POTENCIAL EDÁFICO DA SERRA GAÚCHA, BRASIL PARA VITICULTURA CARLOS A. FLORES 1, HEINRICH HASENACK 2, ELISEU WEBER 2, ELIANA C. SARMENTO 2 1 Embrapa Clima Temperado, 2 Universidade Federal do Rio Grande do Sul, flores@cpact.embrapa.br RESUMO RESUMEN A produção de vinhos de qualidade é o resultado da interação de fatores do meio e das atividades humanas. Em geral o solo atua como um regulador dos elementos do clima através de suas propriedades: radiação (cor, exposição), temperatura (calor específico), precipitação/aportes de água (granulometria, capacidade de retenção) e evaporação/extração de água (propriedades físicas, porosidade, espessura). Neste trabalho, reside uma busca de critérios objetivos que permitam uma adequada interpretação do potencial edáfico para viticultura da Serra Gaúcha. A partir do levantamento semidetalhado dos solos na escala 1:50.000 da região da Serra Gaúcha foram extraídas as informações de natureza edáfica de cada uma das 62 unidades de mapeamento existentes, com a finalidade de listar aqueles parâmetros considerados mais relevantes para a definição de regiões homogêneas do ponto de vista edáfico em relação à vitivinicultura. Para isto, elaborou-se um quadro guia, que permite o enquadramento de determinada unidade de mapeamento (Classe taxonômica) em uma das classes de potencial edáfico (Preferencial, Recomendável, Pouco recomendável ou Não recomendável) para a vitivinicultura. Os parâmetros de solos utilizados foram: textura, matéria orgânica, fertilidade, profundidade efetiva, relevo, drenagem, espessura do horizonte A e pedregosidade. Com base nesses parâmetros, utilizou-se um Sistema de Informação Geográfica (SIG) para avaliar os polígonos de solos e para espacializar as classes de potencial edáfico. Os resultados somaram 464.259,33 ha na classe Preferencial (34,42%), 311.511,35 ha na Recomendável (23,09%), 24.209,74 ha na Pouco recomendável (1,79%) e 548.980,87 ha na Não recomendável (40,7%). Palavras chave: aptidão vitícola, indicação geográfica, parâmetros edáficos, SIG
Introdução A produção de vinhos de qualidade é o resultado da interação de fatores do meio e das atividades humanas. De acordo com Tonietto & Flores (2004), é necessário avaliar as influências dos fatores permanentes (fatores do meio como o clima e o solo) e das atividades humanas ligadas à produção e a transformação dos produtos da videira (seleção de porta-enxertos, variedades produtoras, sistemas de cultivo, tecnologias de vinificação). O clima é determinante no potencial vitícola das regiões. Manifesta sua influência através de seus elementos, como insolação, temperatura, precipitação, dentre outros. Assim, quando se destaca a importância do clima, da geologia, do relevo ou de qualquer outro fator sobre a qualidade dos produtos gerados, se está reconhecendo indiretamente a influência do solo. É através deste e em particular de suas propriedades, que incidem os fatores do meio sobre a videira e seus produtos (Gómez-Miguel, 1999). O clima é um fator determinante na formação do solo e nas modificações que nele se realizam: a) no perfil (profundidade efetiva e diferenciação dos horizontes); b) nas propriedades físicas (estrutura, porosidade, cor do solo); c) na matéria orgânica (acumulação, humificação, mineralização); d) na solução do solo; e) no ph e f) no complexo de troca, segundo Gómez-Miguel (1999). Em geral o solo atua como um regulador dos elementos do clima através de suas propriedades: radiação (cor, exposição), temperatura (calor específico), precipitação/aportes de água (granulometria, capacidade de retenção) e evaporação/extração de água (propriedades físicas, porosidade, espessura). Além de possibilitar a gestão da produção vitivinícola (escolha de áreas adequadas para cultivo, eleição dos fatores humanos adequados como porta-enxertos, variedades produtoras, sistemas de manejo), o zoneamento moderno deve conter os elementos técnicos necessários à delimitação de zonas de excelência da produção, onde a tipicidade dos vinhos possa ser percebida pelo consumidor como oriunda da área geográfica de produção, incluindo os fatores naturais e humanos da produção (Tonietto & Flores, 2004). Indicar critérios uniformes para a delimitação de zonas vitícolas é muito complexo, tanto pelo emprego de índices muito distintos como pela utilização de critérios que não são comparáveis entre si. Neste trabalho, busca-se critérios objetivos que permitam uma adequada interpretação do potencial edáfico para a viticultura da Serra Gaúcha. Metodologia O terroir condiciona fortemente as características dos vinhos, podendo-se afirmar que a partir de vários estudos em diferentes zonas vitivinícolas, o cultivo de uma variedade com o uso de uma mesma tecnologia em um mesmo ambiente, garantem qualidade e tipicidade
constante ao produto final. O solo é, portanto, um dos pontos de partida para a definição do potencial vitícola da região da Serra Gaúcha. A metodologia utilizada se concentra na eleição das variáveis com maior influência, identificadas e descritas no levantamento semidetalhado dos solos da Serra Gaúcha (Flores et al., 2007) no prelo, sua caracterização e principalmente a forma de integrá-las através de um ambiente SIG. Os polígonos de solos foram avaliados a partir da sua tabela de atributos, utilizando parâmetros de enquadramento em classes de potencial edáfico, permitindo sua espacialização e o cálculo da superfície de cada classe. A partir do levantamento semidetalhado dos solos na escala 1:50.000 da região da Serra Gaúcha foram extraídas as informações de natureza edáfica de cada uma das 61 unidades de mapeamento existentes, com a finalidade de listar aqueles parâmetros considerados mais relevantes para a definição de regiões homogêneas do ponto de vista edáfico em relação à vitivinicultura. Para isto, elaborou-se um quadro guia (Quadro 1), onde sua análise permite o enquadramento de determinada unidade de mapeamento (Classe taxonômica) em uma das classes de potencial edáfico (Preferencial, Recomendável, Pouco recomendável ou Não recomendável) para a vitivinicultura. Por questões metodológicas, a avaliação restringese ao primeiro componente da unidade de mapeamento. Desta forma, os resultados precisam ser observados com cautela em relação às áreas com potencial para a vitivinicultura da Serra Gaúcha. É necessário ressaltar que a avaliação do potencial vitivinícola das unidades de mapeamento ocorrentes leva em consideração os oito parâmetros, ou seja: quando cinco dos parâmetros são preferenciais, a referida unidade de mapeamento dos solos é enquadrada na classe Preferencial de potencial edáfico. Por outro lado, quando a unidade de mapeamento apresenta um ou mais parâmetros com não recomendáveis, a mesma é enquadrada na classe Não recomendável. Para cada um dos oito parâmetros utilizados foi desenvolvida uma escala qualitativa de potencial, na qual o valor 1 corresponde a ausência de limitação (Classe Preferencial), o valor 2 a limitação moderada, o valor 3 a limitação forte e o valor quatro (4) corresponde à limitação muito forte (Classe Não recomendável). Os parâmetros de solos utilizados (Quadro 1) estão descritos abaixo: Textura do solo: a granulometria está relacionada com as propriedades físicas, químicas, físico-químicas, estado sanitário, temperatura e economia de água. Sob condições de regime hídrico sem irrigação, o solo necessita ser profundo e ter boa capacidade de retenção de água. A videira se desenvolve bem em solos com textura média, soltos e bem s. Profundidade efetiva: as maiores produtividades são obtidas nos solos profundos e férteis, porém, uvas de melhor qualidade são obtidas em solos pobres e menos profundos. O sistema radicular da videira raramente ultrapassa 1,20m e 90% das raízes encontram-se
nos primeiros 60cm de profundidade. As raízes responsáveis pela nutrição encontram-se entre 20 e 60 cm de profundidade. Classes de aptidão edáfica Parâmetros de avaliação da aptidão edáfica para a vitivinicultura na Serra Gaúcha Matéria orgânica horizonte A (%) Drenagem Profundidade efetiva (cm) Espessura horizonte A (cm) Textura Argila total (%) Relevo Fertilidade V (%) P R PR NR Pedregosidade/ Rochosidade Fortemente, acentuadamente ou bem Moderadamente Pedregoso Imperfeitamente ou excessivamente Mal ou muito mal < 2,5 > 120 > 50 15 35 > 2,5 < 3,5 > 3,5 < 5,0 50 120 50 25 30 50 30 15 35 60 (1:1) < 15 > 60 (1:1), Argilosa (2:1) ou siltosa > 5,0 < 25 < 15 Orgânica Plano ou suave ondulado 20 49 Ondulado 50 80 Forte ondulado < 20 e > 80 Presença de sais Ausente ou pouco Muito pedregoso Montanhoso ou escarpado Pedregoso e rochoso Quadro 1: quadro guia para avaliação das unidades de mapeamento do Levantamento Semidetalhado dos Solos da Serra Gaúcha quanto ao Potencial Vitivinícola (P = Preferencial, R = Recomendável, PR = Pouco Recomendável, NR = Não Recomendável) Teor de matéria orgânica do Horizonte A: altos teores de matéria orgânica promovem crescimento vegetativo excessivo e decréscimo na qualidade do produto final. Quanto maior o teor de matéria orgânico, menos recomendável é o solo. Fertilidade: a fertilidade natural do solo é um fenômeno bastante complexo que está relacionado com os fatores extrínsecos, as propriedades físicas e químicas do solo e a existência de determinados elementos nutritivos. Estes, por sua vez, dependem fundamentalmente do material que deu origem a determinado solo. Quanto menor a fertilidade natural, maior a qualidade do produto final. Espessura do Horizonte A: é um horizonte mineral superficial resultante da atividade biológica relativamente intensa, apresentando concentração de matéria orgânica decomposta com perda ou decomposição de componentes minerais. Quanto mais espesso,
maiores são as possibilidades de nutrição e fornecimento de água as plantas. Quanto maior a espessura do Horizonte A, mais eficiente será o suprimento de nutrientes à videira. Drenagem: a principal limitação da drenagem dos solos em relação ao desenvolvimento e produção vegetal não é propriamente o excesso de água, mas sim sua aeração inadequada, pois ela aumenta a resistência da difusão dos gases do solo para a atmosfera e vice-versa. Solos mal s conferem baixo potencial. Relevo: sua ação reflete-se diretamente sobre o clima do solo e sobre a dinâmica da água, tanto superficial como a que transita no interior do solo. O relevo regula o regime hídrico do solo e, conseqüentemente, os fenômenos de percolação interna e ações correlatas bem como nos fenômenos de hidrólise, hidratação e dissolução. Relevo com declividades suaves regulam melhor o regime hídrico do solo. Pedregosidade: a pedregosidade regula a umidade (reduz o processo erosivo, melhora a infiltração de água e funciona como barreira a ascensão capilar) e a temperatura (menor calor específico). A distribuição da pedregosidade e/ou rochosidade estão identificadas nas unidades de mapeamento dos solos onde predominam como fases destas e, geralmente estão associadas a solos rasos e relevo fortemente movimentado. Tanto pedregosidade muito elevada como muito baixa devem ser evitadas. Resultados A videira apresenta uma grande capacidade de adaptação às mais diferentes condições do meio edáfico. Portanto, quando se busca delimitar geograficamente uma dada região, observa-se importantes variações relacionadas aos fatores de formação e, por conseqüência, com os solos aí existentes. É necessário assim, identificar as variáveis com maior influência para poder agrupá-las em zonas mais homogêneas (Figura 1). Neste contexto, é introduzido o conceito de terroir, que constitui uma síntese da influência do ambiente, clima e solo, associado às variedades, numa situação concreta, onde também são considerados os fatores humanos, vitícolas e enológicos. Tabela 1. Superfície das classes de potencial edáfico para a vitivinicultura na Serra Gaúcha. Classe de potencial edáfico Área (ha) Área (%) Preferencial 464.259,34 34,42 Recomendável 311.511,35 23,09 Pouco recomendável 24.209,74 1,79 Não recomendável 548.980,88 40,70 Total 1.348.961,31 100,00
Figura 1. Mapa de potencial edáfico para a vitivinicultura da Serra Gaúcha. Bibliografia GÓMEZ-MIGUEL, V. Influencia de los factores edafoclimáticos em la calidad del vino. UNED. Zamora 26. Gómez, P. (1995) Desarrolo de uma metodologia edafoclimática para zonificación vitícola. Tesis Doctoral. Universidad Politécnica de Madrid, 1999. TONIETTO, J.; FLORES, C. A. Zoneamento edafoclimático da videira no Brasil. In: ENCONTRO NACIONAL SOBRE FRUTICULTURA DE CLIMA TEMPERADO ENFRUTE, 7, Fraiburgo, 2004. Anais... Caçador, Epagri, p.53-58, 2004. FLORES, C.A.F.(Org.); PÖTTER, R.O.; FASOLO, P.J.; HASENACK, H.; WEBER, E. 2007. Levantamento semidetalhado de solos: Região da Serra Gaúcha - Estado do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Editora da UFRGS. no prelo.