A atuação do Grupo Interdefensorial do Rio Doce no âmbito do desastre ambiental ocasionado pelo rompimento da Barragem de Fundão, em Mariana/MG.

Documentos relacionados
As visões dos Stakeholders sobre o Rio Doce: Situação Atual e Perspectivas

MINISTÉRIOS PÚBLICOS E DEFENSORIAS DA UNIÃO, DE MG E DO ES EXPEDEM RECOMENDAÇÃO PARA FREAR ABUSOS DA FUNDAÇÃO RENOVA

Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis. Atuação do Ibama no desastre de Mariana/MG

Rompimento da Barragem de Rejeitos de Mineração de Fundão Desastre socioeconômico e ambiental construído Rio de Janeiro, 13 de setembro de 2017

Construindo soluções pacíficas: O potencial da mediação na resolução de conflitos socioambientais. Augusto Henrique Lio Horta.

Ofício JG 027/16. Rio de Janeiro, 02 de março de Emilio Álvarez Icaza Longoria Secretário Executivo Comissão Interamericana de Direitos Humanos

ANO XXIII /12/2015. Superintendência de Comunicação Integrada CLIPPING. Nesta edição: Clipping Geral

Referência: Apoio prestado pela CIMOS nas questões relacionadas à garantia dos direitos das famílias atingidas pelo rompimento da Barragem de Fundão

O GT de Conflitos Fundiários Urbanos do Conselho das Cidades apresenta para uma primeira discussão pública a seguinte proposta:

IMPACTOS ACIDENTE SAMARCO FATOS E SOLUCÕES. Leonardo Pereira Rezende

Art. 2º O Conselho Estadual de Cultura tem por competências: II - acompanhar e fiscalizar a execução do Plano Estadual de Cultura;

4.6. ATENDIMENTO ÀS METAS DO PLANO/PROGRAMA/PROJETO

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DE MINAS GERAIS DECISÃO

PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA SECRETARIA-GERAL DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA SECRETARIA NACIONAL DE ARTICULAÇÃO SOCIAL

TERMO DE AJUSTAMENTO PRELIMINAR ENTRE MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, SAMARCO MINERAÇÃO S/A, VALE S/A E BHP BILLITON BRASIL LTDA.

METODOLOGIA DO PLANO DE TRABALHO ADOÇÃO DE ESTRATÉGIA DE PROTEÇÃO JURÍDICA SOCIAL POR REGIÃO

Q&A PROCESSO SELETIVO - PIM

ESTUDO SOBRE AS POSSÍVEIS CONSEQUÊNCIAS DO PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS DO FNPETI, JUNTO À ONU

CÁRITAS BRASILEIRA Regional Minas Gerais

CONTROLE SOCIAL e PARTICIPAÇÃO NO SUS: O PAPEL DO CONSELHO ESTADUAL DE SAÚDE

DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO PARANÁ Conselho Superior. Interessado: Corregedoria Geral da Defensoria Pública do Paraná

RESPONSABILIDADE SOCIAMBIENTAL

APLs como Estratégia de Desenvolvimento Atuação do Governo Federal nos últimos 12 anos

Política Territorial da Pesca e Aquicultura

Reconstrução de Bento Rodrigues avança com definição de terreno para novo distrito; ações de recuperação também apresentam resultados

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA AMBIENTAL

Objetivo Geral: Objetivos Específicos:

PLANO DE TRABALHO ANUAL

Dispõe sobre a fiscalização do trabalho infantil e proteção ao adolescente trabalhador.

Povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais

Estruturação do Núcleo Estadual de APL s no Distrito Federal

Documento Base do Plano Estadual de Educação do Ceará. Eixo Temático Gestão Democrática

Termo de Referência (TR) para contratação de Serviço. análises e diagnósticos para subsidiar a expansão da iniciativa Origens Brasil

INCENTIVOS FINANCEIROS PARA QUALIFICAÇÃO DA GESTÃO DO SUS

POLÍTICA DE AQUISIÇÃO DE BENS E SERVIÇOS

INOVAÇÃO EDUCATIVA_. Esse é o nosso jeito de fazer, nossa missão e razão de existir

O QUE É PRECISO PARA A SAMARCO VOLTAR A OPERAR?

Governança Metropolitana no Brasil

Samarco intensifica obras em Candonga

XII CONGRESSO NACIONAL DE DEFENSORES PÚBLICOS CONCURSO DE PRÁTICAS EXITOSAS

CARTA CONVITE AOS/ÀS ASSISTENTES SOCIAIS DO ESTADO DO PARANÁ

A LEI E A PARTICIPAÇÃO DE EMPRESAS ESTATAIS NO CAPITAL DE EMPRESAS PRIVADAS QUE NÃO INTEGRAM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Ser espaço permanente de diálogo da sociedade sobre as florestas no sul e extremo sul da Bahia.

2. O PLANO DIRETOR PARTICIPATIVO DE VINHEDO

EDITAL DE CHAMADA PÚBLICA Nº 03/2016

XXVI CONGRESSO DE SECRETÁRIOS MUNICIPAIS DE SAÚDE DE SÃO PAULO REDES DE URGÊNCIA E EMERGÊNCIA NO SUS

PLANOS DE RECURSOS HÍDRICOS

comunitária, além de colocá-los a salvo de todas as formas de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Programa Pernambuco: Trabalho e Empreendedorismo da Mulher. Termo de Referência

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GESTÃO DE RISCOS E DESASTRES NATURAIS NA AMAZÔNIA PLANO DE TRABALHO

POLÍTICA DE AQUISIÇÕES DE BENS E SERVIÇOS

VIII JORNADA DE ESTÁGIO DE SERVIÇO SOCIAL

RESOLUÇÃO NORMATIVA Nº 14, DE 27 DE DEZEMBRO DE 2011

Resolução Atricon nº XX/2015

Planos de recursos hídricos. SIMONE ROSA DA SILVA Profª UPE/POLI

Exmo. Sr. Dr. Auro Aparecido Maia de Andrade MM Juiz Titular da 2ª Vara Empresarial da Comarca de Belo Horizonte

APLs como Estratégia de Desenvolvimento

DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS Defensoria Pública Geral EDITAL V CONCURSO DE PRÁTICAS EXITOSAS DA DPMG

adequadas ao contexto econômico-financeiro e institucional das empresas;

RESOLUÇÃO CoAd nº 013, de 18 de março de 2011.

PROCEDIMENTO OPERACIONAL PADRÃO

Projeto Inclusão Social Urbana Nós do Centro. Prefeitura de São Paulo União Européia

EXCELENTÍSSIMO SENHOR, PRESIDENTE DO CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. PROPOSIÇÃO DE EXTINÇÃO DA CLAUSULA DE BARREIRA.

Relatório de Investimento e Gestão Social 2014

REGULAMENTO DO NÚCLEO DE INOVAÇÃO TECNOLÓGICA E EMPREENDEDORISMO EM SAÚDE NITE SAÚDE CAPÍTULO I DAS FINALIDADES

EDITAL FLD I/ JUSTIÇA ECONÔMICA SELEÇÃO DE PROJETOS DE ARTICULAÇÃO, MOBILIZAÇÃO E INCIDÊNCIA NA ÁREA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA

PARTICIPAÇÃO SOCIAL NO BRASIL

O papel da Defensoria Pública na promoção e defesa dos direitos da mulher

O Baobá. é a árvore da vida, e tem em si a mais profunda mensagem de sustentabilidade e prosperidade.

I ao III FONACOM Fórum Nacional de Conciliação e Mediação

Autores: Angelo José Rodrigues Lima Salvador 06 de julho de 2016

Lições do desastre da Samarco para a preparação, resposta e reconstrução em situações de riscos e desastres

PLANO ESTRATÉGICO DA EJE Escola Judiciária Eleitoral do Tribunal Superior Eleitoral

FUNDAÇÃO COORDENAÇÃO DE PROJETOS, PESQUISAS E ESTUDOS TECNOLÓGICOS - COPPETEC.

Controle do risco, controle social, o Comitê Interfederativo do Rio Doce e a governança da água

b) alteração na qualidade da água dos rios impactados com lama de rejeitos de minério; c) suspensão no abastecimento público decorrente do evento

Os mercados institucionais: mecanismos e modalidades de compras públicas

RESOLUÇÃO ATRICON Nº 01/2013

USINA HIDRELÉTRICA SINOP (UHE SINOP) PLANO DE GESTÃO AMBIENTAL (PGA) Regimento do Fórum de Acompanhamento Social (FAS)

LICENCIAMENTO AMBIENTAL - TENDÊNCIAS - Perspectivas para os Seguros Ambientais

Prefeitura Municipal de Santo Antônio de Jesus publica:

NOVO CODIGO DE PROCESSO CIVIL

Nota Técnica nº 02/2016/ SNAS/ MDS

Participação Social Gestão Democrática

CONSULTA - NOTIFICAÇÃO

Plano de Trabalho e Relatório de atividades. Justificativa:

O desenvolvimento do Planejamento Estratégico está dividido em 5 fases principais até a sua conclusão: Figura 1 - Fases do Planejamento Estratégico

Plano de Atuação Defensoria Pública de MS Mato Grosso do Sul

LEI Nº DE 22 DE DEZEMBRO DE A Câmara Municipal de Tiradentes aprovou e eu, Prefeito Municipal, sanciono a seguinte lei: CAPÍTULO I

Organização de Serviços Básicos do SUAS em Comunidades Tradicionais. CONGEMAS Belém/PA 18 a 20 de abril de 2011

AMICUS CURIAE COMO ESTRATÉGIA DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS DO POVO XUKURU

ACORDO DE COOPERAÇÃO TÉCNICA DRT/BA Nº /2007

ACORDO SETORIAL PARA A PREVENÇÃO E ERRADICAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL NO MUNICÍPIO DE FRANCA

REGIMENTO INTERNO DO COMITÊ DE SUSTENTABILIDADE ( Regimento )

CARTA ABERTA DOS PROFISSIONAIS DE SEGURANÇA E SAÚDE DO TRABALHO DA REGIÃO CENTRO-OESTE

MATRIZ 4: ESTRATÉGIA NACIONAL DE ERRADICAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL

Política de Responsabilidade Sócio Ambiental (PRSA)

Categoria: Agente Local de Inovação

Política Energética em Minas Gerais e no Brasil - oportunidades para pequenos negócios e municípios

Transcrição:

A atuação do Grupo Interdefensorial do Rio Doce no âmbito do desastre ambiental ocasionado pelo rompimento da Barragem de Fundão, em Mariana/MG. I Resumo da situação problema No dia 05 de novembro de 2015, a barragem de Fundão, localizada no complexo minerário de Germano, Município de Mariana/MG, de responsabilidade das empresas Samarco, Vale do Rio Doce e BHP Billiton, rompeu-se e liberou, aproximadamente, 34 (trinta e quatro) milhões de metros cúbicos de lama 1, resultando no maior desastre ambiental da história do Brasil e um dos maiores no mundo, no que diz respeito à mineração. Os reflexos, tanto do ponto de vista socioambiental, como socioeconômico, estenderam-se por mais de 650 (seiscentos e cinquenta) quilômetros 2, atingindo diversos municípios dos Estados de Minas Gerais e Espírito Santo. Milhares de pessoas (em aproximadamente 34 municípios, além de áreas ainda não formalmente reconhecidas pelas empresas) foram atingidas, incluindo comunidades tradicionais, indígenas, pescadores, agricultores, psicultores, dentre outras. Prejuízos de ordem material e moral ainda não foram dimensionados em sua totalidade, em virtude da indeterminabilidade e extensividade dos efeitos dos rejeitos na saúde das populações atingidas. De início, todas as instituições públicas foram acionadas, de modo a fazer frente ao poder econômico e à influência política das empresas. Várias ações coletivas e individuais foram manejadas, pleiteando reparações e compensações, atacando problemas urgentes (como o fornecimento de água aos atingidos), além de medidas de constrição de bens e valores das empresas, de forma a impedir que se imiscuíssem de suas responsabilidades. Coube às Defensorias Públicas, cada qual com as suas estratégias iniciais, mobilizar-se para compreender como a instituição poderia inserir-se no contexto do desastre ambiental, buscando formas de promover a defesa dos atingidos, sobretudo da população mais vulnerável. É importante ressaltar que a situação de hipervulnerabilidade dos atingidos por grandes empreendimentos, fato corriqueiro no Brasil e no mundo no que diz respeito ao extrativismo, aproxima as Defensorias 1 2

Públicas da problemática, em razão da sua missão constitucional e as impulsionam a adotar políticas que ultrapassem o atendimento individual dos atingidos pelos órgãos de execução. A dimensão social do problema não encontra precedentes na história do Brasil, logo, demanda atuações estratégicas de articulação e mobilização social. Em março de 2016, foi firmado entre União, Estados atingidos, empresas envolvidas e órgãos ambientais, o Termo de Transação e de Ajustamento de Conduta (TTAC), com o objetivo de promover a compensação e reparação dos danos acarretados pelo rompimento da barragem. O acordo foi alvo de severas críticas por parte das instituições públicas (Ministérios Públicos e Defensorias Públicas) que tem atuado em prol dos atingidos, bem como de setores acadêmicos, movimentos sociais e organizações da sociedade civil por diversos motivos, em especial pela ausência de participação popular na elaboração dos seus respectivos termos. Com o TTAC, surgiram dois novos atores, ou steakholders: a) a Fundação Renova, pessoa jurídica de direito privado, criada para gerir e executar os programas de compensação/reparação socioambientais e socioeconômicos; b) o Comitê Interfederativo, órgão colegiado que reúne os entes federativos afetados e órgãos técnicos, com o objetivo de validar e fiscalizar os atos praticados pela Fundação Renova. Observa-se, assim, uma superestrutura inédita dentro de toda sistemática mundial, formada por comitês, conselhos, órgãos públicos, que tomaram a responsabilidade de gerir todos os reflexos relacionados ao desastre. O atingido foi afastado de qualquer espaço de deliberação e os poderes públicos, em grande parte, resumem a sua atuação ao Comitê Interfederativo. Diante desse cenário, além da necessidade de os impactados terem amplo acesso à plena orientação jurídica, bem como, ante a iminência de se iniciar, em razão do TTAC, programas de cunho interestadual (cadastramento de atingidos, auxílio emergencial e indenização extrajudicial aos impactados) as Defensorias Públicas dos Estados de Minas Gerais, Espírito Santo e da União, em atuação inédita no país, reuniram-se para promover o atendimento às comunidades impactadas, criando, destarte, por meio da formalização de um termo de cooperação técnica, assinado pelos representantes das respectivas instituições, o Grupo Interdefensorial do Rio Doce (GIRD). O desafio do GIRD está em sistematizar e executar uma estratégia uniforme de atuação, de modo que contemple o maior número possível de impactados, a despeito dos problemas estruturais e de déficit das Defensorias Públicas envolvidas.

Com a formação do Grupo Interdefensorial do Rio Doce, buscamos garantir a defesa dos direitos e garantias fundamentais dos atingidos, a responsabilização decorrente dos danos oriundos do desastre ambiental, a participação popular nas superestruturas inauguradas, além do devido acesso à informação. Na elaboração do planejamento de atuação, buscou-se o foco no aspecto humano do desastre, na defesa do atingido e no seu reconhecimento como detentor de direitos e garantias específicas. A transversalidade da atuação está caracterizada no complexo mosaico de direitos e garantias em jogo, nos diversos atores envolvidos, na extensão territorial do dano, na diversidade de tipos de compensações necessárias e no pano de fundo que o caso possui, qual seja, o preocupante cenário do extrativismo no Brasil. II Resumo das ações e políticas adotadas. 1º Momento: A atuação inicial das Defensorias Públicas de MG, ES e da União. Diante da necessidade de ouvir diretamente os impactados e a sociedade civil organizada, foi criado, pelo GIRD, um cronograma de atuação, consistente, incialmente, em visitas in loco, inspeções e reuniões com as comunidades atingidas. Qualquer estratégia a ser tomada perpassaria pela análise das informações coletadas e do diagnóstico das vulnerabilidades encontradas. Além disso, buscou-se o acompanhamento das ações adotadas pelo poder públicos e reuniões com os atores envolvidos. Iniciou-se o contato com as instituições e com os principais movimentos de defesa dos atingidos, dentre eles: o Movimento de Atingidos por Barragens, as comissões de atingidos instauradas em MG e ES, grupos de pesquisa de universidades, além de participação nos fóruns capixabas, debates no âmbito da Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais (ALMG), espaços políticos de fomento e articulação dos atingidos nos municípios capixabas e mineiros. A título de exemplo, só no Espírito Santo, atualmente existem 04 fóruns locais e um fórum estadual, dos quais a DPU e a DPES fazem parte. Neste momento, o contato direto com os atingidos permitiu um diagnóstico dos principais problemas e da atuação emergencial das empresas. Foram realizados atendimentos individuais, sendo propostas ações judiciais individualizadas

para solução de situações mais extremas, principalmente relacionadas ao sustento de pessoas que perderam a atividade econômica. Além do contato direto com os atingidos, aproximadamente 6 (seis) meses após a ocorrência do desastre, representantes das empresas e da Fundação Renova procuraram as Defensoria Públicas Estaduais e Federal, para fins de apresentação da atuação e solicitação de participação no Programa de Indenização Mediata (PIM), que seria implementado, em razão do TTAC, momento em que se iniciou o contato direito entre tais instituições e os responsáveis pelos danos. A Defensoria Pública, em sua atuação na promoção de direitos humanos e orientação jurídica aos atingidos, dentro da conjuntura criada em casos de desastres, desempenha o relevante papel de mobilizador dos atingidos, na medida em que a sua atuação pauta-se na educação em direitos e na conscientização da condição de atingido e quais direitos implicam nesse reconhecimento. 2º Momento: Criação e Consolidação do Grupo Interdefensorial do Rio Doce GIRD. Como dito, a constituição de uma superestrutura de execução e deliberação de programas socioeconômicos e socioambientais (Fundação Renova e Comitê Interfederativo) ensejou a necessidade de conjugação de esforços e estratégias de atuação entre as Defensorias Públicas, de modo a fazer frente ao poder político e econômico das empresas e da Fundação Renova. A criação do Grupo Interdefensorial do Rio Doce, em setembro de 2016, objetivou, dentre outras atribuições, promover a atuação das Defensorias Públicas dos Estados de Minas Gerais e do Espírito Santo e Federal, de forma coordenada e unificada durante as atividades do Programa de Indenização Mediada (PIM), possibilitando, destarte, a atuação conjunta em locais, cuja estrutura e o déficit de Defensores Públicos locais não permitiriam uma atuação plena e eficiente desde o início do desastre. Entre os dias 19 a 28 de setembro de 2016, o GIRD realizou 10 (dez) audiências públicas nos municípios atingidos pelas consequências do desastre ambiental (Santa Luz do Escalvado/MG, Barra Longa/MG, Governador Valadares/MG, Conselheiro Pena/MG, Baixo Guandu/ES, Colatina/ES e Linhares/ES), as quais contaram com participação total de mais de 5.000 (cinco mil) pessoas. O escopo das audiências públicas foi possibilitar aos atingidos, em um ambiente público e aberto, dirigir aos representantes da Fundação Renova e da Samarco perguntas referentes ao

denominado Programa de Indenização Mediada (um dos programas a ser implementado pela Fundação Renova), além do esclarecimento de dúvidas e reclamações a respeito dos seus direitos. Na oportunidade, a Defensoria Pública também apresentou, aos presentes, a forma institucional de atuação perante o aludido programa, esclarecendo questões jurídicas afetas ao desastre ambiental. Por conseguinte, a uniformização da atuação estabeleceu uma via de diálogo oficial das três Defensorias Públicas com as empresas envolvidas/fundação Renova. Diversas reuniões, presenciais e por meio de videoconferências, foram realizadas, para que se pudesse entender o programa de indenização pretendido, contornos legais e estimativas de valores. Nesse ponto, é importante ressaltar que toda atuação da DP é externa ao TTAC. Nenhuma Defensoria participou da elaboração de seus termos, tendo a DPES, inclusive, impugnado a sua homologação em virtude da ausência de participação social. A DPU chegou a tomar conhecimento dos termos que estavam sendo negociados entre a União, Estado de Minas Gerais, Estado do Espírito Santo e empresas, mas, ao identificar vários pontos que, no seu entender, não eram transacionáveis, rechaçou a possibilidade de aderir às tratativas. Logo em seguida, peticionou nos autos da Ação Civil Pública - ACP nº 69758-61.2015.4.01.3400, onde os interessados buscariam a homologação judicial, apontando vários problemas na avença e exigindo que lhe fosse concedida vista antes da decisão de homologação. A petição foi ignorada, mas isso acabou servindo como um dos fundamentos para que o Tribunal Regional Federal da 1ª Região anulasse a homologação realizada. Conforme consignado nos acórdãos dos Agravos de Instrumento AIs 2170-18.2016.4.01.0000 e 2453-41.2016.4.01.000, ante "a indiscutível existência de danos às pessoas e mesmo populações hipossuficientes, a presença da Defensoria Pública era essencial, de modo que sua manifestação antes da homologação era imprescindível. O GIRD buscou, portanto, uniformizar as diretrizes para os atendimentos dos atingidos que optarem pelo programa de indenização, respeitando a sua escolha e dando-lhes todas as informações para que fizessem o seu próprio juízo de valor.

Compreender o programa permitiu às Defensorias Públicas diagnosticar problemas e recomendar adequações, sempre partindo da premissa de que a atuação da instituição é externa, primando pela redução de danos e a não flexibilização dos direitos dos atingidos, a exemplo da expedição da Nota Técnica nº 01 de 2016 do GIRD ao Comitê Interfederativo (CIF), apontando a ilegalidade de se exigir renúncia geral de direitos dos atingidos que vierem a aderir ao programa, questão ainda sob discussão e que foi tratada exaustivamente nas reuniões com os representantes da Fundação que permaneceram intransigentes na alteração da redação. As Defensorias Públicas de MG e ES passaram a atender a população de Governador Valadares/MG e Colatina/ES, onde se iniciou o programa de indenização específico das localidades que tiveram desabastecimento de água em virtude da contaminação dos rios. O GIRD estruturou-se para atender todos os cidadãos do Município e adjacências, orientando-os quanto aos aspectos fáticos e jurídicos da celebração do acordo. Frise-se que referida atuação visa a possibilitar ao atingido, munindo-o com o máximo de informações possíveis, optar pela via extrajudicial ou judicial. A atuação das Defensorias Públicas busca respeitar a autonomia da vontade do atingido na escolha pela forma de compensação do dano sofrido. Outro trabalho desenvolvido pelo GIRD consiste na luta pelo reconhecimento de diversas comunidades atingidas no litoral do Espirito Santo e nas regiões ribeirinhas de Minas. Junto com os movimentos sociais e entidades da sociedade civil, busca-se pressionar os órgãos ambientais e poderes públicos a cobrar que as empresas/fundação Renova reconheçam e adotem os programas em todos os territórios atingidos. A Nota Técnica n 02 cristaliza esse entendimento e também encontra-se em análise. A edição de duas notas técnicas, no final de 2016, ao Comitê Interfederativo (órgão formado pelos poderes públicos e criado para fiscalizar e validar os atos praticados pela Fundação Renova) visa a participá-lo de temas diretamente relacionados aos direitos dos atingidos e a compeli-lo a tomar as providências cabíveis frente a atitudes violadoras de direitos que estão sendo tomadas pelas empresas envolvidas nesse processo de compensação. 3º Momento: Expansão da atuação do Grupo Interdefensorial do Rio Doce GIRD. Atuações em andamento e perspectivas.

A consolidação de posições institucionais sobre os principais problemas diagnosticados e consolidados por meio de notas técnicas ainda encontra-se pendente de avaliação pelo CIF. A uniformização dos entendimentos oficializados pelo GIRD, perante os poderes públicos e a Fundação Renova, permite que a instituição Defensoria Pública faça frente ao poder econômico e à influência que as empresas possuem no cenário político dos estados envolvidos. Prevê-se o fortalecimento da parceria com os movimentos sociais (a DPES e DPU irão participar dos trabalhos da comissão dos atingidos no ES, sendo que a DPMG possui canal direto de interlocução com os principais movimentos) e entidades da sociedade civil; continuação dos atendimentos individuais nas comunidades afetadas; estímulo à participação popular; expansão da rede de atores que agem na defesa dos atingidos, dentre outros. Ao mesmo tempo, segue o acompanhamento dos desdobramentos das medidas judiciais adotadas, como por exemplo, o pedido de ingresso como amicus curi, interposto pela DPMG em ACP movida pelo Ministério Público em Governador Valadares, pleito que foi acolhido pelo Poder Judiciário. A inovação e a criatividade nas medidas adotadas nascem da junção de três Defensorias Públicas em uma unidade, de forma a fazer frente ao poder econômico e político; à adoção de estratégica específica de atuação privilegiando o espaço político de deliberação criado (CIF), sem prejuízo da adoção de medidas judiciais coletivas. Trata-se de ato estratégico que pode confirmar (ou não) o distanciamento dos poderes públicos ao caráter humano do desastre. Ademais, o desastre ambiental demonstrou que os instrumentos de tutela coletiva (usados pelas instituições, inclusive pela DP) não se mostraram efetivos para atacar problemas de tal envergadura. Somado à carência de estrutura do Poder Judiciário em determinas comarcas, ideia paradoxal com o ideal de ativismo judicial muito defendido atualmente, as demandas relacionadas ao desastre ambiental, seja em virtude de sua complexidade, seja em virtude da necessidade de estimular a participação dos poderes públicos, não prosperaram ou tiveram os efeitos desejados. III Parceiros envolvidos. As Defensorias Públicas trabalham com uma rede de parceiros que auxiliam no diagnóstico de demandas e coleta de informações. Dentre os parceiros, podemos ressaltar o Movimento de Atingidos por Barragens, os Fóruns de atingidos organizados nos municípios capixabas, o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos

Humanos PPDDH/ES e o Organon (Núcleo de Estudo, Pesquisa e Extensão em Mobilizações Sociais do Departamento e do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da UFES). IV Resumo dos resultados obtidos. Os resultados obtidos até o momento são: 1) Fortalecimento do vínculo e da interação entre as Defensorias Públicas, com criação formal de grupo para atuação em temáticas com abrangência interestaduais; 2) Uniformização da atuação perante as empresas e poderes públicos; 3) Integração com movimentos sociais e organizações da sociedade civil; 4) Incentivo à mobilização e participação social dos atingidos, por meio da realização de audiências públicas; 5) Interlocução com os atores envolvidos, em especial com as instituições criadas no âmbito do desastre ambiental; 6) Educação em direitos, que fomenta a constituição de novas frentes de luta; 7) Acionamento dos poderes públicos por intermédio do CIF; 8) Orientação jurídica aos atingidos individualmente e coletivamente, buscando esclarecer todos os aspectos relacionados aos seus direitos; 9) conscientização acerca da necessidade de compensações coletivas. Diante da complexidade das questões, diversos trabalhos encontram-se em andamento (os desfechos das notas técnicas, trabalhos de educação em direitos, acesso à informação, além do próprio atendimento à população, inclusive na Comarca de Mariana/MG, onde foi instalada uma unidade da Defensoria Pública para acompanhar o processo, ou em Baixo Guandu/ES, onde recentemente DPES e Município formalizaram parceria para possibilitar o atendimento aos atingidos). Ademais, o ineditismo das circunstâncias demanda ainda um intenso aperfeiçoamento da forma de atuação das Defensorias Públicas em caso de desastres ambientais. Espera-se, portanto, que a criação do GIRD sirva de exemplo a outras Defensorias Públicas do país, de modo a contribuir para a efetivação dos direitos individuais e coletivos das pessoas hipossuficientes e de grupos vulneráveis, nas mais diversas áreas de atuação.