NA FÍSICA. Cruz,

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Transcrição:

A CONSTRUÇÃO DO CONCEITO DE POTÊNCIA COMO UM CONCEITO UNIVERSAL NA FÍSICA THE CONSTRUCTION OF POWER CONCEPT AS A UNIVERSAL CONCEPT IN PHYSICS José Roberto da Rocha Bernardo 1 Vitor Hugo Duarte da Silva 2, Helena Amaral da Fontoura 3, Deise Miranda Vianna 4 1 Colégio de Aplicação - UFRJ e Programa de Pós Graduação em Ensino de Biociências e Saúde, Instituto Oswaldo Cruz, bernardo.jrr@gmail.com. 2 Instituto de Física - UFRJ e Faculdade de Educação - UERJ, vitorhugoduarte@gmail.com 3 Programa de Pós Graduação em Ensino de Biociências e Saúde, Instituto Oswaldo Cruz, helenafontoura@gavea4.com.br 4 Instituto de Física - UFRJ e Programa de Pós Graduação em Ensino de Biociências e Saúde, Instituto Oswaldo Cruz, deisemv@if.ufrj.br Resumo O presente trabalho se realizou a partir de uma pesquisa sobre o processo de construção da universalidade do conceito de potência em alunos do ensino médio de uma escola técnica estadual do Rio de Janeiro. Foi utilizada a metodologia e o material didático do Laboratório Portátil para o Ensino de Eletromagnetismo (Vianna e Bernardo, 2003). A pesquisa contribuiu para a verificação da eficiência tanto da metodologia quanto do material deste Laboratório, enquanto recursos para o ensino na área de CTS (Ciência, Tecnologia e Sociedade). Procuramos também sugerir mudanças que possam levar à melhoria dos processos educacionais dentro do ensino de ciências. Palavras-chave: Ciência -Tecnologia - Sociedade, Potência, Eletromagnetismo, Educação em Ciências. Abstract The present work uses, as it basis, a research about the process of construction of the universality of the concept of the physical concept of power, using as subjects the students in intermediate levels of a public technical school in Rio de Janeiro. Both the methodology and the didactic content of the Portable Laboratory for Electromagnetism Classes (Vianna e Bernardo, 2003) has been used for the present study. This research has contributed to ascertain the efficiency of the methodology and of the material of the Portable Laboratory as a resource for teaching in CTS- related areas (in Portuguese, Science, Technology and Society ). We have also elaborated some piratical suggestions for enhancing the educational process involving science teaching. Keywords: Science Technology Society, Power, Electromagnetism, Science Education. ATAS DO V ENPEC - Nº 5. 2005 - ISSN 1809-5100 1

INTRODUÇÃO O ensino de Ciências como um campo de investigação se destaca hoje em dia, principalmente, em função do notório fracasso dos alunos e professores e da conseqüente insatisfação com esta realidade. Neste sentido surgem novas propostas de ensino pautadas em recentes trabalhos de pesquisa abordando novas tendências pedagógicas. Para construir o conceito de potência como universal na Física, junto a alunos do ensino médio por meio da socialização do conhecimento, utilizamos um material didático apoiado no enfoque CTS (Ciência, Tecnologia e Sociedade), de tal forma que a aprendizagem pudesse ocorrer em um ambiente de participação guiada (Rogoff, 1990), onde os alunos e alunas aprendem através da participação nas atividades desenvolvidas em comunidades de alunos. Utilizamos o Laboratório Portátil para Ensino de Eletromagnetismo, descrito em Vianna e Bernardo (2003), por ser este apropriado para inserir o indivíduo no processo de aprendizagem, e promover a mudança conceitual baseada no modelo de Novick e Nussbaum (1978), que enfatiza o debate entre as idéias dos próprios alunos, com o professor sendo o mediador deste momento em que o mesmo, ao apresentar evidências que possam refutar as concepções errôneas, induza um conflito cognitivo no aluno como etapa fundamental de seu processo de aprendizagem. OBJETIVO O objetivo das atividades propostas é identificar a aprendizagem dos alunos sobre o conceito de potência, particularmente no que diz respeito ao reconhecimento deste como um conceito universal na Física, através de um material didático pautado na concepção CTS para o ensino de ciências. Ou seja, reconhecer se este material é eficaz em sua utilização na sala de aula. MARCO TEÓRICO Movimento Ciência Tecnologia Sociedade Os efeitos dos avanços científico e tecnológico transformaram a Ciência e a Tecnologia em alvos de muitas críticas nas décadas de 1960 e 1970. Dessa forma, as relações entre Ciência e Tecnologia passaram a ser objeto de debate político e é nesse contexto que emerge, segundo Auler e Bazzo (2001), o denominado Movimento Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS). Do ponto de vista educacional, o Movimento CTS passou a tratar o ensino da Tecnologia como algo indispensável e fundamental, cujo acesso deve ser democratizado a fim de que todo cidadão possa compreendê-la minimamente e não apenas utilizá-la. Essa politização do ensino da Ciência e da Tecnologia produziu desdobramentos nos currículos do ensino médio que buscavam promover a alfabetização científica e tecnológica do cidadão comum. Segundo Angotti e Auth (2001) a concepção de neutralidade da Ciência tem sido utilizada para favorecer fortemente o modelo tecnocrático-político de gestão da educação. Essa visão dogmática de neutralidade está associada ao que Auler e Delizoicov (2001) definiram como perspectiva reducionista da alfabetização científica e tecnológica. Segundo os autores, essa perspectiva favorece a construção de mitos tais como: a superioridade do modelo de ATAS DO V ENPEC - Nº 5. 2005 - ISSN 1809-5100 2

decisões tecnocráticas, a perspectiva salvacionista da Ciência-Tecnologia e o determinismo tecnológico. Os autores sugerem uma perspectiva ampliada de alfabetização científica e tecnológica como alternativa para a superação e desmistificação dos mitos construídos historicamente. A perspectiva de integração do enfoque CTS no sistema educacional português traz características bastante parecidas com as que foram constatadas em outros países do mundo (Martins, 2002). A autora aponta alguns obstáculos à proposta CTS, onde destacamos o problema dos programas escolares que, sendo os instrumentos oficias da política educativa, condicionam o que os professores fazem em sala de aula. A autora destaca ainda a importância dos recursos didáticos, atribuindo a eles o papel de iniciadores dos processos de mudanças nos programas escolares: O ensino das Ciências de orientação CTS necessita de novos materiais que suportem a filosofia que lhe está subjacente... pelo que se tal for conseguido, tais recursos poderão tornar-se um veículo da atualização dos próprios programas (Martins, 2002). Embora no Brasil não tenhamos tido a oportunidade de contar com um grande programa apoiado nas orientações CTS como aconteceu em outros países, vários materiais didáticos e projetos curriculares foram elaborados, incorporando elementos dessa perspectiva (Santos e Mortimer, 2000). Além disso, as discussões sobre a importância de se alfabetizar científica e tecnologicamente nossos cidadãos tem influenciado, ainda que modestamente, a nossa legislação e particularmente os Parâmetros Curriculares Nacionais + (Brasil, 2002). TRABALHO DESENVOLVIDO Produção do Material Didático Inicialmente foi produzido o material, composto por um conjunto de painéis didáticos e funcionais, além de experimentos históricos que se relacionam com a Física desenvolvida no século XIX, mais especificamente, o Eletromagnetismo. O material está centrado em temas problematizados a partir de questões que envolvem aspectos sócio-econômicos, políticos, ambientais e éticos sobre o uso da energia elétrica, sua produção e suas fontes alternativas primárias. O material didático compreende sete painéis de madeira e Eucatex que representam os diversos setores que compõem um sistema elétrico típico em miniatura, onde constam: uma usina geradora, linhas de transmissão e distribuição, subestações transformadoras elevadoras e rebaixadoras e uma residência com os seus eletrodomésticos mais comuns. Além dos painéis, são elementos integrantes do material didático: transformadores, voltímetros e amperímetros. Os eletrodomésticos da residência são representados por lâmpadas e resistores que foram especificados adequadamente de tal maneira que as relações de proporcionalidade entre as potências dos diferentes equipamentos fossem respeitadas. O Laboratório Portátil conta ainda com um conjunto de experimentos complementares, que visam aumentar os recursos pedagógicos do professor. São miniaturas de geradores de usinas hidrelétricas ou reproduções de experimentos contextualizados com a História do Eletromagnetismo, que permitem a reconstituição do caminho que levou Faraday à descoberta da Indução Eletromagnética e que qualificam o Laboratório Portátil para uma outra função: facilitar a discussão dos conteúdos científicos e tecnológicos dentro do contexto histórico em que o fenômeno foi descoberto, fornecendo elementos para que o professor trabalhe a Física e a ATAS DO V ENPEC - Nº 5. 2005 - ISSN 1809-5100 3

Tecnologia enquanto construções humanas, livres de mitos e das falsas concepções de neutralidade em relação às suas diversas interações com a sociedade, de tal maneira que o educando possa reconhecer o papel da Física no sistema produtivo, compreendendo a relação dinâmica existente entre a evolução científica e a evolução tecnológica. Público Alvo A pesquisa vem sendo desenvolvida com alunos da primeira e segunda séries do ensino médio que se interessaram em participar de um projeto piloto voluntariamente. Além disso, participam alunos de duas turmas da disciplina de Física Aplicada da segunda série do ensino médio, todos da Escola Técnica Estadual República FAETEC. A opção pelos alunos das séries iniciais se deu para que os resultados do trabalho pudessem ser avaliados com mais precisão, uma vez que os alunos da terceira série já têm contato com os conteúdos do Eletromagnetismo em seu currículo normal. A fim de promover uma integração entre os alunos da primeira e da segunda série, realizou-se um curso de nivelamento com os participantes, onde foram abordados conteúdos considerados como pré-requisitos indispensáveis para as duas séries. No caso das turmas de Física Aplicada, os conteúdos de Eletromagnetismo trabalhados na perspectiva CTS com este material substituíram oficialmente os conteúdos tradicionais que vinham sendo trabalhados na disciplina. As negociações para essa mudança se deram entre a direção da escola, a equipe de Física, composta de 20 professores, e os alunos das duas turmas. Caso os resultados da aplicação do projeto sejam aprovados pela equipe de Física, pretende-se ampliar a sua aplicação através da formação de outros mediadores (professores da escola). Assim, o projeto conta hoje com um total de 42 alunos participantes, onde cinco deles são bolsistas da FAPERJ no Programa de Apoio a Bolsa de Iniciação Científica Jovens Talentos e dois estagiários (licenciandos de Física), todos sob nossa orientação. Para este trabalho apresentamos os dados de um grupo de 9 alunos voluntários, sendo sete deles, alunos do curso técnico de Mecânica, um deles do curso de Telecomunicações e o outro do curso de Eletrônica. Metodologia da tomada de dados A tomada de dados para a análise foi feita através de gravação de áudio e vídeo, com transcrições, para que se pudesse observar a mudança de postura do professor, que deixa o caráter expositivo de lado e se aproxima da orientação do processo de ensino ao provocar o debate de idéias, formulando perguntas e propondo desafios que devem ser superados. O aluno, por sua vez, sai da posição de espectador e aparece como agente de seu processo de aprendizagem tendo efetiva influência sobre ele. Os dados foram tomados em dois dias de aulas, cada uma com 2 tempos de 50 minutos. A execução das atividades As atividades vão ao encontro do que Azevedo (2004) classifica como questões abertas, que são propostas para o aluno, com base nos fatos presentes em seu cotidiano e em conceitos discutidos em aulas anteriores. Elas têm por objetivo o desenvolvimento de competências, na medida que devem estimular o desenvolvimento e a organização de informações e conhecimentos disponíveis para enfrentar situações-problema e construir argumentações consistentes no campo das ciências. ATAS DO V ENPEC - Nº 5. 2005 - ISSN 1809-5100 4

Desta forma, a metodologia de ensino adotada em sala de aula propicia aos alunos o domínio de conteúdos CTS a partir de atividades problematizadoras que valorizam suas experiências vivenciais e pré-concepções. Os conteúdos tecnológicos são tratados juntamente com os conteúdos de Física, ou seja, de forma integrada, tendo como problematizador e orientador um professor de Física. RESULTADOS E DISCUSSÃO Procuramos nortear o nosso processo de pesquisa através da análise do sistema de comunicação em sala de aula, ou seja, do discurso dos alunos, pois a linguagem falada possui um importante papel nos processos de ensino e aprendizagem (Jiménez Aleixandre e Diaz Bustamante, 2003). Neste trabalho, apresentaremos somente os dados dos alunos voluntários. Nove, de um total de 42 participantes, identificados como: A1, A2, A3, A4, A5, A6, A7, A8 e A9. Sete deles, alunos do curso técnico de Mecânica, um deles do curso de Telecomunicações e o outro do curso de Eletrônica. Não participaram os alunos das turmas regulares de Física Aplicada. Para a consecução da pesquisa foram propostos experimentos utilizando o conjunto de painéis, quadros de lâmpadas, questionários e discussões coletivas a partir de questões abertas, que se realizaram ao longo das atividades propostas em sala de aula. Na primeira aula pedimos aos alunos que trouxessem uma relação dos eletrodomésticos de suas casas juntamente com os respectivos dados de placa. Pedimos que montassem uma tabela POTÊNCIA X TENSÃO X CORRENTE dos eletrodomésticos, onde os alunos preencheriam os campos potência e tensão com os dados de placa e calculariam a corrente com esses dados. Neste momento os alunos já sabiam que P = U x I, pois haviam construído esta expressão a partir de uma atividade anteriormente realizada no Laboratório Portátil. Esta etapa teve como objetivos: consolidar o conceito de potência em relação à eletricidade e identificar semelhanças entre os dados pesquisados pelos alunos em suas casas e os dados coletados do Laboratório, na medida em que estes puderam identificar semelhanças nos resultados, comprovando que o Laboratório é uma boa representação da realidade. Em seguida distribuímos uma folha para cada aluno com a seguinte pergunta: O que você entende por potência?. Assim, procurávamos identificar se os alunos, após o trabalho de construção das tabelas e os cálculos implicados nessa construção, possuíam clareza do conceito de potência. Dos nove alunos; 2 responderam relacionando potência à mecânica; 3 à eletricidade; e 4 não foram claros em suas respostas, indicando que mesmo após a realização de atividades que envolvem o conceito de potência, a definição ainda não está clara, como nos exemplos: A potência está relacionada diretamente com o produto da tensão pela corrente, com isso se a corrente for muito alta, logo a potência também será. Já que a tensão não varia muito. É a quantidade de força utilizada no sistema para gerar trabalho O primeiro aluno identifica a potência como um conceito elétrico e o segundo aluno além de não ser claro em sua resposta utiliza conceitos tradicionalmente trabalhados na mecânica. Ambas as respostas indicam que os alunos ainda não dominam o conceito de potência. Logo após a aplicação desta pergunta, entregamos aos alunos o seguinte texto extraído de um jornal de grande circulação entre as classes populares. ATAS DO V ENPEC - Nº 5. 2005 - ISSN 1809-5100 5

Dois flexíveis a mil Os modelos mais baratos do mercado mostram como funcionam com álcool e gasolina Na briga da vez, quem fala alto é o bolso. Carro 1 e Carro 2 duelam entre os 1.0 bicombustíveis e alternam posições no ranking de vendas. O que importa é quem oferece mais por menos, categoria onde conforto e opcionais são apenas critério de desempate. O que vale é o preço e o desempenho desses compactos movidos a álcool e gasolina. O Carro 1 em seu projeto original remonta aos raros carros movidos pelo derivado da cana, lançados no final da década de 90. A taxa de compressão alta permitiu os 70,4 cv de potência para os dois combustíveis. O giro sobe rápido e as respostas prontas aos pedidos do acelerador agradam no trânsito urbano. Porém, na estrada, em velocidade de cruzeiro, o motor trabalha em rotações altas, o que incomoda os ouvidos e piora as médias de consumo. O Carro 2 ganhou brilho com o motor 1.0 Fire Flex e preciosos cavalos. Passou dos antigos 55 cv do propulsor a gasolina para até 66 cv, resultado obtido se houver apenas álcool no tanque. Se abastecido com o derivado do petróleo, rende 65 cv. Apesar de menos potente, as relações de marcha conciliam melhor o desempenho cidade / estrada do que o Carro 1. De acordo com os fabricantes, o Carro 2 faz 17,1 km/l de consumo médio com gasolina e 12 km/l com álcool, e o Carro 1 chega a 15,6 km/l e 10,9 km/l, respectivamente. (Adaptado, Jornal O Dia 21/07/2005). Ao final, após ler o texto, pedimos que respondessem a seguinte pergunta: Existe relação entre as potências encontradas nas placas dos aparelhos e as potências mencionadas no texto acima? Com essa pergunta queríamos criar no aluno um conflito cognitivo ao sugerir uma diferente forma de potência daquela anteriormente trabalhada. Do conjunto de alunos: 4 já possuíam uma idéia da universalidade do conceito, entretanto não conseguiam argumentá-la com clareza - Relação existe, pois ambas as potências resultam em determinadas energias e trabalhos, a diferença entretanto, encontra-se na energia e no trabalho final, pois a primeira resulta em energia e trabalho elétrico e a do texto em energia e trabalho mecânico ; 2 foram enfáticos e distinguem a potência elétrica da potência mecânica Não, porque a potência da placa é relacionada à elétrica e potência de mecânica, a motores ; e 3 não foram claros em suas respostas Sim, porque as duas estão relacionadas à quantidade de força disponível para realizar movimento. Estas respostas demonstram que os alunos estão avançando no entendimento de que a potência é um conceito físico universal, aplicado em toda a Física; de forma que não existem conceitos separados como potência elétrica e potência mecânica. Foi solicitado que cada aluno fizesse a leitura da sua resposta com o objetivo de que todos pudessem ter acesso as diferentes respostas. Em seguida propusemos um debate ATAS DO V ENPEC - Nº 5. 2005 - ISSN 1809-5100 6

objetivando que os alunos, através da socialização de suas respostas e idéias pudessem construir, com a mediação do professor, o conceito de potência, identificando a perspectiva sociológica apontada por Reigosa Castro (2002), onde cada aluno assume um papel, concordando ou discordando, porém sempre em tentativas de construção coletiva para chegarem ao produto final. A seguir transcreveremos algumas falas escolhidas, com o intuito de relacionar a passagem mais significativa da atividade, com nossas discussões. Professor: Eu estou achando interessante o que apareceu no discurso de vocês: o termo potência elétrica e o termo potência mecânica. A pergunta é: existe uma relação entre estes termos, se existe que proximidade há entre eles? Professor atuando como incentivador da discussão Aluno 1: A única coisa que se diferencia é de onde vai se tirar a energia para realizar o trabalho. Uma é da combustão e a outra vem da eletricidade Buscando explicação, diferenciando através dos processos de origem. Aluno 7: A diferença são os fins em que elas são utilizadas. Propondo alternativas à discussão. Aluno 2: A diferença é o tipo de trabalho que vai ser realizado. Um é o trabalho mecânico e outro é o trabalho elétrico, no caso o trabalho entre as cargas. Procurando alternativas para a questão. Aluno 7: A diferença é que uma vai fazer a energia elétrica passar pelo aparelho para ele ser ligado e a outra vai fazer a combustão do motor para acionar o carro e ele correr, a diferença está aí. Busca a conclusão utilizando os elementos da discussão. Aluno 9: Então professor, essa relação no fundo faz com que elas sejam iguais? Busca a conclusão, entretanto procura o apoio do professor em sua resposta. Professor: Na verdade não existe uma distinção entre potência elétrica e potência mecânica, potência é um conceito universal. Entretanto, você pode calculá-la a partir de diferentes parâmetros que se encontrem disponíveis. Procura fazer o fechamento da discussão com elementos da mesma. Percebemos pela discussão, que os alunos auxiliados pelo professor puderam esclarecer que na verdade não há distinção entre tipos de potência, entendendo a potência como um conceito físico universal através do processo de socialização das idéias ocorrido no debate. CONCLUSÕES A análise dos dados aponta para uma aprendizagem da universalidade do conceito de potência por parte dos alunos participantes. ATAS DO V ENPEC - Nº 5. 2005 - ISSN 1809-5100 7

A socialização das respostas na última pergunta foi decisiva, ficando evidente a importância da troca de idéias entre os participantes, na construção coletiva do conhecimento. Os primeiros resultados da aplicação da metodologia mostram que o trabalho tem tido uma boa aceitação por parte dos alunos. Além disso, consideramos relevante o fato de termos conseguido, ainda que a título de experiência, substituir conteúdos tradicionalmente trabalhados pelos conteúdos CTS. A metodologia e o material desenvolvidos são compatíveis com a atual tendência de ensino no Brasil, na medida em que fornecem um ambiente para discussão de temas do nosso cotidiano e, portanto ideal para estudos interdisciplinares e transversais. Apesar de ser um trabalho para aplicação junto a alunos do ensino médio, consideramos que a metodologia e o material desenvolvidos podem e devem ser utilizados em cursos de formação continuada de professores de Ciências em geral, naquilo que diz respeito aos conteúdos CTS e à linguagem da tecnologia onde o conceito de potência encontra aplicação. REFERÊNCIAS Angotti, J. A. P. E Auth, M. A, Ciência e Tecnologia: Implicações Sociais e o Papel da Educação. Revista Ciência e Educação, v.7, p. 15 27, Bauru, 2001. Auler, D. E Bazzo, W. A Reflexões para a implementação do Movimento CTS no contexto educacional brasileiro. Revista Ciência e Educação, v.7 (1), p. 1 13, Bauru, 2001. Auler, D. E Delizoicov, D. (2001) Alfabetização Científico-Tecnológica para quê? Revista Eletrônica Ensaio, vol.3(2) ISSN1415-2150, disponível em: http://www.coltec.ufmg.br/~ensaio, último acesso: 13/02/2005. Azevedo, M. C. S. Ensino por investigação: problematizando as atividades em sala de aula. In: Carvalho, A.M.P. (Org.). Ensino de ciências: unindo a pesquisa e a prática. São Paulo: Thomson Learning, 2004. p.19-33. BRASIL (2002) Parâmetros Curriculares Nacionais +, Ensino Médio Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais. Ciências da Natureza, Matemáticas e suas Tecnologias. Brasília. MEC/SEMTEC. Jiménez Aleixandre, M.P., E Diaz Bustamente (2003). Discurso de aula y Argumentacion em la classe de Ciências: cuestiones teóricas y metodológicas, Enseñanza de lãs Ciencias, em impressão. Lemke, J.L. (1997). Aprender a Hablar Ciencia. Barcelona: Paidós. Martins, I. P. Problemas e Perspectivas Sobre a Integração CTS no Sistema Educacional Português. Revista Electrónica de Enseñanza de Las Ciencias, v.1(1), 2002. Novick, S. E Nussbaum, J. (1978). Junior high school pupils understanding of the particular nature of mater: an interview study. Science Education, 62, 273-281. Reigosa Castro, C.E. (2002). Discurso en el laboratorio durante la resolución de problemasde Física y Quimica: acciones, justificaciones, cultura cientifica y mediación. Tesis Doctoral. Universidad de Compostela. ATAS DO V ENPEC - Nº 5. 2005 - ISSN 1809-5100 8

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