MORFOLOGIA E PROPRIEDADES TÉRMICAS DE BLENDAS BIODEGRADÁVEIS A BASE DE SPI E PLA Luciane Calabria, Aline L. Bandeira, Cristiano Giacomelli, Irajá N. Filho, Vanessa Schmidt* * Centro de Ciências Exatas e Tecnologia CCET, Universidade de Caxias do Sul UCS, Caxias do Sul, RS vsgiacomelli@ucs.br No presente estudo, blendas a base de proteína isolada de soja (SPI) e poli(ácido lático) (PLA) contendo triacetina (TA) como plastificante foram preparadas por mistura mecânica. Esta estratégia simples e viável permite a obtenção de materiais biodegradáveis, cujas propriedades mecânicas podem ser melhoradas em relação aos componentes puros admitindo sua aplicação em substituição aos derivados do petróleo. As propriedades térmicas e a morfologia das blendas obtidas foram analisadas por TGA, DSC e MEV em função da quantidade de plastificante (de 5 a 20 %) e dos biopolímeros (SPI e PLA foram usados nas proporções 80/20, 70/30 e 60/40, respectivamente). Na medida em que é aumentada a concentração de TA foi observada uma redução significativa na T g e na T m (30 e 8 o C, respectivamente) do PLA nas blendas contendo altas concentrações de PLA, comprovando o efeito do plastificante na mesma. A homogeneidade do sistema foi comprovada por microscopia eletrônica de varredura, e a revelação de fases em solvente seletivo mostrou que os domínios de PLA estão dispersos em uma matriz porosa e altamente ordenada de SPI. Palavras-chave: blendas poliméricas, proteína isolada de soja (SPI), poli(ácido lático)(pla), propriedades térmicas, morfologia. Morphology and thermal properties of SPI/ PLA biodegradable blends In the present study, soy protein isolate (SPI) and poly(lactic acid) blends containing triacetin (TA) as a plasticizer were obtained using a Haake mixer. This straightforward strategy has allowed the preparation of biodegradable materials from biomass precursors with improved mechanical properties as compared to pure components, thus possibly spreading their use as substitutive materials for petroleum-based plastics. Thermal properties and morphology of blends were analyzed by TGA, DSC, and MEV as a function of the plasticizer amount (5-20 %), and biopolymers composition (SPI/PLA - 80/20, 70/30, and 60/40) in the blend. The results revealed an important reduction in the PLA T m and T g values (30 and 8 o C, respectively) for systems containing high plasticizer and PLA amounts (SPI/PLA 60/40), corroborating the plasticizer effect of TA. A homogenous phase was observed by MEV, and selective chemical etching revealed the presence of a porous, highly ordered SPI matrix in which PLA domains are dispersed. Keywords: polymer blends, soy protein isolate (SPI), poly(lactic acid), thermal properties, morphology. Introdução Atualmente, os materiais poliméricos obtidos por derivação do petróleo são dominantes no mercado mundial, devido as suas excelentes propriedades mecânicas e térmicas, e a sua grande versatilidade. Entretanto, além de o petróleo ser uma fonte de energia cara e não renovável, o passivo ambiental representado pelos materiais derivados de petróleo é muito alto, uma vez que diariamente são descartadas milhares de toneladas de plásticos e afins no meio ambiente. Em adição a reciclagem, uma das alternativas para a redução dos impactos ambientais causados pelo descarte destes materiais é a substituição dos mesmos por polímeros obtidos a partir da biomassa, que além de serem abundantes na natureza, são fontes renováveis e totalmente biodegradáveis. Estes
materiais, conhecidos como biopolímeros ou agropolímeros, incluem polissacarídeos, proteínas e poliésteres, entre outros. Dentre os biopolímeros, a proteína isolada de soja (SPI - Soy Protein Isolate ) tem sido estudada extensivamente, principalmente pela sua competitividade econômica. 1 O Brasil é um grande produtor de soja com uma safra de 59 milhões de toneladas, para uma área plantada de 21 milhões de hectares na temporada de 2007/2008, segundo dados do Ministério da Agricultura. 2 Porém, para determinadas aplicações os biopolímeros são deficientes com relação às propriedades mecânicas. A formação de blendas com outros polímeros e a adição de agentes plastificantes aos biomateriais visa a correção destas deficiências. 3 As proteínas podem ser usadas na indústria farmacêutica e agrícola, assim como na fabricação de embalagens biodegradáveis. Esta é uma área emergente em pesquisa e desenvolvimento de tecnologias, com viabilidade comercial maior do que os polímeros sintéticos convencionais em função das preocupações ambientais já citadas e da biocompatilibidade que os biopolímeros portam. 4,5 No presente trabalho foram preparadas blendas à base de SPI e PLA (poli(ácido lático)) visando a obtenção de materiais biodegradáveis alternativos para uso em embalagens e afins. Em adição ao desenvolvimento do método de preparação, as propriedades térmicas e a morfologia foram analisadas. Experimental Materiais Os seguintes materiais foram utilizados durante o desenvolvimento deste trabalho: proteína isolada de soja (SPI- Supro 500E, Solae), poli(ácido lático)(pla- D2002- NatureWorks) e 1,2,3- triacetoxipropano (TA- Dow Chemical Company). Preparação das blendas Blendas contendo SPI, PLA, TA e H 2 O foram preparadas por mistura mecânica em um misturador de alto cisalhamento. A SPI em pó e o PLA em formato de pelets foram processados juntamente com os plastificantes em câmara de misturas fechada do tipo Haake, na temperatura de 165 C. A velocidade dos rotores foi ajustada em 60 rpm e o tempo de processamento foi de 5 minutos. Desta maneira, foram preparadas blendas de SPI e PLA nas proporções 60/40, 70/30 e 80/20, respectivamente, contendo de 5 a 20% de TA e 8% de H 2 O.
Caracterização As análises de DSC foram realizadas em um equipamento DSD-60 (Shimadzu) utilizando-se 10 ±0,50 mg de amostra em pó, sob atmosfera de nitrogênio (50 cm 3 min -1 ), na faixa de temperatura de 25 a 190 C com taxa de aquecimento de 10 C min -1. Medidas de termogravimetria (TGA) foram realizadas sob atmosfera de nitrogênio (50 cm 3 min -1 ) na faixa de temperatura de 25 a 900 C com taxa de aquecimento de 10 C min-1 em um equipamento TGA-50 (Shimadzu, Japão) utilizando 10 mg de amostra. Imagens das amostras foram obtidas em um microscópio eletrônico de varredura Shimadzu SSX-550. As amostras foram fraturas criogenicamente, fixadas com fita de carbono em suporte e submetidas à metalização em ouro. O equipamento foi operado com um feixe de elétrons de 10 kev. Resultados e Discussão Na presente seção serão apresentados e discutidos os resultados referentes às blendas de SPI e PLA contendo proporções variáveis destes biopolímeros e do plastificante triacetina. Dessa forma, este estudo procura avaliar o efeito das macromoléculas mencionadas (SPI e PLA) e do plastificante (TA) nas propriedades térmicas e na morfologia das blendas por eles formadas. As blendas obtidas foram caracterizadas por análise termogravimétrica (TGA), calorimetria diferencial de varredura (DSC) e microscopia eletrônica de varredura (MEV), conforme apresentado na seqüência. Conforme observado nos termogramas obtido por DSC, resultados apresentados na Tabela 1, a proteína isolada de soja apresenta somente uma transição vítrea (T g ) em 148 o C. Já o PLA, além de apresentar uma T g em 57 o C, sofre uma transição térmica de primeira ordem, ou seja, possui uma temperatura de fusão (T m ) em 145 o C devido a presença de estruturas cristalinas. Contudo, este último evento é dificilmente observado na segunda curva de aquecimento devido a sua massa molar elevada e largamente distribuída, o que dificulta o processo de recristalização após a fusão no primeiro aquecimento. 6
Tabela 1 Resultados obtidos através de análises de DSC para os componentes puros e a blendas. Amostra T g (C) T m (C) SPI 148 - PLA 56,9 145,3 SPI/PLA-60/40 + 5%TA 57,46 149,3 SPI/PLA-60/40 + 9%TA 36,27 141,78 SPI/PLA-60/40 + 16%TA 29,25 142,38 SPI/PLA-70/30 + 5%TA 58,94 150,37 SPI/PLA-70/30 + 9%TA 57,39 148,84 SPI/PLA-70/30 + 16%TA 56,08 148,66 SPI/PLA-80/20 + 5%TA 58,04 149,8 SPI/PLA-80/20 + 9%TA 57,92 149,17 SPI/PLA-80/20 + 16%TA 58,30 150,63 As blendas formadas por SPI, PLA e TA apresentam transições térmicas em duas faixas distintas de temperatura: a primeira correspondendo à transição vítrea do PLA e a segunda correspondendo à fusão do PLA e a transição vítrea da SPI, simultaneamente. A figura 1(A) mostra a variação da T g referente ao PLA nas blendas SPI/PLA/TA em função da quantidade de plastificante (TA) usada na preparação. Conforme pode ser observado, as blendas com maiores teores de PLA na sua composição (SPI/PLA-60/40) sofrem uma redução de aproximadamente 30 o C na T g com o aumento na quantidade de plastificante devido ao aumento da mobilidade da cadeia polimérica proporcionada pelo plastificante. Para as blendas contendo SPI/PLA nas proporções 70/30 e 80/20 uma pequena redução na T g (5 o C e 2 o C, respectivamente) pode ser observada para a mesma quantidades de plastificante. Na Figura 1(B) estão representadas as transições cristalinas (T m ) referentes as PLA nas blendas. A SPI tem estrutura amorfa e, portanto, não apresenta transição cristalina. Mais uma vez, para as amostras contendo SPI/PLA na proporção 60/40 uma alteração significativa na temperatura desta transição (aproximadamente 8 o C) é visualizada para altas concentrações de plastificante. A redução da T g e da T m é significativa nas blendas SPI/PLA-60/40 devido ao alto teor de PLA que sofre, conseqüentemente, um efeito plastificante importante com o aumento na quantidade de TA. Já para os demais sistemas, a adição de plastificante produziu um efeito menos importante devido à redução da fase cristalina passível de plastificação. 7
60 153 55 150 50 T g ( 0 C) 45 40 SPI/PLA 60/40 SPI/PLA 70/30 SPI/PLA 80/20 T m ( 0 C) 147 144 SPI/PLA- 60/40 SPI/PLA- 70/30 SPI/PLA- 80/20 35 30 141 4 8 12 16 4 8 12 16 (A) % TA (B) % TA Figura 1 Temperatura de transição vítrea (T g) (A) e temperatura de fusão cristalina (T m) (B) em função da quantidade de TA presente nas blendas SPI/PLA/TA. As linhas contínuas unem os pontos para melhor visualização. As curvas de decomposição térmica obtidas para os componentes puros usados na preparação das blendas são apresentados na Figura 2. Na curva de decomposição térmica típica da SPI (Figura 2(A)), verificam-se duas perdas de massa importantes. A primeira etapa (até 100 o C) corresponde a eliminação de moléculas de água presentes na SPI. O segundo processo, tendo início em 190 0 C e atingindo a máxima velocidade de decomposição em 309 0 C, correspondente a degradação das diferentes frações protéicas presentes na SPI. Na Figura 2 (B) é apresentada a curva de decomposição térmica referente ao PLA, onde observa-se uma única perda de massa concisa, com temperatura de máxima decomposição em 356 0 C. A curva de decomposição térmica referente a TA (Figura 2 (C)) apresentou uma única perda de massa igualmente concisa, com temperatura de máxima decomposição em 181 0 C.
TG% DTG(mg/min) TG% DTG(mg/min) 100 0.01 100 0.0 0.00 80-0.01 80-0.2 60-0.02 60-0.4-0.03 40-0.04 40-0.6-0.05 309( 0 C) 20-0.06 0-0.07 0 100 200 300 400 500 600 700 Temperatura ( 0 C) (A) 20 356( 0 C) -0.8-1.0 0 0 100 200 300 400 500 600 700 Temperatura ( 0 C) (B) Figura 2 Curvas de decomposição térmica (TG ( ) e DTG (---)) típica para os componentes puros (A) SPI, (B) PLA e (C)TA, medida com velocidade de aquecimento de 10 ºC/min sob atmosfera de nitrogênio. (C) As blendas SPI/PLA/TA, cujas curvas de decomposição térmica são ilustradas na Figura 3, apresentaram uma superposição dos processos de perda de massa dos componentes puros. Com o aumento do teor de plastificante é possível observar um aumento da perda de massa referente ao mesmo (~ 180 o C). Além disto, quando comparadas aos polímeros puros (SPI e PLA) as blendas apresentaram uma ligeira redução ( aproximadamente 5 o C) na temperatura de máxima degradação referente a perda de massa mais importante. Esta redução ocorre devido ao aumento da mobilidade da cadeia polimérica proporcionada pela TA.
DTG(mg/min) 5% (TA) 9% (TA) 305 o C 16 % (TA) 305 o C 304 o C 0 100 200 300 400 500 600 Temperatura ( 0 C) Figura 3 Curva de decomposição térmica DTG ( )para as blendas SPI/PLA-60/40 com diferentes concentrações de plastificante (TA) obtidas com velocidade de aquecimento de 10 ºC/min sob atmosfera de nitrogênio. Na Figura 4 são apresentadas as micrografias eletrônicas de varredura da secção transversal das blendas SPI/PLA/TA 60/40/5 antes (A) e após (B) imersão em CHCl 3. É possível observar que não existe formação ou separação de fases em escala micrométrica para as blendas, porém após revelação de fases usando solvente seletivo para o PLA verifica-se a presença de uma matriz porosa e altamente ordenada de SPI na qual os domínios de PLA estão dispersos como resultado de uma boa adesão interfacial. Resultados semelhantes foram obtidos por Zhang e colaboradores 8 para blendas a base de proteína concentrada de soja (SPC), PLA e glicerol compatibilizadas com poli(2- etil-2-oxazolina) (PEOX). Segundo os autores, este tipo de estrutura pode ser obtido quando a adesão entre as fases é aumentada pela redução da viscosidade da proteína de soja devido à fracas interações intermoleculares. (A) (B) Figura 4 Micrografias eletrônicas de varredura obtidas para a blenda SPI/PLA/TA - 60/40/5 antes (A) e após (B) imersão em CHCl 3. (magnificação de 1000x).
Conclusões A partir das análises térmicas pode-se concluir que a adição de plastificante aumenta a mobilidade molecular e, por conseqüência, há um decréscimo na T g e na T m das blendas. Entretanto, este efeito só é observado nos sistemas onde a concentração de PLA é maior. Este fato pode ser explicado pelo aumento da fase cristalina nas blendas passível de ação do plastificante intermolecularmente. Nas análises de degradação térmica verificou-se que a adição de plastificante e/ou o aumento o teor de SPI não alterou substancialmente as temperaturas de decomposição das blendas, indicando a manutenção das temperaturas das mesmas. Na microscopia eletrônica de varredura foi observada uma boa homogeneidade do sistema, sendo observada uma única fase para as blendas. A revelação de fases através de imersão em solvente seletivo para o PLA revelou a presença de uma matriz porosa e altamente ordenada de SPI na qual os domínios de PLA estão dispersos. Agradecimentos Os autores agradecem à Capes e a Universidade de Caxias do Sul (UCS). Referências Bibliográficas 1. Creighton, T. E. Proteins: Structure and Molecular Properties, W. H. Freeman, New York, 1992. 2. Ministério da Agricultura, www.agricultura.gov.br, acessado em 18/03/2008. 3. V. Schmidt; C. Giacomelli; V. Soldi Polym. Degrad. Stabil. 2005, 37, 25. 4. J. M. Zhang; J. Jane Polymer 2001, 42, 2569. 5. S. Kumbar; A. Kulkarni; A. Dave; T. Aminabhavi J. Appl. Polym. Sci. 2001, 82, 2863. 6. F. Signori; M. B. Coltelli; S. Bronco, Polym. Degrad. Stabil. 2009, 94, 74. 7. J.W. Rhim; J. H. Lee, P. K.W. Ng LWT-Food Sci. Technol. 2007, 40, 232. 8. J. Zhang; L. Jiang; L. Zhu; J. L. Jane; P. Mungara Biomacromolecules, 2006, 7, 1551.