TIMPANOPLASTIA TIPO I PEDIÁTRICA: DEFINIÇÃO DE SUCESSO E FATORES QUE AFETAM O PROGNÓSTICO



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Transcrição:

Cadernos Otorrinolaringologia. CLÍNICA, INVESTIGAÇÃO E INOVAÇÃO 1 17 Janeiro de 2014 AUDIOLOGIA TIMPANOPLASTIA TIPO I PEDIÁTRICA: DEFINIÇÃO DE SUCESSO E FATORES QUE AFETAM O PROGNÓSTICO TYPE I PEDIATRIC TYMPANOPLASTY: DEFINITION OF SUCCESS AND FACTORS THAT ALTER PROGNOSIS Sandra Gerós 1, Daniela Ribeiro 2, Fernanda Castro 3, Raquel Robles 4, José Pedro Matos 5, Artur Condé 6 1 2 3 Assistente Hospitalar do Serviço de ORL do Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia/Espinho 4 5 Interno do Internato Complementar de ORL do Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia/Espinho 6 Diretor do Serviço de ORL do Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia/Espinho Autor responsável: Sandra Isabel Gerós Pereira Serviço de Otorrinolaringologia - Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia/Espinho Rua Conceição Fernandes 4434-502 Vila Nova de Gaia Telefone: 227 865 100 E-mail: sandra.geros@gmail.com RESUMO Introdução: A timpanoplastia tipo I é uma cirurgia comum na idade pediátrica, embora permaneça rodeada de controvérsia, com taxas de sucesso variáveis na literatura médica. Objetivos: Analisar as taxas de sucesso desta intervenção em idade pediátrica, correlacionando os fatores que possam estar associados ao seu prognóstico. Material e métodos: Análise retrospetiva de 101 processos clínicos referentes a doentes pediátricos, submetidos a esta intervenção no Centro Hospitalar Vila Nova Gaia/Espinho entre setembro de 2001 e dezembro de 2011, com estudo e recolha de variáveis individuais, assim como determinação de sucesso anatómico e audiométrico correspondente. Resultados: Foram analisados 91 processos, com idades compreendidas entre 7 e 17 anos à data da cirurgia (média 13 ± 2,6 anos). O sucesso anatómico situou-se nos 79,1% e o audiométrico 76,1%. Conclusões: A timpanoplastia tipo I é bem sucedida em grande parte da população pediátrica, sem diferença estatisticamente significativa quando comparados na faixa etária inferior ou igual/superior aos 12 anos de idade. Palavras-chave: Perfuração timpânica, Prognóstico, Timpanoplastia tipo I, Sucesso, Pediátrico. ABSTRACT Introduction: Type I tympanoplasty is a common pediatric surgery, although it remains surrounded by controversy, with success rates varying according to the medical literature. Objectives: To analyze the success rates of this intervention in children, correlating the factors that may be associated with prognosis. Material and Methods: Retrospective analysis of 101 clinical cases of pediatric patients undergoing this intervention in Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho between September 2001 and December 2011, collecting and studying individual variables, as well as determining anatomical and audiometric success. Results: A total of 91 cases, aged between 7 and 17 years at the time of surgery (average of 13 ± 2.6 years). The anatomical success stood at 79.1% and audiometric success at 76.1%. Conclusion: Type I tympanoplasty is successful in most of the pediatric population, with no statistically difference when compared aged less than or equal to/greater than 12 years of age. Keywords: Tympanic membrane perforation, Outcome, Tympanoplasty, Success, Pediatric.

2 Cadernos Otorrinolaringologia. CLÍNICA, INVESTIGAÇÃO E INOVAÇÃO INTRODUÇÃO A elevada incidência de otite média aguda (OMA) recorrente, assim como a colocação de tubos de ventilação transtimpânicos (TVT s) na infância são os principais fatores responsáveis pelo grande número de perfurações timpânicas que ocorrem em idade pediátrica. Contudo, a timpanoplastia tipo I nesta faixa etária permanece um tema controverso. Os principais tópicos de debate atuais são a idade ideal para a intervenção, as suas indicações assim como a escolha da técnica cirúrgica a adotar 1. Existem várias razões a favor de protelar a intervenção até idades mais tardias: o encerramento espontâneo é uma delas. Em caso de disfunção tubar, problema comum nas idades mais precoces, a perfuração pode atuar como um regulador de pressões. A tentativa do seu encerramento dadas estas condições pode ser um fracasso, pelo que se defende o seu adiamento até à maturidade da trompa de Eustáquio (atingido por volta dos 7-8 anos de idade). A incidência de infeções da via aérea superior (assim como as otites) também diminuem com o avançar da idade e maturidade do sistema imunitário. Nas crianças mais pequenas, a própria anatomia é também reduzida, dificultando a intervenção. Geralmente, neste grupo etário a compliance para com os cuidados pós-cirúrgicos são menores. E muitas vezes os próprios pais demonstram receio perante uma cirurgia considerada não urgente, preferindo o seu adiamento 2. Contudo, outras razões reforçam a realização desta cirurgia o mais precocemente possível: a integridade da reserva coclear, com o ganho auditivo podendo ser máximo com o encerramento da membrana timpânica. A hipoacusia resultante da perfuração pode ter consequências nefastas sobre o desenvolvimento da fala e da linguagem na criança, assim como sobre o rendimento escolar. O epitélio pavimentoso queratinizante do canal auditivo externo pode transpor a perfuração e entrar no ouvido médio, dando origem a um colesteatoma. Também a perfuração crónica pode ser foco de reinfeções, com possibilidade de lesão da cadeia ossicular. A proibição da frequência de piscinas ou de molhar os ouvidos é difícil de levar a cabo, especialmente durante os meses de verão, sendo bastante punitiva para as crianças, com as suas implicações sociais e desportivas. Assim, uma perfuração timpânica pode ser mais ou menos prejudicial, tendo em conta o contexto em que se insere. Por isso, o otorrinolaringologista deve decidir se a criança deve ou não ser operada, qual a idade ideal e quais os critérios prévios à cirurgia que poderão predizer a evolução pós-operatória. Por outro lado, a percentagem de sucesso das timpanoplastias tipo I pediátricas apresenta grandes variações na literatura médica revista, oscilando entre 35-94% 3. A grande amplitude de resultados pode ser explicada pelas opiniões distintas relativamente à controvérsia da realização ou não da intervenção. Contudo, deve considerar-se as diferenças nas séries estudadas, especialmente a nível dos critérios de inclusão, distribuição por idades, tempo de seguimento e a experiência do cirurgião neste tipo de cirurgia. Existem também diferentes definições para designar o sucesso de uma timpanoplastia. Por tudo isto se conclui que existem múltiplos fatores responsáveis pelo prognóstico, distintos entre as diferentes séries estudadas. Assim, o objetivo deste trabalho foca-se na análise das taxas de sucesso da timpanoplastia tipo I em idade pediátrica, tendo em conta os fatores que possam estar associados a um melhor ou pior prognóstico. MATERIAL E MÉTODOS Foi realizada uma análise retrospetiva de 101 processos clínicos de doentes pediátricos (dos 0-17 anos, inclusive), submetidos a timpanoplastia tipo I no nosso serviço entre setembro de 2001 e dezembro de 2011. Dos 101 casos revistos, foram excluídos 10: 4 deles por estarem relacionados com outro tipo de intervenção (timpanoplastias com reconstrução ossicular, timpanomastoidectomias, ou apenas reavivamento dos bordos da perfuração), e os restantes 6 por terem sido operados já com 18 anos. Foram estudadas as seguintes variáveis: sexo, idade à data da cirurgia (separados em dois escalões etários inferior e igual ou superior a 12 anos), dados relativos à perfuração timpânica (ouvido afetado direito/ esquerdo -, tipo seca/otorreia, tamanho pequena/grandes dimensões -, local mesotimpânica/marginal, anterior/ posterior -, etiologia OMA recorrente, traumática, residual pós-tvt), antecedentes cirúrgicos (adenoidectomia, amigdalectomia, cirurgia otológica), tipo de intervenção e suas especificidades (via de abordagem endaural/retroauricular -, tipo de retalho fáscia do músculo temporal/pericôndrio do tragus -, tipo de timpanoplastia - underlay ou overlay), estado do ouvido contralateral (com/sem perfuração), estação do ano em que foi realizada, estudo audiométrico pré vs. pós-cirurgia e tempo de seguimento no pós-operatório (em meses). Foram definidos dois tipos diferentes de sucesso: anatómico e audiométrico. O sucesso anatómico foi definido como a integridade do retalho na última consulta de seguimento (íntegro/não íntegro). O sucesso audiométrico foi definido como um gap aéreo-ósseo no pós-operatório inferior a 20 db (tendo em conta a média do somatório das frequências aos 500, 1000, 2000 e 4000 Hz). A análise estatística dos dados foi realizada recorrendo ao programa SPSS Statistics, versão 17.0. RESULTADOS Neste estudo, o tempo de seguimento variou entre 1 e 80 meses, com uma mediana de 13 meses. Foram analisadas 91 crianças, 45 do sexo feminino e 46 do sexo masculino (49,5% vs. 50,5%, respetivamente), com idades compreendidas entre os 7 e os 17 anos de idade à data da cirurgia (média de 13 ± 2,6 anos). A etiologia da perfuração foi maioritariamente a otite recorrente (59,3%), seguida de iatrogenia (residual pós-tvt em 26,4% dos casos), trauma (1,1%) e em 13,2% dos casos

Cadernos Otorrinolaringologia. CLÍNICA, INVESTIGAÇÃO E INOVAÇÃO 3 FIG. 1 ETIOLOGIA DA PERFURAÇÃO DA MEMBRANA TIMPÂNICA SUCESSO ANATÓMICO A LONGO PRAZO EM FUNÇÃO DA FAIXA ETÁRIA FIG. 3 FIG. 2 REPRESENTAÇÃO DO GAP AÉREO-ÓSSEO (AO) NO AUDIOGRAMA TONAL, PRÉ VS. PÓS-CIRURGIA IDADE À DATA DA CIRURGIA FIG. 4 foi de origem desconhecida Figura 1. O gap aéreo-ósseo pré-operatório foi em média de 26,1 ± 9,4 db, e o pós-operatório de 13,4 ± 11,3 db, com diferença estatisticamente significativa entre eles (p<0,05) Figura 2. O sucesso anatómico situou-se nos 79,1% e o audiométrico nos 76,1%. Na Figura 3 encontra-se representada a percentagem de sucesso anatómico a longo prazo em função da faixa etária considerada. O género não influenciou o prognóstico (p>0,05). No que diz respeito à faixa etária, verificou-se que 25,3% das crianças foram operadas com menos de 12 anos de idade, contrabalançando com as restantes 74,7% Figura 4. Não se verificou diferença significativa quando foram comparadas no que diz respeito a sucesso anatómico, sucesso audiométrico e gap aéreo-ósseo, pré e pós-operatório (p>0,05). A cirurgia realizada nos meses de verão demonstrou um melhor prognóstico da integridade do retalho (p<0,05), ao contrário das outras estações do ano. Não houve relação significativa quando comparadas para sucesso audiométrico (p>0,05). Relativamente às perfurações, a localização (anterior ou não, marginal ou mesotimpânica) não se mostrou significativa, quer no sucesso audiométrico, quer anatómico (p>0,05). Quanto ao seu tamanho, tanto as pequenas como as de maiores dimensões não mostraram significado no prognóstico anatómico ou audiométrico (p>0,05). O tipo de perfuração (seca ou com otorreia), a etiologia e o lado do ouvido afetado foram coincidentes nos resultados (p>0,05). A presença de otite média crónica no ouvido contralateral não demonstrou impacto no sucesso anatómico ou audiométrico do ouvido operado (p>0,05). A realização prévia de cirurgia otológica no ouvido operado não mostrou diferença no que diz respeito ao prognóstico obtido (p>0,05). A realização quer de adenoidectomia quer de amigdalectomia prévias também não se mostraram relevantes para o sucesso da cirurgia (p>0,05). No que diz respeito à timpanoplastia, a via de abordagem, o tipo de retalho e a técnica cirúrgica utilizadas não se mostraram relevantes para o sucesso anatómico e cirúrgico pós-operatório (p>0,05).

4 Cadernos Otorrinolaringologia. CLÍNICA, INVESTIGAÇÃO E INOVAÇÃO DISCUSSÃO Sucesso Anatómico. Este estudo revelou taxas de sucesso anatómico de 79,1%, representado pela integridade do retalho no final do seguimento pós-operatório. O gráfico da Figura 3 demonstra a estabilidade desse sucesso a longo prazo, ligeiramente superior quando realizada em idades iguais ou superiores a 12 anos, embora sem significado estatístico comprovado. Estes resultados equivalem-se a estudos previamente publicados 4. Importante seria uma padronização global dos critérios a incluir na definição de sucesso, visando uma mais fiável comparação entre os vários resultados publicados na literatura médica. Sucesso Audiométrico. Nos últimos anos, maior atenção tem sido prestada ao ganho auditivo concomitante, assim como à definição de sucesso audiométrico. Contudo, não existe ainda um consenso global nas definições atribuídas a cada um dos termos. Muitos autores consideram a melhoria do gap aéreo-ósseo como uma medida de melhoria audiométrica 1,5. Nós consideramos o cut-off dos 20 db no gap aéreo-ósseo do pós-operatório, tal como assumido noutros estudos 6. O sucesso audiométrico obtido rondou os 76,1%, com uma diferença significativa entre o gap pré e pós-operatório, reforçando o sucesso da intervenção a este nível. Idade. Strong 7 afirmou que as alterações morfológicas na trompa de Eustáquio que acompanham a melhoria funcional são mais evidentes a partir dos 7 anos de idade. Já num estudo de Raine et al. 8 sugeria-se o protelar da intervenção até aos 12 anos de idade. Uma meta-análise de Vrabec et al. 9 concluiu que a melhor cicatrização da membrana timpânica varia em função do avançar da idade. Por isso separamos os doentes em duas faixas etárias: inferior ou igual, e superior a 12 anos de idade. Apesar do que se encontra publicado na literatura médica, não se verificou diferença estatisticamente significativa quando comparadas no que diz respeito a sucesso anatómico, audiométrico e gap aéreo-ósseo pré e pós-operatório, embora um sucesso anatómico proporcionalmente superior ter sido observado na faixa etária mais elevada (84,4% vs. 78,3%; p>0,05). Estação ano. Verificou-se que a intervenção realizada no período de verão apresentou uma taxa de sucesso anatómico significativa relativamente às restantes estações (p=0,036). Isto pode ser interpretado dada a menor incidência de infeções da via aérea superior durante este período, associada a uma menor disfunção da trompa, essencial para a normal cicatrização e estabilização do retalho. A cirurgia realizada na primavera revelou a menor percentagem de sucesso anatómico, ao contrário do observado na literatura consultada, em que geralmente os meses de inverno são os principais responsáveis por esse fracasso 1. ou não de otorreia no momento da cirurgia não revelaram significado no prognóstico. O estado do ouvido contralateral, com ou sem otite média crónica, também não se mostrou significativo no prognóstico, compatível com os resultados de Keesler et al. e Manning et al. 10,11. Cirurgia. A técnica cirúrgica, a via de abordagem, assim como o tipo de retalho utilizado, também não mostrou influência no prognóstico de sucesso. Pode dever-se ao reduzido número de casos em que foram utilizadas certas técnicas e materiais (overlay, abordagem endaural, retalho de pericôndrio do tragus). A presença ou não de cirurgia otológica prévia no ouvido operado (incluindo as miringotomias com colocação de tubos de ventilação, a mais comum entre elas), assim como a realização prévia de adenoidectomia ou amigdalectomia não alteraram o prognóstico da intervenção, tal como sugerido nos estudos de Charlett e Knight 12 e Sckolnick et al. 13. As limitações com que nos deparamos no decorrer do estudo foram de várias ordens, sendo a sua natureza retrospetiva indubitavelmente a mais importante. Também de referir a amostra reduzida (comparativamente com outros estudos consultados), assim como a variação na recolha de alguns dados (como a ausência de sistematização na realização de audiograma tonal pós-operatório em alguns casos, tempo de seguimento no período pós-operatório), fruto do envolvimento de diferentes clínicos na prestação de cuidado aos doentes. O número de crianças estudadas com menos de 12 anos de idade foi significativamente menor, tornando a análise estatística mais difícil. Estudos coorte e randomizados provam-se assim necessários no futuro para uma determinação mais consensual dos fatores que intervêm no prognóstico desta intervenção, assim como uma padronização nas definições instituídas de sucesso cirúrgico. CONCLUSÃO O estudo sugere que esta intervenção é bem sucedida em grande parte da população pediátrica, independentemente da faixa etária considerada, apresentando vantagens quer do ponto de vista anatómico, com menor probabilidade de reinfeção, quer do ponto de vista audiométrico, traduzindo-se numa melhor qualidade de vida para a criança e para o seu normal desenvolvimento. É importante considerar ambos os tipos de sucesso para a análise correta da qualidade da intervenção, devendo os profissionais de saúde estar atentos na altura da proposta cirúrgica para a avaliação de fatores quer intrínsecos quer extrínsecos que possam estar associados a um prognóstico menos satisfatório. Perfuração. As infeções recorrentes da via aérea superior, dada a sua incidência, provaram ser o fator etiológico mais comum para perfuração timpânica nas idades pediátricas. Apesar disso, quer este fator, quer a lateralidade do ouvido afetado, localização e tamanho da perfuração, assim como a presença

Cadernos Otorrinolaringologia. CLÍNICA, INVESTIGAÇÃO E INOVAÇÃO 5 BIBLIOGRAFIA 1. Knapik M, Saliba I. Pediatric myringoplasty: a study of factors affecting outcome. Int Journal Pediatric Otorhinolaryngology. 75: 818-823 (2011). 2. Atienza LL, Sanz MAV et al. Factores prognósticos en las miringoplastias infantiles. Acta Otorrinolaring Esp. 50 (1): 1-5 (1999). 3. Uyar Y, Keles B. Tympanoplasty in pediatric patients. International Journal of Pediatric Otorhinolaryngology. 70: 1805-1809 (2006). 4. Yung M, Neumann C et al. A longitudinal study on pediatric myringoplasty. Otology & Neurotology. 28: 353-355 (2007). 5. Vartiainen E, Nuutinen J et al. Success and pitfalls in myringoplasty: follow-up study of 404 cases. Am J Otol. 14(3): 301-305 (1993). 6. Ophir D, Porat M et al. Myringoplasty in the pediatric population. Arch Otolaryngol Head Neck Surg. 113(12): 1288-1290 (1987). 7. Strong MS. The Eustachian tube: basic considerations. Otol Clin North Am 1972; 5:19-27. 8. C.H. Raine, S.D. Singh. Tympanoplasty in children. A review of 114 cases, J. Laryngol. Otol. 97(3). 217-221 (1983). 9. Vrabec JT, Deskin RW et al. Meta-analysis pediatric tympanoplasty. Arch. Otolaryngol. Head Neck Surg.125 (5). 530-534 (1999). 10. Kessler A, Potsic WP, Marsh RR. Type 1 tympanoplasty in children. Arch Otolaryngol Head Neck Surg. 120: 487-90 (1994). 11. Manning SC, Cantekin EI, Kenna MA, Bluestone CD. Prognostic values of Eustachian tube function in pediatric tympanoplasty. Laryngoscope 1987. 12. Charlett SD, Knight LC. Pediatric myringoplasty: does previous adenoidectomy improve the likelihood of perforation closure? Otology & Neurotology. 30: 939-942 (2009). 13. Sckolnick JS, Mantle B et al. Pediatric myringoplasty: factors that affect success - a retrospective study. The Laryngoscope. 118: 723-729 (2008).