DESEMPENHO MOTOR DE CRIANÇAS COM DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM ESCRITA ANDRÉA CARLA MACHADO 1 UNESP- Marília- SP. PROFA. DRA. SIMONE APARECIDA CAPELLINI 2 - UNESP Marília-SP. Introdução A linguagem escrita envolve o desenvolvimento de habilidades cognitivas, linguísticas e motoras que exigem dos escolares o uso dos componentes sensório-motores e perceptivos, ou seja, a capacidade de decodificação das palavras e a ação motora adequada para a execução do ato motor da escrita (CAPELLINI; SOUZA, 2008). Nessa perspectiva, as habilidades de leitura, escrita e aritmética têm sido de grande interesse para a Educação Especial porque problemas nessas habilidades podem afetar a inclusão social e, conseqüentemente, produzir um impacto negativo sobre o autoconceito do aluno e no seu senso de auto-eficácia para aprender, ocasionando dificuldades de aprendizagem (STEVANATO; LOUREIRO; LINHARES; MARTURANO, 2003). Segundo Medeiros, Loureiro, Linhares, Maturano, (2003) ao fazer referência as dificuldade de aprendizagem, deve-se considerar a presença de distorções inerentes ao próprio sistema educacional e as influências ambientais que funcionam como contexto para as manifestações comportamentais, além de peculiaridades do indivíduo que pode apresentar, no sistema escolar, o sintoma do não aprender. Assim, algumas crianças chamam a atenção devido ao fato de estarem atrasadas em determinadas tarefas específicas como a escrita, se comparadas com seus colegas de classe ou idade. Alguns estudiosos descreveram que crianças com problemas de aprendizagem também apresentam dificuldade na execução da grafia, comprometendo sua legibilidade (GÁRCIA, 2007; SOUTO, et al. 2008 ). De acordo com Mathes e Denton (2002) a existência de uma combinação de fenômenos biológicos e ambientais no aprendizado da linguagem escrita envolve a integridade motora, a integridade sensório-perceptual e a integridade sócio-emocional. Segundo Lousada e col. (2009), Goez e Zelnik (2008) e Smits-Engelsman e col. (2002) a literatura especializada refere que, em pelo menos 50% dos escolares com problemas de aprendizagem, também são identificadas desordens no desenvolvimento da coordenação motora. Essa relação entre alterações na coordenação motora e transtornos de aprendizagem, específico ou global, pode ser o sinal de aumento da vulnerabilidade do trabalho neural responsável pela integração sensório-motora da informação. 1 Pedagoga, Psicopedagoga, Mestre em Educação Especial pela UFSCar- SP e membro do Grupo de Pesquisa (CNPQ) Linguagem, Aprendizagem e Escolaridade FFC UNESP- Marília- SP. Endereço: Rua Rui Barbosa, 416- Centro- Neves Paulista- SP.CEP: 15120-000. E-mail: decamachado@gmail.com 2 Docente do Departamento de Fonoaudiologia e Programa de Pós-Graduação em Educação da FFC UNESP- Marília SP. Líder do Grupo de Pesquisa (CNPQ) Linguagem, Aprendizagem e Escolaridade. Endereço: Rua Bartolomeu de Gusmão, 10-84 Jardim América Bauru, SP CEP: 17017-336. E-mail: sacap@uol.com.br 1168
Nessa perspectiva o Transtorno do Desenvolvimento da Coordenação (TDC) é um transtorno geralmente encontrado em crianças entre 6 e 12 anos de idade. Há dez anos pesquisas estimaram que o TDC afetaria de 10% a 19% de crianças em idade escolar; porém, atualmente, essa estimativa varia de 5% a 8% de crianças em idade escolar, tendo maior prevalência em meninos do que em meninas, na proporção de 2 para 116 (BARNHART, et al. 2003). Dessa forma, em uma perspectiva psicopedagógica, a qual pressupõe que seja necessário identificar o perfil de aprendizagem de crianças que por algum motivo não acompanham os conteúdos escolares, a avaliação motora torna-se um instrumento eficiente para o diagnóstico de problemas ou desvios motores desta população. Objetivo Caracterizar o desempenho motor de crianças com dificuldade de aprendizagem na escrita Método Participantes e Local Participaram desse estudo cinco crianças, na faixa etária de 8 a 10 anos do gênero masculino encaminhados para avaliação psicopedagógica. As crianças frequentavam a 3ª série do Ensino Fundamental de uma escola municipal localizada em uma cidade do interior do Estado de São Paulo. Instrumentos Foi utilizado como procedimento de avaliação a Escala de Desenvolvimento Motor - EDM (Rosa Neto, 2002) composta dos seguintes subtestes: Motricidade Fina, Motricidade Global, Equilíbrio, Esquema corporal, organização espacial e organização temporal. Outro instrumento utilizado neste estudo foi o Instrumento de Avaliação Diagnóstica de Aprendizagem Escrita ADAPE (SISTO, 2001) composto por ditado de um texto constituído por 114 palavras, sendo que destas, 60 apresentam algum tipo de dificuldade classificadas como encontro consonantal, dígrafo, sílaba composta e sílaba complexa e 54, não. Cada uma das palavras foi considerada um item ou unidade de medida para efeitos do estudo. Procedimento A coleta dos dados teve início após o consentimento dos pais ou responsáveis pelas crianças. As crianças foram avaliadas pela pesquisadora, individualmente, em uma sessão de 60 minutos para aplicação dos procedimentos deste estudo. Análise dos Dados Para análise dos subtestes da Escala de Desenvolvimento Motor foi considerada a pontuação proposta pelo instrumento, onde há uma tabela de idade cronológica/motora com o seguinte critério de classificação: 130 ou mais Muito superior; 120-129 superior; 110-119- normal alto; 90-109- normal médio; 80-89- normal baixo; 70-79 inferior; 69 ou menos muito inferior. No ADAPE Avaliação Diagnóstica de Aprendizagem Escrita, foram considerados os seguintes critérios para 3ª série: até 10 erros sem indício de dificuldade de aprendizagem; 11-19 erros dificuldade leve; 20-49- dificuldade média; 50 ou mais erros dificuldade acentuada. 1169
Os resultados serão descritos em gráficos para melhor visualização do desempenho das crianças. Resultados A figura 1 apresenta o desempenho dos escolares nos subtestes da escala do desenvolvimento motor. Nesta figura é possível observarmos que as crianças obtiveram porcentagem inferior a 40% nas tarefas de esquema corporal e rapidez, equilíbrio e motricidade fina, evidenciando dificuldade quanto a motricidade na população deste estudo. Figura 1. EDM Escala do Desenvolvimento Motor. A figura 2 apresenta o perfil motor das crianças deste estudo, onde podemos observar que 40% das crianças apresentam nível normal baixo e 60% apresentam nível inferior. Figura 2. Perfil Motor. A figura 3 apresenta o resultado das crianças no ADAPE. Nesta figura verificamos que 70% das crianças apresentaram dificuldade média para a escrita e 30% apresentaram dificuldade acentuada na escrita. 1170
Figura 3. ADAPE Avaliação Diagnóstica de Aprendizagem Escrita. Discussão A aquisição da maioria das habilidades motoras ocorre em ambiente familiar, mas é na escola que um bom número delas serão adquiridas. Portanto, o contexto de aprendizagem é muito importante para a maturação e concretização das habilidades motoras, assim, as condições de desenvolvimento-aprednizagem devem ser propícias e adequadas (CAPELLINI; SOUZA, 2008). Conforme proposto por Rosa Netto (2002) a avaliação do desempenho motor é um elemento importante no exame de saúde geral de crianças. Isso sugere que os aspectos qualitativos de vários movimentos refletem a integridade e a maturidade do cérebro e podem, provavelmente, exercer um importante papel no diagnóstico precoce de desordens do desenvolvimento. Entretanto, antes de pensarmos nas desordens do desenvolvimento, é importante conhecer o perfil de escolares em situação de aprendizagem escolar, pois em fase de alfabetização podem ocorrer ou não problemas de coordenação motora. Segundo Trevisan et al., (2008) escolares com déficits motores geralmente têm dificuldades em tarefas funcionais diárias e nas áreas de desempenho, como habilidades de lazer e escolares. Os resultados deste estudo revelaram que as crianças apresentaram desempenho inferior nos dois instrumentos de avaliação (EDM e ADAPE), demonstrando que é importante na avaliação psicopedagógica a aplicação de procedimentos que estabeleçam o perfil motor em relação à escrita, pois as crianças deste estudo apresentaram alterações de coordenação motora fina e alterações na escrita. Neste estudo, o perfil motor das crianças com dificuldade média e acentuada de escrita observada no ADAPE, engloba alterações de função motora, sendo um ponto importante para observação psicopedagógica. Assim, os achados deste estudo corroboram os achados do estudo realizado por Moreira e col. (2000) e Trevisan et al., (2008). Estes autores observaram melhor desempenho em escolares sem dificuldades de aprendizagem em comparação àqueles com dificuldades de aprendizagem em todas as medidas dos componentes da motricidade (quer globais, finos ou da proficiência motora), sugerindo que os escolares com dificuldades de aprendizagem possuem perfil psicomotor vulnerável. Conclusão Os achados do estudo demonstraram a importância do desempenho motor para a avaliação psicopedagógica, contribuindo positivamente para o diagnóstico das crianças com dificuldade na aprendizagem escrita, pois a partir do estabelecimento do perfil motor de escolares com dificuldades de aprendizagem é possível desenvolver programas de intervenção adequados com as funções psicomotoras no contexto educacional. 1171
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