EFEITOS DE ELASTICIDADE EM ESCOAMENTO ATRAVÉS DE CONTRACÇÃO PLANA

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Transcrição:

MÉTODOS COMPUTACIONAIS EM ENGENHARIA Lisboa, 31 de Maio 2 de Junho, 2004 APMTAC, Portugal 2004 EFEITOS DE ELASTICIDADE EM ESCOAMENTO ATRAVÉS DE CONTRACÇÃO PLANA Manuel A. Alves*, Paulo J. Oliveira** e Fernando T. Pinho*** * Departamento de Engenharia Química, CEFT, Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto Rua Dr. Roberto Frias, 4200-465 Porto, Portugal e-mail: mmalves@fe.up.pt, web http://www.fe.up.pt/~mmalves/ ** Departamento de Eng. Electromecânica; Universidade da Beira Interior 6201-001 Covilhã, Portugal e-mail: pjpo@ubi.pt, web http://demnet.ubi.pt/~pjpo/ *** Centro de Estudos de Fenómenos de Transporte Departamento de Engenharia Mecânica, Universidade do Minho Campus de Azurém, 4800-058 Guimarães, Portugal e-mail: fpinho@dem.uminho, web http://www.dem.uminho.pt/people/ftp/ Palavras-chave: Elasticidade, Contracção Plana, Tipos de Vórtices, Reologia Computacional. Resumo. Resultados experimentais mostram que, quando um líquido viscoelástico flui através duma contracção, ocorrem fenómenos muito interessantes que não se verificam quando o fluido é desprovido de características elásticas. Entre os fenómenos de interesse, verifica-se o aparecimento de grandes vórtices a montante da contracção cujo tamanho aumenta com a elasticidade do fluido. Observa-se experimentalmente que, para determinadas condições (geométricas, como seja a razão de áreas da contracção, e reológicas, respeitantes às características do fluido), o aumento dos vórtices segue um mecanismo tipo "vórtice de entrada": aparece um pequeno vórtice à entrada para a conduta menor (lip vortex), que aumenta com a elasticidade até se tornar preponderante relativamente ao vórtice típico do canto. Noutros casos, ocorre simplesmente um aumento do vórtice de canto. Neste trabalho faz-se um estudo numérico deste tipo de fenómeno, comparando-se os resultados das simulações com visualizações experimentais efectuadas por outros autores, para várias razões de contracção e parâmetros de elasticidade. Mostra-se que a complexa topologia do escoamento é bem descrita pela simulação numérica e os dois tipos de mecanismo responsável pelo aumento dos vórtices, visíveis nas experiências, são também reproduzidos pelas simulações. 1

1. INTRODUÇÃO O projecto de cabeças de extrusão tem grande relevância prática no processamento de polímeros fundidos. Frequentemente os fluidos usados possuem comportamento não newtoniano, e em certos casos características viscoelásticas. O escoamento em contracções surge assim naturalmente como um protótipo simples usado em reologia computacional dada a sua relevância prática aliada a uma simplicidade do ponto de vista geométrico. O escoamento de fluidos viscoelásticos em contracções tem já uma longa história, com cerca de 3 décadas, quer sob o ponto de vista experimental, quer numérico. A este respeito, em 1988 foi estipulado que a geometria com uma razão de contracção 4:1 deveria ser considerada como problema de referência em reologia computacional [1], para escoamento laminar em regime de Stokes. A escolha da razão 4:1 baseou-se em grande parte no facto desse parâmetro não ter uma influência decisiva no padrão de escoamento observado com fluidos newtonianos para geometrias com razão de contracção superior a 4. Contudo, observações experimentais recentes [2,3] demonstraram que o escoamento de fluidos com comportamento elástico é fortemente dependente da razão de contracção, mesmo em condições de inércia desprezável. Neste estudo pretende-se analisar numericamente a influência da razão de contracção no padrão de escoamento de um fluido viscoelástico cujo comportamento reológico é descrito por um modelo diferencial do tipo PTT [4]. A previsão do escoamento é efectuada com um algoritmo baseado no método dos volumes finitos, o qual já foi testado com sucesso em diversos trabalhos anteriores (e.g. [5-9]) na modelação do escoamento de fluidos viscoelásticos descritos por diversos modelos constitutivos diferenciais. Na próxima secção descrevem-se as principais características do método numérico, seguindo-se uma breve descrição da geometria em estudo assim como a identificação dos parâmetros adimensionais relevantes. Posteriormente apresentam-se os resultados numéricos, assim como comparações com visualizações experimentais do escoamento numa contracção plana 16:1, terminando-se com a apresentação das principais conclusões deste estudo. 2. METODOLOGIA DE CÁLCULO NUMÉRICO 2.1. Equações de governo O comportamento de um fluido viscoelástico em escoamento é descrito matematicamente pelas equações de conservação da massa, u = 0 (1) de quantidade de movimento, u T ρ + ( = p + ηs ( ) + t uu) u + u τ (2) e uma equação constitutiva reológica adequada que traduza a tensão polimérica, τ. Neste 2

trabalho escolheu-se o modelo PTT, τ T T λ + ( ) + f ( ) = ηp( + ) + λ( + ) t uτ τ τ u u τ u u τ (3) em que a função da tensão é dada por uma relação linear no traço da tensão ( Tr( τ )), na forma proposta em [4]: λε f ( τ ) = 1+ Tr( τ ) (4) η Nas equações (1) a (4) u representa o vector velocidade, p a pressão, ρ e λ a massa volúmica e o tempo de relaxação do fluido, η s a componente newtoniana (constante) da viscosidade (variável) do fluido, η p um parâmetro do modelo PTT (que representa a componente polimérica da viscosidade para baixas taxas de deformação), e ε um outro parâmetro do modelo PTT, que influencia fortemente o comportamento do fluido em escoamento extensional. A equação constitutiva descrita pelas Eqs. (3) e (4) simplifica-se no modelo de Oldroyd-B para o caso ε = 0, e no modelo convectivo superior de Maxwell (vulgarmente designado por UCM, acrónimo de Upper-Convected Maxwell) para ε = η s = 0. O modelo de fluido newtoniano é recuperado para o caso λ = 0. 2.2. Metodologia de volumes finitos O conjunto das equações anteriores é resolvido numericamente usando uma metodologia de volumes finitos. Para uma descrição detalhada da estratégia de cálculo sugere-se a consulta das referências [5] a [10]. De forma resumida podem identificar-se as seguintes particularidades do método de cálculo numérico: (i) são usadas malhas colocadas, sendo todas as variáveis calculadas nos centros dos volumes de controlo (células) que constituem a malha computacional; (ii) é usado um método especial para garantir um forte acoplamento entre os campos das variáveis dependentes: u- p -τ (velocidade/pressão/tensão); (iii) a discretização espacial é efectuada com esquemas de diferenças com precisão numérica de 2ª ordem. Este assunto foi discutido em detalhe nas Refs. [5], [7] e [8], não sendo por essa razão aqui novamente apresentado. De salientar que a discretização do termo convectivo da equação constitutiva é efectuada com um esquema de alta resolução proposto pelos autores num trabalho anterior [8], onde se demonstra a sua elevada precisão numérica e boa convergência iterativa. As equações (1) a (3) são discretizadas, linearizadas e transformadas em sistemas de equações algébricas que relacionam os valores de cada variável dependente no centro das células com os respectivos valores nos centros das células vizinhas. Os termos inerciais das Eqs. (2) e (3) são incluídos no processo de discretização, sendo a solução de estado estacionário obtida por um processo iterativo de avanço no tempo. A discretização dos termos inerciais é efectuada com um método de Euler implícito de 1ª ordem, não havendo assim qualquer restrição no passo de integração temporal, dado que apenas se pretende obter a p 3

solução de estado estacionário. O campo de pressão é obtido a partir da equação da continuidade usando uma versão ligeiramente modificada do algoritmo SIMPLEC, o qual é adaptado à utilização de uma marcha temporal e à inclusão da equação constitutiva viscoelástica (para uma descrição mais detalhada sugere-se a consulta da Ref. [5]). 2.3. Definição do problema e malhas computacionais A geometria em estudo é apresentada esquematicamente na Figura 1, onde são definidas algumas das variáveis de interesse. A razão de contracção (CR) é um parâmetro importante no padrão global de escoamento, sendo definido por H1 CR = (5) H em que H 1 representa a semi-largura do canal de montante, e H 2 a semi-largura do canal de jusante (de menor dimensão). Os restantes parâmetros adimensionais que caracterizam completamente este escoamento são a razão de viscosidades, β ηs / η0, o parâmetro extensional do modelo PTT, ε (em todos os cálculos é usado o valor ε = 0.25, característico de polímeros fundidos ou de soluções poliméricas concentradas), o número de Débora, λu 2 De = (6) H e o número de Reynolds, Re 2 2 ρuh 2 2 = (7) η0 sendo U 2 a velocidade média no canal de jusante e η ( ) 0 ηs + ηp a viscosidade total a baixas taxas de deformação. Dado que a viscosidade dos fluidos viscoelásticos é geralmente elevada, os escoamentos com relevância prática ocorrem normalmente em condições de baixo número de Reynolds. Assim, neste trabalho considera-se a situação limite Re = 0, que é imposta por anulação do termo convectivo ( ρ ( uu) ) das equações de conservação da quantidade de movimento (Eq. 2). Como existe simetria do escoamento relativamente ao plano central, apenas se considera a metade superior da contracção (o plano central é considerado uma fronteira de simetria), reduzindo-se assim para cerca de metade os tempos de cálculo e os requisitos computacionais em termos de memória. A principal desvantagem desta simplificação reside na impossibilidade de se preverem eventuais assimetrias no escoamento induzidas por efeitos elásticos, assim como eventuais escoamentos não estacionários. Dado que são alcançadas soluções numéricas para valores elevados da elasticidade do fluido torna-se necessário utilizar condutas com dimensão longitudinal extremamente elevada. Para tal, foram geradas malhas computacionais com comprimentos adimensionais L1/ H 2 e L 2 / H 2 iguais a 2500 (em certos casos chegaram a ser usados comprimentos superiores, em particular para as razões de contracção mais elevadas e para os valores de De 4

superiores). Desta forma é possível garantir um desenvolvimento completo dos perfis de velocidade e tensão, evitando qualquer influência nefasta das condições fronteira (quer de entrada, quer de saída) nos resultados junto ao plano da contracção. Na Figura 2 apresenta-se um detalhe da malha junto ao canto reentrante, para o caso CR = 10. Observa-se um maior refinamento da malha junto ao ponto singular (canto reentrante), onde são esperados os maiores gradientes de tensão. As células adjacentes ao canto reentrante têm uma dimensão de δxmin = δymin = 0.02H2. Para as restantes razões de contracção analisadas neste estudo, o refinamento junto ao canto reentrante é semelhante ao ilustrado na Figura 2. L 1 2500H 2 x R L 2 2500 H 2 Entrada U 1 H 1 Canto reentrante y x Plano de simetria H 2 U 2 Figura 1. Ilustração da geometria em estudo. ZOOM Figura 2. Ilustração da malha computacional, junto ao canto reentrante, para o caso CR=10. 5

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO Nesta secção apresentam-se os resultados numéricos para o escoamento de Stokes em contracções planas para diferentes razões de contracção. Nas Figuras 3, 4 e 5 apresentam-se os padrões de escoamento obtidos para CR = 4, 20 e 100, respectivamente. O fluido considerado nas simulações é descrito pelo modelo PTT linear, tendo sido usados os parâmetros ε = 0.25 e β = 1/9, em sintonia com estudos anteriores (e.g. [11]). O número de Reynolds considerado nas simulações é nulo, e a variação do número de Débora é obtida por alteração do tempo de relaxação do fluido, λ. Comparando os resultados apresentados nas Figuras 3 a 5, obtidos para diferentes razões de contracção, observa-se uma influência decisiva desse parâmetro no padrão de escoamento. Por exemplo, para a contracção 4:1 verifica-se um crescimento do vórtice de canto sem surgir um vórtice de entrada. Para as contracções 20:1 e 100:1 também se observa um crescimento do vórtice de canto com o aumento da elasticidade surgindo, para valores de De moderados, um vórtice de entrada que acaba por dominar o escoamento para valores de elasticidade elevados. Estes resultados demonstram que a escolha da contracção 4:1 para problema de referência em reologia computacional talvez não tenha sido a mais acertada, já que foi baseada na suposição (errada) de que a razão de contracção deixaria de ser importante para valores de CR 4. Nigen e Walters [3] também chegaram a esta conclusão com base em visualizações experimentais do escoamento de fluidos viscoelásticos em contracções planas com diferentes razões de contracção. Efectuando um elevado número de simulações numéricas em contracções planas com diferentes razões de contracção foi possível obter um mapa de padrões de recirculação, onde se distinguem as regiões em que existe apenas um vórtice de canto, um vórtice de entrada, ou uma combinação destes dois tipos de recirculação. Esse tipo de mapa é apresentado na Figura 6, em função de De / CR e de De, demonstrando-se que o vórtice de entrada aparece a um valor de De aproximadamente constante, enquanto que a fusão de ambos os vórtices ocorre a um valor de De / CR constante (para valores de CR 20, aproximadamente). As Figuras 3, 4 e 5, ilustrativas do padrão de escoamento de um fluido PTT linear numa contracção plana 4:1, 20:1 e 100:1, respectivamente, demonstram uma elevada (e inesperada) semelhança com as visualizações efectuadas por Evans e Walters [2] para o escoamento de um fluido viscoelástico reofluidificante (solução aquosa de poliacrilamida a 1% w/w) em contracções planas 4:1, 16:1 e 80:1. A escolha dos parâmetros do modelo PTT usado nas simulações numéricas ( β = 1/9, ε = 0.25 ) foi, tal como já referido, baseada em estudos numéricos anteriores (e.g., [11]), não tendo havido a intencionalidade de modelar o comportamento reológico de nenhum fluido real. Curiosamente, as principais características observadas experimentalmente por Evans e Walters [2] são reproduzidas com boa precisão nas simulações numéricas efectuadas com o fluido PTT linear, nomeadamente: (i) Inexistência de um vórtice de entrada para o escoamento na contracção plana 4:1; (ii) Mecanismo de crescimento do vórtice de canto intimamente associado ao crescimento do vórtice de entrada, para as razões de contracção mais elevadas; 6

(iii) Coexistência de um vórtice de entrada e de um vórtice de canto numa determinada gama de De, apenas para as razões de contracção mais elevadas; (iv) Existência de um vórtice de entrada de elevada dimensão, e cujo centro de recirculação se situa junto à entrada do canal a jusante, para razões de contracção elevadas e para valores de De também elevados. Dada a semelhança observada entre os padrões de escoamento previstos numericamente com o fluido PTT linear e as visualizações efectuadas por Evans e Walters [2], foram efectuadas simulações numéricas adicionais para as condições das referidas experiências, de forma a permitir uma comparação mais quantitativa. As curvas da viscosidade de corte e da primeira diferença de tensões normais medidas em [2] permitiram estimar os seguintes parâmetros para o modelo PTT linear: λ = 2s, ε = 0.25, η = 2.5 Pa. s e β = 1/120. A 0 comparação entre as funções materiais do modelo PTT linear e as medições experimentais apresenta-se na parte superior da Figura 7, onde também é feita uma comparação entre as linhas de corrente previstas numericamente para o escoamento numa contracção plana 16:1, e as visualizações efectuadas por Evans e Walters [2]. As simulações numéricas reproduzem com excelente qualidade os padrões de escoamento observados experimentalmente, demonstrando-se assim a aplicabilidade do modelo PTT na modelação numérica de escoamentos viscoelásticos complexos. É de facto notável que a versão simplificada deste modelo, com apenas um único modo, possa reproduzir de forma quase quantitativa os escoamentos complexos que se observam nas fotografias reproduzidas na Figura 7, com interacções entre vórtices duplos (de canto e de entrada) seguido de crescimento da bolha de recirculação. O uso do termo quantitativo deve-se à correcta previsão da dimensão das recirculações, assim como da gama de caudais correspondente à existência de certas peculiaridades no padrão de escoamento (por exemplo a coexistência dos dois tipos de vórtices). 7

Newtoniano (De = 0) 1 0.9 0.8 0.7 0.6 0.5 0.4 0.3 0.2 0.1 De = 5 De = 100 De = 2 De = 50 De = 10 De = 1 De = 20 Figura 3. Padrão de escoamento de um fluido PTT linear (β = 1/9; ε = 0.25) numa contracção plana 4:1. 8

De = 0 (Newtoniano) De = 50 De = 5 De = 100 De = 20 De = 250 Figura 4. Padrão de escoamento de um fluido PTT linear (β = 1/9; ε = 0.25) numa contracção plana 20:1. 9

De = 5 De = 100 De = 20 De = 250 Figura 5. Padrão de escoamento de um fluido PTT linear (β = 1/9; ε = 0.25) numa contracção plana 100:1. 10

120 (a) 100 CR 80 60 40 Vórtice de canto Vórtice de canto + LIP + CORNER VORTEX vórtice de entrada Vórtice de entrada 20 0 0.01 0.1 1 10 De/CR 120 (b) 100 CR 80 60 Vórtice de canto LIP + CORNER Vórtice VORTEX de canto + vórtice de entrada Vórtice de entrada 40 20 0 0.1 1 10 100 1000 De Figura 6. Identificação das regiões em que se observam diferentes tipos de vórtices: (a) Mapa CR- De/CR; (b) Mapa CR-De. 11

Manuel A. Aves, Paulo J. Oliveira e Fernando T. Pinho (a) 1000 η (Pa.s) 1 N1 (Pa) 0.1 100 0.01 10 1 10 100 γ (s -1 ) 1000 Q = 2.63 cm3/s Q = 0.6 cm3/s (b) Figura 7. Escoamento numa contracção plana 16:1 de uma solução aquosa de poliacrilamida a 1% (w/w). (a) Funções materiais em escoamento de corte simples e comparação com a previsão do modelo PTT linear. (b) Comparação entre as linhas de corrente previstas numericamente e visualizações experimentais. (Nota: as fotografias apresentadas são reproduzidas de Evans e Walters [2] com permissão da Elsevier). 12

Q = 5.9 cm3/s Q = 4.63 cm3/s Q = 3.7 cm3/s Manuel A. Aves, Paulo J. Oliveira e Fernando T. Pinho Figura 7- Conclusão (Nota: as fotografias apresentadas são reproduzidas de Evans e Walters [2] com permissão da Elsevier). 13

REFERÊNCIAS [1] O. Hassager, Working group on numerical techniques. Fifth international workshop on numerical methods in non-newtonian flows, Lake Arrowhead, USA, J. Non-Newtonian Fluid Mech., 29, 2-5 (1988). [2] R.E. Evans e K. Walters, Flow Characteristics Associated with Abrupt Changes in Geometry in the Case of Highly Elastic Liquids, J. Non-Newtonian Fluid Mech., 20, 11-29 (1986). [3] S. Nigen e K. Walters, Viscoelastic contraction flows: comparison of axisymmetric and planar configurations, J. Non-Newtonian Fluid Mech., 102, 343-359 (2002) [4] N. Phan-Thien, A nonlinear network viscoelastic model, J. Rheol., 22, 259-283 (1978). [5] P. J. Oliveira, F.T. Pinho e G.A. Pinto, Numerical simulation of non-linear elastic flows with a general collocated finite-volume method, J. Non-Newtonian Fluid Mech., 79, 1-43 (1998). [6] P.J. Oliveira, On the numerical implementation of nonlinear viscoelastic models in a finite-volume method, Numer. Heat Transfer B, 40, 283-301 (2001). [7] M.A. Alves, F.T. Pinho e P.J. Oliveira, Effect of a high-resolution differencing scheme on finite-volume predictions of viscoelastic flows, J. Non-Newtonian Fluid Mech., 93, 287-314 (2000). [8] M.A. Alves, P.J. Oliveira e F.T. Pinho, A convergent and universally bounded interpolation scheme for the treatment of advection, Int. J. Numer. Meth. Fluids, 41, 47-75 (2003). [9] M.A. Alves, P.J. Oliveira e F.T. Pinho, Benchmark solutions for the flow of Oldroyd-B and PTT fluids in planar contractions, J. Non-Newtonian Fluid Mech., 110, 45-75 (2003). [10] M.A. Alves, P.J. Oliveira e F.T. Pinho, On the effect of contraction ratio in viscoelastic flow through abrupt contractions, J. Non-Newtonian Fluid Mech. (2004) Aceite. [11] M. Aboubacar, H. Matallah e M.F. Webster, Highly elastic solutions for Oldroyd-B and Phan-Thien/Tanner fluids with a Finite Volume/Element Method: planar contraction flows, J. Non-Newtonian Fluid Mech., 103, 65-103 (2002). 14