Análise de obra arquitetônica: O prédio do Museu Brasileiro da Escultura (MUBE), de Paulo Mendes da Rocha.



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Transcrição:

Análise de obra arquitetônica: O prédio do Museu Brasileiro da Escultura (MUBE), de Paulo Mendes da Rocha. Por Talles Lucena, educador do MuBE. O prédio do Museu Brasileiro da Escultura é um projeto do arquiteto, internacionalmente conhecido, Paulo Mendes da Rocha. Ele é responsável por diversas obras monumentais pelo Brasil: Museu de Arte Contemporânea da USP, Museu de Arte de Campinas, dentre outros. Os jardins do prédio levam a assinatura do paisagista Roberto Burle Marx. O projeto original do prédio, em estudo, foi fruto de um concurso público, cujo prazo limite para criação, finalização e apresentação era de, apenas, 10 dias. Esse desafio apresentou-se para o arquiteto como uma oportunidade de afirmar questões estéticoarquitetônicas por ele criadas em obras anteriores, porque o tempo urgia e as soluções para os problemas impostos pela difícil concretização do prédio do MuBE deveriam ser apresentadas rapidamente. Como educador do MuBE, tenho a oportunidade, quase diária, de receber diversos alunos de diferentes séries e escolas oriundos de várias classes sociais. Para todos eles, apresento o prédio como sendo não apenas um lugar que abriga obras de arte (em especial, esculturas): sempre ressalto o fato do prédio, em si, SER uma grande expressão artística em arquitetura. O caráter monumental do MuBE não se evidencia apenas pelo seu gigantismo físico: a riqueza artística e ideológica da proposta arquitetônica de Paulo Mendes da Rocha ultrapassa os limites do museu convencional. Analisar tal projeto é avaliar a carga simbólica do mesmo enquanto arte: o valor monumental de um projeto arquitetônico está, também, relacionado ao quanto de ideologia a idéia original do mesmo carregue. Questão que eu transfiro para meus alunos na pergunta: O que diferencia um prédio, como este, de qualquer outro prédio ao nosso redor? Sua diferença reside apenas no fato dele ser um museu? O MuBE situa-se num terreno acidentado, que une a Avenida Europa com a Rua Alemanha, no bairro dos Jardins. A parte referente à avenida é mais alta que o nível da rua e esse desafio acabou se tornando um grande aliado para o projeto de Paulo Mendes da Rocha. Ele aproveitou, sobremaneira, essa diferença de altura e, para igualar as duas

partes, criou um sistema arquitetônico que se assemelha a gavetas, que encerram em si salas especiais e outros departamentos que, unidos e fora do alcance do grande público nas ruas, acabou conferindo ao MuBE uma funcionalidade difícil de encontrar em outros museus. A estrutura criada dentro do vazio do terreno da parte baixa engloba a Pinacoteca, o Grande Salão, o Auditório-Teatro, salas de aula e o setor administrativo, este último cercado pelos jardins, contando ainda com duas esculturas do artista ítalo-brasileiro Galileo Ugo Emendabili. O convite para o público, que caminha nas ruas, adentrarem o prédio fica por conta do Jardim de Esculturas fixas, todas frutos de doações de seus criadores, obras que convivem ao lado do grande vão central, que une o nível da avenida Europa ao bloco que abriga o setor administrativo. Esta estrutura suspensa em concreto protendido é, certamente, um dos mais extensos do país e lembra bastante o vão projetado pela arquiteta Lina Bo Bardi para o prédio do MASP. O seu diferencial fica por conta de sua funcionalidade: dentro de sua estrutura se abrigam materiais utilizados pelo MuBE para suas atividades aos finais de semana. Tudo que foi citado até agora é fruto de observação pessoal, com pouca influência de leituras externas. Porém, como única referência, recorri a um livro biográfico sobre o Paulo Mendes da Rocha, para elucidar algumas dúvidas sobre o prédio que é, também, o meu local de trabalho. Como eu deveria saber um pouco mais sobre ele, para melhor trabalhar aos meus alunos, fui à frente na pesquisa e tive acesso a informações bem interessantes como, por exemplo, o porquê da torre de luz do pátio das esculturas se parecer tanto com as mesmas torres de estádios de futebol, sendo assim bem diferentes do que se costuma usar para iluminação de obras artísticas externas. Paulo teve acesso a essa estrutura de luz, certamente, quando concebeu o projeto do estádio de futebol Serra Dourada, em Goiás. De lá, então, sua observação acerca do alcance desse formato de torre (com sua iluminação garantida em diversos pontos num grande raio de extensão) acabou se tornando, certamente, uma contribuição que atravessou o tempo em seu fazer arquitetônico, sendo muito bem utilizada no projeto do MuBE. De fato, uma vez acesa, e com os refletores devidamente apontados para

diferentes pontos do terreno ao seu redor, a iluminação garante uma boa visibilidade para as obras à noite. O piso externo do MuBE é todo segmentado em blocos de concreto autônomos, com espaços vazios entre si, cuja função é reciclar a água das chuvas, recolhendo-a e redirecionando- a para os espelhos d água, que se situam na parte superior (na esquina do prédio, ao lado de algumas esculturas) e na parte inferior num lago improvisado ao lado do bloco administrativo. Apesar de se chamar museu de escultura, o prédio do MuBE absorve diversas linguagens artísticas e esse seu predicado é muito influenciado pelo olhar visionário do Paulo Mendes da Rocha, que o concebeu como algo que poderia ser multiuso. O espaço dedicado à Pinacoteca pode receber tanto pinturas, como fotografias, exposições com formatos vários, assim como perfomances e vernissages. O Grande Salão recebe diversas exposições de esculturas, pinturas, assim como eventos diferenciados. Todo esse espaço interno é cercado por corrimões de metal, cuja leveza é extremamente elogiada por diversos alunos de arquitetura que visitam o MuBE; tanto na parte interna, como também nas escadas no setor externo, eles desempenham uma função de segurança e limitação de espaço de uma maneira muito discreta, como se não estivessem ocupando o lugar que eles ocupam. Em termos gerais, o MuBE é, definitivamente, um dos prédios mais interessantes para se se estudar em arquitetura. Muitas são as lições que se extraem através de um olhar mais atento a essas gigantes gavetas arquitetônicas criadas pelo Paulo Mendes da Rocha. Anexos- Fotos do Mube por Talles Lucena.

Foto 1 Vão do Mube. À direita, o pátio das esculturas, com acesso ao jardim do Burle Marx. À esquerda, espelho d água com obras em volta. Nível superior. Foto 2 Visão do vão completo, ligando o nível superior à esquerda ao bloco administrativo à direita. Foto 3 Espelho d água do nível superior. Esquina da avenida Europa com rua Alemanha. Foto 4 detalhe do caráter funcional do vão, que também funciona como depósito.

Foto 5 Esculturas de Galileo Ugo Emendabili. Espelho d água situado ao lado da pinacoteca e setor administrativo.