INDISCIPLINA X TDAH: DIFERENÇAS E IMPLICAÇÕES NO PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM *



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Transcrição:

INDISCIPLINA X TDAH: DIFERENÇAS E IMPLICAÇÕES NO PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM * Érika Aparecida Savarego (UNINOVE) ** Resumo A indisciplina infantil e o TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade) têm sido muito discutidos no âmbito escolar, havendo, muitas vezes, uma confusão entre os termos, chegando até a ser tratados como se fossem a mesma coisa. Com frequência, crianças são constantemente rotuladas por professores, pais e colegas como mal-educadas, indisciplinadas, rebeldes, preguiçosas, desorganizadas, desinteressadas entre outras depreciações que influenciam negativamente o desenvolvimento escolar. Geralmente, as crianças em questão apresentam uma maior impulsividade, desorganização, impaciência, atenção dispersa, dificuldade de relacionamento, de comportamento e, por consequência, de aprendizagem. Estes comportamentos, dependendo da intensidade e frequência, são característicos do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), que por sua vez, também são característicos da indisciplina infantil. Considerando o sutil limiar entre um e outro, acredita-se ter relevante importância a distinção correta entre o TDAH e a indisciplina, por meio de maiores estudos, observações e diagnósticos corretos, objetivando amenizar ou minimizar os prejuízos causados por tais equívocos que comprometem severamente o desenvolvimento cognitivo, social e escolar de muitas crianças. Palavras-chave: Indisciplina. TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade). Dificuldades de aprendizagem. Processo ensino-aprendizagem. Introdução Tendo em vista a dificuldade de pais e professores em identificar se o filho/aluno tem problemas disciplinares ou uma patologia como o Transtorno de Déficit de Atenção, este artigo pretende identificar e esclarecer as diferenças entre comportamento social e patologia, de modo a orientar familiares e educadores sobre o modo mais adequado de proceder com o * Artigo apresentado ao Programa de Pós-Graduação (Lato Sensu) da Universidade Nove de Julho (UNINOVE) para a obtenção do título de especialista em Psicopedagogia Clínica e Educacional, em 2013, sob orientação do profº Ms. Lee Osvald Alves Siqueira. ** Professora na Prefeitura Municipal de Barueri/SP. Licenciada em Pedagogia pela Faculdade Eça de Queirós Faceq. Email: erikasavarego@hotmail.com 1

indivíduo, visando seu melhor aproveitamento escolar e a concretização dos objetivos propostos pelo processo ensino-aprendizagem. É comum crianças possuírem comportamentos inadequados que causam a insatisfação dos pais e responsáveis. Essas crianças normalmente são vistas e rotuladas como maleducadas, teimosas e inquietas. Na maioria das vezes, esses comportamentos influenciam diretamente no convívio social e escolar da criança, que são tidas como indisciplinadas. O contrário também pode acontecer. Alunos que realmente apresentam má educação, não conhecem limites e noções comportamentais podem ser tidas como hiperativas ou justificadas com déficit de atenção, sem maiores análises ou comprovações, apoiadas apenas em achismos e falta de conhecimento e informação de educadores e familiares, que ouviram falar sobre o TDAH. Crianças com dificuldades em convívio social e escolar têm seu processo de aprendizagem comprometido por diversos fatores. Por ser a primeira etapa da vida em que é cobrado algo, de forma mais rigorosa das crianças e na alfabetização é que são percebidos os desvios de comportamentos dos pequenos. Diante da não aprendizagem da criança, os pais e responsáveis procuram explicações para os comportamentos inadequados e se utilizam de métodos para reparar essa falha no processo; mas, infelizmente, na maioria das vezes, os pais deixam de procurar um profissional para diagnosticar se há ou não uma patologia e para buscar a solução ou amenização dos sintomas. Considerando este artigo de grande relevância para educadores, familiares e especialistas da área da educação e comportamento social, o mesmo pretende levantar uma reflexão cuidadosa do limiar entre comportamento social inaceitável (Indisciplina) e Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (Patologia). Conhecer mais profundamente o contexto social em que o indivíduo está inserido, por meio de anamnese e históricos vitais, auxilia nas hipóteses diagnósticas e diminui consideravelmente as margens de erro dos fatores comportamentais que são submetidos. Por haver um limiar sutil entre Indisciplina e TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade), que só pode ser identificados através de exames médicos que comprovem a patologia, muitos pais e educadores (leigos no assunto) confundem ou misturam os motivos para que o aluno tenha um baixo rendimento e, às vezes, o fracasso escolar. Daí provém às dificuldades de aprendizagem (e ensinagem) sem nenhum respaldo 2

clínico e/ou psicopedagógico, gerando então, um mau aproveitamento escolar e um entrave no processo ensino-aprendizagem. 1 A indisciplina: do conceito aos prejuízos escolares e sociais Segundo o Dicionário Aurélio (FERREIRA, 1986, p. 595), a indisciplina é um procedimento, ato ou dito contrário à disciplina; desobediência; desordem; rebelião, ou seja, um comportamento não aceito socialmente, desviante, contrário ao previsto ou tido como normal ou ideal para determinadas situações e/ou ocasiões, ambientes ou lugares, dentre elas o âmbito escolar. O aluno indisciplinado é geralmente, excluído pelo professor ou por alguns grupos de alunos; por outro lado, é tido como líder por outros grupos que se interessam pela capacidade desafiante deste aluno. Visto como tal, o aluno indisciplinado sente-se estimulado a potencializar suas atitudes e comportamentos (socialmente inaceitáveis), o que consequentemente, impossibilita o bom andamento dos trabalhos escolares o que incomoda professores e alguns alunos. Muito além de questões comportamentais, a indisciplina envolve também questões de valores morais, afetivos e de autoestima, que precisam (e devem) ser trabalhados frequentemente por professores e grandemente reforçados em convívio familiar que, infelizmente, muitas vezes, também estão doentes deste mesmo mal. Sobre este assunto, Júlio Groppa Aquino destaca que (...) as crianças de hoje em dia não têm limites, não reconhecem a autoridade, não respeitam as regras, e a responsabilidade por isso é dos pais, que teriam se tornado muito permissivos (AQUINO, 1998, p. 7). A indisciplina é considerada um dos fatores que mais influenciam no fracasso escolar. Essa é uma das maiores queixas dos professores que frequentemente desanimam, e se sentem esgotados diante da falta de disciplina de seus alunos que, por sua vez, são também prejudicados na aprendizagem. Diante desta perspectiva é necessário que educadores reconheçam que o problema da indisciplina não é só responsabilidade da família, pois ambas são as principais agências educativas por onde o ser humano passa, e estas precisam contribuir grandemente para a formação do indivíduo. O conceito de indisciplina, como toda criação cultural não é estático, uniforme, nem tampouco universal. Ele se relaciona com o conjunto de valores e expectativas que variam ao longo da história, entre as diferentes culturas e numa mesma sociedade (AQUINO, 1996, p. 84). 3

Para o Dr. Içami Tiba, que faz uma análise profunda do comportamento social inadequado da infância à fase adulta, uma das piores coisas da indisciplina é [...] a falta de organização interna do indivíduo. A pior consequência é a queda da qualidade de vida. Não só de si mesmo, mas de todas as pessoas que dele dependerem. Não dá para contar com os indisciplinados para atividades de responsabilidade eles funcionam conforme manda sua indisciplina e não seus compromissos. Então, quando adulta a pessoa não conseguirá se adaptar a qualquer atividade pessoal ou profissional. (TIBA, entrevista site: e.educacional. Acesso em 29/05/2013) Ainda baseando-se em conceitos, do que é ou o que viria a ser a in(disciplina) aparecem vários aspectos sociais, familiares com reflexos na vida escolar que deixam professores e escolas, muitas vezes, sem saber como agir. A este respeito versa Vasconcelos que [...] é muito comum ouvirmos dos professores a queixa de que os pais não estabelecem limites, não educam seus filhos com princípios básicos como saber se comportar respeitar os outros, saber esperar sua vez, etc. (VASCONCELOS, 2009, p. 240). Sob esta perspectiva, podemos entender que a família é o berço cultural e social de um indivíduo, e que cabe a ela, orientar, disciplinar, e formar moralmente um cidadão que saiba se comportar diante das exigências culturais de uma sociedade. Contudo, fica a reflexão do fator indisciplina, vinculado ao desenvolvimento escolar do indivíduo. Entende-se então que a indisciplina pode causar sérios prejuízos ao processo ensino-aprendizagem, pois dificulta a transmissão/mediação e a aquisição/construção do conhecimento na escola. O que coloca a instituição escolar, como coresponsável na formação moral do aprendente, como cidadão consciente de suas responsabilidades sociais. 2 Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH): definição, diagnóstico e intervenção Segundo a Cartilha do TDAH da ABDA Associação Brasileira de Déficit de Atenção (www.tdah.org.br/br/cartilhas-sobre-tdah. Acesso em 30/04/2013), o TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade) é um transtorno neurobiológico, com grande participação genética (isto é, existem chances maiores dele ser herdado), que tem início na infância e pode persistir na vida adulta, comprometendo o funcionamento da pessoa em vários setores de sua vida, e se caracteriza por três grupos de alterações: hiperatividade, impulsividade e desatenção. 4

São nestes três grupos de alterações que se focam as observações clínicas para definir se o indivíduo sofre ou não da patologia. Este diagnóstico só pode ser feito por especialistas médicos (clínicos, psiquiatras, neurologistas e psicólogos), para quem o psicopedagogo encaminha, quando surge a hipótese diagnóstica de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade. Além do fator genético, existem outras teorias sobre as causas do surgimento do TDAH em determinados indivíduos, como por exemplo, ingestão de álcool e nicotina durante a gravidez, problemas no parto e sofrimento do feto, exposição ao chumbo, etc. O tratamento do TDAH é feito à base de medicamentos ou de técnicas psicoterapeutas. A fase de tratamento deve ser acompanhada por profissionais especializados nas áreas de Neurologia, Psicologia, Psiquiatria, Fonoaudiologia e outras. Alguns medicamentos usados no tratamento são os psicoestimulantes à base de metilfenidato, comercialmente vendidos como Ritalina ou Concerta. Somente um médico especialista pode fazer o diagnóstico e indicar o tratamento mais adequado. Após o diagnóstico, faz-se necessária a adoção de medidas que proporcionem um novo direcionamento para a educação da criança, na escola, em casa e em outros ambientes de convívio social que a mesma frequente, havendo entre as partes um envolvimento completo, providenciando a atenção de acordo com as necessidades do indivíduo, baseando-se na compreensão, perseverança e paciência. Neste caso, sugere-se um acompanhamento interdisciplinar, com o acompanhamento dos médicos e do psicopedagogo, que terá papel fundamental nas propostas de atividades que contribuam e incentivem o desenvolvimento escolar da criança, auxiliando-a na busca de estratégias para melhor aproveitamento da aprendizagem. são: Algumas propostas das técnicas mais utilizadas nas intervenções psicopedagógicas Os jogos de exercícios sensório-motores, ou de combinações intelectuais, como damas, xadrez, cartas, memória, quebra-cabeça e outros. Estes permitem por meio de suas regras, desenvolver na criança a noção de limites, participação, cooperação... Confecção de livros e quadrinhos. Pode despertar o prazer em criar e admirar seu trabalho, estendendo este prazer para as lições em sala de aula. Despertar o gosto pela leitura, por meio de assuntos e temas que sejam de seu interesse, utilizando livros, revistas, gibis. 5

Dramatizações, esta técnica pode ser usada desde a fase do diagnóstico até a fase de intervenção. Nas brincadeiras de faz de conta a criança pode expor seus medos, suas dúvidas, suas frustrações, seus desejos e seus objetivos; esta técnica permite ao psicopedagogo coletar dados, tanto para análises cognitivas, quanto para análises psicanalíticas. Estas estratégias ou técnicas poderão ser definidas e direcionadas pelo psicopedagogo de acordo com as necessidades apresentadas pelo paciente, sempre em conjunto com a equipe interdisciplinar, família e escola. 3 Implicações no processo ensino-aprendizagem Aprender é uma potencialidade do ser humano. Ensinar é propiciar o desenvolvimento desta potencialidade, intelectual, psicológica e moralmente, fornecendo aos aprendizes situações planejadas, de modo que possam viver as experiências necessárias para produzir neles as modificações desejadas de uma maneira, mais ou menos estável, porém crescente. É óbvio que alunos com dificuldades de concentração, com hiperatividade ou indisciplinados, requerem uma maior atenção por parte dos educadores, pois tendem a demorar um pouquinho mais para aprender. Também é fato que são capazes de aprender. A questão que não cai na obviedade é: como ensinar estes alunos, principalmente se o professor não sabe nada sobre o assunto ou simplesmente ouviu falar vagamente? Para lidar com uma crianças com TDAH, antes de mais nada, o professor precisa conhecer o transtorno e saber diferenciá-lo de má educação, indolência ou preguiça [...] (MATTOS, 2005, p. 95). É importante também que para conhecer sobre o assunto é preciso pesquisar, estudar, procurar cursos de capacitação e acima de tudo orientação de uma equipe interdisciplinar (médicos e psicopedagogos) para que o TDAH não seja confundido com indisciplina, e que o aluno seja ajudado e não taxado, nem punido. As dificuldades, porém, não podem nem devem ser vistas como obstáculos intransponíveis. Cláudia Rodrigues de Freitas (2011), em sua dissertação de mestrado, reflete amplamente sobre os Corpos que não param: criança, TDAH e escola e faz ponderações e considerações a este respeito: O educador pode criar um espaço suficientemente bom para que se propiciem aprendizagens. Um espaço que atenda às necessidades dos aprendentes. Os alunos, os aprendentes, podem desenvolver sua capacidade 6

atencional, mas dizer que os professores não podem ensinar sobre isso não os exclui da tarefa. Aos professores cabe organizar de tal forma o espaço, que este favoreça a produção de um querer aprender, de aprender a aprender, uma necessidade que se traduza em desejo de aprender. (FREITAS, 2011, p. 60) A ABDA Associação Brasileira de Déficit de Atenção disponibiliza, inclusive em sites, cartilhas sobre o transtorno e dá dicas para professores de como inserir socialmente o aluno diagnosticado com o TDAH e como trabalhar em sala de aula de forma produtiva com este aluno. Os principais pontos são: Conhecer o TDAH e reconhecer os alunos que necessitam de ajuda; Acolher adequadamente, reconhecendo suas potencialidades e estimulando-o e incentivando-o no desenvolvimento de suas atividades escolares; Organizar o espaço e monitorar o processo, deixando clara as regras e os limites, estabelecendo inclusive, combinados; Adotar procedimentos facilitadores: contato visual, programação diária, intervalo programado entre as tarefas...; Integrar ao grupo, observar a aceitação do grupo com o aluno e propiciar momentos de interação; Realizar avaliações, tarefas e testes de forma clara e direta, com instruções simples, destacando palavras chaves, orientando como fazer e estimulando a revisão; Manter constante contato com a família, enfatizando os progressos (CARTILHA DA ABDA. Transtorno de Déficit de Atenção. Acesso em 30/04/2013). É preciso, porém, salientar que além das dificuldades encontradas pelos portadores do TDAH no processo de aprendizagem, já citadas anteriormente, estes possuem também muitas características positivas, dentre elas: bom nível intelectual, criatividade aguçada, sensibilidade e outras. Também é preciso lembrar que para estes alunos conseguirem manter a atenção, é necessário que o assunto, conteúdo, tarefa ou atividade, seja para ele interessante e estimulante. Necessário e imprescindível é lembrar que o aluno não é o TDAH, não é a patologia, e sim o sujeito aprendente, um indivíduo como todos os outros alunos, que merece e tem seu direito assegurado por lei de desenvolver todas as suas potencialidades e inserir-se socialmente. 7

4 Considerações Finais Apesar do tênue limiar existente entre a Indisciplina e o TDAH, é possível com dedicação, carinho, atenção, estudo e informação, diferenciar um conceito do outro e intervir adequadamente em cada um dos casos, evitando danos no desenvolvimento escolar do aluno. Durante a pesquisa bibliográfica foi possível observar que são inúmeros os artigos, teses, livros e outros escritos que abordam o tema em questão, porém a maioria deles trata os termos separadamente, não aventando a hipótese (foco central deste trabalho) da confusão feita entre ambos por parte de pais e educadores e a problemática que esta confusão acarreta no desenvolvimento escolar da criança. Mesmo tratando os assuntos (Indisciplina e TDAH) em separado, foi possível analisar, refletir e avaliar a principal diferenciação entre eles. A indisciplina trata em especial da falta de limites, da falta de orientação familiar, e de conhecimento da criança entre o que é moralmente aceitável pela sociedade, trata-se de um desvio comportamental que pode ser corrigido com orientação adequada, atenção, amor e carinho. Já o TDAH, tem origens biológicas; é uma patologia e deve ser acompanhada por especialistas médicos e por psicopedagogos que devem orientar pacientes, familiares e escola de como proceder e garantir o desenvolvimento integral do aluno, nos vários âmbitos sociais. Não esquecendo que também, neste caso, além de muita atenção, amor e carinho é preciso uma boa dosagem de compreensão e perseverança, por parte de todos os envolvidos neste processo. Apesar de o assunto abordado ser atualmente alvo de muitos estudos, pesquisas e interesses, tanto da comunidade acadêmica quanto da sociedade em geral, ainda há muito que se refletir sobre o tema, por isso, os objetivos deste trabalhado foram bem sucedidos, já que a intenção foi de convidar os interessados em geral para maiores reflexões sobre o tema, contribuindo para amenizar o sofrimento e o fracasso escolar de nossas crianças. Referências Bibliográficas AQUINO, Julio Groppa. A indisciplina e a escola atual. Rev. Fac. Educ., São Paulo, v. 24, nº 2, 1998.. (Org.). Indisciplina na Escola: alternativas teóricas e práticas. São Paulo, SP: Summus,1996. 8

. Indisciplina: o contraponto das escolas democráticas. São Paulo: Moderna, 2003. FERREIRA, Aurélio B. H. Dicionário Aurélio. R.J.: Ed. Nova Fronteira, 1986. FREITAS, Claudia Rodrigues de. Corpos que não param: criança, TDAH e escola. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul Faculdade de Educação. Porto Alegre, 2011. MATTOS, Paulo. No mundo a lua. Perguntas e respostas sobre Transtorno de Déficit de Atenção em Crianças, Adolescentes e Adultos. São Paulo: Lemos Editorial, 2005. TIBA, Içami. Disciplina, limites na medida certa. São Paulo: Editora Gente; 1º Edição, 1996. Referências Eletrônicas CARTILHA DA ABDA Transtorno de Déficit de Atenção Site: www.tdah.org.br/br/cartilhas-sobre-tdah. Acesso em 30/04/2013. TIBA, Içami. Relações humanas em sala de aula. site: www.educacional.com.br/entrevistas/entrevista0006. Acesso em 29/05/2013. VASCONCELOS, Celso dos Santos. Os desafios da indisciplina em sala de aula e na escola. Site: www.sinterroraima.com.br/imagens/artigos/desafios indisciplinas 01pag. Acesso em 29/05/2013. 9