Desenvolvimentismo e meio ambiente: a poluição atmosférica na região metropolitana de Belo Horizonte durante a Ditadura Militar



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Desenvolvimentismo e meio ambiente: a poluição atmosférica na região metropolitana de Belo Horizonte durante a Ditadura Militar ALEXIS NASCIMENTO ARAÚJO Introdução A política econômica desenvolvimentista praticada no Brasil durante o período da Ditadura Militar no Brasil ocasionou uma grande produção industrial que alavancou a economia brasileira no fim dos anos de 1960, até meados da década de 1970. Durante esse período, o estado de Minas Gerais, impulsionado pelos incentivos governamentais, possuir boa disponibilidade energética e concentrar em seu território uma farta disponibilidade de recursos minerais passou por um segundo 1 surto industrial. A Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) contribuiu com grande participação na produção industrial mineira. A maior parcela das indústrias mineiras se concentrou primeiramente na cidade de Belo Horizonte, e a partir de meados da década de 1940 na Cidade Industrial 2, mas não apenas nela como é o caso, por exemplo, da região mineradora do município de Nova Lima. 3 Nas proximidades da Cidade Industrial se pôde sentir os primeiros impactos causados pela grande produção industrial. O ar ali misturado com substâncias resultantes dos processos industriais circulava por grandes áreas, provocava contaminação dos ecossistemas e doenças respiratórias nas pessoas. Desde a década de 1950, a cidade de Belo Horizonte teve que lidar com o vertiginoso crescimento populacional. O sistema de transporte público da capital não acompanhou esse ritmo e entrou em colapso. Em virtude disso, e do favorável momento 1 2 3 Graduado em História/licenciatura na Universidade Federal de Minas Gerais. Apoio: Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais FAPEMIG. O primeiro surto industrial aconteceu no decorrer da década de 1940, mas foi interrompido pelas circunstâncias da Segunda Guerra Mundial. Pólo industrial situado na cidade de Contagem, na divisa com o a de Belo Horizonte. O nome completo da mesma é Cidade Industrial Juventino Dias, mas ficou conhecida apenas como Cidade Industrial. Marshal, 2001, p.19-61. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História ANPUH São Paulo, julho 2011 1

econômico, o automóvel passou a ser o meio de transporte preferido por muitos dos habitantes da cidade. Na transição da década de 1960 para a de 1970, o ar que se respirava em muito locais da região metropolitana estava poluído. Esse era um dos frutos de fontes emissoras industriais e da frota automotiva. Em diversos casos a legislação branda ou inexistente, e a não fiscalização dessas fontes incentivou a permanência da situação de poluição. A péssima qualidade do ar respirado na Cidade Industrial e entorno de Belo Horizonte foi motivo de conflitos e importantes desdobramentos. A população local começou a discutir e agir contra a poluição do ar, como forma de preservar a própria saúde e o meio ambiente que a circundava. A História Ambiental Urbana: uma necessidade para compreender o problema da poluição atmosférica A história ambiental como disciplina dedicada aos estudos históricos do meio ambiente nasceu no início da década de 1970. Através de sua teorização e metodologia se pode sistematizar o problema da poluição atmosférica ocorrido na Região Metropolitana de Belo Horizonte durante o período da Ditadura Militar. Com sua proposta de ampliação de fontes, elementos como estudos sociológicos e ecológicos são utilizados na corrente pesquisa. Esses estudos permitem a compreensão das ações humanas em relação ao meio ambiente e fornecem dados importantes sobre as alterações na fauna e na flora da região. Ao mesmo tempo, os estudos ecológicos permitem que se comparem as ocorrências de poluição atmosférica mineiras com as do restante do planeta. Esses também facilitam o entendimento da maneira como isso afetou os seres humanos, uma vez que os seus sistemas análises o permitem. 4 Abranger fontes de pesquisa e estudos sobre outras regiões se mostra necessário, uma vez que os problemas causados pela poluição atmosférica, não se limitam às suas regiões produtoras e existe grande ocorrência dos mesmos em diversas partes do planeta. Em certos casos, o reflexo de uma ação poluente em um determinado local pode ter seus efeitos surtidos a milhares de que quilômetros de distância. É preciso 4 MELOSI, 2004, p.1-18; WORSTER, 1991, p. 198-214. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História ANPUH São Paulo, julho 2011 2

também a entender a população humana como parte integrante do meio ambiente e analisar o espaço territorial a partir de suas intervenções. Cabe também ao historiador ambiental considerar a cultura em suas as análises, como bem percebeu Worster. A análise dos aspectos sociais devem ser inter relacionadas com os ecológicos ou com os de qualquer outra ciência que possa contribuir para a compreensão dos problemas e de suas consequências, como no caso em estudo, a poluição do ar. 5 A diversidade de fontes como as advindas de periódicos ou dos relatos orais de pessoas que vivenciaram o problema, por exemplo, podem apontar para caminhos que não seriam percebidos somente com a leitura de documentos oficiais. Os últimos, na corrente pesquisa quase não foram produzidos durante o início do problema da poluição atmosférica na RMBH, ou seja, desde os últimos anos da década de 1960. Algo explicado pela falta de órgãos municipais e estaduais que tivessem como demanda os assuntos ambientais. A partir de meados da década de 1970, quando esses órgãos começaram a surgir, a documentação oficial se mostrou mais consistente. Poluição atmosférica: um problema mundial Outras importantes regiões metropolitanas enfrentaram e/ou continuam enfrentando graves problemas relacionados com a poluição do ar, na maioria das vezes causadas por fontes industriais e automotivas urbanas. Em menor parte foram detectados problemas nos ambientes agrários e florestais como, por exemplo, as queimadas. A poluição do ar também é reflexo das políticas industriais escolhidas pelos governos. Diversos exemplos podem ser encontrados na história mundial recente, ou mais especificamente na própria América Latina, como nas regiões metropolitanas da Cidade do México, Pequim, Santiago do Chile e de São Paulo. Entre as décadas de 1970 e 1990, a maioria das grandes cidades da América Central e da América do Sul sofreu grandes aumentos em suas quantidades de veículos automotores, o que foi incentivado em grande parte por sistemas de transportes públicos ineficientes. 6 5 WORSTER, 1991, p. 198-214. 6 LEZAMA, 2003, p. 2; MELOSI, 2004, p. 2-10. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História ANPUH São Paulo, julho 2011 3

Exemplos graves podem ser encontrados facilmente, como o da região metropolitana da Cidade do México, em que desde algumas décadas atrás, o ar se tornou bastante contaminado, sendo este o principal problema ambiental da cidade. Neste local a poluição do ar foi e é causada principalmente pelos carros, indústrias, serviços e fontes naturais. Essa região possui 30 mil indústrias, três milhões de automóveis, e os últimos, em sua maioria fabricada antes de 1982. 7 Em alguns casos, como o da cidade de São Paulo, as condições topográficas e dos ventos devem ser levadas em consideração durante as análises de quem as estuda, pois as mesmas não facilitam a dispersão dos poluentes e favorecem o surgimento do fenômeno da inversão térmica. Mas os dados mundiais ainda são imprecisos, pois poucas cidades possuem sistemas corretos e sistemáticos para medir os índices de poluição atmosférica. 8 Dentre os males causados pela poluição atmosférica no mundo, se podem destacar as doenças respiratórias nas populações humanas e alterações nos ecossistemas. A contaminação do ar atinge igualmente a todos os grupos sociais, pois é impossível delimitá-la em uma dada região. Observa-se que algumas cidades conseguiram a diminuição de alguns contaminantes do ar de acordo com medidas como: rodízio de carros, retiradas de algumas fábricas poluidoras das cidades, como foi o caso da fábrica de cimentos Itaú da Cidade Industrial em Minas Gerais. A qualidade do ar como foco de mobilização da população contra as indústrias da região metropolitana de Belo Horizonte A princípio as chaminés das indústrias foram vistas como símbolos do progresso. Mas com o passar do tempo notou-se que várias delas lançaram na atmosfera partículas danosas ao meio ambiente e à saúde humana. As indústrias de cimento foram implantadas na Cidade Industrial pela abundância de matéria prima nas suas 7 LEZAMA, 2003, p. 2. 8 MELOSI, 2004, p. 4-15. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História ANPUH São Paulo, julho 2011 4

proximidades, e, por uma boa demanda de cimento na crescente região RMBH gerada pela construção civil. 9 A luta contra a maneira poluidora de produzir da CIA de Cimentos Portland Itaú foi motivo de uma grande mobilização da sociedade metropolitana desde os últimos anos dos da década de 1960 até o início dos anos de 1980. O pó expelido pelas suas chaminés, resultante do processo de produção do cimento provocou doenças respiratórias, como a tosse a bronquite em boa parte da população vizinha à fábrica. O que desencadeou inicialmente em reações de protestos. Em tempos de Ditadura Militar a organização de um movimento contrário ao governo da nação se mostrava difícil, mas apesar de este apoiar a industrialização, mesmo que essa gerasse poluição, as manifestações de opiniões contrárias às empresas poluentes aconteceram sem maiores repressões. Moradores da região conseguiram se organizar para protestarem e várias vezes saírem em passeata contra o funcionamento da referida fábrica de cimento. Diversas vezes os cidadãos comuns isoladamente ou organizados em grupos, acadêmicos, políticos, imprensa e padres promoveram ações que visaram à instalação de filtros ou mesmo o fechamento da fábrica, o que se deu em temporariamente em 1975, e em definitivo na década seguinte, quando a mesma foi transferida. 10 Algumas outras indústrias foram classificadas pelos cientistas ou mesmo pessoas interessadas em assuntos ambientais, como poluidoras. Dentre elas estava Mannesmann 11, por causa da propagação de fuligem metálica de tom avermelhado que se misturava ao ar. Em 1978, cinco anos depois do início do problema, essa empresa foi obrigada a instalar filtros em suas usinas. Outro exemplo de empresa considera à época como poluidora é o da fábrica de concreto Redemix. Essa empresa estava situada no bairro da Lagoinha em Belo Horizonte. Durante toda a década de 1970, a mesma foi alvo de mobilizações contrárias ao seu funcionamento por parte de vizinhos. Esses a acusavam de causar problemas como poluição do ar, sonora e entupimento da rede de esgotos. Os moradores do entorno, solicitavam cotidianamente a instalação de filtros de poluição atmosférica. Isso 9 10 11 Marshal, 2001, p.19-61. EM, 1965-1985. Indústria produtora de tubos metálicos e derivados. A mesma foi instalada em 1952 na região do Barreiro em Belo Horizonte. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História ANPUH São Paulo, julho 2011 5

ocorreu primeiramente através de pedidos na própria fábrica, depois os moradores passaram a realizar abaixo-assinados que eram entregues à prefeitura, e ainda recorreram à justiça. A empresa sempre que se declarava não poluente. A prefeitura da cidade, em meados da década, passou a fiscalizar a empresa. Logo foi detectada pelos técnicos da administração municipal, a poluição causada na fabricação do concreto. A exemplo dos moradores da região, a prefeitura municipal pediu a instalação de filtros na fábrica, mas como essa solução não funcionou bem, passou-se a pedir a transferência da mesma. Os graves problemas causados pela poluição culminaram, na passagem da década para a seguinte, na transferência da Redemix para uma região menos densamente habitada do estado, no município de Sete Lagoas, cidade também localizada na região metropolitana. 12 À época não eram inéditos dispositivos de controle da poluição do ar. Na década de 1940, quando a Itaú foi instalada na Cidade Industrial, a indústria concordou com um dispositivo que a obrigava a instalar os filtros de antipoluição do ar. Mas essa medida não foi adotada até que surgissem as pressões, primeiramente por parte dos moradores e empresas vizinhas à fábrica, e secundariamente pelos governos municipais, estadual e federal. Houve intensas e longas discussões entre a população, as indústrias e os órgãos públicos municipais e estaduais, sobre qual seria a maneira de fazer uso do espaço territorial e dos recursos naturais. Isso se deu num contexto de desenvolvimentismo econômico colocado pelos governantes da nação de que o crescimento industrial era a solução para a superação dos graves problemas econômicos, o que fez com que o problema se estendesse por vários anos, com avanços lentos quando comparados com a dimensão do problema. O automóvel, outra fonte poluidora O papel de poluidor da atmosfera também foi atribuído aos gases produzidos pela frota automotiva. A crescente frota de automóveis, com motores pouco eficientes, que circulava com combustíveis fósseis de péssima qualidade era uma das principais 12 EM, 1972-1982 Anais do XXVI Simpósio Nacional de História ANPUH São Paulo, julho 2011 6

causadoras de poluição atmosférica no início da década de 1970. A frota, nessa época chegava ao número de 80 mil unidades na região metropolitana. 13 Esses automóveis foram vistos pela opinião pública e comunidade científica, como uma grande fonte emissora de partículas poluidoras do ar. Como tentativa de resolução desse problema o surgiram ações governamentais como a fiscalização veicular, que foi realizada por parte do Departamento de Trânsito de Minas Gerais (DETRAN-MG), através de inspeções obrigatórias. Mas muitos proprietários de veículos estavam alheios aos problemas causados pela poluição atmosférica, e, pouco antes de levarem seus veículos para a inspeção, se dirigiam até oficinas mecânicas e instalavam em seus veículos peças emprestadas, como forma de burlar a fiscalização. Tais peças eram logo devolvidas após a ação fiscalizadora dos itens referentes à qualidade da fumaça automotiva. 14 Órgãos governamentais, legislação e associações de defesa da natureza Paralelo ao processo poluidor, os governos federal, estadual e municipais começaram a agir em favor da redução da poluição, não apenas a atmosférica, mas a poluição em geral. Com o desenrolar deste e outros problemas ambientais, intervenções, promoção de ações e imposição de restrições foram realizadas, mesmo que não nas medidas necessárias, com o acompanhamento da velocidade em que se poluía, mesmo assim um avanço já era sentido. Para isso foram criados ou contribuíram para a implantação de políticas públicas de proteção à natureza importantes órgãos, como os destacados a seguir: Diretoria de Tecnologia e Meio Ambiente (DTMA). Órgão estadual criado em 1975, que possuía entre outras missões o cuidado com o meio ambiente. Comissão Permanente de Defesa do Meio Ambiente da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, de 1975. Conselho Estadual de Política Ambiental (COPAM). Órgão estadual que teve o início de sua estruturação em 1978, com a criação da Superintendência de 13 EM, 04/06/1970, 1º Cad., p. 5. 14 EM, 20/10/1971, 1º Cad., p. 8; EM, 11/10/1973, 1º Cad., p. 7. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História ANPUH São Paulo, julho 2011 7

15 Ecologia e Engenharia Ambiental e foi efetivamente implantado em 1983. Membros da sociedade civil fizeram contribuições importantes para a implantação do mesmo. Fundação Estadual do Meio Ambiente (FEAM). O COPAM em 1989 foi transformado nessa fundação, que a partir de então passou a gerir as políticas públicas voltadas para o meio ambiente no estado de Minas Gerais. Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SMMA). Secretaria do município de Belo Horizonte que nasceu em 1983 com o objetivo de tratar dos assuntos relativos à preservação do meio ambiente no dito município. Fundação João Pinheiro. Existente desde 1969 contribuiu com importantes estudos ambientais que serviram de referência para o governo estadual. Houve importantes avanços também nas legislações dessas três esferas, das quais se pode destacar: Lei nacional do meio ambiente nº 6938 de 31 de agosto de 1981, que dispôs sobre a política nacional de meio ambiente. 16 Lei Estadual nº 7772, de oito de setembro de 1980, que dispôs sobre a proteção, conservação e melhoria do meio ambiente; bem estar e saúde da população humana. 17 A partir da Conferência de Estolcomo, que discutiu em 1972 os problemas provocados pelas inconsequentes ações humanas sobre o planeta, diversas associações civis de defesa da natureza começaram a surgir no país em defesa do meio ambiente. Em Minas Gerais, na época em estudo, se pode destacar o Centro de Conservação da Natureza (CCN) fundado em 1973 e a Associação Mineira de Defesa do Ambiente (AMDA) nascida em 1978. Ambas as instituições desempenharam papéis importante na defesa da natureza em Belo Horizonte e no estado de Minas como um todo. 15 FEAM 20 ANOS. 16 LF, 6938, 31/08/1981 17 LE, 7772, 08/09/1980. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História ANPUH São Paulo, julho 2011 8

Primeiras conclusões Até o momento se pôde perceber que a questão da poluição atmosférica na região metropolitana de Belo Horizonte trouxe importantes mudanças no cotidiano de sua população. Os habitantes passaram a colocar em discussão e agir contra os problemas causados não apenas pela poluição atmosférica como qualquer outro tipo de poluição. Problemas esses que foram bastante graves durante o período estudado, no que é referente à poluição do ar, como por exemplo, o grande índice de doenças respiratórias na população humana. Além da grande participação popular, com o passar do tempo houve também o envolvimento dos governos na busca por soluções para os problemas. Nota-se que no tempo decorrido no período em estudo, a legislação ambiental no estado de Minas Gerais e no Brasil recebeu importantes avanços no que é referente à proteção do meio ambiente, e, passou a ser mais bem aplicada, o que consequentemente acabou por proteger melhor os ecossistemas e à saúde da população humana. Mas no que foi referente às regras para controle da poluição do ar, se mostraram poucos avanços. Parte considerável do movimento ambiental mundial surgiu nessa mesma época, em virtude de problemas ambientais como o da poluição atmosférica e de encontros regionais e mundiais sobre a defesa do meio ambiente. Nota-se que ao mesmo tempo em que as ações contrárias às ditas fábricas poluidoras cresceu, as reivindicações em prol do meio ambiente foram intensificadas. Referências Bibliográficas CARNEIRO, Éder Jurandir. O Movimento Ecológico de Belo Horizonte. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Minas Gerais, Departamento de Sociologia e Antropologia, 1990, 319p. CERVO, Amado Luiz. História da política exterior do Brasil / Amado Luiz Cervo, Clodoaldo Bueno. 3ª ed. Brasília, Editora Universidade de Brasília, 2008, 359 Páginas. DAVIS, Mike (Tradução de Aluizio Pestana da Costa). Ecologia do Medo: Los Angeles e a fabricação de um desastre. Editora Record. Rio de Janeiro 2001. 469 páginas. Tradução de Ecology of fear Los Angeles and the imagination of disaster, 1998. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História ANPUH São Paulo, julho 2011 9

EAKIN, Marchal C. Tropical captalism: the industrialization of the Belo Horizonte, Brazil. 1st ed. New York, N.Y.: Palgrave, 2001. 269 p. FEAM 20 ANOS - História e Memória. FEAM - Fundação Estadual do Meio Ambiente. 2010. LEZAMA, José Luis. Aire dividido Crítica a La política del aire em El valle do México. México: El Colegio de México, Centro de Estudios Demográficos y de Desarrollo Urbano, 2000. 330 páginas. LOMBORG, Bjorn. O ambientalista cético: Revelando a real situação do mundo. Editora Campus, Rio de Janeiro, 2002. 541 páginas. MELOSI, Martin V.. Effluent America: Cities, industry, energy, and environment. Pittsburgh, U. S. A. University of Pittsburgh Presss, 2001, 325 páginas. Garbage in the cities: refuse, reform, and the environment. Pittsburgh, U. S. A. University of Pittsburgh Presss, 2005, 301 páginas. MOTTA, Rodrigo Patto Sá (organização). Culturas políticas na história: novos estudos. Editora Argvmentvm. Belo Horizonte, 2009. SIMIONI, Daniela (Organização). Contaminación atmosférica y conciencia ciudadana. Impresso nas Nações Unidas, Santiago de Chile. Mayo de 2003. 279 páginas. WORSTER, Donald. Drummond, José Augusto (tradução). Para fazer história ambiental. Revista Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 4, nº 8. 1991, p. 198 215. Jornal de Casa (1979 a 1982) - JC Jornal Estado de Minas (1960 a 1985) - EM Jornais consultados e siglas indicativas Outras fontes Coleção Legislação do Estado de Minas Gerais (LE). Biblioteca Mineiriana, 1965 a 1990. Legislação Federal. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6938.htm Anais do XXVI Simpósio Nacional de História ANPUH São Paulo, julho 2011 10