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Transcrição:

ANÁLISE DO CONHECIMENTO POPULAR ASSOCIADO AO RESGATE DE CULTIVARES DE MILHO CRIOULO NO MUNICIPIO DE IBARAMA, RS Marielen Priscila Kaufmann¹, José AntonioCostabeber¹ ¹ Programa de Pós-graduação em Extensão Rural, Universidade Federal de Santa Maria, marielenpk@yahoo.com.br Eje temático: Aportes teórico-metodológicos para el trabajo de Extensión Rural. Trabajo de investigación. Forma de presentación: oral Este trabalho pretende, mediante ações de extensão que envolvam a apreensão, a análise, a sistematização e a troca de saberes entre distintos atores sociais (professores, estudantes, extensionistas e agricultores familiares), contribuir na qualificação da experiência de resgate e multiplicação de cultivares locais, tradicionais ou crioulas de milho (Zeamays) que vem sendo desenvolvida por famílias de agricultores do município de Ibarama, RS, Brasil. Neste sentido foram realizados o levantamento através da realização de entrevistas semiestruturadas que possibilitaram a elaboração do diagnóstico da realidade dessas famílias. Através da análise dos elementos levantados, foi possível a elaboração de um registro detalhado da história do processo de resgate e valorização da biodiversidade agrícola na região, relacionado com a cultura, as experiências, expectativas e habilidades dos agricultores familiares e das comunidades rurais. Além disso, oportunizou a qualificação da formação acadêmica de estudantes participantes do projeto, especialmente no exercício de diálogo e interação direta com as famílias dos agricultores. Palavras -Chave: milho crioulo, agrobiodiversidade, desenvolvimento rural

ANÁLISE DO CONHECIMENTO POPULAR ASSOCIADO AO RESGATE DE CULTIVARES DE MILHO CRIOULO NO MUNICIPIO DE IBARAMA, RS Contexto As sementes tradicionais ou crioulas possuem destacada importância na vida social e na economia rural em muitas regiões do país, sendo a base da agricultura familiar e constituem uma importante fonte genética de tolerância e resistência para diferentes tipos de estresse e de adaptação aos variados ambientes e manejos locais (Machado, 2008). Neste sentido, os bancos comunitários de sementes assumem um papel estratégico na segurança alimentar e nutricional das populações rurais. No município de Ibarama, localizado no estado do Rio Grande do Sul, especificamente na região Centro Serra, 23 famílias rurais formaram a Associação de Guardiões de Sementes de Milho Crioulo, que tem por objetivo multiplicar as cultivares locais, tradicionais ou crioulas de milho (CLTCs), mantendo suas características fenotípicas e sendo um banco difuso e informal de germoplasma da citada espécie vegetal. Ibarama possui uma área de 193 km 2 e uma população total de 4.416 habitantes, dos quais 3.228 vivem no meio rural. Sua economia está baseada, fundamentalmente, na atividade agropecuária que, por sua vez, está assentada em estabelecimentos rurais tipicamente familiares. No município, predominam as culturas de milho, de fumo, de feijão, além da fruticultura e de hortigranjeiros, produzidos por agricultores familiares de subsistência e de mercado. No caso do milho, a área total plantada é de 3.500 ha, cultivados em 1.031 estabelecimentos rurais. A área utilizada com sementes de CLTCs atinge, na atualidade, em torno de 1.400 ha, correspondendo a, aproximadamente, 650 famílias rurais. (Barchetet al., 2007) Conforme levantamentos preliminares, conduzidos por extensionistas rurais da EMATER/RS, nos últimos anos houve uma redução no uso de cultivares híbridas de milho e um conseqüente aumento na utilização de sementes de CLTCs, ampliando com isso as trocas de sementes entre agricultores e os processos de comercialização local e regional. Segundo o que já se pode constatar, de forma preliminar e superficial, os agricultores justificam suas tomadas de decisão pelas vantagens de adaptabilidade destas cultivares em relação às híbridas nas condições de cultivo da região, possibilitando às famílias reduzir custos de produção, diminuir o uso de agroquímicos e aumentar a renda através da comercialização de sementes para outros agricultores da região. Ademais, se sabe também que os Guardiões das sementes crioulas acumulam muitos conhecimentos práticos sobre o processo de produção de milho crioulo, assim como sobre a seleção genética e multiplicação das CLTCs. Essa base da sabedoria popular está assentada em suas culturas, hábitos e costumes, herança culinária, etc., o que por si só justifica estudos científicos específicos para a compreensão e explicação, sob a perspectiva sociocultural, econômica e ambiental, da experiência em andamento. Nesta ótica, o presente trabalho buscou conhecer e compreender, mediante a utilização de técnicas de pesquisa qualitativa, a importância do domínio e acumulação histórica desse tipo de conhecimento para a manutenção e transcendência de material genético crioulo para as presentes e as futuras gerações de famílias agricultoras. Para isso foi empregado o referencial teórico e as ferramentas do campo da Agroecologia, enquanto ciência em construção, que coloca o conceito de sustentabilidade como meta de longo alcance. Em última análise se busca apoiar os atores sociais no seu de empoderamento social, econômico, ambiental, político e cultural, com vistas a qualificação do processo de resgate, manejo e conservação dessas sementes, reduzindo, portanto, a dependência em relação às grandes corporações detentoras de direitos de propriedade intelectual.

Marco Referencial Teórico Muitos são os autores que apontam a Agroecologia como principal via de promover o desenvolvimento rural sustentável (DRS), tais como Silveira (1997), Altieri (2001), Costabeber e Caporal (2003), Canuto (2003), Caporal e Costabeber (2004), Altieri e Nichols (2003). Todos enfatizam que, ao pensar estratégias para DRS, deve-se ter como alicerce os princípios da Agroecologia. Igualmente, a preservação da agrobiodiversidade, como proposta por Santilli (2009), aparece como um princípio fundamental para a longevidade dos processos produtivos, com justiça social e saúde ambiental e econômica. Em sua obra Agroecologia: a dinâmica produtiva da agricultura sustentável,altieri (2001) expõe de maneira bem sistematizada os fundamentos e o princípios definidores do enfoque agroecológico. O processo de transição ou de conversão para estilos de agricultura de base ecológica requer de estratégias que ampliem ou reforcem a agrobiodiversidade local, o que por sua vez exige uma revalorização do papel e do conhecimento dos próprios agricultores no resgate e multiplicação de variedades locais ou crioulas (etnoconhecimento). Canuto (2003) explica as distorções conceituais que a Agroecologia sofreu até hoje, alertando que a falta de uma compreensão mais ampla por parte dos pesquisadores sobre o potencial técnico e social deve ser superada, pois esta nova ciência acumula conhecimentos de muitas origens, o que constitui um verdadeiro estoque de alternativas para responder às mais variadas realidades e os mais diversos problemas. Comenta que o desencadeamento de um movimento favorável à expansão da Agroecologia pede um roteiro concreto, e dentro dele a pesquisa tem um papel estratégico, pois existem muitas insuficiências, como pequeno número de pesquisadores e a falta de comunicação entre eles. Além disso, se percebe uma enorme distância entre as agendas de pesquisas das instituições oficiais e as necessidades dos próprios agricultores. Enfoques predominantemente cientificistas podem produzir desconexões entre conhecimento científico e saber dos agricultores, reservando assim um decisivo papel aos processos de extensão para o desenvolvimento rural. Caporal e Costabeber (2004) defendem a necessidade imediata de novas descobertas científicas e produção tecnológica que considerem a diversidade dos agroecossistemas e condições socioculturais presente no meio rural, o que coloca nas mãos das Universidades, Escolas Agrárias e Institutos de Pesquisa uma importante parcela da responsabilidade que tem o estado de promover processos de Desenvolvimento Rural compatíveis com o imperativo ambiental e com expectativas sócio-econômicas e culturais daqueles segmentos da população que até agora ficaram marginalizados das políticas públicas. Os mesmos os autores entendem o Desenvolvimento Rural Sustentável como um processo gradual de mudança que encerra em sua construção e trajetória a consolidação de processos educativos e participativos que envolvem as populações rurais, conformando uma estratégia impulsionadora de dinâmicas sócio-econômicas mais ajustadas ao imperativo ambiental, aos objetivos de eqüidade e aos pressupostos de solidariedade intra e intergeracional. Silveira (1997) aborda, em perspectiva histórica, alguns fatores que condicionaramapobreza rural em algumas regiões e aponta, como um dos principais determinantes, o modelo de extensão rural ofertada desde seu surgimento no Brasil (pós 2ª Guerra Mundial), uma vez que esse era altamente excludente por não adequar a tecnologia aos agricultores. Cita, ademais, que a crença na tecnologia como fator determinante no espaço agrário, que despreza estudos sobre as diversidades dos agroecossistemas e de modos de gestão, condição social, econômica e cultural dos agricultores, foi um dos principais contributos para o fracasso das estratégias de desenvolvimento rural.

Santilli (2009), em sua recente e importante obra Agrobiodiversidade e direito dos agricultores, após uma ampla e interdisciplinar pesquisa bibliográfica, aborda o conceito de agrobiodiversidade, ainda em construção, e propõe novos instrumentos jurídicos para a proteção e valorização da chamada biodiversidade agrícola, fundamental quando se trata de buscar processos sociais e desenhos técnicos orientados a sustentabilidade rural e justiça social. Outra vez ganham destaque as pesquisas e estratégias de extensão que abordem a preservação da biodiversidade funcional, onde se enquadram, por exemplo, as experiências com sementes crioulas conduzidas por agricultores, bem como as distintas oportunidades de intercâmbio de saberes e conhecimentos entre técnicos, agricultores e agentes de desenvolvimento rural. Metodologia O levantamento, efetuado através da realização de entrevistas semi-estruturadas, possibilitaram a elaboração do diagnóstico da realidade dessas famílias. Esta metodologia foi escolhida porque permite que se aborde com profundidade aspectos centrais da vida cotidiana e da história agrícola e rural dos agricultores, na perspectiva de buscar-se uma melhor compreensão de determinados fatos e ações relevantes ao contexto estudado. Segundo Haguette (1995), a entrevista é, essencialmente, uma forma de interação humana e pode ser alinhada num contínuo, a partir de uma simples conversa até um questionário sistematicamente elaborado e cuidadosamente pré-codificado. Os questionários foram elaborados pelos estudantes em conjunto com os professores envolvidos no projeto, de forma a contemplar aspectos sócio-econômicos, ecológicos e culturais das famílias que fazem parte do projeto comunitário de resgate, conservação e da multiplicação de CLTCs. Foram testados em entrevista piloto realizada com dois agricultores, sofrendo a partir disso pequenos ajustes afim de torná-lo menos extenso. Durante o ano de 2010, os estudantes envolvidos no projeto, reunidos em equipes de três, realizaram as entrevistas com 30 famílias, tarefa esta facilitada pela colaboração do extensionista rural da EMATER/RS-ASCAR do município, que num segundo momento também foi entrevistado por ser considerado um informante-chave. Posteriormente, as entrevistas foram transcritas e digitalizadas. Foto 1: Entrevista com agricultores

Resultados As entrevistas foram transcritas e seguem sendo fonte de referencia para todos os trabalhos de caracterização morfoagronômica das espécies e consequente plano de melhoramento participativo. A entrevista teve duas abrangências: socioeconômica e técnica. O primeiro abrange aspectos acerca do histórico da associação, o desenvolvimento das atividades referentes a esta experiência como as trocas de sementes, a busca por novas variedades, e o impacto cultural e econômico que essa experiência gerou no município como o Dia da troca e a Festa do milho crioulo. Referente aos aspectos técnicos, foram registradas as características de plantio, os insumos utilizados, colheita, armazenamento, seleção de sementes, manejo e controle de pragas e doenças e principais usos referente a cada variedade cultivada. Os dados servirão para estabelecer estratégias de aperfeiçoamento das técnicas empregadas na manutenção e conservação dessas variedades de milho além de contribuirem para a tomada de decisões e como base para trabalhos futuros. Paralelamente, o trabalho oportunizou que a estudantes de graduação das Ciências Agrárias da UFSM, vinculados ao Grupo de Agroecologia Terra Sul (GATS), interagissem com os agricultores ampliando sua formação acadêmica e conhecendo as relações existentes no ambiente rural, mediante participação no projeto de extensão com uma abordagem participativa. A aproximação foi fundamental para ganhar confiança dos agricultores e sensibilizar para as etapas seguintes do projeto. Foto 2: Entrevista com agricultores Referente aos aspectos histórico-sociais levantados podemos constatar que a preservação e manutenção destas cultivares tem um caráter fortemente cultural. Sob forte influência da colonização italiana e alemã na região, o município apresenta a característica de preservar tradições que vem sendo repassadas ao longo dos anos. Neste sentido, destaca-se a produção e manutenção de espécies de milho crioulo que, mesmo com a crescente modernização da agricultura, em muitas propriedades é produzida tradicionalmente de forma manual ou com arado de boi. Os mais antigos orgulham-se ao lembrar que seus pais e tios plantavam as mesmas cultivares que hoje ele e sua família preservam. Por isso podemos considerar que os aspectos socioculturais são o fator determinante para que estas sementes estejam sendo cultivadas mesmo com o advento das sementes hibridas e transgênicas.

Outro aspecto importante dessa iniciativa é representada pelo processo de troca de experiências que acontecem entre os participantes, através da organização de grupos de agricultores, da integração entre instituições e, principalmente, pela inclusão social, pois quem mais detém o conhecimento sobre sementes crioulas são os idosos, que passaram a ser mais valorizados especialmente nas ocasiões onde relatam suas experiências e histórias com o milho crioulo. Hoje, os Guardiões das Sementes de Milho Crioulo preservam e multiplicam 23 cultivares crioulos: Amarelão, Bico de Ouro, Brancão, Brazino, Cabo Roxo, Catete Amarelo, Catete Branco, Cinqüentinha, Cunha, Dente de Cão, Ferro, Mato Grosso, Oito Carreira Amarelo, Oito Carreira Branco, Palha Roxa, Pixurum, Sabuguinho, Dente de Ouro Amarelo, Dente de Ouro Roxo, Pururuca, Lombo Baio, Tunicado e Vermelhão. Essa diversidade ecológica e sociocultural vem sendo acompanhada de outros avanços, que acabam projetando o município e valorizando ainda mais o papel dos atores sociais envolvidos. Bibliografia Citada ALTIERI, M. A. Agroecologia: a dinâmica produtiva da agricultura sustentável. 3. ed. Porto Alegre: Ed. da Universidade UFRGS, 2001. ALTIERI, M. A. & NICHOLS, C. I. Agroecologia: resgatando a agricultura orgânica a partir de um modelo industrial de produção e distribuição. Ciência & Ambiente. Universidade Federal de Santa Maria. UFSM. N 27 (jul-dez/2003). Santa Maria, 2003. p.141-153. BARCHET, S.F.; BOHN, L.; RIBEIRO, T. N. P. V.; VIELMO, G. R. R. Câmbio de sementes e seus guardiões: experiências de conservação em dois municípios do Rio Grande do Sul. Agriculturas experiências em agroecologia, vol4, n 3 (out/2007). Rio de Janeiro, RJ. CANUTO, J. C., A pesquisa e os desafios da transição agroecológica. Ciência & Ambiente. Universidade Federal de Santa Maria. UFSM. N 27 (jul-dez/2003). Agricultura Sustentável, Santa Maria, 2003. p.133-140. CAPORAL, F. R.; COSTABEBER, J. A. Agroecologia e extensão rural: contribuições para a promoção do desenvolvimento rural sustentável. Brasília: MDA, 2004. COSTABEBER, J. A. & CAPORAL, F. R., Possibilidades e alternativas do desenvolvimento rural sustentável. In: VELA, H. (Org.). Agricultura familiar e desenvolvimento rural sustentável no Mercosul. Santa Maria: Palotti, 2003. p. 157-194. HAGUETTE, T. M. F. Metodologias qualitativas na sociologia. 4 ed. Petrópolis: Vozes, 1995. MACHADO,A.; SANTILLI,J.; MAGALHÃES,R. A agrobiodiversidade com enfoque agroecológico: implicações conceituais e jurídicas. Brasília,DF: Embrapa Informação Tecnológica,2008.98p. SANTILLI, J. Agrobiodiversidade e direitos dos agricultores. São Paulo: Peirópolis, 2009. SILVEIRA, P. R., Sustentabilidade e transição agroambiental: desafios aos enfoques convencionais de administração e extensão rural. Extensão Rural. UFSM/CCR/ DEAER. Ano IV (jan-dez/1997), Santa Maria, 1997. p.77-104.