamente 1.100 km 2, sendo a terceira maior contribuição para o rio Tietê. O comprimento total de canais é de 1.405 km, incluindo o rio principal, os afluentes e os pequenos córregos 5
Na área de influência encontram-se aproximadamente 20 mil habitantes, distribuídos entre os municípios de Anhembi, Conchas, Porangaba, Bofete e Torre de Pedra. Foi constatado que 22,9% da área da mata é vegetação original remanescente, quase toda modificada durante a colonização da região. A economia cafeeira iniciou, em 1830, o processo de modificação, acelerado com a implantação de pastagens a partir de 1930. Utilizando-se imagens de satélite foram levantadas as atividades de uso da terra, conforme a Tabela 5. Tabela 5. Cobertura do solo na bacia hidrográfica do rio do Peixe Tipo Área (km 2 ) % da área total Mata 261,40 22,90 Gramínea alta 31,10 2,70 Gramínea baixa 177,00 15,50 Solo e gramínea 469,90 41,10 Solo exposto 118,70 10,40 Eucalipto 72,40 6,30 Água e sombra 9,70 0,83 Não classificado 1,60 0,15 Total 1142,10 100,00 Quanto às vazões do rio do Peixe detectaram-se grandes variações desde a cabeceira até a sua foz, no rio Tietê. No período das secas, oscilam de 0,15 m 3 /s, nas partes mais altas do rio, até 9,3 m 3 /s, no baixo curso. No período das chuvas, de 0,6 m 3 /s, próximo à sua nascente, até 43,2 m 3 /s, na sua foz. A qualidade da água também apresenta muita variação. Os dados obtidos durante dois anos de estudos sistemáticos indicaram que, em muitos pontos, as águas estão poluídas, apesar da baixa densidade populacional (18,7 hab/km 2. 6
4.2 LOCALIZAÇÃO (Figura 2) Figura 2. Localização da bacia hidrográfica do rio do Peixe 4.3 - INFORMAÇÕES GERAIS Rio do Peixe Afluente da margem esquerda do rio Tietê Nascente: município de Bofete (730 metros de altitude) Extensão: 70 km Bacia Hidrográfica Área: 110.000 ha Municípios: Torre de Pedra, Porangaba, Bofete, Botucatu, Conchas e Anhembi 4.4 - OBJETIVOS Cooperação entre as instituições Participação da sociedade no planejamento e manejo de bacias hidrográficas 7
Atuar em consonância com as políticas estaduais de recursos hídricos, conservação e recuperação dos solos e de proteção ambiental Parceria com o Comitê da Bacia Hidrográfica Sorocaba-Médio Tietê Administrar conflitos e interesses Criar um modelo visando a melhoria dos recursos hídricos da bacia hidrográfica, evitando danos ao meio ambiente, à produção de energia, e garantindo os usos múltiplos do reservatório 4.5 - PROBLEMAS Foram diagnosticados na bacia hidrográfica, os seguintes problemas: Degradação da qualidade da água Falta de tratamento de esgoto doméstico Tratamento e disposição inadequada de resíduos sólidos Ausência de planos diretores municipais Ausência de demarcação de distritos industriais e portos intermodais Enchentes em áreas urbanas Expansão desordenada de loteamentos de lazer Erosão e assoreamento nas áreas rurais e urbana Pouco envolvimento e integração das comunidades locais Degradação de áreas legalmente protegidas e de interesse à biodiversidade Má conservação e planejamento da infra-estrutura viária/hidroviária Doenças de veiculação hídrica Ausência de projetos de microbacias/conservação de solos Falta de alternativa econômica regional Redução da cobertura vegetal original 8
4.6 - AÇÕES SUGERIDAS Diante dos problemas verificados na bacia hidrográfica do rio do Peixe foram sugeridas as seguintes ações: Implantação de sistemas de tratamento de esgotos dos municípios da bacia hidrográfica Eliminação dos lixões Elaboração de planos diretores municipais Continuidade do monitoramento da qualidade da água Programa de combate à erosão Manejo conservacionista de solo e alternativas de produção Recomposição da vegetação natural Disciplinamento e regularização de atividades de mineração Envolvimento da comunidade 4.7 - CENÁRIOS DE RECUPERAÇÃO 4.7.1. Redução de Perda de Solo por Revegetação Situação atual da bacia do rio do Peixe Mata Gramíneas Solo exposto Perda de solo (%) (%) (%) 30 60 10 19.258 Cenário I - Substituição do solo exposto por vegetação Mata Gramíneas Solo exposto Perda de solo (%) (%) (%) 40 60 0 5.738 9
CONCLUSÃO: A revegetação de áreas da bacia do rio do Peixe poderá reduzir até 70% a perda de solo 4.7.2 - Ação da Mata Ciliar Redução de Cargas Difusas Situação atual Faixa de 30 metros de largura Faixa sem mata ciliar Faixa com mata ciliar 8.330 ha 5.830 ha 2.500 ha Contribuições Material sólido N P 19.258 2.219 116,8 Cenário I - Reflorestamento 50% da faixa ciliar (2.918 ha) Contribuições Material sólido N P 15.286 1.742 92,7 REDUÇÃO DE 20% Cenário II - Reflorestamento 100% da faixa ciliar (5.830 ha) Contribuições Material sólido N P 11.329 1.291 68,7 10
REDUÇÃO DE 40% RESULTADO: A implantação de uma mata ciliar com 30 metros de largura em cada uma das margens de todos os cursos d água ocuparia 8.330 ha. Atualmente 30% apresentam bom estado, e 70% encontra-se degradada. Como resultado desta ação estima-se que as cargas anuais difusas produzidas seriam aproximadamente 60% dos valores estimados para a situação atual. 5 - BIBLIOGRAFIA CESP, Manejo integrado da bacia do rio do Peixe. São Paulo, 1998. 58p. FBDS. Plano de recuperação ambiental da bacia do rio do Peixe relatório final. São Paulo, 1999. 150p. 11