Avaliação do agente etiológico bacteriano mais prevalente no líquor de um complexo hospitalar de Porto Alegre nos últimos dez anos

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Transcrição:

Artigo original Avaliação do agente etiológico bacteriano mais prevalente no líquor de um complexo hospitalar de Porto Alegre nos últimos dez anos Evaluation of bacterial etiology more prevalent in the cerebrospinal fluid in a hospital in Porto Alegre in the last ten years Gustavo Santiago Nicolli 1 Jorge Alberto Santiago Ferreira 2 Lucila Ludmila Paula Gutierrez 3 RESUMO O presente trabalho apresenta uma pesquisa realizada no Laboratório de Analises Clinicas do Hospital Nossa Senhora da Conceição, localizado na cidade de Porto Alegre, RS. A pesquisa teve como objetivo avaliar, através de uma análise retrospectiva dos últimos dez anos, quais as bactérias mais prevalentes, qual a faixa etária e o sexo mais atingido pela meningite na referida cidade. A coleta de dados foi feita através da consulta dos laudos laboratoriais emitidos pelo laboratório de Janeiro de 2000 a Dezembro de 2009. Verificou-se que dos 1207 pacientes positivos nesse período, os que tinham menos de 1 ano de idade representaram a maior parte, que 66% eram do sexo masculino e 34% do feminino, e que o pneumococo foi o microorganismo mais prevalente nesse período. Concluiu-se que as meningites dependem de fatores socioeconômicos, aglomerados populacionais e de fatores ambientais como o clima para acometerem as populações e que o agente etiológico mais prevalente pode variar de acordo com a região estudada. 77 PALAVRAS-CHAVE Meningites - Meningites Bacterianas Epidemiologia. ¹Acadêmica do curso de Farmácia do Centro Universitário Metodista IPA. ²Pesquisador, Farmacêutico Bioquímico do setor de Microbiologia do Laboratório de Analises Clínicas do Hospital Nossa Senhora da Conceição, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. ³Farmacêutica docente do curso de Farmácia do Centro Universitário Metodista IPA, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail para correspondência: lucila.gutierrez@metodistadosul.edu.br

ABSTRACT The present study it is a research conducted in the Clinical Laboratory of the Hospital Nossa Senhora da Conceição, located in Porto Alegre, RS. The aim of this research was evaluate, through a retrospective analysis of past ten years, the most common bacteria, which age and sexual category most affected by meningitis in the cited city. Data collection was done through consultation of the laboratory reports issued including January 2000 to December 2009. It was found that in the 1207 positive patients in this period, those who had less than 1 year of age accounted for the most part, that 66% were male and 34% female, and that the pneumococcal was the most prevalent microorganism in this period. It was concluded that meningitis depends of socioeconomic factors, population centers and especially environmental factors like weather to attack the population and that the most prevalent etiologic agent may vary according to region studied. KEYWORDS Meningitis - Bacterial Meningitis Epidemiology. 78

Introdução Meningite é o termo utilizado para expressar uma inflamação das meninges, membranas que envolvem o encéfalo (MENAKER, et al., 2004). Essa patologia pode ser causada por diversos agentes como vírus, bactérias, fungos e parasitas. Porém, do ponto de vista de saúde pública, as meningites mais impactantes são aquelas causadas por bactérias, devido ao seu grande potencial de causarem surtos, visto que apresentam grande facilidade de transmissão (BRASIL, 2009). Os principais sintomas clínicos das meningites bacterianas são febre, cefaleia intensa, vômitos, rigidez na nuca e alteração do nível de consciência (CABRAL et al., 2008). Mesmo com os avanços tecnológicos quanto ao diagnóstico e à compreensão de sua patogênese e tratamento, a meningite permanece como uma importante doença de distribuição mundial, sendo endêmica no Brasil e uma das principais causas de morbimortalidade na infância no Brasil e no mundo (CABRAL et al., 2008). Sua expressão epidemiológica depende de fatores como agente etiológico, existência de aglomerados populacionais, características socioeconômicas e do meio ambiente (ROMANELLI et al., 2002). Outro fator agravante no risco de transmissão da doença é que cerca de 10% da população pode apresentar-se como portador assintomático (BRASIL, 2009). Uma vez que a morbimortalidade das meningites bacterianas é alta, se torna importante o monitoramento das mesmas, tanto em nível regional, quanto nacional, para que se faça um delineamento do comportamento desta doença ao longo do tempo em cada região e do tipo de tratamento a ser adotado para se reforçar os estoques das farmácias hospitalares. Isto confere aos órgãos governamentais responsáveis a capacidade de tomada de providências se, por exemplo, algum tipo de meningite passa do nível endêmico para epidêmico. Além disso, este tipo de controle de notificação compulsória, das quais fazem parte a meningite, permite que medidas profiláticas sejam desenvolvidas (BRASIL, 2001). Os agentes bacterianos mais comuns são Neisseria meningitidis (meningococo), Haemophilus influenzae, Streptococcus pneumoniae (pneumococo) e o Mycobacterium tuberculosis, sendo que todos estes possuem vacinas disponibilizadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) desde março de 2010 (BRASIL, 2012b). Levi et al. (2009), através de uma análise de laudos laboratoriais de 307 laboratórios do território francês, durante o ano de 2006, com a finalidade de mostrar o comportamento epidemiológico das meningites em crianças menores de 15 anos de idade, observaram que dos 539 casos de meningites bacterianas, houve uma incidência de 41,4% de casos de meningococo, 33,8% de casos de pneumococo e 4,1% de casos de H. influenzae. Hui et al. (2005), em um estudo que objetivou avaliar a etiologia e características clínicas das meningites bacterianas em uma cidade urbana chinesa ao longo de dez anos (entre 1992 e 2001), avaliando pacientes com mais de 15 anos de idade, observaram que os quatro agentes bacterianos mais comuns eram Mycobacterium tuberculosis 46% de prevalência, pneumococo 11% de prevalência, Streptococcus sui 9% de prevalência e Klebsiella pneumoniae 8%, e que o meningococo e H. influenzae eram agentes patológicos raros. Paredes et al. (2008) avaliaram o comportamento das meningites bacterianas em pacientes menores de 18 anos de idade, durante dez anos na cidade do México (entre 1993 e 2003), e observaram que dos 218 casos avaliados, 50% eram de H. influenzae, 31% de pneumococo e 2 % de meningococo. A literatura atual não dispõe de dados referentes ao perfil das meningites bacterianas na região sul do Brasil, logo o objetivo desde artigo é através de uma análise retrospectiva dos últimos dez anos, avaliar qual o agente etiológico bacteriano, dentre os quatro mais comuns, o mais prevalente, qual a faixa etária e o sexo mais atingido pelas meningites bacterianas e fúngicas no Rio Grande do Sul, na cidade de Porto Alegre. Materiais e métodos A pesquisa foi desenvolvida no Grupo Hospitalar Conceição (GHC), sendo os seguintes hospitais participantes do grupo: Hospital Nossa Senhora da Conceição (HNSC), Hospital da Criança Conceição (HCC), Hospital Cristo Redentor (HCR) e o Hospital Fêmina (HF). Além destes hospitais, o laboratório do grupo também executa exames laboratoriais do Hospital de Pronto Socorro de Canoas (HPSC) e do Hospital de Pronto Socorro de Porto Alegre (HPS). O GHC é um complexo que atende exclusivamente o 79

80 Sistema Único de Saúde (SUS). A pesquisa ocorreu no Laboratório Análises Clínicas do Hospital Nossa Senhora da Conceição (LAC-HNSC) de Porto Alegre RS, no setor de Microbiologia, sendo este o laboratório do grupo que centraliza e recebe todas as amostras de LCR de todos os hospitais citados, de pacientes atendidos pelo SUS. O LAC-HNSC recebe aproximadamente 2500 exames de LCR por ano, de um total de aproximadamente 30.000 LCR coletados nos últimos dez anos (2000-2009). Das amostras de LCR que entraram no LAC-HNSC nestes últimos 10 anos, 1207 exames eram de pacientes infectados por bactérias e fungos. Os critérios para inclusão no estudo foram líquor resolutivo (infectados), que foram aqueles que apresentaram mais de 5 leucócitos/μl (em adultos) ou mais de 15 leucócitos/μl (em RN), hipoglicorraquia, hiperproteinorraquia, coloração de gram positiva ou negativa (a positiva e a negativa foi considerada, pelo fato de muitas vezes se ter uma contagem de bactérias abaixo da sensibilidade do gram) e crescimento em meio de cultura apropriado. Os critérios de exclusão do estudo foram líquor não-resolutivos (não-infectados), que foram aqueles que apresentaram menos de 5 leucócitos/μl (em adultos) ou 15 leucócitos/μl (em RN), proteinorraquia de até 45 mg/dl, glicorraquia entre 60-70% o valor de glicose do plasma. Os dados foram coletados a partir dos laudos laboratoriais emitidos pelo LAC-HSNC, de um banco de dados previamente montado em um sistema automatizado, que foi disponibilizado aos pesquisadores. O período compreendido neste banco de dados foi de janeiro de 2000 a dezembro de 2009, o que corresponde a dez anos de análises de LCR. Os dados coletados do sistema incluíram idade, sexo, unidade onde o paciente foi atendido e bactéria isolada no LCR. Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro Universitário Metodista, do IPA (CEP-IPA) e pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Grupo Hospitalar Conceição (CEP-GHC) com protocolos 21/2010 e CAAE-0096.0.164.000-10, respectivamente. Como os dados foram coletados a partir do laudo laboratorial não houve necessidade de contato com os pacientes e a identidade dos mesmos foi mantida em absoluto sigilo. A análise estatística foi feita pelo programa SPSS versão 13.0 utilizando-se o teste estatístico de frequência simples. Foi utilizado

também o teste do qui-quadrado para avaliar a associação entre o sexo e agente etiológico bacteriano, com um intervalo de confiança de 95% e p < 0,05. Resultados e discussão Após a análise do banco de dados registrado pelo setor de Microbiologia do Laboratório de Análises Clínicas do Hospital Nossa Senhora da Conceição, observou-se um número de 1207 pacientes com LCR infectado por bactérias e fungos, de um total de aproximadamente 30.000 coletas durante o período de janeiro de 2000 a dezembro de 2009. Os pacientes foram classificados conforme a faixa etária, o sexo, a unidade de atendimento e o agente etiológico isolado. De acordo com a classificação etária, observouse que um dos grupos de pacientes mais atingidos pela meningite bacteriana e fúngica nos últimos dez anos são as crianças de zero a 5 anos de idade (compreendendo um total de 18,6%). Estes dados e as outras faixas etárias de acometidos podem ser observados na Tabela 1. Um estudo feito pelo Ministério da Saúde para avaliar a situação epidemiológica da doença meningocócica no Brasil, revelou que a faixa etária mais atingida eram crianças menores que cinco anos, com um coeficiente de incidência de 12,58 para crianças menores de 1 ano no ano de 2009 (BRASIL, 2012a). Freitas e Hamann (2004) em um estudo que visou avaliar a situação epidemiológica da meningite por H. influenzae durantes os anos de 1991-1997 antes da introdução da vacina conjugada, observou 249 casos de meningite por H. influenzae eram em crianças menores de 1 ano de idade. Diferentemente as meningites fúngicas apresentam uma maior prevalência em pacientes mais velhos, em média de 20 anos, conforme o relatado por Costa et al. (2009), que analisaram 27 mulheres com diagnóstico de neurocriptococose demonstrando uma idade média de 26,4 anos. A Tabela 1 também revela um número aumentado nesta faixa etária, o que podem ser pacientes acometidos por meningites fúngicas. Todos os dados da literatura, em relação a meningites bacterianas, vêm de encontro aos dados encontrados no estudo. Tal fato pode estar ocorrendo, em parte, por fatores socioeconômicos, pois a literatura demonstra que indivíduos de baixa renda são de duas a três vezes mais propensos a enfermidades graves (RENAUD, 1992; BARROS et al., 2006; SANTOS et al., 2010). Também por este motivo pode haver falta de recursos financeiros, por parte da população mais carente, para adquirir todas as vacinas para os RNs, visto que nem todas as vacinas são disponibilizadas pela rede pública. O GHC atende exclusivamente pacientes provenientes do SUS, portanto, a população estudada nesta pesquisa se encaixa provavelmente neste perfil citado anteriormente. Outro fator agravante seria a possível falta de amamentação, sendo que esta etapa da vida de um RN é essencial para o desenvolvimento do seu sistema imune (HANSON & KOROTKOVA, 2002). Dos 1207 pacientes com resultados positivos para meningite bacteriana e fúngica, observaram-se níveis de positividade muito maiores no sexo masculino do que no sexo feminino. Os dados foram 797 pacientes masculinos acometidos por meningites (66%) e 410 pacientes femininos acometidos por meningite (34%). Dados semelhantes foram encontrados por muitos autores, em que os homens são mais acometidos que as mulheres por meningite (NUNES et al., 1998; PASQUALOTTO et al., 2004; HIU et al., 2005; CABRAL et al., 2008). Embora muitos trabalhos demonstrem uma frequência maior da meningite em homens, isso não pode ser tomado como regra, pois existe literatura que demonstra dados contrários (CABEÇA et al., 2001). No entanto, é possível que a maior incidência de doenças em homens possa ser explicada por uma questão cultural, conforme afirmado por Shraiber et al. (2005) e Laurenti et al. (2005), que demonstram que homens são mais displicentes com sua própria saúde, o que os predispõem a riscos, pois a habilidade de se cuidar é culturalmente definida como característica feminina. De acordo com a classificação quanto ao microorganismo isolado, os resultados aqui expressos derivam do exame direto (coloração de Gram), do isolamento do patógeno a partir de culturas em meios de cultura apropriados ou da cultura sanguínea. Dos 1207 pacientes estudados, houve perda de dados quanto ao patógeno isolado de 162 pacientes, sendo que dos 1045 pacientes restantes, os microorganismos mais isolados foram o pneumococo, o meningo- 81

82 coco, o bacilo da tuberculose e o H. influenzae. Estes dados podem ser observados na Tabela 2. Diferentemente do proposto pelo Ministério da Saúde, que aponta a N. meningitidis como principal agente etiológico nas meningites bacterianas (BRAS- IL, 2009), o pneumococo se mostrou o germe mais prevalente na proposta estudada, sendo o meningococo o segundo mais prevalente. Romanelli et al. (2002) observaram que dos 210 pacientes estudados, 59 tiveram diagnósticos de meningites bacterianas, sendo que 25 eram por H. influenzae, 17 por meningococo, 15 por pneumococo e 1 caso por E. coli; todos estes pacientes foram atendidos em centro geral de pediatria de um hospital de Minas Gerais. Levi et al. (2009) verificaram que na França, dos 539 casos de meningites bacterianas estudados, 223 (41,4%) eram por meningococo, 182 (33,8%) eram por pneumococo e 22 (4,1%) eram por H. influenzae. Hui et al. (2005) observaram que dos 65 pacientes estudados em Hong Kong, 46% eram positivos para Mycobacterium tuberculosis, 11% positivos para o pneumococo, 9% positivos para o Streptococcus sui e 8% positivos para Klebsiella pneumoniae. Já Paredes et al. demonstraram que dos 218 casos de meningites estudados no México, 109 (50%) eram positivos para o H. influenzae, 67 (31%) eram positivos para o pneumococo e 4 (2%) eram positivos para o meningococo. Logo, podemos observar que, em realidade, a expressão epidemiológica de um agente etiológico depende de fatores como existência de aglomerados populacionais, características socioeconômicas e do clima da região (BRASIL, 2009). Foi avaliado por meio do teste do qui-quadrado a associação do microorganismo isolado no LCR e o sexo dos pacientes. Assim, observou-se uma diferença estatísticamente significativa nesta associação, ou seja, o teste revelou que homens estão mais propensos a se infectar pelo pneumococo e mulheres mais propensas e se infectar pelo H. influenzae. Não há dados disponíveis na literatura que façam este tipo de comparação e explique esta associação. Estes dados podem ser observados na Tabela 3. Quanto à classificação pela unidade de atendimento, observou-se que o maior número de amostras de LCR eram provenientes do HNSC (735 pacientes - 60,9%). O HCC apresentou 218 pacientes (18,1%), o HCR 205 pacientes (17%), o HPSC 44 pacientes (3,6%), o HF 3 pacientes (0,2%) e o

HPS 2 pacientes (0,2%). Essa diferença provavelmente tenha ocorrido em função do HNSC ser o maior hospital do grupo, e pela população local o ter como referência. O HCC enviou menos amostras de LCR ao LAC-HNSC em função de atender exclusivamente crianças. Apesar do HCR atender prioritariamente pacientes politraumatizados e neurológicos seu número de pacientes com meningite bacteriana é menor em relação ao HCC e o HNSC, possivelmente por serem tratados profilaticamente para meningites bacterianas. O HPSC, apesar de ser um pronto socorro, fica na região metropolitana de Porto Alegre, e a distância entre este hospital e o LAC-HNSC poderia ser uma explicação pelo baixo número de pacientes infectados pela meningite bacteriana, uma vez que o transporte de forma inadequada poderia inviabilizar as amostras. O HF é um hospital especializado em obstetrícia, o que explica o baixo número de casos e o HPS não tem por rotina enviar exames ao LAC-HNSC, pois conta com outros laboratórios para atender sua demanda de exames, o que possivelmente explica o baixo número de exames desta unidade. Conclusões A partir dos dados apresentados neste estudo, em comparação com a literatura atual, pode-se concluir que as crianças são, sem dúvida, o grupo mais atingido pelas meningites bacterianas, o que vai de encontro com o proposto pelo Ministério da Saúde (BRASIL, 2009). O sexo masculino, neste estudo, teve a maior prevalência, embora outros autores concordem que ainda há divergências no meio científico; assim, mais estudos são necessários para se avaliar a relação entre as meningites e o sexo acometido. O pneumococo foi o microorganismo mais incidente, porém como as meningites não respeitam um padrão de incidência, não se pode chegar a um resultado único, ou seja, a incidência deve ser avaliada em cada região de interesse distintamente, uma vez que é dependente de vários fatores. Observou-se também neste estudo uma relação entre pertencer ao sexo masculino e estar infectado pelo pneumococo e de pertencer ao sexo feminino e estar infectada pelo H. influenzae, porém estes dados são característicos da região estudada, necessitando de mais pesquisas que possam abranger uma área maior. 83

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