Processo Administrativo CORTE ESPECIAL Nº /RS RELATOR : Des. Federal RÔMULO PIZZOLATTI INTERESSADA : CORREGEDORIA REGIONAL

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Transcrição:

Processo Administrativo CORTE ESPECIAL Nº 0003021-32.2016.4.04.8000/RS RELATOR : Des. Federal RÔMULO PIZZOLATTI INTERESSADA : CORREGEDORIA REGIONAL DA JUSTIÇA FEDERAL DA 4ª REGIÃO RELATÓRIO Trata-se de recurso dos advogados Gomercindo Lins Coitinho e Outros contra decisão do Corregedor-Regional da Justiça Federal da 4ª Região, no que determinou o arquivamento da representação apresentada pelos recorrentes visando: (I) à instauração de processo administrativo disciplinar contra o juiz federal Sérgio Fernando Moro, conforme previsto nos artigos 402 e seguintes do Regimento Interno do TRF da 4ª Região, (II) (II) ao afastamento cautelar do mesmo magistrado até a decisão final do processo disciplinar, com base no artigo 405 do Regimento Interno do TRF da 4ª Região, (III) (III) à imposição de medidas disciplinares cabíveis por violação ao artigo 35, I, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LC nº 35, de 1979) e aos artigos 25 e 12 do Código de Ética da Magistratura Nacional, (IV) à averiguação de ocorrência de infração ao disposto na Resolução 59 do Conselho Nacional de Justiça, (IV) ao envio de cópia da representação à Corregedoria Nacional de Justiça, à vista do disposto no artigo 19 da Resolução nº 59 do mesmo órgão, (V) ao envio de cópia da representação à autoridade competente para a investigação sobre cometimento do crime do artigo 325 do Código Penal, (VI) à publicação de atos decisórios com fundamentação clara, explícita e congruente, conforme o artigo 50 da Lei de Processo Administrativo Federal (Lei nº 9.784, de 1999). Por meio da referida representação, os ora requerentes questionam, em síntese, a adequação às disposições do Estatuto da Magistratura e do Código de Ética dos Magistrados das decisões proferidas nos

autos do expediente judicial [pedido de interceptação telefônica no âmbito da chamada "Operação Lava-Jato"] pelo Juiz Federal Sérgio Moro, especialmente i) a manutenção nos autos de áudio de comunicação telefônica interceptada sem ordem judicial - porque ocorrida posteriormente à determinação de interrupção da medida investigatória ; ii) a manutenção nos autos de áudios cujos conteúdos mostramse totalmente desvinculados do objeto da investigação, não havendo qualquer ligação, sequer reflexa, com as supostas práticas criminosas investigadas; iii) o levantamento do sigilo judicial dos expedientes, o que resultou na ampla e imediata divulgação dos áudios inclusive daquele gravado sem ordem judicial e assim esmo mantido nos autos - nos veículos de comunicação social, os quais, como se pode perceber da escuta dos diálogos, em nada se relacionam com o objeto da investigação representação, páginas 9, final e 10, início). A decisão recorrida, por seu turno, após longa fundamentação, conclui: Não restando evidenciado que o magistrado agiu com dolo, fraude, ou grave desídia, não há motivo para cogitar-se da aplicação de sanção disciplinar. Ademais, as questões ora abordadas encontram-se intensamente judicializadas na mais alta Corte do país, como se verifica tanto pelos Mandados de Segurança nºs. 34070 e 34071, da Relatoria do Ministro Gilmar Mendes, quanto pela Reclamação n. 23457, da Relatoria do Ministro Teori Zavascki. Impõe-se, pois, o arquivamento das presentes reclamações, nos termos do art. 11, inc. I, da Consolidação da Corregedoria Regional da Justiça Federal da 4ª Região. Certifiquem-se o magistrado e os reclamantes. Comunique-se a Corregedoria Nacional de Justiça, a teor do art. 9º, 3º, da Resolução

n. 135 de 2011, do CNJ (decisão recorrida, páginas 7, final e 8, início). VOTO Os fatos que fundamentam a representação dos recorrentes já foram apreciados pelo Supremo Tribunal Federal (STF), nos autos da Reclamação (Rcl) nº 23.457, rel. Min. Teori Zavascki, julgamento em 13-06-2016. Ali, o magistrado ora representado assim se explica: Diante da controvérsia decorrente do levantamento do sigilo e da r. decisão de V. Ex.ª, compreendo que o entendimento então adotado possa ser considerado incorreto, ou mesmo sendo correto, possa ter trazido polêmicas e constrangimentos desnecessários. Jamais foi a intenção desse julgador, ao proferir a aludida decisão de 16/03, provocar tais efeitos e, por eles, solicito desde logo respeitosas escusas a este Egrégio Supremo Tribunal Federal. O levantamento do sigilo não teve por objetivo gerar fato políticopartidário, polêmicas ou conflitos, algo estranho à função jurisdicional, mas, atendendo ao requerimento do MPF, dar publicidade ao processo e especialmente a condutas relevantes do ponto de vista jurídico e criminal do investigado do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva que podem eventualmente caracterizar obstrução à Justiça ou tentativas de obstrução à Justiça (art. 2º, 1º, da Lei nº 12.850/2013). [...] Nessa linha, também se encontra o diálogo controvertido, de 16/03/2016, entre o ex Presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a Exma. Presidenta da República Dilma Rousseff. Tal diálogo foi juntado pela autoridade policial no evento 133 e foi interceptado após este Juízo ter determinado o encerramento das interceptações, mas antes da efetivação da medida pelas operadoras. Foi colhido mediante interceptação do assessor de nome Moraes do ex-presidente e a sua apreensão foi algo muito fortuito. [...]

Quanto ao conteúdo, da mesma forma que os demais, entendeu este julgador que ele tinha relevância jurídico-criminal para o ex- Presidente, já que presente a apuração se a aceitação por ele do cargo de Ministro Chefe da Casa Civil teria por objetivo obter proteção jurídica contra as investigações. Considerando que a investigação tinha por foco condutas supostamente criminais do ex-presidente e o conteúdo, na perspectiva criminal, juridicamente relevante do diálogo para ele, entendi que não haveria óbice na interceptação e no levantamento do sigilo. No momento, de fato, não percebidos eventuais e possíveis reflexos para a própria Exma. Presidenta da República. Por seu turno, o relator da Reclamação entendeu que a divulgação pública das conversações telefônicas interceptadas, nas circunstâncias em que ocorreu, comprometeu o direito fundamental à garantia de sigilo, que tem assento constitucional. O art. 5º, XII, da Constituição somente permite a interceptação de conversações telefônicas em situações excepcionais, 'por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal'. Há, portanto, quanto a essa garantia, o que a jurisprudência do STF denomina reserva legal qualificada. A lei de regência (Lei 9.269/1996), além de vedar expressamente a divulgação de qualquer conversação interceptada (art. 8º), determina a inutilização das gravações que não interessem à investigação criminal (art. 9º). Não há como conceber, portanto, a divulgação pública das conversações do modo como se operou, especialmente daquelas que sequer têm relação com o objeto da investigação criminal. Contra essa ordenação expressa, que - repitase, tem fundamento de validade constitucional é descabida a invocação do interesse público da divulgação ou a condição de pessoas públicas dos interlocutores atingidos, como se essas autoridades, ou seus interlocutores, estivessem plenamente desprotegidas em sua intimidade e privacidade.

Não vislumbrou o relator da Reclamação, contudo, indícios de infração administrativa ou penal por parte do magistrado representado, caso contrário teria determinado o encaminhamento de peças ao Ministério Público (CPP, art. 40) e/ou aos órgãos correicionais competentes (CNJ, CJF, TRF da 4ª Região). De qualquer sorte, impõe-se a este Tribunal, no exercício de sua competência correcional, apreciar o mérito da representação. Pois bem, os representantes imputam ao magistrado representado haver infringido o art. 35, I, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional e os artigos 25 e 12 do Código de Ética da Magistratura Nacional, ao descumprir os artigos 8º e 9º da Lei nº 9.296, de 1996, e o artigo 17 da Resolução CNJ nº 59, de 09-09-2008: in verbis: Lei Orgânica da Magistratura Nacional: Art. 35 - São deveres do magistrado: I - Cumprir e fazer cumprir, com independência, serenidade e exatidão, as disposições legais e os atos de ofício; Código de Ética da Magistratura Nacional: Art. 25.Especialmente ao proferir decisões, incumbe ao magistrado atuar de forma cautelosa, atento às consequências que pode provocar. Art. 12. Cumpre ao magistrado, na sua relação com os meios de comunicação social, comportar-se de forma prudente e equitativa, e cuidar especialmente: I - para que não sejam prejudicados direitos e interesses legítimos de partes e seus procuradores; II de abster-se de emitir opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos, sentenças ou acórdãos, de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos, doutrinária ou no exercício do magistério. Lei nº 9.296, de 1996: Art. 8 - A interceptação de comunicação telefônica, de qualquer natureza, ocorrerá em autos apartados, apensados aos autos do inquérito policial ou do processo criminal, preservando-se o sigilo das diligências, gravações e transcrições respectivas.

Parágrafo único. A apensação somente poderá ser realizada imediatamente antes do relatório da autoridade, quando se tratar de inquérito policial (Código de Processo Penal, art.10, 1 ) ou na conclusão do processo ao juiz para o despacho decorrente do disposto nos arts. 407, 502 ou 538 do Código de Processo Penal. Art. 9 A gravação que não interessar à prova será inutilizada por decisão judicial, durante o inquérito, a instrução processual ou após esta, em virtude de requerimento do Ministério Público ou da parte interessada. Resolução CNJ nº 59, de 09 de setembro de 2008: Art. 17. Não será permitido ao Magistrado e ao servidor fornecer quaisquer informações, direta ou indiretamente, a terceiros ou a órgão de comunicação social, de elementos sigilosos contidos em processos ou inquéritos regulamentados por esta Resolução, ou que tramitem em segredo de Justiça, sob pena de responsabilização nos termos da legislação pertinente. (Redação dada pela Resolução 217, de 16-02-2016). 1º No caso de violação de sigilo de que trata o caput deste artigo, por integrantes do Poder Judiciário ou por membros de outras instituições, dentre as quais a polícia, o Ministério Público e a advocacia, o Magistrado responsável pelo deferimento da medida requisitará a imediata apuração dos fatos pelas autoridades competentes, sob pena de responsabilização. (incluído pela Resolução 217, de 16-02-2016). 2º Decorrido prazo razoável, o Magistrado solicitará informações sobre o andamento das investigações. (incluído pela Resolução 217, de 16-02-2016)) De início, impõe-se advertir que essas regras jurídicas só podem ser corretamente interpretadas à luz dos fatos a que se ligam e de todo modo verificado que incidiram dentro do âmbito de normalidade por elas abrangido. É que a norma jurídica incide no plano da normalidade, não se aplicando a situações excepcionais, como bem explica o jurista Eros Roberto Grau: A 'exceção' é o caso que não cabe no âmbito da 'normalidade' abrangida pela norma geral. A norma geral deixaria de ser geral se

a contemplasse. Da 'exceção' não se encontra alusão no discurso da ordem jurídica vigente. Define-se como tal justamente por não ter sido descrita nos textos escritos que compõem essa ordem. É como se nesses textos de direito positivo não existissem palavras que tornassem viável sua descrição. Por isso dizemos que a 'exceção' está no direito, ainda que que não se encontre nos textos normativos do direito positivo. Diante de situações como tais o juiz aplica a norma à exceção 'desaplicando-a', isto é, retirando-a da 'exceção [Agamben 2002:25]. A 'exceção' é o fato que, em virtude de sua anormalidade, resulta não incidido por determinada norma. Norma que, em situação normal, o alcançaria (GRAU, E. R. - Por que tenho medo dos juízes (a interpretação/aplicação do direito e os princípios). 6ª ed. refundida do Ensaio e Discurso sobre a Interpretação/Aplicação do Direito. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 124-25). Ora, é sabido que os processos e investigações criminais decorrentes da chamada "Operação Lava-Jato", sob a direção do magistrado representado, constituem caso inédito (único, excepcional) no direito brasileiro. Em tais condições, neles haverá situações inéditas, que escaparão ao regramento genérico, destinado aos casos comuns. Assim, tendo o levantamento do sigilo das comunicações telefônicas de investigados na referida operação servido para preservá-la das sucessivas e notórias tentativas de obstrução, por parte daqueles, garantindo-se assim a futura aplicação da lei penal, é correto entender que o sigilo das comunicações telefônicas (Constituição, art. 5º, XII) pode, em casos excepcionais, ser suplantado pelo interesse geral na administração da justiça e na aplicação da lei penal. A ameaça permanente à continuidade das investigações da Operação Lava-Jato, inclusive mediante sugestões de alterações na legislação, constitui, sem dúvida, uma situação inédita, a merecer um tratamento excepcional. Parece-me, pois, incensurável a visão do magistrado representado - anterior à decisão do STF na Rcl nº 23.457 -, no sentido de que a publicidade das investigações tem sido o mais eficaz meio de

garantir que não seja obstruído um conjunto, inédito na administração da justiça brasileira, de investigações e processos criminais - "Operação Lava-Jato" -, voltados contra altos agentes públicos e poderes privados até hoje intocados. Aliás, o próprio Supremo Tribunal Federal já havia assentado que mesmo o sigilo de correspondência, a despeito de a Constituição garantir-lhe literalmente inviolabilidade absoluta (art. 5º, XII), não pode constituir instrumento de salvaguarda de práticas ilícitas, sendo permitida sua violação em casos excepcionais, como aquele previsto no parágrafo único do artigo 41 da Lei de Execução penal, em relação à correspondência remetida pelos sentenciados (HC nº 70.814, rel. Min. Celso de Mello, DJ de 24-06-1994). Por razões análogas, o sigilo das comunicações telefônicas - expressamente relativizado pela Constituição - não poderia favorecer condutas ilícitas de investigados, tendentes à obstrução das investigações criminais. Enfim, cabe enfatizar que, antes da Reclamação nº 23.457, não havia precedente jurisprudencial de tribunal superior aplicável pelo representado, mesmo porque, como antes exposto, as investigações e processos criminais da chamada "Operação Lava- Jato" constituem caso inédito, trazem problemas inéditos e exigem soluções inéditas. Em tal contexto, não se pode censurar o magistrado, ao adotar medidas preventivas da obstrução das investigações da Operação Lava-Jato. Apenas a partir desse precedente do STF (Rcl nº 23.457) é que os juízes brasileiros, incluso o magistrado representado, dispõem de orientação clara e segura a respeito dos limites do sigilo das comunicações telefônicas interceptadas para fins de investigação criminal. Em tais condições, tenho que agiu com acerto a autoridade recorrida, ao determinar o arquivamento da representação, por não haver indícios de prática de infração disciplinar. Ante o exposto, voto por negar provimento ao recurso. Des. Federal RÔMULO PIZZOLATTI.

Documento eletrônico assinado por Des. Federal RÔMULO PIZZOLATTI, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8527569v23 e, se solicitado, do código CRC 6ABE0851. RO