1 POLÍTICAS DE CURRÍCULO PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL NO BRASIL (2006-2015): DISPUTAS DISCURSIVAS PARA A FIXAÇÃO DE UMA IDENTIDADE PARA O PROFESSOR Rosely dos Santos Almeida Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Mato Grosso Grupo de Pesquisa Políticas Educacionais e Práticas Pedagógicas Érika Virgílio Rodrigues da Cunha Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Mato Grosso Grupo de Pesquisa Políticas de Currículo e Cultura Grupo de Pesquisa Políticas Educacionais e Práticas Pedagógicas Resumo Esta pesquisa de mestrado tem como tema de investigação as disputas discursivas para a fixação da identidade do professor nas políticas de currículo para a Educação Infantil no Brasil (2006-2015). A ideia de que uma identidade a ser construída pelos professores é possível, tal como as políticas tratam, é assumida como o problema a ser pesquisado. Teoricamente, o estudo tem buscado discutir as noções de currículo como prática cultural, cultura, sujeito descentrado e política. O objetivo do estudo é compreender como diferentes sentidos disputam a fixação da identidade do professor da Educação Infantil nos documentos curriculares nacionais e as implicações deste processo no contexto da prática na Rede Municipal de Ensino de Rondonópolis (MT). A metodologia de investigação é a Abordagem do Ciclo de Políticas, de Stephen Ball, com foco nos textos políticos e no contexto da prática, sendo a empiria composta de documentos assinados pelo Ministério da Educação (2006-2015) e de entrevistas com coordenadores pedagógicos que atuam em unidades de Educação Infantil. A decisão de escolher os coordenadores pedagógicos como participantes da pesquisa considera que eles são, muitas vezes, os leitores privilegiados dos documentos oficiais nas unidades. Ainda serão analisadas, nos documentos, as disputas discursivas que produzem diferentes sentidos de ser professor e que, com isso, buscam fixar uma identidade docente. Com as entrevistas, buscaremos entender como tais sentidos são reinterpretados, traduzidos (traídos). Palavras-chave: Identidade docente. Educação infantil. Política de currículo. POLÍTICAS DE CURRÍCULO PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL NO BRASIL (2006-2015): DISPUTAS DISCURSIVAS PARA A FIXAÇÃO DE UMA IDENTIDADE PARA O PROFESSOR Ao tentar jogar luz no debate sobre as práticas pedagógicas na Educação Infantil, os textos oficiais (diretrizes, pareceres, documentos curriculares) assinados pelo Ministério da 9883
2 Educação (MEC) e pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), entre 2006 a 2015, produzem determinações que esperam que sejam seguidas pelos professores, mas que, também, atuam como um modo de justificar sua própria presença nestes espaços, sobretudo nos locais de atendimento às crianças bem pequenas. Isso porque, em muitos locais no Brasil, nem sempre é o professor habilitado em Pedagogia que atua integralmente no atendimento oferecido em creches. Essas determinações são escritas visando, então, evidenciar uma identidade do professor a ser formada, uma identidade que deve resultar numa prática coerente com o que se espera da (boa) educação infantil. Como a primeira etapa da Educação Básica, a Educação Infantil ganha centralidade nas políticas públicas para a Infância a partir dos anos de 1990, sendo inúmeras as regulamentações produzidas e disponibilizadas pelo MEC para o credenciamento e o funcionamento das unidades, visando à oferta desta modalidade. Com status de primeiro documento curricular de âmbito nacional para este nível, em 1998 são produzidos os Referenciais Curriculares para Educação Infantil (RECNEI) (BRASIL, 1998), por sua vez indicando a necessidade de investimento na formação de professores. Outros documentos são produzidos, desde então, e, em 2014, o MEC passou a coordenar a construção de uma Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2015) na qual uma base comum para a Educação Infantil está sendo pensada. Tendo em conta este cenário, esta pesquisa de mestrado tem como tema de investigação as disputas discursivas para a fixação da identidade do professor nas políticas de currículo para a Educação Infantil no Brasil (2006-2015). A ideia de que uma identidade a ser construída pelos professores é possível, tal como as políticas tratam, é assumida como o problema a ser pesquisado. Na medida em que os documentos oficiais buscam definir as práticas no interior dos espaços de atendimento e, através dessas diferentes significações, tentam fixar uma identidade do professor de Educação Infantil, a pesquisa toma como questão central: Como diferentes discursos nas Orientações Curriculares Nacionais disputam sentidos de identidade do professor da Educação Infantil e as implicações deste processo no contexto da prática na Rede Municipal de Ensino de Rondonópolis (MT)? A partir da noção pós-estrutural de impossibilidade de uma identidade fixa, como afirma Stuart Hall (2005), entende-se que não há uma identidade do professor a ser formada. Essa impossibilidade é um dos focos deste projeto a ser aprofundado teórica e empiricamente. Há, aqui, o entendimento de que as relações que o sujeito estabelece socialmente perpassam a produção de sentidos (CUNHA, 2015) e que os sentidos são contextuais, dependem da atuação dos sujeitos (de coletivos) inseridos em contextos específicos. Assim, sempre há 9884
3 sentidos múltiplos, resultantes de deslocamentos constantes nos contextos (entre sujeitos, objetos e disputas em torno deles) ou deslocamentos nas representações produzidas em diferentes espaços-tempos da ação docente na educação infantil. Desta forma, o objetivo da pesquisa é o de compreender como diferentes sentidos disputam a fixação da identidade do professor da Educação Infantil nos documentos curriculares nacionais e as implicações deste processo no contexto da prática na Rede Municipal de Ensino de Rondonópolis (MT). A pesquisa vem investigando os seguintes documentos oficiais: Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RECNEI) (BRASIL,1998), Resolução CEB n 0 1, de 07 de abril de 1999 (BRASIL,1999), Parecer CNE/CEB n 0 20/2009 (BRASIL,2009), Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (BRASIL, 2009), Práticas Cotidianas na Educação Infantil Bases para a reflexão sobre as orientações Curriculares (BRASIL, 2009), Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Básica (BRASIL, 2013) e o documento preliminar Base Nacional comum Curricular (BRASIL,2015). O estudo da política curricular de Educação Infantil está sendo apoiado pela Abordagem do Ciclo de Políticas (ACP) de Stephen Ball e colaboradores (1992), sobretudo via orientações sobre a ACP tratadas por Lopes e Macedo (2011) e por Jefferson Mainardes (2006), bem como discussões sobre política ancoradas na visão de Stephen Ball (Mainardes, 2006) e na visão de Chantal Mouffe (1996; 2003). A ACP coloca a possibilidade de estudar a política a partir de cinco contextos específicos: o contexto de influência, o contexto da produção do texto, o contexto da prática, o contexto dos resultados (efeitos) e o contexto da estratégia política. Para Lopes e Macedo (2001), a ACP colabora na compreensão de uma teoria de currículo menos determinista, especialmente ao focar os três contextos inicialmente definidos por Ball: contexto de influência; contexto da produção do texto político e contexto da prática. O viés de investigação no ciclo de políticas pretende afirmar a impossibilidade de as políticas fixarem uma identidade do professor na Educação Infantil, a partir das orientações curriculares, pois é entendido que, nos contextos, os sentidos se modificam permanentemente. Nos documentos investigados, a análise dos sentidos que constituem a política curricular nacional tem permitido entender que as definições curriculares projetam identidades como algo a ser construído pela eficiência de conteúdos aprendidos na formação, por situações pedagógicas sugeridas como mais adequadas, e até por comportamentos que as crianças devem expressar, muitas vezes entendidos como mensuráveis. Estes documentos tendem definir quais práticas, posturas, perfis, identidade para os professores asseguram a efetividade 9885
4 dos trabalhos com as crianças pequenas, quais práticas pedagógicas devem ser exercidas com as crianças. Os textos da política vêm afirmando o conjunto destas definições como o currículo da Educação Infantil. Esta lógica tem nos levado a propor, na dissertação, a concepção de currículo como uma prática discursiva. Macedo e Lopes (2011) entendem que as tradições definem o que é currículo, pois o currículo é, antes de mais nada, uma prática de poder, uma prática de significação ou de atribuição de sentidos. O currículo é, assim, uma prática cultural. Nestes termos, a definição de currículo é sempre aberta, pois depende das disputas de sentidos realizadas no campo da cultura. As tentativas de definir o currículo supõem que a qualidade da educação seja algo percebido por todos linearmente ou do mesmo modo, que pode orientar de modo igual diferentes contextos. O que vem a ser currículo da educação infantil, defendemos, resulta sempre da contingência, das possibilidades dos contextos nos quais a educação se faz. A noção de cultura, como um campo discursivo plural, onde as lutas por significação são permanentes e constituem-se em saberes, em conhecimentos, em visões de mundo, e a noção de sujeito descentrado (LOPES; MACEDO, 2011a) também estão sendo desenvolvidas com o objetivo de também subsidiar a análise de entrevistas com 03 coordenadores pedagógicos da Educação Infantil que atuam no contexto da prática (unidades de EI). A decisão de escolher os coordenadores pedagógicos como participantes da pesquisa considera que eles são, muitas vezes, os leitores privilegiados dos documentos oficiais nas unidades. Ainda serão analisadas, nos documentos, as disputas discursivas que produzem diferentes sentidos de ser professor e que, com isso, buscam fixar uma identidade docente. Com as entrevistas, buscaremos entender como tais sentidos são reinterpretados, traduzidos (traídos). Referências BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Referencial Curricular nacional para a educação infantil / Ministério da Educação e do Desporto, Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998. 9886
5. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Base Nacional Comum Curricular Versão Preliminar. Brasília: MEC, SEB, 2015. CUNHA, Érika Virgílio Rodrigues da Cunha. Política curricular de ciclos como o nome da democracia: o caso de Rondonópolis (MT). Tese (Doutorado em Educação) Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 237p. HALL, Stuart. A identidade cultural a pós-modernidade. Tradução: Tomaz Tadeu da SILVA, Guacira Lopes Louro 10. Ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2005. MAINARDES, Jefferson. Abordagem do Ciclo de Políticas: uma contribuição para a análise de políticas educacionais. Educação e Sociedade, Campinas, vol. 27, n. 94, p. 47-69, jan./abr. 2006 47. Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br> MOUFFE. Chantal. O Regresso do Político. 1993. Tradução: Ana Cecília Simões.1 a Edição. Lisboa: Gradiva, 1996. Democracia, cidadania e a questão do pluralismo. Política &Sociedade. n 0 3, outubro de 2003 LOPES, Alice Casimiro; MACEDO, Elizabeth. Teorias de Currículo. São Paulo: Cortez, 2011. Apoio: Faperj. MACEDO, Elizabeth. Currículo como espaço-tempo de fronteira cultural. Currículo sem Fronteiras, v 6, n 2, PP.98-113, Jul/Dez. 2006. Disponível em < www.curriculosemfronteiras.org.br> 9887