CUIDADOS PALIATIVOS A diversidade das necessidades da pessoa humana em sofrimento intenso e em fim de vida encerram, em si mesmo, uma complexidade de abordagens de cuidados de Saúde a que só uma equipa interdisciplinar poderá dar resposta. Essa resposta deverá ser oferecida em unidades vocacionadas com formação para o efeito - Cuidados Paliativos. Estes cuidados não estão somente indicados para as pessoas com cancro. Também têm indicação para ajudar qualquer pessoa com uma doença sem possibilidade de cura, quer a nível de internamento, quer a nível domiciliário. A preocupação de cuidar destas pessoas assim como das suas famílias, sempre foi preocupação dos técnicos de saúde, principalmente dos enfermeiros. Mesmo quando a medicina já esgotou todas as alternativas de tratamento, ainda há muito a fazer, no que concerne à preservação da vida humana com qualidade e à sua dignidade. Só pelo facto de existir, a pessoa doente é detentora de uma dignidade inviolável, merecendo deste modo todo o respeito e atenção. Face as necessidades da pessoa doente a Organização Mundial de Saúde (OMS) preconizou a criação destas unidades com o objetivo de prestar cuidados definindo-os como cuidados totais e ativos, cuja doença não responde a tratamentos curativos. Esta exigência obrigou os técnicos de saúde e os governos à mudança de paradigma principalmente no olhar ao sofrimento humano e ao fim de vida como um momento de extrema importância na vida da pessoa, da família 1
e da sociedade. É preciso acrescentar qualidade à vida, mesmo quando esta parece estar por um fio. O controlo da dor e de outros sintomas, os problemas psicológicos, sociais, espirituais, o apoio no tempo de morrer e o apoio à família é a base da filosofia destas unidades. Afinal, o que é dar mais e melhor qualidade de vida? Qualidade de vida pressupõe dar o máximo de conforto possível em cada momento, ajudar a viver em paz consigo e com o mundo. Este cuidado também passa pela família, salvaguardando os seus direitos, o respeito pela sua unicidade, pelos seus valores, pelos seus quadros de referência, demonstrando interesse, preocupação e compreensão constituindo uma presença autêntica e verdadeira junto da sua dor. Perante o doente e a família, o enfermeiro e os demais técnicos de saúde, não poderão ficar apenas por mensagens soltas e vazias de afetividade. Deverão ser criados espaços de reuniões, onde o doente e a família sejam coautores da história, motivando-os, estimulando-os quanto ao compromisso (dedicação e promoção do bem estar da pessoa doente), à estima, à comunicação, ajudando-os a enfrentar as tensões e as crises, sem nunca exercer um controlo, nem acumular múltiplas e descoordenadas ações, garantindo sempre o direito à decisão e nunca desvalorizá-los nas suas ações. Controlar a dor e outros sintomas! O controlo da dor melhora a qualidade de vida do doente! Todo o doente com uma doença terminal queixa-se com frequência de dor. Esta dor muitas vezes poderá estar ligada à própria doença, como também ao fato de estar acamado. Controlar a dor é um dever dos técnicos de saúde. Viver sem dor é um direito das pessoas. Deste modo, os profissionais que trabalham nos cuidados paliativos deverão ter em mente alguns princípios na sua prática clínica tais como, acreditar na queixa de dor do doente, valorizá-la, identificar em conjunto com o doente a 2
sua intensidade, a sua natureza, as suas caraterísticas, os fatores desencadeantes, as limitações e os efeitos terapêuticos. Outras queixas frequentes destes doentes são o cansaço, a anorexia, as náuseas e os vómitos, muitas vezes associados aos efeitos da quimioterapia ou da radioterapia, a obstipação intestinal, causada pela morfina e os seus derivados. Dependendo da doença de base, a diminuição de oxigénio pode ser um sintoma importante que pode interferir na qualidade de vida. Por isso, há que ajudar o doente a ultrapassar estas intercorrências com sabedoria e bom senso. Um outro objetivo - mais ambicioso mas não impossível dos técnicos dos cuidados paliativos - é ajudar os doentes a atingirem a aceitação da vida vivida e a aceitarem morte! Ter medo da morte é humano. O medo da morte é inerente à condição humana, não o medo da morte propriamente dita, porque nunca a experimentamos, mas medo do seu último aspeto o medo de morrer só, porque morrer é uma experiência única para cada um, porque é sempre uma primeira e última vez, porque é sempre um salto que se dá só. A relação com a morte continua a ser uma relação de medo, tanto na sociedade, como nos técnicos de saúde, como podemos constatar num testemunho de uma enfermeira: Eu tenho um medo de morte da morte! Quando procuro falar com a família de um doente que morreu, sinto dores agudas no estômago, sinto-me aterrada!. 3
Enfrentar a morte força-nos a voltar para trás e encarar a vida, a vida que vivemos. Quando examinamos a vida que vivemos e relutamos em aceitá-la, deparamo-nos com muitos desafios e tarefas diante da morte, o pedir perdão; o dizer amo-te ; o dizer tenho medo Deste modo, é importante que todos os intervenientes (técnicos, doente e família) reconheçam abertamente que o processo de morrer faz parte do ciclo de vida do homem. Porque viver é caminhar para a morte. Deste modo, cuidar a pessoa em fim de vida implica compreender aquele que sofre como um ser-no-mundo, como alguém que está aberto à compreensão, lançado a um número indefinido de possibilidades, tentando apreender e compreender o mundo enquanto se compreende a si mesmo, conjugando assim tudo o que apreende do mundo exterior e interior, sem que isso lhe custe a desvinculação à sua unicidade e, por conseguinte, ao modo como vive esse fenómeno uma vivência singular, uma experiência que reforça a sua unicidade! Fomentar a comunicação na família é outro aspeto que uma equipa de cuidados paliativos deverá ter em conta; uma comunicação aberta, em que cada elemento da família expresse as suas emoções, não esquecendo os benefícios dos reforços positivos. Os técnicos de saúde deverão incentivar a família a expressar os seus medos, sentimentos, preocupações, criando uma atmosfera propícia, longe de estranhos, na intimidade de um gabinete, proporcionando, deste modo, a comunicação e o respeito; Deverão ter uma atitude de escuta, de disponibilidade, respeitando sempre os valores, quadros de referência e os silêncios, pois o respeito por esse silêncio é mais benéfico do que muitas palavras, porque, por vezes, isso é necessário para ordenar os pensamentos e os sentimentos. Os recursos da comunidade também não devem ser esquecidos, pelo que a equipa deverá ajudar a identificá-los e a mobilizá-los: família alargada; amigos; grupos de autoajuda 4
Assim, todo e qualquer programa de intervenção em cuidados paliativos deverão ser sempre aferidos nesta tríade, (doente, família e técnicos), de acordo com os sucessos, competências e autonomia da díade família/doente. João Carlos Teixeira de Freitas Enfermeiro Especialista em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica 5