ESFERAS DE ALGINATO COMO AGENTE ENCAPSULANTE DE ÓLEO DE Croton zehntneri Pax et Hoffm. Haroldo C. B. de Paula 1*, Erick F. de Oliveira 1, Flavia O. M. S. Abreu 1, Regina C. M. de Paula 2, Selene Maia de Morais 3 1* Universidade Federal do Ceará - UFC, Departamento de Química Analítica e Físico-Química, Campus do Pici, Fortaleza-CE hpaula@ufc.br 2 Universidade Federal do Ceará - UFC, Departamento de Química Orgânica e Inorgânica, Campus do Pici, Fortaleza-CE 3 Universidade Estadual do Ceará- Laboratório de Produtos Naturais, Campus do Itaperi, Fortaleza-CE Esferas de alginato reticuladas com cálcio (ALG/Ca) foram preparadas e dopadas com óleo essencial de Croton zehntneri Pax et Hoffm (CZ). As esferas foram caracterizadas quanto ao seu tamanho, massa, forma, grau de dopagem de larvicida, embebição e cinética de liberação in vitro e in vivo. Os estudos de embebição (Q) revelaram que as esferas não-dopadas apresentaram valores de Q de 0,2 a 0,6 enquanto que as esferas dopadas com CZ apresentaram maiores valores de Q, de 0,4 a 0,9, provavelmente devido à interferência do óleo no grau de entrelaçamento e de reticulação do sistema ALG/Ca. O perfil de liberação do óleo revelou que cerca de 60 % do princípio ativo é liberado em 80 min. A taxa de mortalidade de larvas de Aedes aegypti foi proporcional a quantidade de esferas adicionadas, onde teores de 1,81 a 4,25mg de óleo levaram a valores na faixa de 72 a 100% de mortalidade de larvas após 24h. A matriz polimérica mostrou-se efetiva até cerca de 70 dias, com perdas de principio ativo na ordem de 35 %. Esses resultados apontam que o sistema de liberação ALG/Ca dopado com CZ é uma alternativa viável para o controle das larvas do mosquito Aedes aegypti. Palavras-chave: alginato, esferas, encapsulação, Aedes aegypti. ALG/Ca beads as an encapsulation agent of Croton zehntneri Pax et Hoffm essential oil. Alginate beads crosslinked with calcium (ALG/Ca) were prepared and loaded with an essential oil from Croton zehntneri Pax et Hoffm (CZ). ALG/Ca beads were characterized with respect to their size, shape, larvicide loading, swelling, and in vitro and in vivo release kinetics. ALG/Ca unloaded showed Q values from 0.2 to 0.6, whereas ALG/Ca loaded with CZ showed higher Q values, from 0.4 to 0.9, probably due to an interference of the oil in the entanglement and crosslinking of the ALG/Ca network. In vitro profile showed that 60% of the larvicide is released in 80 min. In vivo tests showed that the mortality degree was related to the mass of the beads, where from 1.81 to 4.25 mg caused a mortality from 72% to 100% after 24h. The control release system was found to be effective up to 90 days. These results showed that ALG/Ca beads loaded with CZ are promising in the larval control of Aedes aegypti. Keywords: Alginate, beads, encapsulation, aedes aegypti Introdução Vários sistemas à base de biopolímeros têm sido usados como matrizes para liberação prolongada de fármacos, princípios ativos e inseticidas. Tais sistemas são geralmente biocompatíveis, biodegradáveis e oriundos de matérias primas naturais, tornam estes materiais de especial interesse para diversas áreas de pesquisa. Microesferas são um exemplo de tais sistemas, os quais têm despertado bastante interesse por parte da academia, uma vez que podem ser usada para a liberação prolongada de vários princípios ativos empregados nas áreas farmacêutica, médica e da agricultura [1-6].
O alginato (ALG) é um biopolímero aniônico composto de cadeias lineares de ácido α-lglucurônico e β-d-mannurônico, as quais em presença de íons tais como Ca ++ formam hidrogéis, filmes, esferas, micro- e nanopartículas, com capacidade para encapsulamento de uma série de substancias tais como dexorubicina, insulina, antifúngicos, etc. [2, 4, 7-9]. Os métodos de preparação geralmente envolvem o controle do processo de gelificação, o qual é função da concentração do polímero e do contra-íon, da velocidade de adição da solução de contra-íon, etc. Matrizes de ALG/Ca (microesferas) têm sido também empregadas para a liberação de inseticidas [9,10]. Géis contendo biopolímeros regionais tais como goma do cajueiro e quitosana já foram preparados [11] tendo sido usados para encapsulamento de inseticidas convencionais [12] e para a liberação de drogas [13]. Croton zehntneri Pax et Hoffm, é um arbusto do Nordeste brasileiro, sendo popularmente conhecido como canela de cunhã, apresentando em seus talos e folhas óleo essencial cujo principal componente é o anetol (cerca de 47 %). O potencial antioxidante [14] anti-helmíntico [15] e larvicida [16] deste óleo tem sido investigado, tendo sido reportado neste ultimo caso um valor de LC 50 de 28 ppm. As epidemias de dengue que continuam a assolar o País clamam pela busca continua de pesquisas que visem contribuir de forma efetiva para o controle do vetor de infestação. Neste sentido, pesquisas que objetivem a eliminação das larvas do Aedes aegypti usando substancias com impacto mínimo ou nulo sobre o meio ambiente têm sido realizadas empregando géis e microesferas para encapsulamento de vários biolarvicidas [17, 18]. Este trabalho teve por finalidades a preparação de esferas de ALG/Ca dopadas com óleo de Croton, estudo da dopagem, da cinética da liberação do óleo e a realização de bioensaios empregando larvas de Stegomyia (Aedes) aegypti, bem como a análise e caracterização dos produtos obtidos. Experimental Reagentes Alginato sódico (VETEC), cloreto de cálcio (SYNTH), Tween 80 (SYNTH) foram usados sem nenhuma purificação prévia; o óleo das folhas de canela-de-cunhã foi obtido por hidrodestilação em um aparelho de Clevenger e cedido pelo Laboratório de Produtos Naturais da UECE. Preparação das esferas de Alginato: As esferas ALG/Ca foram preparadas a partir de uma emulsão de uma solução de 2,5% de alginato, glicerina, surfactante Tween 80 e 0,1mL de óleo essencial, a qual foi gotejada com ajuda de uma seringa e uma bomba peristáltica em uma solução de CaCl 2 15%. As esferas foram removidas,
lavadas com água destilada e secadas em dessecador por 48h. As esferas controle (branco) foram preparadas de maneira similar, contudo não foi adicionado óleo à emulsão. Dopagem das esferas e eficiência de encapsulamento: O teor de óleo presente nas esferas foi determinado através da espectroscopia na região do UV-Vis, onde se calculou a concentração de anetol através de uma curva de calibração. A eficiência de encapsulamento foi calculada através da razão entre a quantidade de óleo utilizado no processo e a quantidade encapsulada nas esferas. Teste de embebição e transporte líquido: A embebição (Q) foi realizada pesando-se em uma balança de precisão uma determinada massa de esferas dopada e não-dopada secas e colocando-as em um recipiente com água destilada. Retiraramse as esferas, secou-se e pesou-se em certos intervalos de tempo. Q foi obtida de acordo com a Equação 1: Q = (M t -M o ) (1) M o Onde M o é massa das esferas secas e M t depois de imersas em água em função do tempo. Estudo cinético da liberação de óleo in vitro: Uma determinada massa de esferas dopadas (50 mg) foi colocada em uma célula imersa em um béquer com 120 ml de água destilada. O sistema foi mantido a temperatura constante, sob agitação. Após certos intervalos de tempo retirava-se uma alíquota e analisava-se por espectroscopia na região do UV-Vis (em 259 nm) calculando-se a concentração de óleo presente através da curva de calibração acima mencionada. Cinética da liberação in vivo: Larvas do St. aegypti foram colocadas na presença das esferas dopadas a fim de determinar a relação massa de esfera com mortalidade de larvas. Determinada massa de esferas foram colocadas em 50 ml de água destilada, contendo uma população de vinte larvas de St. Aegypti, no estágio três (classe Rockerfeller). Após certo intervalo de tempo observou-se a taxa de mortalidade das larvas. Análises e caracterização: Determinou-se o diâmetro das esferas com um micrômetro Mitutoyo, Japão. As esferas foram ainda analisadas por análise de espectroscopia na região do infravermelho com transformada de Fourier (FTIR) em um aparelho da Perkin Elmer.
Absorbância Resultados e Discussão Caracterização das esferas As esferas de ALG dopadas com óleo apresentaram massa média de 2,3 ± 0,41 mg e diâmetro médio de 1,4103 ± 0,0967 mm. As esferas de ALG dopadas com óleo essencial e não-dopadas foram caracterizadas através da análise de seus principais grupamentos funcionais, por espectroscopia de infravermelho (FT-IR), conforme ilustrado na Figura I. A análise espectrofotométrica das esferas branca e dopada revelou a presença de sinais principais característicos do ALG em 1652 cm -1 atribuído ao estiramento COO, em 1097 cm -1 devido ao estiramento -C-O-C-; e 3442 cm -1 atribuído ao estiramento do grupamento hidroxila ligados por pontes de hidrogênio [3, 20]. A adição de óleo resultou no surgimento de novos sinais em 1558 cm -1 e 2362 cm -1, além dos deslocamentos da bandas da hidroxila e carbonos CH (578 cm -1 ). 4000 3500 3421 3000 2500 2000 1500 1000 500 2362 1653 1559 0.5 2931 1094 669 0.4 3442 0.3 B 0.2 2931 2369 1653 1097 578 0.1 0.0 A -0.1 4000 3500 3000 2500 2000 1500 1000 500 Número de onda (cm -1 ) Figura I - Espectro de infravermelho das esferas de ALG não-dopadas (A) e dopadas co m óleo essencial (B). Dopagem das esferas: As esferas dopadas foram analisadas por espectroscopia na região do UV-Vis (em 259 nm). O teor de óleo nas esferas foi obtido através da Equação 2 da curva de calibração: Abs = -0,02212 + 0,12167 x Conc. (2) Onde Abs é a absorbância e conc. concentração em ppm. A estabilidade do sistema polimérico foi observada através da medida do teor de óleo nas esferas, nos seguintes intervalos de tempo de 2, 8, 16, 30 e 64 dias. Conforme pode ser visto na Figura II, as
Embebição (Q) Teor de óleo (%) esferas são eficientes para retenção do óleo essencial, havendo uma perda de 35% em 70 dias. Os cálculos da eficiência de encapsulamento do óleo nas esferas revelaram que da massa de óleo utilizado no processo, 26,24 % foram encapsuladas nas esferas. 10 8 6 4 2 0 0 10 20 30 40 50 60 70 Tempo (dias) Figura II- Efeito do tempo na dopagem das esferas Embebição e transporte líquido: A embebição das esferas pode ser observada na Figura III. Os dados de embebição (Q) mostram que a esfera dopada, ao atingir o equilíbrio em torno 80 minutos, aumenta seu peso em aproximadamente 85 %, enquanto que a esfera sem o larvicida alcança valores em torno de 60 %. 1.0 0.8 0.6 0.4 0.2 0 20 40 60 80 100 120 Tempo (min) Figura III - Cinética da embebição das esferas ALG/Ca dopadas ( ) e não-dopadas ( ) em água.
A embebição é uma etapa importante no processo de difusão de um soluto em uma matriz polimérica, dai deve-se conhecer o coeficiente de difusão D V, o qual pode ser obtido a partir da Equação 3 [19]: D V = (rө/ 6) 2 п (3) Onde D V é o coeficiente de difusão, r o raio da esferas, Ө a inclinação da região linear do gráfico de ln (M t / M ) versus t. M t é a massa de água embebida no tempo t, M a massa embebida no equilíbrio. Os dados calculados são mostrados na Tabela I. Tabela I -Parâmetros de Transporte líquido Esferas em Branco Esferas dopadas Raio (10-3 m) 0,705 0,705 Inclinação Ө (10-3 /s) 52,62 6,48 D V (m 2 /s) 1,20 x 10-10 1,82 x 10-6 Q 0,597 0,897 As esferas controle apresentaram uma menor embebição e coeficiente de difusão do que aquelas dopadas, provavelmente devido ao menor espaçamento da rede polimérica quando da formação da emulsão, uma vez que a ausência do óleo essencial resulta em uma maior compactação das cadeias do alginato pelo cloreto de cálcio. Cinética de liberação in vitro: A liberação de princípios ativos contidos em matrizes poliméricas embebidas é governada pela Equação 4: M t / M = K t n (4) Nesta equação M t /M denota a fração de larvicida (óleo) liberada, t é o tempo de liberação e k representa uma constante característica do sistema. O coeficiente difusional (n) é um indicativo do mecanismo de liberação. Para percentuais de liberação de óleo 50 %, tem-se K= -3.47 e n= 0,88, o que caracteriza um transporte fickiano anômalo, ou seja, as velocidades de difusão do principio ativo e de relaxamento das cadeias do polímero são equivalentes [20]. A Figura IV mostra o logaritmo da fração de larvicida liberada (M t /M ) em função do tempo, para as esferas de ALG.
Larvas Mortas (%) Óleo liberado (%) 100 80 60 40 20 0 0 30 60 90 120 150 180 210 240 Tempo (min) Figura IV- Cinética da liberação de óleo De acordo com o experimento realizado, ao atingir o equilíbrio em torno de 80 minutos, as esferas dopadas liberam 57,83% do óleo total presente. Cinética de liberação in vivo Conforme pode ser visto na Figura V e na Tabela II, esferas dopadas, com massas variando de 1,81 a 4,25 mg e concentrações na faixa de 19,31 a 84,95 ppm, resultam em mortalidades na faixa de 72,5 a 100 % em 48 h. O óleo de Croton puro possui LC 50 =28 ppm. 100 100% 100% 95% 95% 24h 48h 80 72.5 % 67.5 % 60 40 20 0 0 % 0 % Teste 1 Teste 2 Teste 3 Teste 4 Branco Testes realizados Figura V- Mortalidade de larvas após 24 e 48 horas
Tabela II - Massa de esferas e concentração de óleo em cada teste realizado. Teste 1 Teste 2 Teste 3 Teste 4 Massa de esferas (mg) 50 30 20 10 Concentração (ppm) 84,95 50,40 36,29 19,31 Massa de óleo (mg) 4,25 2,52 1,81 0,97 Conclusões O Óleo essencial de canela-de-cunhã foi encapsulado de forma satisfatória em esferas de alginato, sendo que a eficiência da matriz polimérica foi comprovada através do efeito de liberação prolongada do larvicida, mostrando-se efetivo até cerca de 70 dias, com mortalidade larval na faixa de 70 a 100 %. O estudo do processo de difusão do óleo na matriz revelou que o equilíbrio de embebição é atingido em cerca de 80 minutos, com liberação de aproximadamente 60 % do principio ativo no meio. A presença do óleo de Croton nas esferas foi comprovada ainda por meio das análises de espectroscopia de infravermelho. Agradecimentos Ao CNPQ/BNB, pela bolsa PIBIC-UFC e auxilio financeiro para execução das pesquisas. Referências Bibliográficas 1. Hejazi R., Amiji M. Pharmaceutics Development Technology 2003, 8, 253. 2. M. Hamidi; A. Azadi; P. Rafiei. Adv. Drug Deliv. Rev. 2008, 60, 1638. 3. Pasparakis, G., Bouropoulos, N. International Journal of Pharmaceutics 2006, 323, 34. 4. Sarmento, B. et al. Pharmaceutical Research 2007, 24, 12. 5. Laus, R et al. Química Nova 2006., 29, nº1. 6. Tu J et al. International Journal of Pharmaceutics 2005, 303, 171. 7. Kulkarni A. R et al. J. Appl. Polym. Sci 2002, 85, 911. 8. Kulkarni A. R. et al. J Controlled Release 2000, 63, 97. 9. Inoue, M; Ontsubo, T, Imai, M, Proceedings International Symposium Controlled Release Bioactive Materials, 1997, 24, 733-734. 10. Isiklan, N. J. Appl. Polym. Sci. 2006, 99, 1310-1319. 11. Paula, H.C. B; Gomes, F. J S.; Paula R. C. M. Carbohydrate Polymers, 2002, 48, 313. 12. Paula, HCB; Peixoto, MCP, Nascimento, RF. in Anais do 5th International Symposium on Natural Polymers and Composites-ISNAPOL 2004, São Paulo-SP, paper 038. 13. Maciel, J.S; Paula, H.C.B; Miranda, M.A.R; Sasaki, J.M; de Paula, R.C.M, Journal of Applied Polymer Science, 2006, 99, 326. 14. Morais, S.M; Júnior, F.A.C; da Silva, A.R.A, Stone, J; Neto,M; Rondina, D; Cardoso, J.H.L. Química Nova,2006, 29, 907. 15. Camurça-Vasconcelos, A. L. F. et al. Veterinary Parasitology 2007, 148, 2007. 16. Morais, SM et al. Journal of the American Mosquito Control Association 2006, 22, 161. 17. 17.Stadler, A. S; Ferreira,T.B.R.C.; Ribeiro, W.L.C.R.; Paula, H.C.B. Anais da Mostra Internacional de Ciência e Tecnologia-MOSTRATEC 2008, 473, Novo Hamburgo, RS. 18. Lima, L. P.; Paula, H. C. B.; Frota, M. M. A.; Ribeiro, W. L. C. Anais da Expo-Ciencia Internacional -ESI-AMLAT, 2004, Fortaleza, CE. 19. de Paula, H.C.B.; de Paula R.C.M.; Bezerra, S.K.F. J. Applied Polym. Sci., 2006, 102, 395. 20. Lawrie G. et al. Biomacromolecules 2007, 8, 2533. 21. Kosmeyer, RC; Pepas, N A. J. Membrane Science 1981, 9, 211.