O Édipo em Lacan. O uso perverso do falo imaginário no mundo contemporâneo

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Transcrição:

O Édipo em Lacan O uso perverso do falo imaginário no mundo contemporâneo CAMILA DENENO PEREZ São Paulo 2012 Ser completo não tem uma definição, ser completo compete a quem te diz completo. Ser completo é você não ter tudo, mas também não é ter nada. Não ter muito, nem pouco. Ter o necessário pra fazer a pessoa quem te diz completa feliz, ser completo é ser feliz. Vinicius Maderi Partirei do texto de Bleichmar (1984) para pensar no Édipo em Lacan, e, na sequência, nas utilidades perversas que o falo imaginário adquire no mundo ocidental contemporâneo. Para tanto, assim como o autor acima citado, vou introduzir o tema caracterizando o Édipo como a descrição de uma estrutura intersubjetiva (p. 18). A estrutura é, para Lacan, a organização de lugares ocupados por personagens diferentes, de modo que um está em função do outro. Assim, um professor só o é se houver um

aluno, um pai só o é se houver um filho, e assim por diante. O que determina a posição de cada um é algo que circula e que atribui valor ao que o possui, e este é o falo. Para pensar no falo, temos que pensar que, a partir da castração, há sempre algo que nos falta. O falo é, portanto, o que ocupa o lugar desta falta, ou seja, o seu significante. Significante, para Lacan, é o substituto de uma ausência, um aspecto material que está no lugar do que não está, ou seja, do que está ausente. Assim, o falo é o significante da falta. Neste contexto, o falo é permeado por um paradoxo, que o divide em falo simbólico e imaginário. Isso porque, do ponto de vista da teorização da estrutura, é possível perder o que está presente (falo simbólico), e, do ponto de vista da subjetividade, o falo é vivido como plenitude, como algo que torna completo o ser que o possui (falo imaginário). Neste último, o falo implica na expansão do narcisismo, uma vez que proporciona uma sensação de plenitude e perfeição ao que o possui. Há, portanto, a ilusão de que o sujeito será completo e que nada mais o faltará. Nasio (2011) esclarece que o falo é a coisa que mais prezamos porque pensamos, erradamente, que nossa felicidade depende apenas dele (p. 40). Hoje o falo imaginário está muito ligado à ideia do corpo perfeito. Podemos pensar em dois motivadores para este fato: a) o Estágio do Espelho, em que Lacan explica como a imagem do próprio corpo torna o sujeito completo em meio à descoordenação motora; b) a indústria cultural que, segundo Crochik (2010, p. 34), molda o mundo a ser apresentado segundo as conveniências de seus patrocinadores. Neste contexto, a indústria da estética é um dos maiores mercados de consumo, o que transforma o corpo em um dos produtos mais valiosos neste momento histórico (CARRETEIRO, 2005 apud OLIVEIRA & HUTZ, 2010). Baudrillard (1970) considera o corpo o mais belo objeto de consumo, uma vez que este se torna a ponte para a conquista de poder, status, felicidade e até de inclusão social. Estes dois fatores (a e b) podem ser vistos como dissociados, mas não são. Temos que considerar que, no Estágio do Espelho, a criança só se sente completa, fálica, porque há o olhar do outro que a vê assim. Desta forma, se o sujeito foi colocado no lugar de lindo, os atributos para este lindo advém da cultura, afinal, este que lhe

olha já passou pelos três tempos do Édipo e, no terceiro tempo, o falo é reinstaurado na cultura (p.24). Assim, o que o sujeito busca posteriormente para lhe completar é o que lhe foi valorizado em um momento em que ele próprio era o falo, ou seja, estava identificado com o Ego Ideal. Desta forma, existem várias versões para o falo imaginário, mas estas advêm da cultura. Segundo Kehl (2009), o ideal de eu não provém de outro lugar senão das formas da cultura que o indivíduo habita (p. 31). É fácil perceber como esta ideia de possível completude é explorada nos discursos publicitários e midiáticos. As mensagens transmitidas são de que era isto que faltava, agora sim, sua vida estará completa, seus problemas vão acabar, você quer, você pode. Pensando na esfera corporal, basta digitar a palavra corpo no Google e o primeiro complemento que aparece à palavra é perfeito, o que resulta em aproximadamente 2.760.000 resultados. Destes, a maioria vende pacotes de tratamentos estéticos, suplementos alimentares e descontos em academias, sempre com a promessa de que o falo, que é o corpo ideal, possa ser vendido em uma sociedade em que tudo pode ser comprado, ou, pelo menos, a ilusão pode. Além disso, são veiculadas imagens em que pessoas com o corpo considerado ideal aparecem felizes, com um companheiro (a) ao lado, amigos e festas. O apelo é intenso no sentido de que este é o meio para conquistar todas estas coisas. Assim, no ocidente contemporâneo, competência, sucesso e atração sexual estão diretamente relacionados a qualidades físicas (ALVES, PINTO, ALVES, S. et.al., 2009). Ou seja, o corpo perfeito é um poderoso falo imaginário atual. As consequências da valorização patológica da magreza é a insatisfação, principalmente feminina, com o próprio corpo, e a consequente diminuição da autoestima. Alguns exemplos da fixação nesta ideia que coloca o corpo como meio para diversas conquistas foram retirados de blogs e estão em anexo ao final deste trabalho. Podemos dizer, então, que o falo imaginário está apoiado na cultura e esta, obviamente, está apoiada na economia capitalista. Retomando o início deste texto, esta é a utilidade perversa que se faz hoje do falo imaginário: a ilusão de completude é usada no mundo capitalista no sentido de incentivo ao consumo.

Referências ALVES, D., PINTO, M., ALVES, S. et.al. Cultura e imagem corporal. Motricidade, Jan. 2009, vol.5, n.1, p.1 20. BAUDRILLARD, J. O mais belo objeto de consumo: O Corpo. In:. A Sociedade de consumo. Lisboa: Edições 70, 1991. p. 136 160.

BLEICHMAR, H. Introdução ao Estudo das Perversões. Porto Alegre: Artes Médicas, 1984. KEHL, M. R. O tempo e o cão. São Paulo: Boitempo, 2009. NASIO, J.-D. Como agir com um adolescente difícil?. Rio de Janeiro: Zahar, 2011. OLIVEIRA, L. L. & HUTZ, C. S. Transtornos alimentares: o papel dos aspectos culturais no mundo contemporâneo. Psicologia em estudo, Set 2010, vol.15, n. 3, p. 575 582. ANEXOS

Imagem retirada do blog Miss girl. Imagem retirada do blog Clarear.

Imagem retirada do blog Pluma: Projeto Linda, Magra e Feliz.