INTRODUÇÃO À HISTÓRIA E ARQUEOLOGIA DO EGITO ANTIGO PROJETO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA/UFRN ARTHUR RODRIGUES FABRÍCIO RESUMO DA OBRA: SHAW, Ian. The Oxford history of the ancient Egypt. United States: Oxford University Press: 2003. Antigo Império (c. 2686-2160 a.c.) Ao Antigo Império, que se inicia com a 3ª dinastia de faraós encabeçada por Djoser, é comum assimilar um longo período de paz e prosperidade econômica, além de uma grande estabilidade política, proveniente do período Pré-Dinástico. O rápido crescimento do reino nascido da fusão do Alto e Baixo Egito resultou no nascimento de um forte Estado governado por um rei que se acreditava possuir poderes supernaturais, divinos. O poder vindo do faraó ramificava-se em uma elite letrada de administradores que seria selecionada por mérito e afinidade ao próprio faraó e sua família, sendo responsáveis então pelo cumprimento das leis e transmissão do desejo do faraó às diversas camadas da sociedade. Estava formado então o forte estado Egito, praticamente auto-suficiente graças às boas colheitas e seguro, graças a sua geografia particular em meio ao deserto e ao clima árido do norte da África. Existe muita dúvida acerca do primeiro rei da terceira dinastia do Egito. Teria sido Nebka, tido como predecessor de Djoser, o último rei da segunda dinastia ou o primeiro faraó da terceira dinastia? Nebka seria pai de Djoser? Justamente por não possuir informações concretas acerca disso, os egiptólogos preferem seguir as divisões dos reis egípcios introduzida pelo historiador da época ptolomaica, Manetho. Sendo assim, Djoser segue sendo o primeiro rei da 3ª dinastia, responsável pelo ambicioso projeto da pirâmide escalonada. O antecessor de Djoser, Nebka, teria sido, segundo registros da Pedra de Palermo, o primeiro faraó a organizar uma construção em pedras de enormes proporções, porém o ambicioso projeto de Nebka não teria saído dos estágios iniciais, perdendo então o posto de primeira grande construção em pedras para a pirâmide
escalonada de Djoser, sua superestruturada tumba, onde seu corpo descansaria em paz após sua morte. Inicialmente o local de descanso do faraó seria uma mastaba retangular de proporções regulares, porém tomou outras proporções durante sua construção, edificando-se como um grande monumento onde o rei poderia desfrutar de inúmeros festivais Sed (festividade que acontece inicialmente com 30 anos de reinado de um faraó, depois acontecendo de 3 em 3 anos, onde as forças do governante se renovam) no pós-vida. Esse tipo de empreendimento seria, a partir desse momento, o modelo para as outras construções reais, representando a força e a importância de cada faraó na sociedade da época. Imhotep teria sido o arquiteto-chefe durante o reinado de Djoser, responsável pela construção da tumba do faraó. Anos depois sua morte, Imhotep foi deificado e considerado filho do deus Ptah, sendo ainda visto como o patrono dos escribas e físicos. O fato de que Imhotep era um dos principais cléricos de Heliópolis, atesta a importância e o papel crescente do deus-sol, Rê. Mesmo com o centro administrativo do Egito situado em uma cidade cujo principal deus cultuado era Ptah, Mênfis, a capital religiosa do país no inicio do Antigo Império era considerada como sendo Heliópolis. As grandes construções começam a sofrer alterações com o inicio da 4ª dinastia, onde as pirâmides escalonadas passam a desaparecer gradualmente sendo substituídas pela forma da pirâmide real que conhecemos. No reinado de Sneferu novos valores, como a ascensão do culto a Osiris e novos conceitos do pós-vida, bem como substituição de valores astronômicos por idéias centradas no deus-sol, Rê, fazem surgir o complexo de pirâmides, composto por novas saletas, estruturas, bem como a famosa pirâmide satélite, próxima à tumba principal. O design e a construção de pirâmides alcançaram o topo sob o reinado do filho de Sneferu, Khufu (O Queóps de Heródoto), responsável pela construção da grande pirâmide de Giza, a maior do Egito. Essa pirâmide possui 146,5 m de altura, com mais de 2 milhões de blocos de pedra, pesando cada um em média 2 toneladas e meia. De forma não muito comum, a câmara principal de enterramento localizava-se no centro da pirâmide e não abaixo dela, como de costume. Além disso, vale ressaltar o interior do monumento e sua decoração: relevos de cenas que convergiam com a idéia
egípcia de reinado e cenas com antecipação do que o rei desejaria em seu pós-vida, como festivais Sed. Além de sua grande pirâmide, Khufu construiu ainda três outras pirâmides satélites, onde os corpos de suas rainhas seriam depositados. Outro dado interessante seriam os barcos pertencentes ao faraó encontrados e restaurados, cujo objetivo principal seria a viagem do rei falecido pelos céus, em companhia dos deuses. Ainda sobre Khufu, especulava-se no passado (Hérodoto sendo um dos difusores dessa imagem) que este teria sido um déspota sem coração, responsável por escravizar milhares de pessoas para a construção de sua gigantesca tumba. Hoje em dia sabe-se que os escravos não foram a mão-de-obra principal que construiu as grandes pirâmides, e sim camponeses atuando como operários, além de artesãos especializados organizados em equipes. Djedfra, filho de Khufu, sucedeu seu pai no poder, sendo um rei polêmico, com vários questionamentos levantados acerca de seu reinado e as condições de sua ascensão ao trono. No entanto, Djedfra foi o primeiro faraó a utilizar-se do epíteto filho do deus Rê, incorporando o nome de Rê em seu próprio. Suas duas pirâmides foram abandonadas em estágios iniciais da construção, mesmo que ambas demonstrem ter sido usadas para os enterramentos ao teriam sido criadas. O rei Khafra (O Quéfren de Heródoto), outro filho de Khufu, também construiu sua pirâmides, bem como adotou o epíteto filho do deus Rê, bem como Djedfra, tornando o epíteto um título real comum a ser adotado pelos governantes seguintes. A pirâmide principal de Khafra dá a impressão de ser do mesmo tamanho da de Khufu, pois assim foi projetada para ser: construída sobre um terreno mais elevado, dando a impressão de ser igual ou de tamanho igual à de seu pai. Outra interessante construção de seu complexo é a Grande Esfinge, um monumento representando um leão com cabeça humana com gigantescas proporções (sendo conhecida como a maior estátua do mundo antigo), várias vezes associada a figura de seu pai Khufu ou a imagem de uma forma local do deus Hórus. O próximo sucessor, Menkaura (Miquerinos de Heródoto), filho de Khafra, preferiu ao construir sua pirâmide, o uso extensivo de granito, material melhor e mais exótico do que a pedra calcária, porém a pirâmide foi construída em menores proporções, sendo a precursora das pirâmides menores da 5ª e 6ª dinastias. Morto antes
de completar sua obra, o sucessor de Menkaura, Shepseskaf, deu continuidade à tumba de seu pai, dando prosseguimento a idéia do filho enterrando seu pai e dando prosseguimento à ideia de sucessão divina dentro do reinado egípcio. Shepseskaf também construiu sua própria pirâmide, porém, em forma escalonada. Não se sabe o porquê do retrocesso de tal construção, porém suspeita-se de certa crise ou incerteza religiosa (quanto aos vários valores associados à outra forma de pirâmide). O papel do rei na sociedade era o de mediador entre os deuses e as pessoas. O rei era responsável pelas pessoas do reino, seu bem-estar, a continuidade da ordem em detrimento do caos (Maat), responsável pela mudança das estações, pela inundação anual do Nilo, pelos movimentos dos corpos solares, mas também pela proteção das fronteiras e a contenção dos inimigos do Egito. O rei também recebia a ajuda da policia, responsável pela coerção e inibição de crimes; outro fato interessante é que as comunidades locais eram fechadas a estrangeiros como forma de proteção e manutenção da ordem. Quanto ao pós-vida na instituição do reinado, era bastante claro que não era do interesse de ninguém deixar a imagem do rei falecido legada ao esquecimento. Era necessária que a imagem de seus feitos e de sua personalidade permanecesse viva na memória do povo, sendo veneradas, cultuadas muitas vezes como divindades menores. O rei permaneceria rei para toda a eternidade. Ao rei também pertenciam todos os recursos, terras e cujos poderes seriam em teoria absolutos. Ele seria apto a comandar as pessoas, impor trabalho compulsório, exigir impostos e resolver qualquer conflito, porém esse poder todo possuía severas restrições. Durante a 3ª e 4ª dinastias os cargos principais eram ocupados por membros da família do rei, ou próximo dela, em destaque o cargo de vizir, responsável por fiscalizar e fazer funcionar todos os instrumentos da sociedade, incluindo a religião, A economia do Egito mudou bastante com a onda de construções de pirâmides, principalmente pelos desvios de mão-de-obra que antes eram designadas para a agricultura, sendo agora postas a trabalhar na construção. A demanda de alimentos cresceu, bem como a população crescia em grande número. A economia do Egito não era baseada na força de trabalho escrava, logo, necessitou-se uma maior organização e otimização da produção, bem como melhoramento do sistema de
irrigação. Foi necessário alimentar os famintos, reter pequenos conflitos locais e recuperar áreas afetadas por pequenas inundações. Também devido às grandes construções a política de expedições aumentou consideravelmente. Era necessário agora ir buscar materiais que o Egito não possuía, explorar fronteiras em busca de cativos, bem como para cumprir o papel real de proteger as fronteiras e expandir o reino, subjugando os inimigos durante o processo, dessa forma Maat também era mantida. Comércio de produtos foi realizado com Biblos, Síria, Baixa Núbia (que foi severamente massacrada, levando à aparente extinção da população denominada arqueologicamente de Grupo A) e Ebla. Os produtos visados eram a madeira, os metais preciosos e as cabeças de gado. O papel do hieróglifo também cresceu durante a 3ª e 4ª dinastia, passando a ser um sistema totalmente desenvolvido para figurar em templos e monumentos. Por sua vez, a escrita hierática tornou-se principalmente utilizada em papiros e documentos oficiais, sendo bastante raras as descobertas desse tipo de papiro. Outra coisa que cresceu durante o período foi o uso crescente de estátuas e relevos como decorações de templos em monumentos, representando o ideal do pós-vida e do reinado egípcio e suas atribuições, A 5ª dinastia começa com uma mudança religiosa profunda e o surgimento de construções dedicadas ao deus-sol, Rê. Userkaf, quem acreditam ser neto de Djedefra (fato não confirmado), deixou o primeiro desses monumentos, que seriam construídos por quase todos os reis seguintes nos próximos oito anos de seus efêmeros reinados. Essas construções, mais simples do que as pirâmides, por serem de escala bem menor, demonstravam o crescimento de importância do culto a Rê, que agora era um deus equivalente à divindade do Estado. A construção de templos dedicados a Rê agora ocupava o mesmo espaço que era outrora era o das grandes pirâmides, durante a dinastia anterior, tudo isso para reforçar o papel do deus como o criador, o ser capaz de mover as forças da natureza, e assim como os complexos de pirâmide, os templos também recebiam doações de terras e produtos, bem como tinham seus próprios funcionários. As crenças religiosas do Egito nesse período eram diversas, de acordo com os locais. Cada cidade possuía uma divindade principal, sem deixar de cultuar, evidentemente, as outras. A religião era também estratificada: determinados
enterramentos, objetos e ritos eram restritos as classes mais altas da sociedade, separando a religião entre quem possuía bens e quem não possuía. Vale ressaltar ainda a continuidade das expedições em busca de materiais primários e produtos exóticos, passando por Punt (em busca de ouro e prata, entre outros), a costa da Somália, Wadi Maghara, Wadi Kharit e Biblos. Os chamados Textos de Pirâmides, inovação que começou na pirâmide de Unas, faraó da 5ª dinastia, trazem feitiços complicados relacionados ao deus Rê e também a Osíris, divindade ctônia, associada ao mundo dos mortos, que aparece identificada a Rê a partir deste momento. Osíris antes uma divindade local do Delta passou aos poucos a adquirir importância e seu culto se espalhou por todo o país. Outro fato importante é o surgimento dos textos autobiográficos que começaram a ser escritos nas tumbas, providenciando revelações sobre a vida dos indivíduos e da sociedade do período. Esses textos tiveram continuidade durante todo o Antigo Império. A 6ª dinastia é marcada pelo inicio da crise que abateria o Egito durante o Primeiro Período Intermediário, deixando o país em decadência social e politicamente. O rei mais importante do período foi Pepi II, cujo reinado foi um dos maiores da história do Antigo Egito (94 anos). Durante seu reinado, Pepi II deu continuidade à política de exploração de recursos minerais fora do Egito. A Núbia, que durante o período estava recebendo a migração do chamado Grupo C, foi uma das regiões que receberam atenção especial das expedições egípcias que cortavam o território núbio atrás de madeiras nobres, peles de animais, animais exóticos e mesmo de pigmeus advindos do interior do continente africano. A partir desse período também começam a empregar os próprios núbios como policiais responsáveis por patrulhar as fronteiras. A construção de pirâmides continuou, bem como os Textos das Pirâmides continuaram a ser utilizados, no entanto os templos voltados ao deus-sol privilegiados durante a 5ª dinastia pararam de ser construídos. Novas capelas passaram a ser construídas em honra aos deuses locais e passaram a receber atenção especial do rei, bem como ricas doações e privilégios. Nesse aspecto de continuidades e rupturas é interessante notar o inicio da decadência da imagem anteriormente inafetada do rei: ele mantinha, em teoria, a postura de que nada poderia afetá-lo, porém textos biográficos como o de Weni, um alto oficial da corte, menciona um estratagema falho contra o rei, liderado por uma de suas rainhas.
Foi durante a segunda metade do longo governo de Pepi II que a crise começou a emergir em todas as formas no Antigo Egito: o poder econômico do rei havia sido severamente reduzido e o rei não mais conseguia cumprir a doutrina obrigatória a instituição do reinado egípcio. O sistema fiscal começou a ruir, os pagamentos não eram mais realizados corretamente. Alguns cargos, antes apontados pessoalmente pelo rei passaram a ser hereditários, monopolizando várias áreas da economia e política e principalmente, os administradores locais, os nomarcas, passaram a agir por conta própria devido ao grande poder acumulado, tendo tomado vários títulos pertencentes somente a nobreza, como, por exemplo, o título de vizir. Com o governo centralizado deixando de existir, as vantagens do estado unificado foram deixando de existir e uma série de dificuldades climáticas agravou a situação: pouca chuva e pouca ação fertilizante do Nilo prejudicaram a agricultura e permitiram a pressão de nômades nas fronteiras do Egito. A falta de sucessores capazes de dar continuidade ao longo reinado de Pepi II também foi forte motivo para a concretização da decadência instaurada.