O Globo - RJ 21/06/2011 Opinião 7

Documentos relacionados
Política Social no Brasil e seus Efeitos sobre a Pobreza e a Desigualdade

Fonte: CPS/IBRE/FGV processando os microdados da PNAD/IBGE

POLÍTICAS PÚBLICAS: PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA DISTRIBUIÇÃO REGIONAL DE RECURSOS REFERENTE AO MÊS DE ABRIL/2016

Programa Bolsa Família Desenho, Instrumentos, Evolução Institucional e Impactos. Brasília, 2 de abril de 2014

Bolsa Família: avanços e limites. Entrevista especial com Lena Lavinas

Afro-descendentes no Brasil: combate à pobreza e políticas de ação afirmativa como estratégias de superação das desigualdades de gênero e

Pobreza, Desigualdade e Mudança Social: o legado da Estratégia Brasileira de Desenvolvimento Inclusivo. Paulo Jannuzzi (SAGI-MDS)

Desafios e perspectivas do Programa Bolsa Família

PROGRAMA DE ERRADICAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL NO ÂMBITO DO PLANO BRASIL SEM MISÉRIA

PLANO BRASIL SEM MISÉRIA: DECRETO 7.492, DE 02/06/2011

PPC OU PPP (PURCHASING POWER PARITY)

Agenda de combate à pobreza no Brasil e seu efeito sobre as políticas públicas de educação. Roberta Sousa

cortina de fumaça? O 13º no programa Bolsa Família é mais Folha de São Paulo, 11 de abril de 2019

Discurso de inauguración Eleonora Menicucci

O BPC Trabalho. XIV ENCONTRO NACIONAL DO CONGEMAS Oficina de Operacionalização do BPC Trabalho e BPC na Escola Fortaleza, março de 2012

Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Programa Bolsa Família

IDENTIFICAÇÃO DE ÁREAS DE ESCASSEZ DE PROFISSIONAIS DE SAÚDE

O SETOR PÚBLICO LEITURA OBRIGATÓRIA

UFRRJ-CPDA-OPPA SEMINÁRIO INTENACIONAL POLÍTICAS TERRITORIAIS E POBREZA NO CAMPO E NA CIDADE MESA 3: TERRITORIALIZAÇÃO, POBREZA E EXCLUSÃO

Políticas e programas públicos relacionados aos determinantes sociais da saúde desenvolvidos no Nordeste brasileiro

6. EXEMPLOS DE ESTUDOS RECENTES QUE UTILIZARAM INDICADORES SOCIAIS

Educação como direito de todos (as)

distribuicão O futuro do lixo

Crise fiscal 'engole' programas sociais de Estados

Antropologia: Antônio Ruas: Professor Universitário UERGS, Resolução da OIT 169. Campesinato e agricultura

DESAFIOS PARA A ERRADICAÇÃO DA POBREZA: A QUESTÃO DA EDUCAÇÃO 06/2011. Sérgio Haddad

UM CONFRONTO COM A REALIDADE DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA

O que é o Cadastro Único?

Gasto Social Federal: prioridade macroeconômica no período

Circular 02 - Frente em Defesa do SUAS e da Seguridade Social

Governo de Filipe Nyusi cortou protecção social básica a mais de 38 mil famílias pobres

Marketing nas redes sociais

EDUCAÇÃO NA PRIMEIRA INFÂNCIA E A BNCC

PRIMEIRA INFÂNCIA - CRECHE -

Treinamento em Monitoria e Avaliação para o Governo de Moçambique 27 de fevereiro a 03 de março de 2017 Maputo. Aula 06

Metodologia. PONDERAÇÃO Os resultados foram ponderados para restabelecer o peso de cada região da cidade e o perfil dos(as) respondentes

Entre o Suas e o Plano Brasil sem Miséria: Os Municípios Pactuando Caminhos Intersetoriais. 14º Encontro Nacional do Congemas

- Média de anos de educação de adultos, que é o número médio de anos de educação recebidos durante a vida por pessoas a partir de 25 anos; e

A evolução das políticas sociais brasileiras: do Bolsa Família ao Plano Brasil sem Miséria

[Mobilização Nacional Pró Saúde da População Negra]

Desafios e Oportunidades para o Desenvolvimento da EPT no Brasil até 2024

Prefeitura Municipal de Iramaia publica:

Documento compartido por el SIPI

Integral Desenvolvimento Humano Ltda.

Políticas Sociais no Brasil

DECRETO Nº 7.416, DE 30 DE DEZEMBRO DE 2010

Sistema de Indicadores de Percepção Social (SIPS) Percepção sobre pobreza: causas e soluções Assistência Social

Proposta de Política de Comunicação da Universidade Tecnológica Federal do Paraná

RESPIRE. Vamos acabar com a TB e com a AIDS até 2030

Revista do Curso de Direito

EDUCAÇÃO E SAÚDE. Ciências da Natureza - UNIPAMPA Vanderlei Folmer- Maria Eduarda

Estudo faz balanço de avanços sociais entre 2003 e 2015 e alerta para retrocessos

Programa Bolsa Família e Cadastro Único para Programas Sociais

Acórdão: 2.127/2017-Plenário Relator: Ministro-Substituto Marcos Bemquerer

Planejamento Desenvolvimento Políticas Públicas. Ministério do Planejamento


I. Do Bolsa Família à Renda Básica de Cidadania

1ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE AMBIENTAL

Política de Comunicação da Universidade Tecnológica Federal do Paraná

PRODUTOS ALIMENTÍCIOS

POLÍTICA PÚBLICA SOCIAL? POLÍTICA EDUCACIONAL? UM RETRATO DO PROGRAMA NACIONAL BOLSA ESCOLA

Sputnik, 17 de outubro de 2018

Auditoria no TCU. A contribuição das análises quantitativas. Outubro de 2008

Ind010201RNE - Renda média domiciliar per capita, por ano, segundo Brasil, Região Nordeste, regiões metropolitanas do Nordeste e escolaridade

BOLETIM DO LEGISLATIVO Nº 22, DE 2012

Comunicação A DIFÍCIL ARTE DE PENSAR COMO O CLIENTE

Dimensão e medição da pobreza extrema e a situação social e pobreza extrema no Rio Grande do Sul

POBREZA: conceitos, medidas, políticas sociais. O conceito de habitus e a pobreza intergeracional

CONSTRUINDO O FUTURO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DOS VALES DO JEQUITINHONHA E MUCURI. Diamantina, agosto de 2009.

Controle de natalidade e estrutura etária

PLANEJAMENTO Disciplina: Ensino Religioso Série: 7º ano Prof.:Cristiano Souza 1ª UNIDADE EIXOS COGNITIVOS CONTEÚDOS HABILIDADES

Avanços do Programa bolsa Família em João Pessoa: Uma Questão de Acesso à Saúde para Beneficiários do Programa Bolsa Família

Câmara Municipal de São Paulo Gabinete do Vereador Floriano Pesaro

CONTRIBUIÇÃO SOCIAL E SUA IMPORTÂNCIA PARA O FINANCIAMENTO DA SEGURIDADE SOCIAL

Universidade Federal do Tocantins UFT Disciplina: Empreendedorismo Aluno: Marcelo Claudio Matricula: EMPREENDEDORISMO

Presidente da Unimed JP destaca importância de um planejamento estratégico para garantir uma assistência de qualidade

Desenvolvimento das Competências Socioemocionais no contexto da educação contemporânea

Linha de Cuidado da Pessoa Idosa

REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DE TIMOR-LESTE

Fórum Social Mundial Memória FSM memoriafsm.org

Finanças Públicas. Federalismo Fiscal CAP. 26 STIGLITZ

O desafio da formulação da Política Educacional da Fiocruz

METADE DOS CAPIXABAS TROCARIAM FIXO POR CELULAR

RESOLUÇÃO SES/SUS-MG Nº 3748 DE 16 DE MAIO DE 2013.

Políticas de Distribuições de Renda

FARMÁCIA POPULAR preços populares

Sistema Braille Alfabeto

Nossa pauta de conversa hoje é

Planejamento Estratégico

Brasil Sem Miséria RURAL

O conceito de Trabalho Decente

Veículo: Correio Braziliense Data: 16/11/2016 Seção: Capa Pag.: 01

CONHECIMENTOS SOBRE O IBGE 2009 (IBGE / TÉCNICO EM INFORMAÇÕES E GEOGRÁFICAS E ESTATÍSTICAS / FGV / 2016)

Subsidiar a implementação de um conjunto de ações orientadas para a prevenção e erradicação do trabalho de crianças e adolescentes no estado da

Economia das Redes Empreendedorismo Colaborativo

Plano Rio Sem Miséria e os Caminhos Para o Enfrentamento da Pobreza no Estado do Rio de Janeiro

PLANO DE ENSINO Projeto Pedagógico: Disciplina: Legislação e Política Educacional Carga horária: 80

Município de Gravataí

CARTA DOS TRABALHADORES DO PARANÁ AO CANDIDATO

Uso de dados para desenho de políticas públicas: avanços e limitações

Transcrição:

O Globo - RJ 21/06/2011 Opinião 7

Valor Econômico - SP 21/06/2011 Opinião Capa/A14

Vermelho.org.br 21/06/2011 Brasil 11:30:00 Lena Lavinas: Erradicação da miséria, bons auspícios De lema de campanha a desenho de um programa de ação, nem sempre vinga a transmutação quando se trata de política pública. O diferencial do Plano de Erradicação da Miséria do governo federal, lançado à sombra das disputas políticas da República, é ser corajoso, ambicioso e absolutamente factível. E ainda inovador. É corajoso por reconhecer que milhões de brasileiros e brasileirinhos, embora elegíveis ao Bolsa Família, estavam à margem do direito a uma renda mínima de subsistência. O processamento do Censo de 2010 ainda não permitiu conhecer o número de famílias que, vivendo abaixo da linha de R$ 70 mensais per capita, não recebe nenhum benefício, não tendo direitos elementares assegurados. Pelos dados da Pnad 2009, um terço dos arranjos familiares considerados indigentes não era alcançado pelo programa, algo como 3 a 4 milhões de pessoas. É corajoso revelar com transparência que um dos grandes trunfos de um governo avaliado de forma tão positiva como o governo Lula necessitava de reparos importantes para superar ineficiências horizontais, que geram iniquidades entre os mais necessitados. É ambicioso por afirmar que a intersetorialidade é a mola mestra da política social e por ter como meta implementá-la de fato. Deixa para trás os controles tão pouco efetivos à frequência escolar e às visitas aos postos de saúde que o Bolsa Família mantém para promover a aquisição de dotações, que são a fragilidade maior de quem é pobre. Renda é indispensável em uma economia de mercado -e as externalidades positivas dessa política tornaram-se incontestes aos olhos dos mais reticentes na crise de 2008/2009. Porém, como nos ensinou Amartya Sen, é igualmente necessário ser capaz de transformar renda em bem-estar, dotações básicas em meios de vida.

Não se convertem automaticamente bens primários como educação elementar ou outras acessibilidades em capacidades e habilidades para viver autônoma e livremente. O compromisso da nação em assumir o desafio de ampliar essas dotações básicas é o DNA do novo plano. É factível, pois o Brasil conta hoje com institucionalidade, no âmbito do nosso sistema de seguridade social, que garante meios para tornar efetivas tais práticas. O Suas (Sistema Único de Assistência Social) acaba de ser aprovado no Senado, novamente na total ignorância dos brasileiros, que desconhecem os marcos legais de intervenção de que dispõem para forjar uma sociedade mais justa e igualitária, liberta da miséria. Mobilizar os Centros de Atendimento da Assistência Social na busca ativa, ampliar e fortalecer o Programa Saúde da Família, operando na inclusão, criar oportunidades por meio da descoberta de formações ou mesmo apenas em um aprendizado mais constante das letras e dos números para quem nem conseguia perceber as grandes mudanças recentes do país, tamanha sua exclusão, é pouco e ao mesmo tempo um gigantesco desafio. Tornar melhores e operacionais nossas próprias estruturas de intervenção, valorizando os servidores na sua prática cotidiana territorializada, é uma grande transformação, desta feita salutar. Finalmente, é inovador porque consegue levar em consideração a realidade de cada rincão deste país na articulação de necessidades e oportunidades. Não é tarefa fácil, toma tempo, energia e não vai custar tão barato como se apregoa. Oferecer oportunidades é muito mais caro e trabalhoso do que apenas prover um auxílio monetário que garante consumir um pouco mais do mesmo. Trata-se agora de prover aquilo cuja ausência e o não acesso são o alimento da miséria. Seria uma lástima se nós, brasileiros, mais uma vez, desconhecêssemos o que está em curso. Afinal, quem não se orgulha de pensar que seremos finalmente um país rico se formos verdadeiramente um país sem miséria? * é doutora em economia, é professora associada do Instituto de

Economia da UFRJ(Universidade Federal do Rio de Janeiro).