Revista Eletrônica Nutritime, Artigo 109. v. 7, n 02 p , Março/Abril 2010 MANEJO ALIMENTAR EM PISCICULTURA CONVENCIONAL

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Transcrição:

Revista Eletrônica Nutritime, Artigo 109 v. 7, n 02 p.1189-1196, Março/Abril 2010 1133

Artigo Número 109 MANEJO ALIMENTAR EM PISCICULTURA CONVENCIONAL Paula Adriane Perez Ribeiro 1, Leandro Santos Costa 2, Priscila Vieira e Rosa 3 1 Doutora em Zootecnia, professora do Instituto de Ciências Agrárias da Universidade José do Rosário Vellano UNIFENAS, Campus Universitário, Rodovia MG 179, Km0, CP 23, CEP 37130-000, Alfenas- MG, e-mail: paulaperezribeiro@hotmail.com 2 Graduando em Zootecnia pela Universidade Federal de Lavras UFLA, Departamento de Zootecnia, Campus Universitário, CP 37, CEP 37200-000, Lavras-MG, e-mail: leandrocapitoliomg@yahoo.com.br 3 Doutora em Zootecnia, professora do Departamento de Zootecnia UFLA, Departamento de Zootecnia, Campus Universitário, CP 37, CEP 37200-000, Lavras-MG, e-mail: priscila@ufla.br 1134

INTRODUÇÃO Dentre os diversos aspectos relacionados à piscicultura, a nutrição e alimentação dos animais vêm sendo amplamente discutidas, principalmente por representar cerca de 70% dos custos de produção em sistemas de cultivo intensivos. As exigências protéicas para peixes são maiores, quando comparadas às demais espécies, sendo necessário, portanto, fornecimento de ração com altos níveis de proteína, o que onera ainda mais os custos da atividade. Assim, a utilização de alimentos adequados, em quantidade e em qualidade, torna-se importante para o sucesso econômico da piscicultura. O conhecimento dos hábitos alimentares dos peixes é fundamental para a adequação da dieta a ser fornecida, uma vez que auxilia na determinação das necessidades nutricionais de cada espécie. Peixes carnívoros, por exemplo, aproveitam melhor os alimentos de origem animal, necessitando de conteúdo protéico elevado na ração, quando criados em cativeiro. Entretanto, estas espécies apresentam baixa capacidade de aproveitamento de alimentos de origem vegetal, devendo sua inclusão ser controlada e restrita a ingredientes de alta digestibilidade. As espécies onívoras e herbívoras, no entanto, são menos exigentes em conteúdo protéico e aproveitam bem uma variedade maior de alimentos. Desta forma, o manejo alimentar deve levar em consideração a constituição anatômica e fisiológica do trato digestivo de cada espécie, seu comportamento em cativeiro, bem como o sistema de cultivo adotado, sua produtividade natural, condições climáticas da região e características inerentes ao alimento fornecido aos animais. SISTEMA DE CRIAÇÃO A atividade piscícola pode ser estabelecida sob diferentes sistemas de cultivo, dependendo da espécie a ser criada, mercado e condições da região. Dentre os sistemas de produção adotados em piscicultura podemos destacar: sistema de criação extensivo, sistema de criação semiintensivo, sistema de criação intensivo e sistema de criação superintensivo. SISTEMA EXTENSIVO O sistema de criação extensivo não requer investimento em tecnologia. Assim, permite o aproveitamento de tanques ou poços já existentes na propriedade. Os animais são criados em policultivo, ou seja, mantendo-se várias espécies dentro do mesmo tanque. A escolha pelas espécies deve objetivar o melhor aproveitamento possível do viveiro, recomendando-se a associação de espécies que se alimentam nas diferentes regiões da coluna d água. O emprego de ração para este sistema não é comum. Os peixes consomem frequentemente, alimento natural, representado pelo plâncton que se desenvolve na água do tanque. Não há monitoramento da qualidade de água e frequentemente o rendimento da atividade é baixo. SISTEMA SEMI- INTENSIVO O sistema semi-intensivo de criação envolve o emprego de tecnologia básica, caracterizado pelo investimento, ainda que pequeno, em planejamento de tanques escavados para a estocagem controlada de espécies isoladas, constituindo, assim, um monocultivo. A ração fornecida aos animais, ainda que precariamente balanceada, é responsável, entre outros fatores, pelo melhor desenvolvimento dos peixes, quando 1189

comparados àqueles mantidos em sistemas extensivos. Nos viveiros de criação há proliferação de plâncton, o qual também serve de alimento para os animais. A densidade de estocagem dos peixes nos tanques respeita a recomendação mínima para cada espécie, sendo que a qualidade de água do ambiente de criação é parcialmente monitorada. É o sistema mundialmente mais difundido na criação de peixes, sendo que no Brasil cerca de 85% da produção é proveniente de pisciculturas semiintensivas. investimento dispensado. O manejo alimentar é caracterizado pelo fornecimento de ração artificial balanceada, de alta qualidade, seguindo rigorosamente as indicações de planos nutricionais adequados a cada espécie. A alta renovação de água do sistema permite manutenção constante dos parâmetros limnológicos em níveis ideais, possibilitando o uso de altas densidades de estocagem por m 3 de água. SISTEMA INTENSIVO O sistema de criação intensivo aplica uma tecnologia intermediária, caracterizada pelo investimento em tanques planejados, parcial ou totalmente concretados, onde os animais, mantidos em monocultivo, são alimentados com ração artificial balanceada, cujo manejo alimentar segue indicações de planos nutricionais adequados a cada espécie. O monitoramento periódico da qualidade de água nos tanques permite a manutenção de densidades de estocagem mais elevadas, o que possibilita maiores rendimentos em produtividade por área. SISTEMA SUPERINTENSIVO O sistema superintensivo de criação envolve aplicação de alta tecnologia e mão-de-obra especializada. O planejamento da produção é minuciosamente elaborado, contando com tanques de concreto, com alta renovação de água, normalmente instalados em sistemas de raceways ou criação dos animais em sistemas de tanquerede. Preconiza-se a criação exclusivamente em monocultivo, frequentemente com aquisição de animais geneticamente superiores, o que garante melhores respostas ao NUTRIÇÃO E ALIMENTAÇÃO DE PEIXES Os peixes apresentam requerimentos nutricionais semelhantes aos observados para animais terrestres, considerando-se crescimento, reprodução e outras funções fisiológicas normais. Estes nutrientes geralmente são obtidos de alimentos naturais disponíveis no ambiente, ou de rações comerciais fornecidas no cultivo. Desta forma, a escolha inadequada ou a má formulação da ração provocará redução no desempenho dos animais, conduzindo a maiores custos com a alimentação e diminuindo, consequentemente, o lucro da atividade. Portanto, para a elaboração de rações adequadamente balanceadas torna-se necessário conhecer as variações existentes na estrutura e fisiologia do sistema digestivo das diferentes espécies de peixes cultivados comercialmente. Informações sobre a preferência alimentar de uma determinada espécie são de grande utilidade no estabelecimento de planos nutricionais e alimentares, incluindo o preparo de rações e o manejo da alimentação. Os processos gerais de digestão em peixes têm sido analisados em diversos estudos, e as 1190

informações disponíveis sugerem que estes processos ocorrem de maneira semelhante aos demais animais vertebrados. Os peixes apresentam variações na estrutura básica do trato gastrintestinal, se comparados a outros animais, as quais estão geralmente relacionadas ao tipo de alimento consumido e ao ambiente, podendo influenciar a presença, posição, formato e tamanho de alguns órgãos em particular. Entretanto, a maioria dos peixes é pouco especializada nos seus hábitos alimentares, sendo, considerados generalistas, uma condição necessária para ingerir, digerir e absorver os diferentes tipos de alimentos. Mesmo quando ingerem um único tipo de alimento, podem substituí-lo por outro totalmente diferente quando o primeiro se torna indisponível, ou ainda, mudar de hábito alimentar ao longo da vida, sendo esta adaptação mais eficiente em espécies onívoras do que em carnívoras. O sucesso da aquicultura está, dentre muitos fatores, associado ao conhecimento das características morfofisiológicas e comportamentais das espécies em criação, em todas as fases de desenvolvimento. As rações processadas para organismos aquáticos, peletizadas ou extrusadas, dificultam sobremaneira as perdas de nutrientes por lixiviação. Assim, a produção de ração na propriedade, muito comum até meados da década de 1990, deixou de ser uma rotina, pelos inconvenientes práticos e financeiros, dando lugar à utilização de rações processadas industrialmente (ANFAL, 2000). Dentre os principais ingredientes utilizados na formulação de rações comerciais destacam-se: farelo de soja, farelo de algodão, concentrados protéicos de origem vegetal, leveduras e farinha de peixe, como fontes de proteína; e milho, sorgo, farelo de arroz e óleos, como fontes energéticas, além da inclusão de suplementos minerais e vitamínicos, sal e substâncias antioxidantes. FONTES PROTÉICAS O farelo de soja, amplamente empregado na formulação de rações para peixes, pode ser encontrado nas mais diversas regiões do país, com preço variável. A qualidade deste alimento pode sofrer influências de fatores antinutricionais, os quais podem comprometer o desempenho dos animais. Portanto, torna-se necessário um tratamento térmico adequado da soja, visando eliminar estes fatores antinutricionais, antes do preparo da ração (Teixeira, 1998). O farelo de algodão caracteriza-se por apresentar alto nível de proteína em sua composição. Entretanto, assim como a soja, possui fatores antinutricionais que limitam sua utilização a níveis preestabelecidos de acordo com cada espécie (Zimmermann et al., 2001). Os concentrados protéicos de origem vegetal se assemelham à farinha de peixe, quanto ao nível protéico, podendo ser incluídos nas rações em maior quantidade que os farelos convencionais. A exemplo destes produtos podemos citar o concentrado protéico de soja, concentrado protéico de canola, concentrado protéico de folhas de diferentes plantas, entre outros (Teixeira, 1998). As leveduras são subprodutos da indústria alcooleira, que podem ser incluídas como ingrediente alternativo em rações para peixes, como fontes de proteína. Sua disponibilidade no mercado brasileiro tem aumentado nos últimos anos (Zimmermann et al., 2001). A farinha de peixe, subproduto desidratado e moído, é obtida pela cocção do peixe inteiro, de fragmentos de órgãos e tecidos, ou de ambos, após extração parcial do óleo. Apresenta perfil aminoacítico ideal aos peixes, sendo, ainda, importante 1191

fonte de fósforo e microminerais, como zinco, manganês, cobre, selênio e ferro (Zimmermann et al., 2001). FONTES ENERGÉTICAS O milho é a principal fonte energética que compõe as rações para peixes onívoros e herbívoros. Porém, sua composição em carboidratos apresenta pequena contribuição energética para as espécies carnívoras. Seu teor de inclusão é dado em função da disponibilidade e viabilidade econômica, tomando-se as devidas precauções quanto ao controle do teor de umidade, presença de micotoxinas, resíduos de pesticidas e sementes tóxicas. Atualmente, o preço elevado da farinha de peixe tem preconizado a utilização do glúten de milho para espécies carnívoras (Andriguetto, 1986; Teixeira, 1998; Araújo, 1999; Zimmermann et al., 2001). O sorgo tem sido estudado, como substituinte do milho, em rações para peixes carnívoros. Por apresentar uma maior proporção de carboidratos solúveis, promove maior viscosidade ao alimento, permitindo, assim, um aumento no tempo de permanência do bolo alimentar no trato digestivo, o que possibilita um aproveitamento mais eficiente dos carboidratos. Atualmente, variedades de sorgo com níveis baixos de tanino, substância tóxica aos animais, já se encontram disponíveis no mercado e podem ser utilizadas para peixes com uma margem de segurança maior (Furuya et al., 2003). O trigo e o farelo de trigo podem ser adicionados às rações, porém, sua inclusão não deve exceder 15%, devido ao elevado teor de fibra, associado à presença de polissacarídeos não amiláceos, que podem interferir na digestibilidade (Kubtiza, 1999 e Zimmermann et al., 2001). Os farelos de arroz desengordurado, integral e integral com casca, podem ser usados em substituição ao milho, aveia, sorgo, entre outros ingredientes. Dentre os óleos que podem ser adicionados à ração de peixes, como fonte de energia e de ácidos graxos essenciais, destacam-se: óleos de soja, milho, linhaça, canola, girassol, oliva e peixe. Os óleos vegetais são, normalmente, provenientes de sementes oleaginosas. Estes óleos, em geral, passam por diversos processos industriais, sendo submetidos à redução de temperatura e destilação a vapor em vácuo (Bortoluzzi, 1993 e Moretto & Fett, 1998). Os óleos de peixe comerciais, obtidos de espécies marinhas, passam por prensagem e refinação. Para a refinação do óleo utiliza-se o processo de acidulação, promovendo, assim, a ruptura dos triacilgliceróis e liberação dos ácidos graxos, que, na sua maioria, são insaturados. Devido a sua alta susceptibilidade a peroxidação, são previamente estabilizados, aumentando assim seu tempo de conservação (Barroeta & Xalabarder, 1994; Windsor & Barlow, 1981, citados por Serrano, 2002). FORMA FÍSICA DA RAÇÃO Por viverem em meio aquático, os peixes têm problemas de perda de nutrientes, principalmente os mais solúveis. Sendo assim, o processamento adequado da ração é fundamental na alimentação dos animais. Dentre as formas físicas nas quais a ração pode ser fornecida aos peixes destacam-se: o Ração farelada: os ingredientes da ração são apenas moídos e misturados. Sua utilização não é recomendada, uma vez que as perdas de nutrientes são significativas, causando não só problemas aos peixes, como poluição da água dos tanques. o Ração peletizada: a peletização consiste na combinação de umidade, 1192

o calor e pressão, com aglomeração de partículas para formação de pelets. A estabilidade de rações peletizadas na superfície da água é de aproximadamente 15 minutos, o que garante sua qualidade. Este tipo de ração reduz as perdas de nutrientes na água, pode eliminar alguns compostos tóxicos, diminui a seleção de alimento pelos peixes, além de reduzir o volume no transporte e armazenamento da ração. Porém, apresenta custo de produção mais elevado, quando comparado à ração farelada. Ração extrusada: a extrusão consiste num processo de cozimento em alta temperatura, com pressão e umidade controladas. A estabilidade dos grânulos extrusados na superfície da água é superior a das rações peletizadas, facilitando sobremaneira o manejo alimentar dos animais. Atualmente, tem sido a forma de ração mais indicada e utilizadas nas pisciculturas. FORMAS DE FORNECIMENTO DE RAÇÃO AOS PEIXES A ração pode ser fornecida aos peixes manualmente ou através do uso de comedouros. O fornecimento manual permite ao tratador um contato visual com os animais no tanque, possibilitando a observação de algumas anormalidades nos peixes. No entanto, requer maior mão-de-obra, quando comparado ao sistema de comedouros. A alimentação em comedouros pode ser realizada mediante utilização de cochos (comumente empregados em sistemas tradicionais, para fornecimento de ração farelada), ou mecanizada, onde o alimento é lançado por equipamento acoplado a um trator. Este método permite o arraçoamento rápido em grandes áreas, apesar de limitar o contato entre o tratador e os peixes. Existem, ainda, comedouros automáticos, que distribuem a ração de tempos em tempos no tanque, porém, também limitam o contato entre os peixes e o tratador (Kubitza, 1997). Na fase inicial de desenvolvimento dos peixes recomenda-se o uso de ração finamente moída, em função do tamanho da fenda bucal do animal, e distribuída de maneira uniforme pelo tanque. Na Tabela 1 encontram-se algumas recomendações de fornecimento de ração para espécies de interesse comercial, de acordo com a fase de desenvolvimento dos peixes. A quantidade de ração fornecida aos peixes varia de acordo com a densidade de estocagem, espécie, tipo de ração, fase de crescimento, condições ambientais do viveiro e com a condição de saúde dos animais. Normalmente, adota-se como parâmetro, o conceito de "biomassa", que é traduzido pelo número estimado de peixes existentes no tanque, multiplicado pelo seu peso médio. Para isso, é necessária uma avaliação periódica dos animais, para conferência do peso médio dos lotes. A oferta diária de ração deve aumentar à medida que os peixes se desenvolvem (Logato, 1999). Sendo assim, esta quantidade deve ser ajustada em intervalos de 7 a 14 dias. A frequência de alimentação dos peixes deve ser ajustada em função de parâmetros como temperatura da água, espécie criada, idade ou tamanho dos peixes e qualidade da água do tanque. Geralmente, quando ocorrem quedas bruscas de temperatura, o consumo de ração é menor e, portanto, seu fornecimento deve ser reduzido, evitando-se perdas e poluição da água dos viveiros. Sabe-se também que quanto mais jovem é o animal, mais vezes por dia ele deve ser alimentado. A Tabela 2 ilustra um exemplo de recomendação de manejo alimentar para tilápias nilóticas criadas em pisciculturas convencionais. 1193

TABELA 1 Planos de fornecimento de rações extrusadas, adequados em função da fase de desenvolvimento dos peixes. ESPÉCIE IDADE APRESENTAÇÃO GRÂNULO Tilápia nilótica (O. niloticus) Alevino (< 1g) Triturada 0,85 a 1,18 mm Juvenil (1 a 90g) Triturada 1,18 a 2,38 mm Crescimento (90 a 250g) Grânulo 3,17 a 4,00 mm Engorda (> 250g) Grânulo 4,00 a 4,76 mm Alevino (< 0,8g) Triturada 0,85 a 1,18 mm Truta arco-íris (O. mykiss) Juvenil (0,8 a 14g) Triturada 1,18 a 2,38 mm Crescimento (14 a 150g) Grânulo 3,17 a 4,00 mm Tambaqui (C. macropomum) Pacu (P. mesopotamicus) Adaptado de Webster & Lim (2002) TABELA 2 Engorda (> 150g) Grânulo 4,00 a 6,30 mm Alevino (< 1g) Triturada 0,85 a 1,18 mm Juvenil (1 a 90g) Triturada 3,17 a 4,00 mm Crescimento (90 a 250g) Grânulo 4,00 a 5,00 mm Engorda (> 250g) Grânulo 5,00 a 7,00 mm Alevino (< 1g) Triturada 0,85 a 1,18 mm Juvenil (1 a 90g) Triturada 3,17 a 4,00 mm Crescimento (90 a 250g) Grânulo 4,00 a 5,00 mm Engorda (> 250g) Grânulo 5,00 a 7,00 mm Manejo alimentar básico, em sistema convencional, para tilápia nilótica (Oreochromis niloticus). FASE DE CULTIVO % BIOMASSA GRANULOMETRIA TEOR DE PB Alevinagem 10% 2 mm 36-38% Crescimento 4 a 6% 4 mm 32-34% Terminação 3% 8 mm 28 30% Adaptado de El-Sayed (2006) 1194

A qualidade da água é influenciada pela frequência de alimentação, uma vez que o excesso de ração provoca prejuízos na qualidade limnológica do tanque, como por exemplo, diminuição do oxigênio dissolvido, afetando o desenvolvimento dos peixes. Quanto aos horários de fornecimento de ração, estes variam conforme a espécie cultivada. Para a maioria das espécies de interesse comercial recomenda-se que o arraçoamento seja feito nas primeiras horas do dia e ao entardecer, respeitando-se os mesmos horários, todos os dias, facilitando o condicionamento dos animais (Cyrino, 2000). Entretanto, o monitoramento periódico da qualidade da água pode auxiliar significativamente no manejo alimentar, uma vez que em baixas concentrações de oxigênio dissolvido o fornecimento de ração deve ser suspenso, até que o problema seja solucionado (CEMIG, 2002). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARAÚJO, M.G. Influência de Rações Formuladas com Milho Processado e Amido de Milho Sobre o Desempenho e Composição Corporal da Tilápia (Oreochromis niloticus Linnaeus, 1757). Lavras: UFLA, 1999. 44 p. (Dissertação Mestrado Zootecnia). ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS FABRICANTES DE ALIMENTOS PARA ANIMAIS - ANFAL - Guia prático de orientação ao aqüicultor. São Paulo, SP.,2000. 32p. BORTOLUZZI, R.C. Elaboração de fiambres (emulsões) com carne de frango e óleos vegetais. 1993. 72p. Dissertação (Mestrado em Ciência e Tecnologia de Alimentos)-Universidade de São Paulo, Piracicaba. COMPANHIA ENERGÉTICA DE MINAS GERAIS - CEMIG - Princípios Básicos de Piscicultura. Itutinga, MG., 2002. 57p. CYRINO, J.E.P. 2000. Condicionamento alimentar e exigências nutricionais de espécies carnívoras. Universidade de São Paulo, Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz. Piracicaba, SP. 200p. EL-SAYED, A.F.M. Tilapia culture. CAB International, Oxford, UK. 2006, 293p. FURUYA, W.M.; SILVA, L.C.R.; HAYASHI, C.; FURLAN, A.C.; NEVES, P.R.; BOTARO, D.; SANTOS, V.G.dos. Substituição do milho pela silagem de sorgo com alto e baixo teor de tanino em dietas para juvenis de tilápia do Nilo (Oreochromis niloticus). Revista Acta Scientiarum, Maringá, v.25, n.2, p.243-247, 2003. 1195

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