Arte e Religiosidade Afro-Brasileira



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Transcrição:

Foto: Nelson Kon Arte e Religiosidade Afro-Brasileira O Núcleo de Educação do Museu Afro Brasil convida você a conhecer algumas obras de seu acervo por meio deste pequeno roteiro. A exposição de longa duração do Museu Afro Brasil está organizada em 6 Núcleos: Arte Africana, Trabalho e Escravidão, Festas, Religiosidade, História e Memória, e Artes. Cada um desses núcleos aborda uma temática que se apresenta aos visitantes por meio de pinturas, esculturas, gravuras, fotografias, têxteis, indumentárias, vídeos, documentos e objetos que contribuem para que o visitante conheça a história nacional, a partir da perspectiva afro-brasileira. Mestre Didi Igi Oba Milé Árvoredo Rei da terra 2000 Técnica mista (Imagem de Capa) Eustáquio Neves Detalhe- série Arturos 1994 Fotografia

Foto: Nelson Kon Introdução A presença da religiosidade no acervo do Museu Afro Brasil se manifesta nas mais diversas formas, cores e sentidos. Com obras produzidas por distintos artistas, seja por suas origens, credos ou períodos, a complexidade e riqueza pode ser percebida pela variedade de materiais e soluções artísticas. Na seleção de obras, aqui apresentada, busca-se revelar a existência de princípios compartilhados e valores coletivos enraizados em nossa cultura fruto das diferentes religiões de matriz Africana. O tema deste roteiro, portanto, é a presença desta Religiosidade Afro- Brasileira em nossas vidas e em nossa arte. Capazes de superar grandes obstáculos, atravessar fronteiras e se fazer presente, as religiões afro-brasileiras possuem características singulares. Dentre as mais conhecidas estão o Candomblé e a Umbanda. Existem muitas outras, como o Tambor-de-mina maranhense, o Xangô pernambucano, o Batuque gaúcho, etc. Porém, este universo de símbolos e significados não se estabeleceu sem o diálogo com outras religiões e matrizes, como o catolicismo de tipo europeu ou as múltiplas manifestações indígenas, por exemplo. Assim, muitos artistas encontraram nas religiões afro-brasileiras um enorme manancial de possibilidades criativas. As numerosas técnicas e usos destes objetos, realizados por estes artistas, correspondem à fertilidade destas religiões e ao impacto que elas causam em nossa sensibilidade. T G Autoria Desconhecida Iemanjá Século XIX Madeira policromada

Foto: Nelson Kon O Aleijadinho Século XVIII Fragmento de Talha Foto: João Liberato Observe a imagem desta Nossa Senhora do Carmo. Após esculpir a madeira, o artista pintou sua escultura. Como as cores contribuem para identificarmos o panejamento, isto é, os volumes e formas da vestimenta? Agora, observe o fragmento de talha. Ela tem uma simetria aparente, mas nenhuma das pequenas curvas se repetem. As ferramentas utilizadas para executar a escultura da santa e o fragmento de talha são semelhantes? É possível imaginá-las? Maurino Araujo Nossa Senhora do Carmo Séc XX Madeira Policromada Neste fragmento de talha, a sinuosidade e a assimetria das formas são exemplos da criatividade barroca de Aleijadinho, também dedicada à opulência e a grandiosidade dramática. Dois séculos separam Aleijadinho de Maurino Araujo, no entanto, o vigor no corte da madeira e a expressividade os unem de maneira atemporal. Nesta imagem de Nossa Senhora do Carmo, os volumes são acentuados por cortes realizados na madeira com precisão, criando através da luz e das protuberâncias ritmos acentuados. A sociedade colonial brasileira via as atividades manuais como indignas para homens brancos livres. Por meio das corporações de ofícios, os mestres ensinavam os aprendizes, que eram em sua maioria negros e mestiços. Deste modo, por quase três séculos, a arte produzida no Brasil com seu catolicismo oficial era de caráter religioso. Assim, repousam nas artes sacras das igrejas católicas do Brasil a forte presença da mão afro-brasileira. Seja em pequenos detalhes e ornamentos ou na produção de esculturas, pinturas, por exemplo, é possível identificar a expressividade e diversidade destes artistas. Antônio Francisco Lisboa, mineiro, nasceu em Bom Sucesso, na localidade de Vila Rica em, aproximadamente, 1730. Bastardo e escravo, era filho de um arquiteto e mestre de obras português com uma de suas escravas africanas. Inicia-se nas artes através de seu pai e aprende muitos ofícios, como por exemplo, de escultor e entalhador nas corporações de ofício. Aleijadinho é reconhecido como o maior artista do barroco brasileiro. Maurino Araujo (1943) artista também mineiro, autodidata, aprendeu o ofício da carpintaria durante os seis anos que passou no seminário. Na adolescência muda-se para a cidade de São João Del Rey, onde entra em contato com a obra daquele que seria uma de suas maiores inspirações: Aleijadinho.

Foto: Nelson Kon Foto: Tiago, Bedel e Guilherme A arquitetura da Igreja do Senhor do Bonfim se destaca por meio das cores e formas obtidas pelo artista em sua pintura. Observe os enfeites na Igreja, as luzes. Esta atmosfera é de festa? Como são realizados atualmente os registros destas cerimônias religiosas? O pintor baiano João Alves (1906-1970) além de abordar a paisagem baiana, retratava em suas telas as divindades do rico panteão dos orixás, registrando também as concorridas festas de largo, tão típicas das tradições festivas de Salvador. Nesta pintura a óleo, seu tema é a Igreja do Nosso Senhor do Bonfim, local tradicionalmente reconhecido como um espaço de encontro entre cerimônias católicas e afro-religiosas. Os relevos são formas escultóricas realizadas sobre uma superfície, neste caso por meio da cerâmica pintada. Maria de Lourdes Cândido (M.L.C) Tema de Barro Cerâmica Pintada No Brasil, mesmo diante da violência da escravidão, as tradições africanas encontraram muitas formas de resistir e se reinventar. A fé em Iemanjá, a Rainha do Mar, é um belo exemplo. Nos relevos da cearense Maria de Lourdes Cândido (1939), Janaína, como também é conhecida quando associada aos encantos das águas pelas tradições indígenas, aparece em meio a três devotas que oferecem rosas. Observe a Iemanjá, seu vestido e seus adornos. É possível identificar suas cores e a sua morada? Como estão vestidas as devotas, é possível reconhecer pistas de suas origens? João Alves Igreja do Bonfim 1961 Óleo sobre Tela

Foto: Nelson Kon Foto: Sérgio Benutti O Candomblé surge como uma das maiores ligações existentes entre o Brasil e continente africano. No acervo do Museu Afro Brasil é possível encontrar um grande número de objetos litúrgicos, vestimentas, imagens e obras pertencentes a esta expressiva religião afro brasileira. Atuantes desde o período colonial, os terreiros de candomblé reuniam homens e mulheres em torno da solidariedade, do afeto e do lazer. Ao sequestrar homens e mulheres, a escravidão dissolveu milhares de famílias oriundas do continente africano para o Brasil. A formação das famílias de santo foram, portanto, importantes para o estabelecimento de novos laços de resistência, amizade e respeito entre as pessoas e com a natureza. Conhecidas como família-de-santo, estas organizações dedicaram-se aos cultos de deuses africanos, em especial através da tradição oral. Fortemente impregnados da herança africana, os objetos litúrgicos utilizados pelos filhos de santo apresentam as mais diversas formas e materiais, além de um expressivo uso de texturas e cores nas vestimentas dos orixás, nas esculturas em madeira, nas ferramentas de ferro forjado ou barro. Logo, o saber manual é muito importante já que a ação de talhar a madeira, por exemplo, ressalta o sagrado que existe na própria árvore que a originou. A natureza para as religiões afro-brasileiras é, desta forma, sagrada. Talvez por isso os Orixás, além de representarem estes elementos, também são grandes artesões. Ogum, orixá da guerra, também é ferreiro. Oxóssi é o orixá provedor e da fartura. Caçador tradicionalmente representado portando um arco (ofá) e flecha (damatá) e o eruquerê, espécie de espanta-mosca feito de rabo de cavalo. Irmão de Ogum, o guerreiro, é Oxóssi o responsável por trazer o alimento. Sua morada é a floresta, sendo assim o protetor das matas e dos animais. Suas cores são azul claro, como o céu da manhã e o verde. Autor de uma obra monumental, Hector Julio Paride Bernabó (1911-1997), mais conhecido por Carybé, foi um dos maiores artistas e tradutores da cultura, da religião e da vida do povo da Bahia. Argentino e obá de Xangô no terreiro Ilê Axé Opô Afonjá. Oxóssi era o seu santo de cabeça, isto é, o seu próprio orixá. A escultura é elaborada a partir de uma única peça de madeira. É possível imaginar o tronco que a originou? Observe os cortes que modelam os animais e o corpo de Oxóssi. Como seriam as ferramentas utilizadas pelo artista? Veja os detalhes do rosto de Oxóssi, a síntese e delicadeza das formas com que o artista trabalhou os olhos, nariz e lábios se assemelham com outras obras do acervo do Museu Afro Brasil? Quais? Carybé Oxóssi Década de 1990 Madeira e couro Vestimentas de Orixás no acervo do Museu Afro Brasil

Fundação Pierre Verger Foto: João Liberato Os orixás e seus trajes constituem a imagem mais popular das religiões afro brasileiras. Estas vestimentas são utilizadas durante cerimônias, onde o orixá, através do iniciado religioso, dança e se manifesta. Cada cor, textura e detalhe possui significados importantes para seu respectivo orixá. Assim como os objetos que portam sobre a cabeça, nas mãos, punhos, ombros e pernas. Iansã é orixá guerreira, seu poder se manifesta através de muitos atributos, entre eles a tempestade, os ventos e a coragem, suas cores são vermelho, marrom e rosa. As cerimônias religiosas afro brasileiras contam com muitos objetos como instrumentos musicais, roupas, adereços, emblemas, imagens e ferramentas ligadas a divindades específicas, além de utensílios diversos, tais como as louças usadas para compor os pejis (altares), os assentamentos e as oferendas no candomblé. As fotografias de Pierre Verger revelam algumas permanências africanas no uso destes objetos. Mostram também um olhar curioso sobre este fascinante universo. Veja os detalhes, bordados, rendas e miçangas. Observe as cores, o brilho e os volumes desta vestimenta. Quais atributos presentes na vestimenta poderiam indicar os poderes de Iansã? Em quais outras cerimônias e eventos vemos o uso destes mesmos materiais e acabamentos em indumentárias? Olga Francisca Régis (Salvador, BA, 1925-2005), conhecida como Dona Olga do Alaketu, foi mãe de santo do terreiro de candomblé Ilê Maroiá Láji o famoso Terreiro do Alaketu - por 57 anos. Ao todo, Dona Olga iniciou mais de duzentos filhos e filhas de-santo. Sendo este terreiro cuja sucessão de liderança obedece à linhagem feminina, após sua morte Olga foi sucedida por sua filha, Jocelina Barbosa Bispo. Vestimenta de Iansã de Dona Olga do Alaketu século XX Carybé Iansã, deusa dos ventos e das tempestades no Candomblé do Paisinho Década de 1980 Reprodução Pierre Verger Xangô Século XX Fotografia A senhora que porta o machado de Xangô canta sem perceber a ação do fotógrafo. Como você imagina que Pierre Verger agiu para não ser notado? Pierre Edouard Léopold Verger (1902-1996) foi além de fotógrafo, etnógrafo francês, iniciado no candomblé e um dos maiores viajantes do século XX. Este pesquisador das religiões afro brasileiras foi um grande apaixonado pela cultura e pelo povo da Bahia.

Foto: João Liberato Foto: Nelson Kon As variadas formas de religiosidade afro brasileira foram vistas, ao longo da história, como perigosas e vinculadas a ritos demoníacos de feitiçaria por colonizadores europeus e por grupos que ignoram seus reais atributos e sentidos. A associação do orixá Exu à figura do demônio é um exemplo disto. O diabo não existe nas religiões tradicionais africanas. Dentro do panteão de divindades, Exu, divindade mensageira, é o dono dos caminhos, ele representa uma força cósmica, associado à fertilidade e ao princípio da transformação. Uma de suas representações pode ser vista nas ferramentas de José Adário dos Santos. Nascido em 1947 na cidade de Cachoeira no Recôncavo Baiano, é um dos ferreiros de maior prestígio do candomblé. Através do ferro e do fogo, as esculturas de José Adário representam diferentes atributos, muitas vezes relacionados aos princípios dos orixás.. O fogo e o vento, a terra, as águas dos rios e do mar, todos os animais e plantas são elementos sagrados paras as religiões afro brasileiras. Assim como os materiais que obtemos a partir da extração destes recursos. Camaleões, cobras, pássaros, árvores míticas são alguns dos temas da poesia de Deoscóredes Maximiliano dos Santos (1917-2013). Através da manipulação de palha da costa, búzios, couro e miçangas, Mestre Didi, como também era conhecido, articulava seu saber enquanto alto sacerdote do candomblé de origem nagô a maestria na ocupação do espaço, do ritmo e da síntese de formas ancestrais. Os antepassados, aqueles que nos originaram, também são elementos primordiais para as religiões afro brasileiras. Exu é associado ao número três, que simboliza os elementos água, fogo e ar. Como esta trindade é proposta pelo artista? As ferramentas de Exu, durante alguns atos litúrgicos, são dispostas na encruzilhada, ou seja, nos caminhos que se cruzam. Observando a escultura, de que forma o artista representa a encruzilhada? Observe os materiais utilizados por Mestre Didi. Os encaixes da palha, o bordado das miçangas, os pequenos cortes no couro. Perceba como nosso olhar percorre os ritmos provocados pelas cores dos materiais e pelos percursos das formas. Como podemos identificar a simetria deste cetro? É possível perceber alguma relação com a Ferramenta de Exu de autoria de José Adário? José Adário dos Santos Ferramenta de Exu Década de 1990 Ferro Mestre Didi Opá Esin Métá (Cetro das Três Lanças) 1993 Fibra vegetal, búzio, miçangas e couro

Foto: João Liberato Foto: João Liberato O artista Caetano Dias nasceu em 1959 na pequena vila de Bonfim da Feira, município de Feira de Santana. Suas obras percorrem desde a escultura à pintura, passam por ações no espaço das cidades, e desembocam na fotografia, no vídeo e no filme, além das ações e das intervenções na rede internet que geram sites e obras interativas. Aqui no Museu Afro Brasil é possível encontrar a obra Sobre a Virgem, 2002. Em um pequeno quadrilátero estão dispostas quatro grandes imagens de Santa Bárbara, uma santa cristã comemorada na Igreja Católica Romana e na Igreja Ortodoxa. Esta virgem, protetora contra tempestades e raios, é considerada a padroeira dos artilheiros e de todos que trabalham com fogo. Semelhante a Iansã, orixá que Dona Olga de Alaketu homenageou com sua vestimenta, Santa Bárbara é uma santa forte e corajosa, auxilia nas dificuldades e nas grandes batalhas. Esta santa sofreu violentamente a perda de sua vida por ser fiel à sua fé cristã. A luz que emana da imagem de Santa Bárbara provém não apenas da lâmpada presente em sua mão direita, como também de seu interior. Observe os pequenos furos, alguns são pequeninos e outros maiores. Há alguma semelhança desta característica à história da Santa? Durante a visita ao museu é possível ouvir um áudio produzido pelo artista. Nele ouvimos relatos de mulheres que já sofreram diversos tipos de violência. Além da coragem, Santa Bárbara também possue uma espada, assim como Iansã. É possível identificar outras semelhanças entre as duas? Caetano Dias Sobre a Virgem 2002 Instalação

Foto: João Liberato Foto: João Liberato O humor e a perspicácia política são estratégias do artista paulistano Nelson Leirner (1932). Seu interesse pela cultura popular e por objetos produzidos em escala industrial, bem como os rumos da sociedade de consumo são temas destacados. Nesta grande instalação vemos um cortejo que se segue sobre uma plataforma de diversas alturas. As repetidas imagens em gesso de entidades da religião Umbandista, como Exus, Pombas giras, Cablocos, Tupinambás, Panteras Negras, Estrelas, estão todos envoltos por pequenas bandeiras do Brasil. Nesta espécie de procissão as imagens em gesso de Nossas Senhoras da Conceição, do Coração de Jesus dividem o topo do trajeto com repetidas imagens de Padres Cícero e Nossas Senhoras de Fátima. Ao lado destas imagens católicas estão a bandeiras de países como Portugal, Chile, Peru e Espanha. Podemos encontrar também nos degraus intermediários imagens de Marias Bonitas, Lampiãos, Santos Romanos e Marinheiros. Destaca-se também a presença de oito castiçais, onde ao invés de velas acesas vemos bananas apoiadas em pequenos copos utilizados popularmente para beber cachaça. Nelson Leirner O Cortejo (detalhe) 2009 Instalação A Umbanda, como a conhecemos hoje, teve início nas primeiras décadas do século XX. Suas principais características localizam-se em diferentes fontes formadoras: as tradições e culto às entidades africanas; aos cablocos, de origem indígena; aos santos do catolicismo popular e influências da doutrina Kardecista. Em sua obra de título O Cortejo o artista utiliza objetos de uso litúrgico, católicos e da umbanda, associados a outros objetos, tais como pequenas bandeiras comemorativas. Observe as imagens em gesso localizadas sobre a plataforma. Em quais outros lugares podemos ver imagens repetidas dispostas, assim, lado a lado? Em quais eventos podemos assistir a uma marcha como esta? Nelson Leirner O Cortejo (detalhe) 2009 Instalação

Foto: Nelson Kon Ronaldo Rego (1935) é um artista plástico carioca imerso na vida religiosa. Este sacerdote de umbanda possui uma obra extensa, intimamente relacionada a temas afro religiosos. Em suas composições utiliza os mais diversos materiais, em especial a madeira e ferro cinzelado, nos quais trabalha temas semelhantes a uma rara escrita. São emblemas inspirados na umbanda, esculturas de ferramentas pertencentes ao candomblé e outros temas ligados à ciência e ao sagrado. Na obra Casinha dos Erês, 1992, Ronaldo Rego apresenta múltiplos entalhes em madeira, pintados com as cores preto, vermelho e branco. Para os umbandistas, os Eres são entidades que representam especialmente a alegria, a inocência e a infância. Simbolizam a delicadeza das crianças e a sua honestidade Nesta emblema a simetria e organização das formas são cuidadosamente traçadas e calculadas. Vemos os minuciosos encaixes entre as formas simetricamente dispostas. É possível imaginar quais os instrumentos de desenho o artista utilizou para realizar esta imagem? Quais semelhanças podemos traçar entre as formas presentes na obra Casa de Erês de Ronaldo Rego e esta serigrafia de Rubem Valentim? Observe a Casinha dos Erês de Ronaldo Rego, veja o ritmo que encontramos no interior da estrutura retangular. Linhas verticais e horizontais se cruzam criando diversos planos e movimentos. Assim como uma escrita, vemos formas familiares. Quais imagens conhecidas podemos identificar? Foto: Nelson Kon Ronaldo Rego Casinha dos Erês 1992 Madeira policromada Rubem Valentim Série Emblema 1989 Serigrafia sobre papel Nesta obra de Rubem Valentim (1922-1991), a simbologia afro religiosa se estabelece a partir de livres composições geometrizadas e reorganizadas para gerar uma imagem em forma de emblema. Nela estão contidas, por exemplo, as características fundamentais do seu extenso e referencial trabalho, tais como a decomposição e simplificação dos símbolos de orixás do candomblé, aliados a articulação de cores em forte contraste, além da experimentação rítmica.

Foto: Henrique Luz Foto: Tiago, Guilherme Arte e Religiosidade do outro lado do Atlântico Os elos que unem o Brasil e as diversas culturas africanas ainda se fortalecem através do intenso diálogo hoje ampliado pela troca entre artistas contemporâneos dos dois lados do oceano atlântico. O Benin, por exemplo, é o país de origem destes dois artistas: Gèrard Quenum (1971) e Zinkpè (1969). Assemblages: refere-se ao procedimento artístico de criação de formas tridimensionais a partir da somatória de objetos e materiais das mais diversas origens. Os trabalhos do artista Zinkpè se destacam no cenário africano e europeu onde transita pelos mais variados materiais e suportes, sempre estabelecendo relações e questionamentos sobre a vida no continente africano, seus sistemas econômicos, políticos e culturais. A obra Cruz foi elaborada especialmente para o Museu Afro Brasil em 2007. Nela observamos pequenas estatuetas de madeira acopladas uma sobre as outras. Ao centro de ambos os lados vemos fotografias. Na primeira imagem o artista se apresenta crucificado, atado por cordas em meio a rochas. Na segunda fotografia, um detalhe dos pés é mostrado junto a fitas plásticas que o contornam contendo a expressão impressa fragile (frágil). Gèrard Quenum, escultor e criador de assemblages, é autor da obra Nossa Senhora, 2010. Nela a citação ao tradicional manto azul de Nossa Senhora Aparecida é realizado por meio de um manto dourado, delicadamente bordado com miçangas e lantejoulas. Corais, miçangas e contas também fazem parte dos adornos da imagem. Na obra ao lado vemos o uso de pequenas estatuetas, semelhantes as réplicas de esculturas tradicionais africanas, acrílicos com imagens fotográficas, pregos... Observe como o artista reúne estes diferentes objetos e sugere uma nova forma. Você já transformou objetos lhe atribuindo novos significados? Gèrard Quenum Nossa Senhora 2010 Técnica Mista Dominique Zinkpé Cruz 2007 Madeira policromada

T G Museu Afro Brasil Parque Ibirapuera Portão 10 04094-050 São Paulo/SP Fone: (11) 3320-8900 Eustáquio Neves Série Arturos 1994 Fotografia Terça a domingo, das 10h às 17h quintas-feiras e sábados entrada gratuita www.museuafrobrasil.org.br