O Fluxo Gravitacional de Massa do Vieira, Teresópolis-RJ, Megadesastre de 2011: Descrição e Classificação.

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Transcrição:

O Fluxo Gravitacional de Massa do Vieira, Teresópolis-RJ, Megadesastre de 2011: Descrição e Classificação. Ingrid Ferreira Lima 1 1 DRM, Niterói-RJ, Brasil, lima.ingridf@gmail.com RESUMO: Um Fluxo Gravitacional de Massa com alcance de 7.5km afetou o bairro de Vieira, no Município de Teresópolis/RJ, na noite de 11 para 12 de Janeiro de 2011, causando a destruição de centenas de casas e 86 mortes. Este artigo descreve as principais características do processo destrutivo, com destaque para os dados de campo necessários para sua classificação através dos estudos das fácies sedimentares (registros sedimentares elementares), criando condições para melhor compreender o que pode acontecer no futuro, associado aos processos catastróficos que assolam episodicamente as encostas montanhosas da região. PALAVRAS-CHAVE: Fluxo Gravitacional, Vieira, Teresópolis. 1 INTRODUÇÃO Na noite de 11 para 12 de Janeiro de 2011, entre 21h e 07h, a Região Serrana do Rio de Janeiro foi palco da maior catástrofe da história do Brasil, o Megadesastre de 2011 da Serra Fluminense. Diversos escorregamentos, representados por movimentos de massa generalizados em encostas urbanas e rurais, e ao longo de canais de drenagem que cruzam 07 municípios, deflagrados por chuvas extremas vindas do Norte, deixaram 20.000 desabrigados, resultaram R$ 2 bilhões em prejuízos econômicos, e, principalmente causaram 983 mortes 503 em Friburgo, 358 em Teresópolis, 95 em Petrópolis, 22 em Sumidouro, 04 em São José do Vale do Rio Preto e uma em Bom Jardim (não houve mortos em Areal), (Lima, 2013). Um mês após a catástrofe, o Núcleo de Análise e Diagnóstico de Escorregamentos do Serviço Geológico do Estado do Rio de Janeiro (NADE/DRM) divulgou em www.drm.rj.gov.br, um Relato do Megadesastre de 2011 da Serra Fluminense. Milhares de movimentos de massa com alto poder de destruição foram descritos no relatório, e associados a mecanismos de ruptura e propagação específicos. Esta associação permitiu a classificação dos movimentos de massa descritos na região de acordo com as suas geometrias, seus materiais mobilizados e suas velocidades de deslocamento. O primeiro e mais frequente é definido como o deslizamento planar na parroca, sendo típico da região serrana. Ele se inicia no contato solo/rocha, especificamente no setor de transição da escarpa rochosa para o topo quase plano da encosta, que apresenta condições de saturação da capa de solo e ocorrência de rupturas rasas. O segundo deslizamento mais frequente é também o mais raro, é classificado como translacional. Este tipo é controlado pela subida da poropressão na base dos anfiteatros, e afeta o solo residual jovem que embasa as seções côncavas das encostas suaves. O terceiro mais frequente dos tipos, contudo, é o mais destrutivo. Trata-se dos fluxos gravitacionais de massa (torrenciais, hiper-concentrados ou de detritos), magníficos e destrutivos fluxos viscosos que serpentearam ao longo de vales e drenagens naturais, com raios de alcance da ordem de 10 km ou mais. Os fluxos gravitacionais de massa têm realmente características e propriedades que aguçam o interesse na pesquisa de suas causas e de suas consequências. Isto se deve não só à variabilidade de sua composição, com diferentes concentrações de sedimentos, por vezes limitada a fluxos puros d água, com limitada capacidade de destruição, e noutros, como resultado da incorporação de detritos, adquirindo características de fluido muito denso, com alta capacidade de destruição, mas

também por modificarem suas características ao longo da sua ocorrência. Fluxos gravitacionais podem incrementar seu volume (dilatação) e depois se depositarem em forma de lóbulos com superfícies irregulares; espalharem-se sobre grandes áreas quando o gradiente da encosta é constante. Além disso, podem ainda mobilizar matacões e grande blocos rochosos dispostos no leito e dos taludes laterais dos canais de drenagem principais, transformando-se em fluxos de detritos, os chamados debris flows. O Megadesastre de 2011 da Região Serrana criou oportunidades excelentes para o estudo dos fluxos gravitacionais de massa. Um total de 10 destes processos, e de grande magnitude, foi contabilizado na região. Com efeitos erosivos e deposicionais, acompanhados dos processos de inundação, a ocorrência dos mesmos impressionou pela escala e pela dimensão, com alguns deles inclusive exibindo feições de retrabalhamento e mobilização de paleodepósitos. Esta realidade permitiu muitos caminhos de pesquisa, dentre as quais, em destaque, o entendimento das relações entre os depósitos atuais e pretéritos, e as formas de relevo atuais e no passado recente. Dentro desta perspectiva, este artigo descreve a fenomenologia do fluxo gravitacional de massa do bairro Vieira, localizado no noroeste do município de Teresópolis, sob o ponto de vista geológico e estratigráfico. Desta forma, discute as feições sedimentares associadas ao fluxo gravitacional identificado e caracterizado e propõe considerações sobre o seu mecanismo de propagação, com a definição de zonas de transporte e zonas de deposição. 2 CONDICIONANTES GEOLÓGICOS E ESTRUTURAIS A área de estudo compreende a bacia do rio Viera, terceiro distrito (Vale de Bonsucesso, bairro de Viera) do município de Teresópolis, definido pelas as coordenadas geográficas de latitude 22 18' 33,11"S e de longitude 42 43' 35,61"W, com altitude média de 1.700 metros. O bairro de Vieira está localizado a partir do km 32 da Estrada Teresópolis-Friburgo (RJ-130). A região compreende rochas graníticas da Suíte Nova Friburgo e rochas gnáissicas da Suíte Cordeiro e Suíte Serra dos Órgãos, onde microdioritos afloram em forma de diques e lentes de tamanho variado, cortando as unidades gnáissicas com contatos irregulares. Veios tardios, estruturas constituídos por veios de quartzo, pegmatitos e aplitos, são comuns. Em termos estruturais a bacia do rio Vieira, apresenta um sistema de fraturas NE- SW e NW-SE, que condiciona deflexões do canal de drenagem, por uma distancia de 1 km, com espaçamento médio da ordem de 30 cm, individualizado blocos e matacões rochosos nos taludes laterais do canal do Vieira, os quais, junto com a fina capa de solo, foram facilmente foram incorporados ao fluxo gravitacional. Isto é absolutamente claro no trecho entre as cotas 1.750 m e 900 m, onde o vale se encontra extremamente encaixado numa zona de falha (figura 1). No baixo curso, observa-se mudança de direção para N25W, onde o canal passa a apresentar larguras maiores e aspecto meandrante. Figura 1: Cabeceira de drenagem do rio Vieira, poucos deslizamentos a montante (Foto DRM). O canal de drenagem é caracterizado por elevado grau de fraturamento, que tem influência direta no acidente estudado. As fraturas com direção N20W a N40E têm relação com a formação de knickpoints, que serviram como barramentos temporários e acabaram por reter o fluxo, aumentando sua energia e potencial destrutivo (figura 2).

pluviométrico chegou a 440 mm. Foram duas marcas de 140 mm/h, uma de 110 mm/hora e uma de 50 mm/hora sem precedentes na série histórica das estações do poder público. Esta estação, apesar de nova, não passa pela calibragem exigida por órgãos públicos, e, por isso, não gera dados oficiais. Este cenário de chuvas confirma os possíveis índices do evento pluviométrico de Megadesastre em Vieira. Figura 2: Alto do grande barramento natural, cota 1.450 m, canyon altamente fraturado (espaçamento centimétrico). 3 FATORES IMEDIATOS E DEFLAGRADORES A análise de dados das chuvas que foram responsáveis pela deflagração dos processos mostra o caráter extraordinário desse evento pluviométrico. Entretanto, pelo fato da localidade de Vieira não contar com estações meteorológicas, não há registro de valores das precipitações da época do acidente para região. Para o município de Nova Friburgo, onde o Instituto Estadual do Ambiente (INEA) recentemente retificou os índices de chuvas dos dias 11 e 12/01/2011, os cenários dos dados pluviométricos do Megadesastre de 2011 da Serra Fluminense revelaram o registro de eventos prolongados, entre 24 e 32 horas, realimentados por Zonas de Convergência (formando nuvens espessas de 70 km com geometria de paralelogramo de largura estendida) e marcados por tempestades de 04 ou 05 horas (com eventuais pulsos de 15 minutos mais críticos), em sequência a antecedentes significativos em 4, 12 dias ou 1 mês, da ordem, como foi o caso, de 88 mm/h a 130 mm/h, 264mm/dia e 300 mm acumulados em 12 dias (DRM, 2012). No entanto, em 21 de fevereiro de 2011, o Jornal O Globo, divulgou dados advindos de um equipamento não oficial da marca americana Davis, no Sítio da Família Bittencourt (distrito de Macaé de Cima, Nova Friburgo), que teriam sido coletados na época do Megadesastre. De acordo com estes dados, em um período de 07 (sete) horas, o índice 4 CARACTERÍSTICAS GERAIS DO FLUXO GRAVITACIONAL DO VIEIRA O fluxo gravitacional do Vieira (FGV) foi zoneado em diferentes estágios de comportamento, baseados na classificação de fluxos gravitacionais de massa de Middleton & Hampton (1973). Esta classificação é adequada para diferentes linhas de pesquisa, pois os autores definem fluxos gravitacionais de sedimentos como um termo geral para fluxos de sedimentos ou misturas sedimentos/fluidos, que fluem sob a ação da gravidade. O FGV apresenta feições nítidas de um fluxo puramente torrencial na sua parte inicial e ao mesmo tempo de transporte significativo de matacões rochosos, além de zonas amplas de deposição de finos, reveladas pelo mapeamento de campo. O fluxo aparentemente contou com diferentes condicionantes e envolveu diferentes fases, passando pelo fluxo de detritos (debris flow) e pelo fluxo de lama (mud flow), provavelmente em diferentes pulsos e, seguindo perto do fim, de fluxo hidráulico (figura 3). Figura 3: Trajetória do fluxo gravitacional do Vieira.

Após romper o barramento natural, existente à cota 1.450 m, o fluxo incorporou detritos acumulados ao longo do canal de drenagem e caracterizou-se como um fluxo de detritos propriamente dito, confinado na zona de falha onde o rio Vieira está encaixado. Com área limítrofe localizada no Campo de Futebol (frente de fluxo de massa), o fluxo liberta-se do confinamento lateral ao chegar à cota 1.200 m. Neste trecho o FGV apresenta comportamento menos coesivo (fluxo de lama) com atuação de alta carga erosiva e pouca concentração de blocos rochosos maiores, por uma extensão de 04 quilômetros. A partir do Hotel São Moritz, RJ-130 km 36, ocorre início da deposição de sedimentos finos e depósitos arenosos extensos e espessos nos leques do canal. A corrida de massa assume então características nitidamente de um fluxo de lama que se estendeu até o Restaurante Linguiça do Padre, entre as cotas 1.000 m e 900 m, onde afunilou em um knickpoint e passou a ter características propriamente hidráulicas (altas velocidades e turbulência), como mostra a figura 4. Figura 4: Zona deposição, altura da lâmina d água neste trecho 3 metros. 4.1 Estudos Sedimentológicos Análises estratigráficas e geomorfológicas de campo são poderosos instrumentos para o reconhecimento da sequência de eventos pretéritos ou recentes operantes na paisagem. Os processos sedimentares geram os depósitos sedimentares, e as suas partes elementares são as fácies sedimentares. Segundo Della Fávera (2001) fácies sedimentar corresponde a conjunto de feições que caracteriza um corpo de sedimentos litificados ou não com características específicas, sejam elas a cor, granulação, estruturas internas, geometria, espessura, fósseis ou paleocorrentes. A compreensão da distribuição das fácies é de extrema importância para a interpretação das condições reinantes durante a formação do depósito. No presente estudo, os atributos utilizados para a classificação das fácies em escala macroscópica foram textura, composição, estruturas sedimentares, dados de granulometria, forma dos depósitos, sistema de transporte, selecionamento das partículas, presença de depósitos não estratificados e composição da matriz dos depósitos, por meio de perfis faciológicos colunares. Os estudos dos registros sedimentares foram elementares na definição e interpretação das fácies, que correspondem às unidades fundamentais das associações de fácies catalogadas ao longo das observações de campo do FGV. Foram descritas 5 fácies principais: (i) Fácies C1: associam-se geneticamente com fluxos de detritos, na cabeceira do rio Vieira os depósitos são constituídos predominantemente por camadas de matacões métricos de gnaisses migmatíticos e granitos, areias médias a grossas mal-selecionadas, areias sem estrutura com lama e clastos líticos até tamanho de seixos, clastos de lama são de até 4cm, retidos, por diques; (ii) Fácies C2: na porção média inferior da encosta, a inclinação diminui e o canal libertase do confinamento lateral, depositando cascalhos suportados por matriz arenosa. A granulometria do arcabouço é variada, constituído de grânulos e seixos subangulosos a subarredondados, com média de 5 cm de diâmetro (figura 5); (iii) Fácies C3: associam-se geneticamente com fluxos de lama resultado da diminuição da inclinação e/ou do conteúdo de água do fluxo, constituída por cascalhos com granulometria variando de grânulos a seixos, na maioria arredondada, de esfericidade baixa a média, suportados por matriz lamosa (silte arenosa); (iv) Fácies Am e (v) Sm: sua gênese esta

associada a depósitos de zona mais distal de fluxos arenosos não-confinados, caracteriza-se por redução da competência ao transporte das partículas maiores com matriz silte argilosa (às vezes caótica). A fácies Am é constituída por areias finas a grossas, maciços, com matriz argilosa. Tem seleção moderada a má, subanguloso a anguloso, com matriz argilosa de composição quartzo feldspática. Esta fácies Am possui camadas tabulares com espessuras decimétricas a métricas. Os clastos de lama são de até 6 cm de diâmetro e geralmente deformado. Já a fácies Sm é composta por silte e argila, de cor amarelada que podem apresentar partículas de grãos de areia e até grãos dispersos, mas isso é pouco comum. das camadas e a pequena quantidade de argila na matriz. A associação de fácies III, representada pelas fácies C2, C3, Am e Sm, é abundante e representa o produto de fluxo de lama nos quais o sedimento é suportado por colisões grão a grão, conduzidos por zonas não confinadas (canais rasos). Já a associação de fácies IV provém de fluxos torrenciais; o sedimento é suportado pelo movimento ascendente da turbulência do fluido. Figura 6: Depósito antigo de corrida, representando porções mais distais do canal. A natureza da matriz que suporta os depósitos é característica de eventos com elevada concentração de sedimentos. Observar as descontinuidades. Figura 5: Fácies C2, grânulos e seixos em matriz arenosa. Quanto à associação de fácies foram identificadas quatro, seguindo padrões como geometria dos corpos, textura, laminação, orientação dos clastos (imbricação), disposição de clastos excepcionalmente grandes, matriz e gradação normal ou invertida (figura 6). A interpretação das associações de fácies, a partir da classificação de fluxos gravitacionais de massa de Middleton & Hampton (1973), permitiu zonar o FGV, com o reconhecimento de quatro associações de fácies, nomeadas I, II, III e IV. As associações de fácies I e II, representadas pelas fácies C1, C3 e Am, são as que constituem o menor volume dos depósitos. As mesmas foram interpretadas como sendo resultantes da deposição de fluxos de detritos (propriamente ditos) em que os blocos rochosos e matacões são suportados pela coesão da matriz, caracterizado por formato canalizado 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Como afirma Mello (1994), toda e qualquer oportunidade de estudo detalhado do breve período Quaternário (e dos depósitos correlatos) deve ser aproveitada e, de preferência, no âmbito de bacias de drenagem, dada a sua importância na modelagem da paisagem. O Megadesastre de 2011 da Região Serrana do Estado do Rio de Janeiro representou uma interessante oportunidade de estudo destes processos e de caracterização dos seus ambientes deposicionais para conhecimento da evolução da paisagem local, com grande controle de campo. Contudo, as opções para escolha do fluxo gravitacional de massa eram muitas. A escolha acabou recaindo no processo destrutivo de grande impacto do vale do rio Vieira, Teresópolis-RJ, primeiro em

função da sua extensão e depois pelo número de mortes associadas 86. O fluxo gravitacional de massa do Vieira atingiu 7,5 km de comprimento, e profundidade média de 4 metros, resultando no alargamento do rio, em alguns pontos de 10 a 20 m para 100 a 150 m de largura. Pontos distantes do local de origem do fluxo foram alcançados, criando novos depósitos com cerca de 4 a 5 metros de espessura. Em algumas seções foi possível identificar a distância percorrida por blocos rochosos transportados a partir de relatos de moradores e fotointerpretação (atingindo aproximadamente 60 m de alcance). O FGV ocorreu devido à combinação de agentes predisponentes e efetivos. Dentre os primeiros, os condicionantes geológicos tiveram influência por vezes decisiva na ocorrência e no mecanismo de propagação da corrida de massa, no que tange a intensa compartimentação estrutural do maciço rochoso, representada por sets de fraturas com direções NE-SW e NW-SE. As falhas e fraturas, de direção NE-SW, controlam estruturalmente o trecho inicial do canal do rio Vieira. E a interseção das famílias de fraturas, que responde pela formação dos blocos in situ e matacões rochosos nos taludes laterais do canal do Vieira, os quais, junto com a fina capa de solo, foram facilmente incorporados à corrida de massa. Isto é absolutamente claro no trecho entre as cotas 1750m e 900m, onde o vale se encontra extremamente encaixado numa zona de falha. Dentre os agentes efetivos e deflagradores, destacam-se o evento pluviométrico intenso iniciado às 21h na noite do dia 11 de janeiro de 2011, que atingiu uma expressiva área do bairro Vieira A região não dispõe de estações meteorológicas e não há registros fidedignos da precipitação pluviométrica durante o evento. Diante dos critérios de classificação através do reconhecimento dos condicionantes geológicos, da leitura do registro sedimentar e da apreciação das características mecânicas o FGV foi zoneado em diferentes estágios de comportamento: fluxos de detritos (propriamente dito), fluxo de lama e fluxos torrenciais de sedimentos. REFERÊNCIAS DRM. (2012) Correlação Chuvas x Escorregamentos no Estado do Rio de Janeiro de Novembro de 2012, 13p. Disponível em: www.drm.rj.gov.br. Acesso em 30 de julho de 2013. Della Fávera, J.C. (2001). Fundamentos de Estratigrafia. EdUERJ, 2001, 264p. Lima, I. F (2013). O Fluxo Gravitacional de Massa do Vieira, Teresópolis-RJ, Megadesastre de 2011: Descrição, Análise das Feições Sedimentológicas e Apreciação das Características Mecânicas. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós- Graduação em Geociências, Faculdade de Geologia, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 89p. Mello, C.L. (1994). Aloestratigrafia e Análise de Fácies: Revoluções na Geologia Sedimentar e o Estudo do Quaternário. Anais Anuário UFRJ 1994. Middleton, G.V., Hampton, M.A., (1973). Sediment gravity flows: Mechanics of flow and deposition. In: Middleton, G.V., Bouma, A.H. (Eds), Turbidites and Deepwater Sedimentation Pacific Section Sepm, Los Angeles, CA, pp. 1-38