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Braz J Otorhinolaryngol. 2016;82(1):116-120 Brazilian Journal of OTORHINOLARYNGOLOGY www.bjorl.org.br RELATO DE CASO Subtotal arytenoidectomy for the treatment of laryngeal stridor in multiple system atrophy: phonatory and swallowing results Aritenoidectomia subtotal para o tratamento de estridor laríngeo na atrofia de múltiplos sistemas: resultados na fonação e deglutição Francesco Stomeo a, *, Vittorio Rispoli b, Mariachiara Sensi b, Antonio Pastore a, Nicola Malagutti a, Stefano Pelucchi a a Departamento de Cirurgia Especializada, Unidade de Fonocirurgia, Arcispedale S. Anna, Cona, Itália b Departamento de Neurociências, Unidade de Transtornos do Movimento, Arcispedale S. Anna, Cona, Itália Recebido em 27 de março de 2015; aceito em 31 de março de 2015 Introdução Atrofia de Múltiplos Sistemas (AMS), de acordo com o Segundo Consenso sobre AMS, é um transtorno neurológico caracterizado por uma combinação de insuficiência autonômica e parkinsonismo e/ou ataxia cerebelar. 1 Entre as manifestações de AMS, o estridor inspiratório diurno e noturno, em associação com a apneia do sono, pode ajudar no diagnóstico clínico, e sua explicação mais adotada é a de disfunção dos abdutores das pregas vocais. Uma possível complicação dessa situação é a morte noturna súbita. Conforme está descrito na literatura, o uso de CPAP e traqueotomia são os procedimentos terapêuticos mais comumente propostos para o tratamento da disfunção laríngea. 2 Alternativamente, foram propostas laterofixação de prega vocal segundo Ejnell 3 ou a aritenoidectomia por laser. Nesse artigo, apresentamos um caso de estridor inspiratório noturno em um paciente com AMS tratado com aritenoidectomia subtotal com laser de CO 2, com particular atenção para os resultados da fonação e deglutição. Relato de caso Descrevemos o caso de um homem com 60 anos, com história de cinco anos de síndrome acinética rígida, desequilíbrio, leve hipotensão ortostática e transtorno do comportamento REM. Há dois anos o paciente apresentou cornagem, cansaço significativo e dispneia durante a noite e durante o dia em repouso. Foram realizadas investigações pneumológicas e cardiológicas, sem que se chegasse a qualquer diagnóstico evidente; os testes cognitivos não revelaram qualquer tipo DOI se refere ao artigo: http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2015.03.016 Como citar este artigo: Stomeo F, Rispoli V, Sensi M, Pastore A, Malagutti N, Pelucchi S. Subtotal arytenoidectomy for the treatment of laryngeal stridor in multiple system atrophy: phonatory and swallowing results. Braz J Otorhinolaryngol. 2016;82:124-8. * Autor para correspondência. E-mail: stmfnc@unife.it (F. Stomeo). 2015 Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial. Publicado por Elsevier Editora Ltda. Este é um artigo Open Access sob a licença CC BY (https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/deed.pt).

Subtotal arytenoidectomy for the treatment of laryngeal stridor 117 nalmente, um exame com o programa multidimensional de análise vocal (MDVP) por Kay Elemetrics demonstrou alteração da perturbação da frequência (Jitt = 1,564; RAP = 0,924; vf0 = 2,366), além de perturbações da amplitude (ShdB = 0,562; Shim = 6,246; vam = 17,635) com leve alteração na proporção ruído-harmônico (noise-to-harmonic ratio, NHR = 0,156) (fig. 2). O tempo fonatório máximo (TFM) foi de 11 segundos. Foi proposta ao paciente uma autoavaliação da voz com o índice de desvantagem da voz (voice handicap index, VHI), 5 com a finalidade de mensurar as queixas físicas, emocionais e funcionais da disfonia; o escore pré-operatório foi de 5 (alteração leve). Em seguida, foi realizada uma aritenoidectomia subtotal com uso do laser de CO 2, 6-10 watts em modo contínuo, segundo a técde comprometimento. Diante disso, foi proposto um diagnóstico de possível AMS-P. Durante o seguimento do paciente, emergiram algumas características clínicas; em particular, o paciente demonstrou uma deterioração leve e lenta dos sintomas motores e não motores. O paciente permaneceu independente nas suas atividades do dia a dia (ADD) e nas atividades instrumentais do dia a dia (iadd). O achado representativo de maior risco à vida do paciente foi a história de dois anos de roncos e apneia do sono, com estridor noturno referido e ocasional estridor durante as horas de vigília. Em fevereiro de 2013, uma avaliação endoscópica da laringe demonstrou redução na abdução das pregas vocais durante a inspiração, com redução do espaço respiratório. A adução das pregas vocais estava normal, e o paciente não exibia alteração na voz. Foi ordenada uma eletromiografia da laringe, tanto no músculo tireoaritenóideo como no músculo cricoaritenóideo: não foi observada atividade de denervação, mas observamos alteração do recrutamento máximo durante a fonação e respiração profunda. A polissonografia desvendou uma síndrome da apneia obstrutiva do sono (SAOS) de grau leve, índice de apneia-hipopneia (IAH) = 9,2 com a mais baixa SpO 2 em 88%. A deglutição, avaliada pela anamnese e por um estudo dinâmico endoscópio e radiológico, estava normal. Foi também realizada uma endoscopia do sono induzido por droga (ESID) com uso de baixa dose de propofol (0,01 mg/ kg), seguida por titulação desse agente (3 mg/kg/hora). A endoscopia revelou movimento paradoxal da adução durante a inspiração (fig. 1), com significativo estridor inspiratório, enquanto havia conservação do movimento expiratório de abdução das pregas vocais. Consideramos o tratamento cirúrgico da glote, porque o paciente recusou a hipótese de CPAP e de qualquer futura traqueotomia. A avaliação perceptiva da voz, de acordo com a escala GIRBAS, 4 evidenciou leve alteração da voz (G1R0B1A0S0); o exame espectrográfico com o sistema de análise da voz CSL modelo 4500 B (Kay Elemetrics Corp.) por meio de um filtro de banda estreita das vogais prolongadas a e da palavra italiana aiuole foi classificado na segunda classe, segundo a classificação de Yanagihara; fi- Single Token FTRI SPI DVB VTI THRESHOLD DSH NHR DUV vam Jita sapq Figura 2 Programa multidimensional de análise vocal (MDVP) enfatiza as perturbações pré-operatórias em frequência e amplitude. Jitt APQ RAP Shim PPQ ShdB sppq vfo Figura 1 Endoscopia realizada durante o sono evidencia o movimento paradoxal de adução durante a inspiração. Figura 3 Endoscopia de controle executada dois meses após a cirurgia, revelando um bom aumento do espaço respiratório da glote.

118 Stomeo F et al. 4000 3000 Freqüência (Hz) 2000 1000 0 8,0 9,0 10,0 Tempo (segundos) Figura 4 Exame espectrográfico executado no pós-operatório indica a presença de ruído entre os harmônicos e de diplofonia. Atrofia de Múltiplos Sistemas (AMS) é um transtorno neurodegenerativo esporádico e de rápida progressão, com surgimento no adulto, caracterizado por insuficiência autonômica em associação com aspectos de parkinsonismo e/ou ataxia cerebelar e com ampla variedade de outros achados clínicos, raramente apresentando predominância de transtornos respiratórios (insuficiência respiratória ou estridor). 1 Na literatura, são poucos os casos de AMS com longa duração (mais de 15 anos), 7 mas não ficou esclarecido qual o sintoma no início da doença entre disautonomia e parkinsonismo tem correlação com a progressão mais lenta. 7 O envolvimento polissistêmico inicial, ou a curta latência entre o estágio de doença monossistêmica para polissistêmica, foi identificado como preditor sombrio para progressão da doença e sobrevida. 7 Em nosso paciente, os sintomas motores e disautonômicos tiveram início simultaneamente, enquanto que o estridor surgiu mais tarde. Durante os primeiros cinco anos de seguimento, não houve necessidade de tratamento dopaminérgico, graças ao leve envolvimento motor. Estridor é definido como um som inspiratório áspero e forçado com altura de som de 260-330 Hz, mais intenso que o ronco. O estridor ocorre durante a inspiração, refletindo uma obstrução nas vias aéreas superiores, causada por insuficiência parcial ou completa da abdução das cordas vocais. O estridor que é considerado como um sinal de alerta para AMS, tem prevalência de 34-41% em pacientes com AMS e representa o achado inicial em 4% dos casos. É considerado como condição com risco à vida do paciente, acarretando episódios subagudos de uma dramática insuficiência respiratória e morte. 7 Duas teorias tennica de Remacle. 6 Na operação, o corpo aritenoide foi resseccionado, com preservação de uma pequena concha posterior dessa cartilagem. A endoscopia de controle após dois meses (fig. 3) evidenciou bom aumento no espaço respiratório glótico. Após a cirurgia, a avaliação perceptiva da voz permaneceu boa (G1R0B2A0S0 alteração leve) e o exame espectrográfico (fig. 4) revelou leve agravamento da NHR e disfonia. Na avaliação com o sistema MDVP, todos os valores acima mencionados tinham piorado levemente (fig. 5), mas não foi percebida modificação na qualidade da voz pelo paciente; e o VHI pós-operatório teve um escore de 8 (alteração leve). TFM permaneceu inalterado (11 se- Single Token FTRI SPI DVB VTI THRESHOLD DSH NHR DUV vam Jita sapq Figura 5 Programa multidimensional de análise vocal (MDVP) evidencia o leve agravamento pós-operatório das perturbações na frequência e amplitude. Jitt APQ RAP Shim PPQ ShdB sppq vfo gundos). A deglutição avaliada pela PAS (penetration/aspiration scale) demonstrou não haver sinais de penetração/ aspiração. Foi observada melhora definida do estridor noturno e da dispneia. Transcorridos dois anos, o paciente continua estável, sem alteração na respiração e deglutição. Discussão

Subtotal arytenoidectomy for the treatment of laryngeal stridor 119 tam explicar a etiopatogênese do estridor: a primeira, a teoria da lesão ao centro respiratório, atribui o processo neurodegenerativo da AMS a emissões anormais provenientes da rede respiratória, indutoras de uma paralisia seletiva dos abdutores, com relativa preservação das funções dos adutores. A segunda teoria, teoria reflexa, propõe uma ativação paradoxal do reflexo de fechamento da laringe, que normalmente protege o espaço subglótico contra fortes pressões negativas. AMS-estridor resultaria não apenas de um estreitamento passivo da glote (atribuído tanto à paralisia dos abdutores como ao efeito Bernoulli), mas, em concordância com a teoria do reflexo, também de um estreitamento ativo da prega vocal. A hiperativação do reflexo de fechamento da laringe é deflagrada pela crescente queda de pressão durante a inspiração voluntária. Em pacientes com AMS, o espaço glótico fica reduzido por forças passivas; com isso, o reflexo de fechamento da laringe constrói um ciclo vicioso que promove estreitamento ativo das pregas vocais e, em seguida, estridor. Com efeito, tão logo a inspiração voluntária e a pressão negativa nas vias aéreas são suprimidas (por meio de uma traqueotomia ou CPAP), o estridor desaparece. 2 O estridor e a disfunção da laringe ocorrem durante o curso da doença: nos primeiros estágios, durante as horas de vigília, ficam evidenciados apenas ligeiro comprometimento da abdução das cordas vocais ou movimentos tremulantes ou atáxicos das cordas vocais, e podem estar presentes também aduções ou abduções involuntárias, periódicas ou persistentes, das cordas vocais 2 ; nos estágios intermediários ou tardios, ocorrem restrição da glote e paralisia dos abdutores, causando estridor diurno. 2 O estridor associado à redução na sobrevida é o único fator preditivo independente de sobrevida, mas não é a única causa de morte súbita em síndromes parkinsonianas. CPAP e traqueotomia aumentam os percentuais de sobrevida, embora tenham sido publicados alguns relatos de morte súbita mesmo após esses tratamentos, provavelmente em decorrência da apneia do sono central. O tratamento por laser da glote posterior em casos de paralisia bilateral das pregas vocais em adução pode ser uma forma apropriada de solucionar o problema respiratório, por preservar a função fonatória, com penalização da glote posterior, cuja principal função é a respiratória e cuja influência não é determinante para a qualidade da voz. 8 Entre as técnicas com laser, a aritenoidectomia subtotal de Remacle, embora aumente o espaço respiratório da glote, é certeza de um bom resultado fonatório e, com uma boa fixação da região aritenoide, minimiza o risco de aspiração. Em casos selecionados de AMS com um padrão subtotal glótico de restrição, 9 acreditamos que, se o paciente demonstrar estridor respiratório durante as horas de vigília e se não tolerar CPAP e recusarse a uma possível traqueotomia, será possível realizar uma aritenoidectomia subtotal com laser, objetivando restaurar um fluxo aéreo adequado através da glote. Até onde vai nosso conhecimento, na literatura, apenas dois autores 9,10 investigaram as opções cirúrgicas para o tratamento de obstruções glóticas em pacientes com AMS, mas esses autores propuseram a remoção completa da cartilagem aritenoide, com sacrifício parcial do músculo tireoaritenóideo, ou a técnica de Ejnell. 3 A avaliação da qualidade da voz por esses autores foi limitada em um caso, se limitou à escala GIRBAS, e no outro, a parâmetros de voz limitados. Nossa avaliação, fundamentada na autopercepção (VHI), avaliação perceptiva da qualidade da voz (escala GIRBAS), análise espectral dos resultados fonatórios e também na avaliação da deglutição, demonstra que a técnica de Remacle é eficaz e resulta tão somente em leve agravamento da qualidade da voz. Ao mesmo tempo, fica assegurado menor impacto na deglutição, em comparação com as propostas precedentes. Conclusão Recomendamos a aritenoidectomia subtotal com laser em pacientes com AMS afetados por estridor noturno, causado por um movimento inspiratório paradoxal em adução. É mandatório que se faça uma seleção dos pacientes, com especial atenção para a disfagia: se estiverem presentes alterações no processo normal de deglutição, deverão ser evitados procedimentos cirúrgicos que venham a alterar o plano glótico. Financiamento Esse estudo não recebeu qualquer bolsa específica de qualquer agência financiadora nos setores público, comercial ou sem fins lucrativos. Conflitos de interesse Os autores declaram não haver conflitos de interesse. Referências 1. Gilman S, Wenning GK, Low PA, Brooks DJ, Mathias CJ, Trojanowski JQ, et al. Second consensus statement on the diagnosis of multiple system atrophy. Neurology. 2008;26:670-6. 2. Shiba K, Isono S, Nakazawa K. Paradoxical vocal cord motion: a review focused on multiple system atrophy. Auris Nasus Larynx. 2007;34:443-52. 3. Ejnell H, Mansson I, Hallén O, Bake B, Stenborg R, Lindström J. A simple operation for bilateral vocal cord paralysis. Laryngoscope. 1984;94:954-8. 4. Hirano M. Clinical examination of voice. Em: Arnold GE, Winckel F, Wyke BD, editores. Disorders of Human Communication. Springer-Verlag: New York; 1981. p. 81-4. 5. Stomeo F, Tosin E, Morolli F, Bianchini C, Ciorba A, Pastore A, et al. Comparison of subjective and objective tools intransoral laser cordectomy for early glottic cancer: importance of voice handicap index. Int J Immunopathol Pharmacol. 2013;26:445-51. 6. Remacle M, Lawson G, Mayné A, Jamart J. Subtotal carbon dioxide laser arytenoidectomy by endoscopic approach for treatment of bilateral cord immobility in adduction. Ann Otol Rhinol Laryngol. 1996;105:438-45. 7. Watanabe H, Saito Y, Terao S, Ando T, Kachi T, Mukai E, et al. Progression and prognosis in multiple system atrophy: an analysis of 230 Japanese patients. Brain. 2002;125:1070-83. 8. Lawson G, Remacle M, Hamoir M, Jamart J. Posterior cordectomy and subtotal arytenoidectomy for the treatment of bilateral vocal fold immobility: functional results. J Voice. 1996;10:314-9.

120 Stomeo F et al. 9. Chitose S, Kikuchi A, Ikezono K, Umeno H, Nakashima T. Effect of laser arytenoidectomy on respiratory stridor caused by multiple system atrophy. J Clin Sleep Med. 2012;8: 713-5. 10. Umeno H, Ueda Y, Mori K, Chijiwa K, Nakashima T, Kotby NM. Management of impaired vocal fold movement during sleep in a patient with Shy-Drager syndrome. Am J Otolaryngol. 2000;21:344-8.