A TERCEIRIZAÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO: percurso percorrido até a aprovação do texto final do PL 4330/2004 pela Câmara dos Deputados

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Transcrição:

A TERCEIRIZAÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO: percurso percorrido até a aprovação do texto final do PL 4330/2004 pela Câmara dos Deputados 1 INTRODUÇÃO Ricardo Santos do Carmo Reis 1 Tendo o fenômeno da terceirização como seu objeto central de discussão, este trabalho visa identificar e discutir os principais diplomas legais que disciplinam a matéria no ordenamento jurídico brasileiro, bem como o texto final aprovado pela Câmara dos Deputados do Projeto de Lei 4330/2004, o qual tem a pretensão de tornar a terceirização irrestrita para toda e qualquer atividade laboral, trazendo implicações contratuais diversas para as pessoas envolvidas na questão. 2 BREVE ABORDAGEM SOBRE O FENÔMENO DA TERCEIRIZAÇÃO O trabalho, entendido como uma prática sine quo non para a efetivação das relações de produção que os homens estabelecem entre si, desde o nascimento dos Estados Nacionais no Antigo Regime e da gênese do capitalismo moderno, se desenvolveu a partir de uma relação entre, basicamente, detentores dos meios de produção e profissionais desprovidos dos meios que pudessem garantir a sua sobrevivência. Havia, tradicionalmente, uma relação contratual implícita (ou não) que ligava diretamente o trabalhador que oferecia sua força de trabalho ao seu empregador imediato. Diante de novas exigências e das transformações ocorridas historicamente na sociedade, principalmente no mundo do trabalho, advindas, sobretudo, com o amadurecimento das instituições sindicais, principalmente na Europa, de um lado, e do aparelhamento do modo de produção capitalista, do outro, fica claramente demarcado que as relações entre patrões e empregados são dialeticamente antagônicas, mas também necessárias. Relações essas que foram recepcionadas como regra pelo Direito interno, mas que, nas últimas décadas, surgiu um novo modus operandi nas relações laborais. 1 Bacharel em Biblioteconomia e Documentação pela Universidade Federal da Bahia. Acadêmico do curso de Bacharelado em Direito pela Universidade Federal da Bahia.

Trata-se do fenômeno da terceirização, a qual inaugura novas formas de compreensão e desenvolvimento das atividades laborais, rompendo com o modelo tradicionalmente apontado nos arts. 2º e 3º, caput da CLT. A palavra terceirização é bastante elucidativa. O termo faz referência às palavras terceiro, intermediário, interveniente e que segundo Delgado (2010) trata-se, no ramo do Direito do Trabalho, do fenômeno pelo qual se dissocia a relação econômica de trabalho da relação justrabalhista que lhe seria correspondente. Esse fenômeno coloca o empregado numa relação laborativa direta com o chamado tomador de serviços, ou seja, quem necessita da força de trabalho. Mas a sua relação contratual se desenvolve com outra pessoa, a chamada de prestadora. Desta forma, tomadora, prestadora e empregado desempenham assim um modelo trilateral de atividade econômica e jurídica que surge com essa nova modalidade empregatícia completamente diversa do modelo bilateral anteriormente citado. A introdução da terceirização nas relações justrabalhistas deve ser observada com muita criticidade. Primeiro porque se deve entender esse fenômeno levando em consideração a própria lógica das relações capitalistas de produção que, desde sempre, sustentou-se na exploração em massa dos trabalhadores desprovidos de meios próprios de subsistência. Segundo porque ela colide frontalmente com toda uma estrutura normativa já consolidada historicamente no Direito do Trabalho brasileiro, a qual se atribui grande mérito ao movimento sindical. E por último, e não menos importante, evidencia com clareza a intensão de fragilizar a proteção do trabalhador e ao mesmo tempo possibilitar a externalização das questões justrabalhistas pela empresa tomadora de serviços atribuindo a outrem o vínculo contratual com o trabalhador. 3 PRINCIPAIS DIPLOMAS LEGAIS QUE INSTITUÍRAM A TERCEIRIZAÇÃO NO BRASIL E A SÚMULA 331 DO TST. A terceirização é um fenômeno relativamente novo na realidade brasileira. Quando da elaboração da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), na década de 1940, esse modelo de relação justrabalhista tripartite se apresentava de uma maneira bastante tímida e restrita. Com o passar do tempo, sobretudo nas três últimas décadas do século XX e no início do século XXI, houve a proliferação de contratação de mão de obra terceirizada, exigindo tanto da doutrina como da jurisprudência esforços no sentido de disciplinar a matéria.

Vale lembrar que a própria CLT já trazia a possibilidade de contratação de mão de obra na figura da subcontração: a empreitada e a subempreitada (art. 445) e também via pequena empreitada (art. 652, III). Embora não seja adequado nesse momento falar em terceirização, vislumbra-se a possibilidade de uma relação similar. Até o final da primeira metade do século XX, não havia referência normativa que fizesse menção à terceirização. Somente no final da década de 1960 e início dos anos de 1970 é que se pode observar as primeiras iniciativas legais sem utilizar o referido epíteto que hoje se consolidou. Tratam-se do Decreto-Lei n. 200/67 e das Leis n. 5.645/70 e n. 6.019/74. Todavia, a expressão foi largamente utilizada, sobretudo na iniciativa privada, após a criação da Lei n. 7.102/83 e da Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST). 3.1 O DECRETO-LEI N. 200/67 O Decreto-Lei 200/67 dispõe que as atividades da Administração Federal deverá ser amplamente descentralizada, justificando que isso possibilitaria uma melhor gestão da máquina administrativa. Essa descentralização visa desincumbir a Administração das tarefas de planejamento, coordenação, supervisão e controle. Leciona o referido Decreto-Lei que essa descentralização deve ocorrer mediante contrato, desde que exista, na área, iniciativa privada capaz de prestar os serviços necessários. As disposições presentes na figura normativa são bastante genéricas, o que, certamente, gera uma série de dúvidas sobre a abrangência da terceirização no serviço público federal. 3.2 A LEI N. 5.645/70 A Lei n. 5.645/70 surgiu logo após o Decreto-Lei 200/67 e teve a finalidade, sobretudo, de explicitar a abrangência deste: As atividades relacionadas com transporte, conservação, custódia, operação de elevadores, limpeza e outras assemelhadas serão, de preferência, objeto de execução mediante contrato, de acordo com o art. 10, $ 7º, do Decreto- Lei 200/67. É de se observar que o rol evidenciado na referida Lei é apenas exemplificativo. Porém, fica evidente que todas elas são consideradas atividades de apoio. Nesse sentido, surge a insustentável diferenciação das atividades-meio e atividadesfim, uma vez que não há previsão legal que as caracterizem dessa forma. O que fica claro é

que as atividades passíveis de serem terceirizadas são aquelas consideradas subalternas e com caráter evidentemente instrumental. 3.3 A LEI N. 6.019/74 As duas referências normativas discutidas anteriormente consolidava o fenômeno da terceirização somente no serviço público. Até então não havia previsão legal para sua inserção no setor privado. Somente em 1974, com o advento da Lei n. 6.019 é que a iniciativa privada pode ter regulado a terceirização mediante contratação de força de trabalho por tempo determinado. Aqui surge a hipótese da relação tripartite no setor privado, realidade totalmente diversa da consolidada nos arts. 2º e 3º, caput da CLT. Neste diploma é possível vislumbrar a contratação de obreiros para o exercício das atividades que não são necessariamente de apoio, nas quais existem necessariamente a pessoalidade e a subordinação direta. Essa exceção foi acolhida pelo Direito do Trabalho devido a sua natureza transitória, a qual visa substituir o pessoal regular e permanente ou até o seu acréscimo extraordinário de serviços da tomadora. Essas são as únicas hipóteses desse tipo de contratação acolhida pela Lei n. 6.019/74. Embora essa lei proteja uma série de direitos aos trabalhadores temporários, outros não são igualmente garantidos equitativamente, o que pressupõe uma precarização do trabalho terceirizado. Soma-se a isso a dualidade produzida entre o pessoal com contrato permanente versus pessoal com contrato temporário, já que a proteção justrabalhista se apresenta de maneira diversa. 3.4 A LEI N. 7.102/83 Diversamente dos diplomas legais até aqui citados que tratavam da terceirização restrita ao serviço público federal ou da sua possibilidade na iniciativa privada mediante contrato por tempo determinado, a Lei n. 7.102/83 fala sobre possibilidade de terceirização de uma categoria específica, ou seja, de vigilantes, trazendo também como novidade a contratação permanente desses mesmos profissionais. Inicialmente, a contratação de vigilantes conforme as disposições dessa lei limitava sua aplicação somente ao setor bancário. Com o passar do tempo, quando da sua alteração pela Lei n. 8.863/94, a contratação deste tipo de mão de obra terceirizada foi colhida por outros setores empresariais, alargando seu âmbito de aplicação.

Atualmente, tanto o setor público como privado tem respaldo legal para contratar vigilantes por tempo indeterminado. A atividade abrangidas por esta lei são as de vigilância patrimonial, de qualquer instituição pública ou privada, segurança de pessoas físicas, além de transporte ou garantia de transporte de qualquer tipo de carga (DELGADO, 2010). 3.5 SÚMULA 331 DO TST Se até o momento houve qualquer tipo de dúvida sobre as possibilidades de contração de trabalhadores terceirizados de modo lícito, a Súmula 331 do TST, alterada posteriormente pela Resolução n. 174, de 24/05/2011 do mesmo Tribunal, veio tornar inteligível a sua aplicação. A Súmula 256, já cancelada, ofereceu elementos basilares para a sua elaboração, a qual fazia referência normativa às Leis n. 6.019/74 e n. 7.102/83. A Súmula 331 consegui sintetizar todas as formas lícitas de contratação de prestação de serviços mediante terceirização, as quais são: Contratação de trabalho temporário, inclusive mediante empresa interposta (I); Contratação de atividades de vigilância (III); Contratação de atividades ligadas a conservação e limpeza (III); Contratação de atividade-meio do tomador de serviços (III). As contratações que fogem às regras acima exemplificadas provocam a terceirização ilícita, já que não encontram legalidade no ordenamento interno. Existem diversas outras referências legais que tratam de maneira esparsa ou não o fenômeno da terceirização. Não se teve nenhuma pretensão de apresentar de maneira exaustiva todas elas. O objetivo foi evidenciar a consolidação da terceirização do ponto de vista histórico-normativo para problematizar o atual projeto de Lei 4.330/2004, o qual mostrase ameaçador à proteção do trabalhador consolidada pelo Direito do Trabalho no ordenamento brasileiro. 4 DISCUSSÕES SOBRE O NOVO PROJETO DE LEI Nº 4.330/2004 O Projeto de Lei n. 4.330/2004 traz como novidade a possibilidade da terceirização das chamadas atividades-fim nas relações de trabalho. Cria-se dessa forma a terceirização

irrestrita, já que quaisquer atividades de todos os ramos empresariais poderão ser repassadas para outro particular, seja esta pessoa física (empresa individual) ou jurídica. Uma série de novidades é evidenciada no PL 4.330/2004. Isso torna inviável uma discussão profunda de cada aspecto inovador do Projeto de Lei, como também de seus efeitos jus trabalhista, uma vez que a natureza deste trabalho acadêmico não permite tal aprofundamento. Todavia, algumas considerações gerais serão feitas com o objetivo evidenciar discutir criticamente algumas propostas do referido projeto. É característico da terceirização a precarização das relações de trabalho. Tornando-se irrestrita, a precarização do trabalho se tornará um fenômeno estrutural, visto que o trabalho, enquanto bem jurídico social, deixará de ser legalmente protegido nos moldes atuais pela CLT. Silva (2015) aponta uma série de problemas presentes no PL 4.330/2004, caso o texto aprovado pela Câmara dos Deputados não sofra alguma alteração e seja aprovado pelo Senado. Abaixo, seguem alguns deles: Terceirizados continuarão com salários menores em relação aos empregados formais ainda que exerçam a mesma função; Redução no número de vagas diretas, já que terceirizados trabalham algumas horas a mais que os empregados diretos; Em um mesmo setor teremos terceirizados empregados por patrões diferentes, representados por sindicatos diferentes, o que dificulta negociações coletivas conjuntas; Como a mão de obra terceirizada é constantemente utilizada para fugir das responsabilidades trabalhistas e a maioria dos casos de trabalho escravo envolvem trabalhadores terceirizados, o trabalho escravo poderá se multiplicar; A relação entre a empresa contratante e o funcionário fica mais distante e difícil de ser comprovada, tornando ainda mais difícil responsabilizar empregadores que desrespeitam os direitos trabalhistas; A previsão de direito de regresso, inclusive com pagamento de indenização à empresa contratante em nada assegura o cumprimento da legislação. Como o maior objetivo da terceirização é reduzir custos, a empresa dificilmente vai querer estender aos terceirizados os benefícios oferecidos a seus empregados diretos.

Diante do exposto, fica claro que o PL 4.330/2004 visa garantir a ampliação do interesse da classe empresarial em detrimento dos interesses da classe trabalhadora e da proteção do trabalho enquanto bem jurídico coletivo. Denota ainda a afronta do modo capitalista de produção aos direitos historicamente conquistados pelos movimentos dos trabalhados/sindicais. 5 CONCLUSÃO A terceirização ainda é um fenômeno novo no ordenamento jurídico brasileiro. Seu surgimento sistemático originou-se no início da segunda metade o século XX com o Decreto 200/67, o qual previa a descentralização das atividades da Administração Federal para entes privados. Posteriormente, surgiram outras iniciativas legais que ratificaram a terceirização na esfera pública, especificando o âmbito das atividades que poderiam ser objetos de terceirização, sendo estas consideradas de apoio (ver 5.645/70). A contratação mediante terceirização na esfera privada surgiu somente com a lei de trabalho temporário (Lei 6.019/74). Seu âmbito de atuação é bastante restrito e abrange os seguintes casos: na substituição do pessoal regular e permanente ou até o seu acréscimo extraordinário de serviços da tomadora. Com o advento da Lei n. 7.102/83, houve uma inovação, já que essa previa a contratação do serviço de vigilância no setor bancário. Atualmente, a Súmula 331 do TST é a principal referência legal que disciplina o fenômeno da terceirização, dispondo de todas as formas de terceirização lícita no ordenamento brasileiro. Nesse contexto, surge o PL 4330/94 que, segundo o seu texto aprovado pela Câmara dos Deputados, estabelece a terceirização irrestrita, o qual coloca em xeque uma série de direitos historicamente conquistados pela classe trabalhadora e já consagrados pela CLT. Esse projeto representa um grande retrocesso legal, uma vez que ratifica e abrange a precarização do trabalho através das incipientes garantias e proteção ao trabalhador previstas no projeto supra. 6 REFERÊNCIAS BRASIL. Decreto-Lei nº. 5.452, de 1 de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 9 de agosto de 1943. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm>. Acesso em: 28 ago. 2015.

BRASIL. Decreto-Lei nº. 200, de 25 de fevereiro de1967. Dispõe sobre a organização da Administração Federal, estabelece diretrizes para a Reforma Administrativa e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 27 de fevereiro de 1967. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decretolei/del0200.htm>. Acesso em: 28 ago. 2015. BRASIL. Lei nº. 7.102, de 20 de junho de 1983. Dispõe sobre segurança para estabelecimentos financeiros, estabelece normas para constituição e funcionamento das empresas particulares que exploram serviços de vigilância e de transporte de valores, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 21 de junho de 1983. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7102.htm>. Acesso em: 28 ago. 2015. BRASIL. Lei nº. 6.019, de 3 de janeiro de 1974. Dispõe sobre o Trabalho Temporário nas Empresas Urbanas, e dá outras Providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 4 de janeiro de 1974. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6019.htm>. Acesso em: 28 ago. 2015. BRASIL. Lei nº. 5.645, de 10 de dezembro de 1970. Estabelece diretrizes para a classificação de cargos do Serviço Civil da União e das autarquias federais, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 de dezembro de 1970. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5645.htm>. Acesso em: 28 ago. 2015. BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Súmula nº 331. Contrato de prestação de serviços. Legalidade. Disponível em: <http://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/sumulas_com_indice/sumulas_ind_301_350.html>. Acesso em: 28 ago. 2015. DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 9. ed. São Paulo: Ltr, 2012. SILVA, Dayane Rose. Projeto de Lei 4330/2004: terceirização irrestrita. Disponível em: <:http://jus.com.br/artigos/38361/projeto-de-lei-4330-2004-terceirizacao-irrestrita>. Acesso em: 25 jun. 2015.