COPRODUÇÕES NO ESPAÇO IBERO-AMERICANO: OS CASOS DE BRASIL E PORTUGAL Helyenay (Nay) Souza Araújo 1 Resumo: O programa Ibermedia é um dos maiores e mais bem sucedidos projetos de cooperação cinematográfica internacional na atualidade. Sua missão é trabalhar para a criação de um espaço audiovisual ibero americano através de apoios financeiros e concursos abertos aos produtores de cinema independentes dos países membros da América Latina e Península Ibérica. Com apenas dois países participantes, a língua portuguesa está numa posição minoritária dentro do programa, uma contrariedade que curiosamente tem aproximado os dois países lusófonos no âmbito dos projetos de coprodução desenvolvidos: 20 dos 30 projetos de coprodução portugueses tem o Brasil como parceiro e 18 dos 47 projetos de coprodução brasileiros tem Portugal como coprodutor. Mas os dois países mantém também diversas relações com outros países do Ibermedia, parcerias que interessa conhecer na sua globalidade e nas suas diferentes especificidades. O objetivo desta proposta é mapear e identificar todos os projetos de coprodução do programa Ibermedia que incluem Brasil e Portugal como participantes maioritários e minoritários. Também se pretende compreender a importância destes projetos de coprodução para as políticas públicas de cinema dos respectivos países. Em última análise, pretende-se ainda ajudar a tornar mais claras as relações de poder entre todos os participantes nessa comunidade ibero-americana de cooperação cinematográfica. Palavras-chave: coprodução cinematográfica; cinema ibero-americano; Programa Ibermédia. Contato: xicanay@gmail.com Nos últimos anos, muitas políticas audiovisuais têm focado no apoio à produção de filmes em regime de coprodução como estratégia para impulsionar cinematografias nacionais. No caso português, conforme afirma Paulo Cunha (2013), tem-se privilegiado a estratégia de associação com os países de língua oficial portuguesa e estabelecidas relações de contato, especialmente por meio de três espaços: o europeu, desde a adesão a Comunidade Econômica Europeia, o lusófono, apoiado nos trabalhos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e o latino americano, por 1 Doutoranda na Universidade do Estado do Rio e Janeiro (UERJ), Instituto de Artes. Pesquisadora vinculada ao LCV-UERJ/UFF. Araújo, Helyenay (Nay) Souza. 2016. Coproduções no espaço ibero-americano: os casos de Brasil e Portugal. In Atas do V Encontro Anual da AIM, editado por Sofia Sampaio, Filipe Reis e Gonçalo Mota, 395-400. Lisboa: AIM. ISBN 978-989-98215-4-5.
Atas do V Encontro Anual da AIM influência do Brasil e Espanha, com destaque para a participação do país no Programa Ibermedia 2. O Brasil, que no final dos anos de 1990 e início dos anos 2000, passou por um profundo processo de restruturação de sua estrutura produtiva cinematográfica, especialmente com o fim da intervenção direta do estado, após o encerramento das atividades da EMBRAFILME, e posteriormente, com a implantação das leis de incentivo, intensificou sua adesão também à lógica da coprodução cinematográfica como estratégia, passando a orquestrá-la principalmente através de convênios internacionais de produção cinematográfica na América Latina, com destaque também para sua participação no Programa Ibermedia. Para além desta participação, o país mantém hoje outros convênios e acordos internacionais de coprodução, como os exemplos dos acordos bilaterais de coprodução com a Argentina (1999), Alemanha (2008), Canadá (1999), Chile (1996), Espanha (1963), França (1969), Índia (2007), Itália (1974), Portugal (1981) e Venezuela (1990); além dos três acordos multilaterais de coprodução: a) Convênio de integração cinematográfica ibero-americana; b) Acordo de criação do mercado comum cinematográfico latino-americano; e c) Acordo latino-americano de coprodução cinematográfica. Este trabalho, conforme já foi apresentado no resumo acima, tem como objetivo primeiro analisar as relações existentes entre Brasil e Portugal no âmbito das coproduções realizadas entre os dois países a partir do Programa Ibermedia. Em segundo plano, no entanto, pretendemos também analisar e refletir sobre os resultados dessas coproduções para o contexto das políticas culturais desses dois países e para a conformação de uma política cinematográfica ancorada na ideia de lusofonia. O Programa Ibermédia Em 1989, o Convênio de Integração Cinematográfica Ibero-americana, dentre outras atividades, fundou a Conferência das Autoridades Cinematográficas da 2 Portugal não formalizou até hoje sua adesão ao Programa Ibermedia, participando deste modo, de forma voluntária. 442
Helyenay (Nay) Souza Araújo Ibero-América (CAACI). Por conseguinte, no âmbito da CAACI, foram assinados os Acordos Latino Americano de Coprodução Cinematográfica e o Acordo para Criação do Mercado Cinematográfico Latino-americano. Na ocasião ainda, os trezes países membros da CAACI subscreveram no Convênio de Integração Cinematográfica Ibero-americana a possibilidade de criação de um fundo financeiro multilateral de fomento à atividade cinematográfica. Essas foram as bases que fundamentaram a criação do Programa Ibermedia. Em 1995, na Argentina, na ocasião da V Cúpula Ibero-americana de Chefes de Estado e Governo, os países da Espanha, México e Venezuela apresentaram um projeto que foi aprovado como Programa Ibermedia. Posteriormente, este programa foi ratificado na decisão da VII Cúpula Ibero- Americana de Presidentes e Chefes de Governo, ocorrida na ilha de Margarita, Venezuela, em novembro de 1997 e finalmente, foi posto em funcionamento em 1998, na VIII Cúpula Ibero-americana, no Porto, em Portugal. A primeira convocatória para seleção de projetos de coprodução deu-se logo neste ano. O Programa de Desenvolvimento em Apoio à Construção do Espaço Audiovisual Ibero-americano (Programa Ibermedia) é uma iniciativa multilateral de cooperação que atua através do estimulo ao fomento da coprodução e distribuição de filmes e televisão independente em língua espanhola e portuguesa. A partir do gerenciamento de um sistema de incentivos, o Ibermedia visa principalmente ampliar a presença da produção e da distribuição das obras audiovisuais ibero-americanas tanto nos mercados internacionais quanto nos próprios mercados domésticos de seus países membros. Atualmente, são dezanove os países (Argentina, Bolívia, Brasil, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Chile, Equador, Espanha, Guatemala, México, Panamá, Paraguai, Peru, Portugal, Porto Rico, República Dominicana, Uruguai e Venezuela) membros que participam do Programa e que se comprometem a pagar a cota anual mínima de cem mil dólares para financiar suas atividades propostas. A administração desse dinheiro, bem como de todas essas atividades também estão a cargo de uma instância supranacional dirigida por um Comitê Inter-Governamental (reunido uma vez por ano para decidir os 443
Atas do V Encontro Anual da AIM projetos que serão impulsionados pela iniciativa). Cada Estado membro pode designar uma autoridade cinematográfica como seu representante e há a manutenção de uma unidade técnica, de caráter executivo, sediada em Madrid. Ao longo de seus dezasseis anos, o Ibermedia já promoveu 22 convocatórias de coprodução e ajudou a financiar a coprodução de 636 projetos audiovisuais. Ao todo, foram 1975 projetos beneficiados pelo Programa, contando as outras categorias de ajudas do programa. 500 filmes foram estreados e 78 milhões de dólares foram investidos 3. As convocatórias para participação no programa, referentes às modalidades de coprodução e desenvolvimento, são dirigidas às empresas de produção cinematográficas independentes, estabelecidas em algum de seus países membros 4. De acordo com Denise Mota da Silva, países que não sejam membros do programa podem entrar nos projetos, desde que sua participação não exceda 30% do custo total do longa metragem (2007,81). A autora explica ainda que a coprodução recebe longa metragens de ficção com duração mínima de 40 minutos e documentários. Em projetos multilaterais, o mínimo a ser pedido é 10% do valor total, e o máximo de 70% (Silva 2007, 81). 60% dos recursos do fundo são destinados à coprodução (Villazana 2007). As coproduções recebem o mesmo tratamento de obra nacional em cada país que compõe seu quadro de produtores. O apoio financeiro dado à coprodução no Ibermedia é baseado em empréstimos reembolsáveis, conforme premissa do programa, atribuídos a cada coprodutor em função da sua porcentagem de participação financeira na coprodução. De acordo com os parâmetros estabelecidos na última convocatória, a efeito de avaliar a 3 Dados oficiais do Programa. Disponíveis em: www.programaibermedia.com 4 Por definição do Programa, empresa de produção independente é aquela que produz conteúdo audiovisual, mas não participa majoritariamente como difusora de televisão, nem do ponto de vista do capital nem do comercial. Considera-se que existe participação majoritária quando mais de 25% do capital das ações de uma empresa produtora seja propriedade de um único difusor (50% no caso de vários difusores) ou quando, no período de três anos, mais de 90% do faturamento da empresa produtora seja gerado em cooperação com algum difusor. A aplicação desses critérios leva em consideração as leis audiovisuais dos Países Membros constituintes do Programa Ibermedia. Disponível em: http://segib.org/upload/ibermedia(2).pdf. Acessado em 22/02/2015. 444
Helyenay (Nay) Souza Araújo procedência do reembolso 5, tanto o orçamento como o plano de financiamento definitivo do projeto deverão formar parte integrante do contrato de concessão da ajuda do fundo. Os projetos devem apresentar cooperação artística e técnica entre, pelo menos, dois coprodutores pertencentes a diferentes Estados membros do Programa. São elegíveis aquelas coproduções multilaterais nas quais dois produtores cooperem técnica e artisticamente, sendo a participação do outro, ou dos outros, financeira. A partir de 2005, o Programa IBERMEDIA se fortaleceu, aumentando os seus recursos e multiplicando a quantidade de projetos aprovados que passaram de 25 (em 2003). Sobre as coproduções do Brasil e de Portugal no Programa Ibermedia A partir de uma busca simples pela base de dados do site do Programa Ibermedia, foi possível descobrir que o Brasil apresentou como coprodutor maioritário 55 projetos de coprodução até o momento. Portugal apresentou para as convocatórias de coprodução 34 filmes. 25 destes 34 projetos de coprodução portuguesa maioritária têm o Brasil como um dos produtores minoritários e 18 dos 55 projetos de coprodução brasileira maioritária têm Portugal como parceiro minoritário. No site, não é permitido fazer uma busca mais eficiente das participações minoritárias dos dois países em projetos de outros países membros. O levantamento sobre as produtoras neste banco de dados também demonstrou que há deficiência ou falha na contabilização das mesmas. Muitas coprodutoras aparecem com nomes duplicados ou com razão social diversa ou simplesmente não aparecem, enquanto que, se fizermos uma busca simples pelo filme em outras bases de dados, saberemos que elas existem. Na ocasião da minha apresentação no congresso da AIM deste ano, cheguei a concluir, por exemplo, com base no banco de dados do site do programa, que a produtora portuguesa que mais parcerias estabeleceu com o Brasil foi a Fado Filmes (cinco filmes), seguida pelas produtoras Lap Filmes e a Costa do Castelo, ambas com 5 Conforme explica Denise Mota da Silva (2007), o empréstimo concedido pelo fundo deve, posteriormente, ser reembolsado a este fundo através da renda obtida com o filme por cada coprodutor. 445
Atas do V Encontro Anual da AIM duas coproduções cada. No entanto, uma análise mais atenta sobre os dados, realizada posteriormente, permitiu-me concluir que este número é diferente, uma vez que a própria Fado Filmes aparece outras vezes na base de dados, porém, como nomes diferentes. No lado brasileiro, ocorre o mesmo: a produtora brasileira Plateau Marketing E Produções Culturais Ltda aparece como a mais repetida entre as produtoras que mais projetos realizaram com Portugal no âmbito do Programa, porém, este dado não está correto, uma vez que outras produtoras aparecem mais de uma vez no banco de dados com nome e razão social diferentes. Sobre gênero dos filmes, a base de banco de dados do Programa Ibermedia aponta uma maioria absoluta de filmes em gênero de ficção/drama como o mais coproduzido entre os dois países. Três filmes de gênero documentário e quinze de gênero ficção/drama são os coproduzidos entre os dois tendo Portugal como representante maioritário. No lado oposto, vinte filmes de gênero ficção, três de documentário e outros dois em que não tem indicação do gênero especificada no sítio eletrônico do Programa constituem os gêneros dos filmes brasileiros de coprodução maioritária com Portugal. No banco de dados do Programa não é possível saber a data de início das coproduções nem dados gerais sobre renda e público após estreia. O site apenas indica se foi estreado e o ano da estreia do filme. Também no site não é possível saber porque alguns filmes não foram estreados, nem se devolveram o recurso ao fundo. O mapeamento e identificação desses projetos de coprodução a partir do Ibermedia servem pouco para dar os subsídios para os estudos que queremos empreender no sentido de compreender a importância das coproduções realizadas no âmbito do programa para as políticas audiovisuais dos e entre os dois países aqui investigados. Muito menos, esses dados superficiais permitem realizar uma análise mais profunda da ideia de formação de um espaço de lusofonia dentro do Programa Ibermedia. No entanto, esses primeiros dados já nos apontam alguns caminhos importantes e que não devem ser desprezados. Nessa análise mais geral, vê-se claramente que o maior parceiro de Portugal no Programa é o Brasil, pelo menos nos projetos em que o Estado 446
Helyenay (Nay) Souza Araújo português é coprodutor maioritário. Já no caso brasileiro, se cruzamos os dados apresentados pela base de dados do Ibermedia com os dados sobre coprodução apresentados pela ANCINE, a partir de 2005, podemos concluir em uma matemática simples que 68% das coproduções brasileiras maioritárias tiveram apoio do Programa Ibermedia. Esse número pode ser ainda maior, visto que a ANCINE ainda não possui dados consolidados dos anos anteriores e o Ibermedia funciona desde 1998. Enfim, para concluir e partindo da afirmação de que ainda são poucas as coproduções entre países de expressão portuguesa que possam existir fora de programas oficiais de incentivo (Cunha 2013, 88), faz-se necessário um mapeamento e análise mais profunda do Programa Ibermedia através de seus dados disponíveis oficialmente, mas também daqueles não divulgados oficialmente pelo Programa. É a partir dessa investigação que melhor conheceremos as relações de aproximação dos cinemas realizados e postos em circulação entre Brasil e Portugal a partir do programa, como também as aproximações cinematográficas desses dois países com os seus outros parceiros latino-americanos dentro dessa proposta de formação de um espaço audiovisual ibero-americano. BIBLIOGRAFIA Cunha, Paulo. 2013. Coproduzir em português: a política e da prática. In Dennison, S. World cinema: As novas cartografias do cinema mundial. Campinas: Papirus. Meleiro, A. (org.). 2007. Cinema no mundo indústria política e mercado (América Latina) Vol II. São Paulo: Escrituras e Iniciativa Cultural. Silva, Denise Mota. 2007. Vizinhos distantes: Circulação cinematográfica no Mercosul. São Paulo: Annablume, Fapesp. Villazana, Libia (2007). Iniciativas sinérgicas de co-produção, distribuição e exibição no cinema latino-americano. In Meleiro, Alessandra (org.). Cinema no mundo: indústria, política e mercado. Vol II. São Paulo: Escrituras e Iniciativa Cultural. WEBGRAFIA CAACI - http://www.caaci.int/ IBERMEDIA: http://www.programaibermedia.com/ ICA: http://www.ica-ip.pt/ OBS LUMIERE: ttp://lumiere.obs.coe.int/ OCA: http://oca.ancine.gov.br/ 447