A EXPERIÊNCIA DO ENSINO DE HABITAÇÃO SOCIAL NO CURSO DE ARQUITETURA E URBANISMO DA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PELOTAS, RS, BRASIL



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Transcrição:

A EXPERIÊNCIA DO ENSINO DE HABITAÇÃO SOCIAL NO CURSO DE ARQUITETURA E URBANISMO DA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PELOTAS, RS, BRASIL Noé Vega, Beatrice Ardizzone, Célia Gonsales, Luciane Borges, Luís Antônio Veríssimo e Ricardo Mendez. Resumo: O curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Católica de Pelotas passou por uma reforma curricular significativa no ano de 2001, cujo critério norteador foi a busca de espaços diferenciados de construção individual e coletiva de saberes teóricopráticos, numa dinâmica intertemáticar, a partir da investigação, criação e co-participação, desenvolvendo estratégias de auto-aprendizagem. Essas alterações contemplaram a fusão da maioria das disciplinas em ateliês integrados. Nesse contexto, o presente artigo descreve a experiência pedagógica e a metodologia de ensino adotada no desenvolvimento das atividades acadêmicas do Ateliê VI cujo tema gerador é a habitação de interesse social. Embora o Atelier VI ainda esteja em construção, visto que está em seu primeiro semestre, o objetivo principal de expor essa experiência centra-se na possibilidade de discutir sua metodologia em um fórum de âmbito latino americano e receber a crítica que certamente contribuirá para sua maturação. 1. O DESAFIO DO ENSINO DA HABITAÇÃO SOCIAL Um dos mais graves problemas que se defrontam as sociedades atuais diz respeito a carência de moradia adequada, entendida não apenas como um mero abrigo, mas também como um conjunto de elementos ligados ao saneamento básico, serviços urbanos, educação e saúde. Embora não seja um problema restrito à realidade brasileira, os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2000) revelam uma situação crítica, um déficit habitacional estimado em 6 milhões que atinge, principalmente as camadas de renda mais baixa da população. Paralelo ao déficit total, o estudo da Fundação João Pinheiro menciona uma cifra em torno de 8,8 milhões de habitações consideradas inadequadas, pela carência ou insuficiência de infra-estrutura básica, que constituem o chamado déficit qualitativo. Esses dados além de reforçarem a urgência na análise e no tratamento do problema habitacional no Brasil, conduzem a responsabilidade da educação, enquanto instrumento potencial para a mudança, que deve atuar não só na busca de soluções, como também, na conscientização dos indivíduos. Na Universidade o ensino da habitação de interesse social aborda a necessidade de implementar pautas que contenham condicionantes para que o processamento de projeto contemple variáveis sócio-econômicas, culturais, tecnológicas e financeiras no contexto do projeto. A aceitação destes condicionantes na formação profissional deve ser aperfeiçoada pela informação, investigação, transferência e cooperação técnica, para que os saberes não sejam um campo particular nas escolas, mas que transcendam e influenciem interdisciplinarmente nas condutas sociais e profissionais. É importante salientar que qualquer ação para transformar e/ou minimizar esse contexto, requer o compromisso do educador, na formação da consciência profissional; da estrutura curricular, com a inserção de conteúdos relacionados ao problema motivando os futuros profissionais a atuarem na minimização do problema habitacional do país. Acreditando nisso, o Curso de Arquitetura e Urbanismo (CAU) da Universidade Católica de Pelotas (UCPEL) tem procurado abordar o tema habitação de interesse social através de um caminho pedagógico autônomo para que o acadêmico possa aprender, respondendo às exigências sociais, apoiado em uma realidade imediata de aprendizagem que favorece a transferência dos conhecimentos diante de situações que o exijam.

2. HABITAÇÃO SOCIAL NA ESTRUTURA CURRICULAR TRADICIONAL As Diretrizes Curriculares aprovadas em 17 de dezembro de 1994 que regulamentam a estrutura de ensino dos Cursos de Arquitetura e Urbanismo no Brasil estabelecem uma linha geral de oferta de conteúdos que são classificados como fundamentais e profissionais e que devem ser desenvolvidos em uma carga horária mínima de 3600 horas. No caso da UCPEL e da maioria das instituições de ensino privado, a formação do aluno conta somente com os padrões mínimos exigidos pelo governo. A temática habitação de interesse social tem sido trabalhada desde a implementação do curso em 1991. Entretanto, durante esses anos pode-se identificar três processos distintos no encaminhamento do problema. No primeiro, o tema habitação, inserido em uma estrutura curricular tradicional, foi tratado como uma disciplina de projeto convencional, com uma carga horária de 119 horas semestrais, correspondente a 3,3% da carga total do curso. A principal característica desse momento foi a inexistência de políticas habitacionais federais que dessem suporte ao exercício de projeto. A abordagem do problema era feita a partir da análise crítica dos conjuntos habitacionais produzidos segundo as diretrizes do então já extinto Banco Nacional de Habitação (BNH). As atividades desenvolvidas na primeira metade do semestre consistiam em visitas técnicas a conjuntos habitacionais locais e regionais e a avaliação pós-ocupação dos mesmos. Os aspectos tecnológicos, materiais e sistemas construtivos, eram abordados por meio de pesquisa e seminários. Fundamentados por essas análises, os estudantes propunham a espacialização da proposta em uma área previamente escolhida pelo professor. O projeto era desenvolvido até o nível de detalhamento técnico das diferentes tipologias propostas. O segundo processo diferencia-se do primeiro pela adoção dos parâmetros do Programa de Arrendamento Residencial (PAR) proposto pela Caixa Econômica Federal. O Governo Federal lançou este Programa para atender, exclusivamente, a necessidade de moradia da população com renda familiar entre 3 e 6 salários mínimos. Esse público tem acesso ao Programa mediante contrato de arrendamento residencial, com direito à propriedade ao fim do período de 15 anos. Uma série de condicionantes impostos pelo PAR favoreceu substancialmente a atividade projetual. Entre essas exigências a inserção dos empreendimentos em malha urbana consolidada com infra-estrutura básica (água, solução de esgotamento sanitário, energia elétrica, vias de acesso, transportes públicos); a facilidade de acesso a pólos geradores de emprego e renda; a viabilidade de aproveitamento de terrenos públicos ou privados próximos às linhas de transporte e o incentivo à recuperação de áreas de risco ambiental, foram restrições e potencialidades que projetaram o exercício a uma escala urbana para a escolha da área de implementação. Além disso, restrições econômicas, como por exemplo o valor máximo de R$ 22.500,00 por unidade residencial, associado ao limite máximo de 160 unidades por empreendimento com área útil mínima de 37m² respeitando a tipologia de dois dormitórios por unidade conferiram ao projeto dados mais realistas sobre a atividade de projetar para o público de baixa renda. A vinculação do exercício às prerrogativas do PAR foi extremamente significante no desempenho dos estudantes, pois as discussões tornaram-se muito produtivas, num questionamento sobre diversos aspectos do Programa a exemplo da faixa salarial do público alvo, critérios e formas de eleição de áreas na cidade para os empreendimentos, áreas máximas da gleba, densidade populacional, dimensões mínimas das unidades, número de vagas de estacionamento, infra-estrutura, tecnologia, tipologia edilícia, inserção em tecido urbano consolidado, entre outros fatores.

Após essas reflexões o acadêmico realizava o exercício efetivo de projeto em uma área urbana, não maior que 2 hectares. A realização de pesquisas e seminários foram incentivadas, acentuando a importância e necessidade da utilização de tecnologias sustentáveis, sob o aspecto qualitativo e econômico, para a viabilização do projeto. A análise comparativa desses dois processos permite inferir que no primeiro, em função dos referenciais para o desenvolvimento do exercício fundamentarem-se nos antigos programas do BNH, o produto da atividade projetual caracterizou-se como essencialmente teórico e pouco vinculado à realidade habitacional do momento. Além disso, constatava-se por parte dos alunos e, supõe-se que em função da carência de restrições políticas recentes para a produção do projeto, um desinteresse e o conseqüente afastamento de discussões de cunho social. Já no segundo processo verificou-se um melhor desempenho do estudante que foi capaz de problematizar mais consistentemente as questões habitacionais. Por fim, a metodologia de ensino adotada atualmente difere substancialmente das anteriores em função de uma reforma estrutural no curso que buscou acima de tudo o trabalho interdisciplinar através da integração de várias disciplinas no que se convencionou chamar de ateliês. Nesse momento a carga horária destinada ao tema habitacional obteve um acréscimo de 5% contabilizando um total de 289 horas semestrais. O processo metodológico para o desenvolvimento do projeto é descrito em detalhe no próximo item. 3. MUDANÇA E INOVAÇÃO: HABITAÇÃO SOCIAL NO CONTEXTO DO ATELIÊ INTEGRADO A partir do segundo semestre de 2004 implementou-se o Ateliê Integrado VI cujo tema gerador é a habitação de interesse social. Esse ateliê integrou as seguintes disciplinas do currículo tradicional: projeto de arquitetura, projeto de urbanismo, projeto de paisagismo, infra-estrutura urbana e teoria e história da arquitetura e urbanismo. A interação desses conteúdos em torno do tema habitação social configurou-se como um grande desafio pedagógico, pois a complexidade do tema foi acentuada mediante a interdisciplinaridade proposta pelos diversos enfoques. A dinâmica dos Ateliês Integrados tem como objetivo a construção conjunta dos diferentes saberes e sua real aplicação nas práticas de elaboração dos projetos visando uma maior aproximação do estudante aos desafios da realidade profissional. Nesse sentido a questão habitacional no Ateliê VI buscou, principalmente, instigar o acadêmico a pensar o problema em seus aspectos sociais, econômicos, culturais, tecnológicos e logicamente espaciais considerando em primeira instância os impactos decorrentes da implantação do projeto no sistema urbano, em termos de densificação, demanda por infraestruturas, alteração do cenário pré-existente, entre outros fatores. O exercício de projeto considerou uma área de 10 hectares em que o aluno trabalhou além da inserção do conjunto habitacional em um espaço de 3 hectares, o parcelamento do solo no restante da gleba e o projeto da paisagem como condição fundamental à qualificação ambiental. Os aspectos compositivos e técnicos da proposição foram respaldados pelo aporte teórico e histórico e funcional dos conteúdos e infra-estrutura urbana. Na estrutura do ateliê participam vários professores. A carga horária destinada a cada uma das abordagens (urbana, paisagística, arquitetônica, teórica e histórica e infraestrutural) que visam instrumentar o estudante sobre o tema habitação social é ministrada individualmente. Entretanto, uma vez por semana todos os professores se reúnem com os alunos para orientação conjunta dos projetos e/ou apresentação dos resultados obtidos. O sistema de avaliação é realizado por todos os professores e procura avaliar o

desempenho do aluno como um processo que considera a aplicação dos conhecimentos teórico-práticos dos diversos campos/abordagens que subsidiam a produção arquitetônica e urbanística. Nesse modelo pedagógico o nível de produção dos acadêmicos tem se apresentado quantitativa e qualitativamente superior ao modelo tradicional de ensino em que os conhecimentos eram ministrados por meio de um elenco de disciplinas. 3.1. O processo metodológico A geração dos conceitos de projeto compreendeu as seguintes fases: i) Processo conceitual teórico: consiste na análise do problema, identificação dos objetivos e métodos para a intervenção projetual. Essa fase subdividiu-se nos seguintes exercícios: seminário sobre a questão habitacional, estudo de precedentes, estudo do lugar e análises complementares; ii) Processo conceitual gráfico: refere-se à síntese espacial fundamentada na interpretação dos condicionantes verificados na etapa anterior associada a intenção do projetista. 3.1.1.Processo conceitual teórico a) Seminário sobre a questão habitacional: caracterizou o primeiro contato do semestre dos com os alunos e consistiu na leitura e discussão de textos específicos à problemática habitacional. Nesse momento procurou-se contextualizar a importância e o direito de acesso a moradia, aspectos das políticas públicas sobre os assentamentos humanos, o déficit habitacional quantitativo e qualitativo, a dimensão cultural interferente no habitar, entre outros fatores. Esses aspectos foram abordados enfatizando o papel do arquiteto urbanista enquanto profissional comprometido com as questões sociais b) Estudo de precedentes: essa etapa objetivou estudar de que forma diferentes arquitetos trataram o mesmo problema. Portanto, os acadêmicos realizaram a análise nas dimensões urbana e arquitetônica de diferentes projetos de conjuntos habitacionais tanto no Brasil como em outros países. A análise urbana atentou para os aspectos da inserção do conjunto na cidade (morfologia, permeabilidade, continuidade espacial, estrutura e legibilidade) e da inserção do conjunto na gleba (acessos principais, secundários, estacionamentos, configuração dos espaços entre edifícios, espaços abertos, fechados, relação espaço interior/exterior, relação público-privado, perspectivas visuais, etc.) A análise arquitetônica abordou os aspectos de composição volumétrica do edifício (formas aditivas, subtrativas, articulação entre as formas), composição planimétrica (nuclear, centralizada, radial, linear, princípios ordenadores, uso de geometria planar, geométrica, de retícula ordenadora, etc.), aspectos representativos (hierarquia, tectonicidade, escala), aspectos organizacionais (zoneamento de funções, circulações, seqüência de espaços; relações do percurso com o espaço: limites, nós; forma do espaço de circulação: escadas, passeios, galerias, passarelas, rampas, etc.) e tipos de espaço: fluído (dinâmico), compartimentado, unitário, elementos ou espaços de transição, análise da estrutura, materiais/elementos e técnicas construtivas e do conforto ambiental A partir dessas análises os alunos realizaram a síntese de cada um dos aspectos estudados com a indicação das deficiências e potencialidades de cada projeto. Esse exercício visou instrumentar o aluno para o lançamento do partido urbano e arquitetônico.

c) Estudo do lugar: as análises urbanas contemplaram inicialmente a inserção da gleba no contexto da cidade, atentando para as interdependências entre a escala urbana global e local. Nessa etapa foi também analisada a concordância entre o projeto e as diretrizes do planejamento municipal. Posteriormente passou-se a caracterização do suporte natural e construído do entorno imediato. Fundamentado na idéia de que o local deve ser visto primeiramente como um ecossistema em funcionamento com capacidade natural de existir e como um conjunto de qualidades espaciais nativas que deverão ser relacionadas com o programa de atividades e claramente expressas no projeto foi enfatizada a importância da compreensão dos elementos naturais para o projeto e além desses os elementos arquitetônicos que também definem o espaço. A caracterização física do entorno atentou para aspectos morfológicos e tipológicos do bairro, a partir do estudo das temáticas tipicamente abordadas em projetos urbanos tais como: uso do solo, altura das edificações, estrutura fundiária, circulação e tráfego, relação público-privado, legislação, valor do solo, estado de conservação e materiais das edificações, etc. as quais foram substanciais para a caracterização da vizinhança. No diagnóstico das condições infra-estruturais e serviços do local. foram analisados aspectos como transporte coletivo, recolhimento de lixo, esgotamento sanitário, drenagem, abastecimento de água e energia elétrica e capacidade dos equipamentos urbanos. Os alunos realizaram também um estudo de comportamento ambiental e apropriação dos espaços que se baseou na observação de comportamento dos usuários e na observação de traços físicos do local. O primeiro faz referência à análise sistemática do uso do espaço e gera informações sobre as atividades das pessoas e as relações necessárias para suportar essas atividades, sobre usos previstos, novos usos e mal-uso do espaço entre outros fatores. O segundo centra-se na análise sistemática do espaço físico a procura de vestígios deixados por atividades/comportamentos que permite inferir como o espaço é usado e manipulado em resposta as condições físicas, como os usuários se sentem em relação ao ambiente, entre outros fatores (Sanoff, 1991). Finalmente foi realizada uma consulta aos residentes da zona urbana buscando detectar o universo sócio-econômico e cultural da população. Os questionários abordaram questões referentes a aspectos sócio-econômicos, infra-estruturais (qualidade dos serviços urbanos) e aspectos relativos aos atributos desejáveis para o bairro. Foram analisadas ainda a conformação geral e os elementos estruturadores da paisagem e a cênica local Todos esses aspectos foram sintetizados considerando três critérios de projeto: condicionantes (elementos existentes que devem ser mantidos: planos e projetos, restrições legais, suporte natural, etc.); deficiências (situações atuais que signifiquem problemas. Podem ser qualitativos e/ou quantitativos no contexto urbano) e potencialidades (elementos, recursos ou vantagens que até então não foram aproveitados adequadamente). d) Análises complementares: esses trabalhos permearam o desenvolvimento das etapas descritas anteriormente e objetivaram abordar aspectos específicos da atividade projetual no contexto do projeto urbano e arquitetônico dos conjuntos habitacionais. Essas etapas desenvolveram-se por meio de seminários de técnicas construtivas, paisagem urbana, teoria e história da arquitetura e urbanismo. 3.1.2. Processo conceitual gráfico

Nessa etapa os estudantes apresentaram a proposta em nível de partido geral que compreendeu a especificação dos seguintes itens: análise do programa de necessidades estabelecido; determinação das relações espaciais fundamentais; pré-definições em relação às dimensões, área construída e configuração dos volumes; estudo das características da gleba: formato, dimensões e relevo e dos condicionantes contextuais legais; avaliação e seleção dos recursos materiais e finalmente a espacialização da proposta contendo: relacionamentos funcionais (hierarquia e fluxos), zoneamento e articulação das funções tanto na escala urbana quanto na arquitetônica; definição volumétrica (espaços abertos / espaços fechados); tipologia construtivo-estrutural; geometria dos espaços; relacionamento com o entorno; acessos;tratamento do espaço externo e memória justificativa; A partir disso os alunos irão desenvolver o projeto em nível de estudo preliminar e finalmente em nível de ante-projeto com o detalhamento executivo dos principais aspectos técnico-construtivos. 4. UMA AVALIAÇÃO PRELIMINAR Apesar desta primeira experiência do estudo da questão habitacional em sistema de ateliê não estar ainda concluída, observa-se uma crescente conscientização dos acadêmicos em relação ao problema habitacional. Entendendo o ensino como um processo interativo entre professor e aluno, observa-se que o aluno desenvolveu habilidades para refletir mais criticamente sobre os atuais desafios da sociedade e sua contribuição na superação dos problemas encontrados. Entretanto, existe a consciência da necessidade de articulação do tema habitação de interesse social com programas de pesquisa e extensão. Além disso acredita-se que a integração com os diversos Cursos da Universidade Cursos de Ecologia, Direito, Serviço Social é fundamental para uma abordagem realmente efetiva do tema. 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CHING, Frank. Arquitectura: forma, espacio y orden. Barcelona: Gustavo Gili, 1982. CLARK, Roger e PAUSE, Michael. Arquitectura: temas de composición. México D.F.: Gustavo Gili, 1982. CULLEN, Gordon. Paisagem Urbana. São Paulo: Ed. Martins Fontes Ltda,1971. HILBERSEIMER, Ludwig. La arquitectura de la gran ciudad. Barcelona: Gustavo Gili, 1999. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. On-line. Disponível em www.ibge.org.br. Acesso em janeiro de 2003 LAMAS, José M. Ressano Garcia.Morfologia Urbana e Desenho da Cidade. Lisboa: Dinalivro, 1993. MACKAY, David. Viviendas plurifamiliares. Barcelona: Gustavo Gili, 1979. MARTÍ ARIS, Carlos (org.). Las formas de la residência em la ciudad moderna: vivienda y ciudad em la Europa de entreguerras. Barcelona: ETSAB-UPC, 1991. RAVETLLAT, Pere Joan. Bloques de vivienda. Barcelona: Gustavo Gili, 1992. REIS, Antônio Tarcísio. Tipos Arquitetônicos Habitacionais: Implicações para conatrole de território, manutenção e uso dos espaços abertos e aparência de conjuntos habitacionais. In: VII Encontro Nacional de Tecnologia do Ambiente Construído, 1998, Rio de Janeiro. Anais. SAMPAIO, Maria Ruth Amaral de (org.). A promoção privada de habitação econômica e a arquitetura moderna: 1930-1964. São Carlos: RiMa, 2002.