59 Reflexões - Primeiros Passos Em algum lugar Ana Maria Tabet de Oliveira - O senhor acha sua vida vazia? - Não, de forma alguma. Somos de uma família bem posicionada socialmente, meu pai é um funcionário de alto cargo num banco de grande porte, foi preso por ter sido associado às questões de espionagem nesta época de guerra... mas, graças a Deus, já está solto e nossa família já está bem, novamente. - Qual sua idade? - 31 anos. E ste pequeno diálogo surgiu da aplicação do questionário de análise comportamental, o GDS Escala de Depressão Geriátrica, ocorrido durante uma série de testes e entrevistas aplicados como parte do projeto de mestrado no Programa de Estudos Pós-Graduados em Gerontologia - PUC-SP, diálogo que provocou estranhamento na pesquisadora. No projeto de mestrado, como fisioterapeuta, criei um protocolo de atendimento fisioterapêutico, na perspectiva da Gerontologia - estudo do processo do envelhecimento a partir de uma ampla abordagem biopsicossocial - a ser aplicado em encontros semanais de duas horas, em 14 idosos diagnosticados com Doença de Alzheimer (DA) leve a moderada, atendidos em um centro-dia de SP, pelo período de seis meses, e avaliados em três aspectos: cognição, funcionalidade e comportamento, em três fases no início do atendimento, aos três meses e ao final dos seis meses, por meio de testes e questionários aplicados diretamente neles e em seus familiares. O diálogo mencionado se deu na segunda fase das avaliações, com o Sr. P.W. e surgiu a questão: em que local e época se encontrava aquele distinto e culto senhor, diagnosticado com Doença de Alzheimer, grau leve. Com 74 anos, viase com 31 anos e estava em meados de 1940 (época da II Grande Guerra Mundial), morando com seus pais, não sei em qual local. Nem tinha se casado
60 ainda. Ele estava em algum lugar, em algum outro lugar e em outro tempo. Não o real. Não o nosso tempo e lugar. Essa desorientação e confusão têmporo-espacial e apagamento da memória de curto e médio prazo são alguns dos vários sintomas da demência do tipo Alzheimer, a mais prevalente das demências. O geriatra e professor do curso de mestrado em Gerontologia, Prof. Dr. Paulo Canineu, informa-nos sobre como entender a demência. Afirma que ela é [...] uma deterioração da capacidade intelectual caracterizada por perda progressiva das habilidades cognitivas e emocionais, suficientemente grave para interferir nas atividades de vida diária (AVDs) e na qualidade de vida (QV). (CANINEU, 2013) As fisioterapeutas Perracini e Fló (2011) afirmam que o diagnóstico de demência segue os critérios do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM- IV) e preconiza a existência de déficit de memória e de, pelo menos, mais de um domínio cognitivo, como linguagem, habilidades visuoespaciais e função executiva. As autoras informam sobre as várias causas de demência, sendo que a Doença de Alzheimer é considerada a mais prevalente, equivalendo de 50% a 60% dos casos, quando ocorre degeneração neuronal associada à presença de alterações microscópicas, os emaranhados neurofibrilares e as placas senis. A realização de uma anamnese ampla e precisa, a escuta do próprio paciente e seus familiares mais próximos, além da realização de testes neuropsicológicos específicos são fundamentais antes de qualquer aprofundamento. O neuropsiquiatra Leonardo Caixeta (2012), do Instituto de Psiquiatria/HCFMUSP, enumera os critérios diagnósticos do DSM-IV para demência (adaptado da American Psychiatric Association APA): a) redução da memória em curto prazo; b) pelo menos um dentre os seguintes: 1) dificuldade de abstração; 2) dificuldade para julgamentos e para controlar impulsos; 3) afasia (distúrbio da linguagem) e/ou apraxia (incapacidade para executar atividades motoras, apesar da compreensão e da função motora estarem normais) e/ou agnosia (dificuldade de reconhecimento): 4) modificações da personalidade. Segundo a neurologista Sonia Brucki (2011), da FMUSP, o diagnóstico de Doença de Alzheimer pode ser classificado como: possível, provável ou definido, pelos critérios NINCDS/ADRDA (National Institute of Neurological and Communicative Disorders and Stroke/Alzheimer s Disease and Related Disorders Association), que formulou os critérios diagnósticos para DA mais utilizados até hoje em estudos científicos, em 1984. O psiquiatra Orestes Forlenza (2012) do IPq-HCFMUSP, tratando do diagnóstico de DA, orienta a realizar outros exames como: tomografia
61 computadorizada (TC); ressonância nuclear magnética (RNM); tomografia computadorizada por emissão de fóton único (SPECT), ou tomografia por emissão de pósitrons (PET), além de exames laboratoriais e do líquido cefalorraquidiano (líquor). Por sua vez, os psiquiatras Bottino, Laks e Blay (2006), da FMUSP, UFRJ e UNIFESP/EPM, respectivamente, definem a Doença de Alzheimer como um tipo de demência neurodegenerativa, progressiva e, até o momento, inexorável. A fase clínica da doença inclui o comprometimento de memória e de vários domínios cognitivos como atenção, imaginação, compreensão, concentração, raciocínio, julgamento, percepção, além de prejuízo das atividades funcionais e comportamentais. Podemos classificar as demências em: a) Tipo Alzheimer e b) Tipo Não- Alzheimer. As do tipo não-alzheimer são várias: demência vascular, demência dos corpúsculos de Lewy, demência frontotemporal, hidrocefalia de pressão normal, demências degenerativas e subcorticais, demências tóxicometabólicas, dentre outras (CANINEU, 2013). Quanto ao tratamento, existem as abordagens farmacológicas e a nãofarmacológicas. Podemos afirmar que os efeitos do tratamento farmacológico em uso, mundialmente, para as demências em geral e a Doença de Alzheimer em particular, favorecem apenas um discreto retardo na evolução natural da doença, sendo capaz de proporcionar melhora parcial ou provisória da cognição, dos aspectos funcionais, comportamentais e dos sintomas neuropsiquiátricos destes pacientes. Os inibidores da acetilcolinesterase donepezil, galantamina e rivastigmina são as principais drogas licenciadas para o tratamento específico da DA; seu uso baseia-se no pressuposto déficit do neurotransmissor acetilcolina que ocorre nessa doença. Através da inibição das suas principais enzimas catalíticas, a acetilcolinesterase e a butirilcolinesterase, esses medicamentos aumentam a disponibilidade sináptica de acetilcolina. Como resultado, obtémse efeito sintomático leve sobre a cognição, beneficiando certas alterações não-cognitivas da demência. Outra conhecida droga para tratamento dessa doença é a memantina, que age sobre o neurotransmissor glutamato, que tem a função de estimulação de diversas funções cognitivas e da memória. (FORLENZA, 2012). Quanto às abordagens de tratamento não-farmacológico, preconiza-se a interação entre pacientes, terapeutas e familiares - de forma multiprofissional e interdisciplinar abordagem importante no retardo da progressão do quadro demencial. Quando pensamos em manejo não-farmacológico, as estratégias devem englobar duas grandes áreas: a emocional/comportamental e a funcional/cognitiva, considerando as funções que permaneceram, e não as que já se perderam, desenvolvendo-se planos que sejam estágios-específicos,
62 segundo a APA (demência leve, moderada e grave), essência do trabalho de estimulação, de reabilitação (CAIXETA, 2012). O tratamento não-farmacológico multidisciplinar envolve a fisioterapia que atua, principalmente, nas perdas de capacidade funcional, interferindo no planejamento, elaboração e sequenciamento do movimento, na execução motora das atividades, o que leva a um prejuízo da marcha, hipertonia, incoordenação motora, fraqueza muscular, movimentação involuntária, tremores, instabilidade postural, dentre alguns dos acometimentos. Utilizam-se alongamentos, exercícios de fortalecimento muscular, caminhadas, atividades de socialização, exercícios de psicomotricidade, de relaxamento, musicoterapia, aromaterapia, dentre as principais abordagens. Objetiva-se com o tratamento fisioterapêutico, principalmente, a manutenção e melhora da força muscular, da amplitude de movimento, do equilíbrio e da marcha. A fonoaudiologia, a terapia ocupacional, a psicologia com a reabilitação neurocognitiva, o aconselhamento psicológico e psicossocial, manejo interpessoal e do ambiente, a terapia de orientação da realidade, a terapia das reminiscências, dentre outras -, a nutrição e a enfermagem são outras disciplinas utilizadas no tratamento não-farmacológico. A abordagem gerontológica diz respeito à observação da heterogeneidade dos idosos com os quais trabalhei. Como observado pelo médico e diretor da UNATI (Universidade Ativa da Terceira Idade/RJ) Renato Veras, e o médico epidemiologista da UERJ Roberto Lourenço (2010), pode haver diferenças de acordo com a história de vida, e quanto às alterações ocorridas no processo de senescência natural ou patológica - no momento em que começaram a desenvolver sintomas de demência, segundo relato dos familiares observação de um processo multifatorial, nos seus aspectos biológico, psíquico, sociocultural e espiritual. A estranheza ante o diálogo que inicia este texto, o medo, a sensação de que pode acometer qualquer indivíduo, não importando o nível sociocultural, foi o impulso desse projeto, com a aplicação de protocolo de exercícios fisioterapêuticos, com abordagem gerontológica, no grupo de idosos diagnosticados com DA leve a moderada do centro-dia no qual foi realizada a pesquisa. Observação e percepção dos aspectos funcionais, cognitivos e comportamentais reagem a proposta, não como quem observa um experimento, mas com o real interesse pelo que o atendimento pode beneficiálos. Os idosos dementados, pessoas com uma história de vida única, singular, mas que não tem (ou tem pouca) relação com o presente. O ponto-chave do projeto é a forma de trabalhar com esse grupo de idosos: dividido em dois grupos: metade é auxiliado na execução dos exercícios, desenvolve contato físico, e a outra metade realiza e desenvolve os exercícios individualmente, sem auxílio e cooperação mútua.
63 Cada grupo realizou os exercícios por três meses, depois se inverteram os grupos e os protocolos: os que não tinham contato e cooperação mútua passaram a ter e vice-versa. Os dois grupos realizaram os dois protocolos, os exercícios para serem realizados individualmente e os para serem feitos em cooperação. A questão do contato, da interação, da socialização, o que isto proporciona positivamente a eles, ou não, está em fase de avaliação global parte final do projeto. A motivação para esse estudo partiu da observação de pessoa próxima a pesquisadora, por cerca de seis anos, motivando o profundo desejo de auxiliar, de proporcionar bem-estar e melhora na qualidade de vida no presente, seja no âmbito físico/funcional, no emocional/comportamental e no cognitivo. O projeto, em processo de conclusão, objetiva observar os benefícios da interação durante a realização dos exercícios fisioterapêuticos em pacientes com Doença de Alzheimer, Referências BOTTINO, Cássio M.C.; LAKS, Jerson; BLAY, Sérgio L. Demência e transtornos cognitivos em idosos. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan, 2006. BRUCKI, Sonia M.D. et al. Demências. Enfoque multidiscipinar. São Paulo: Editora Atheneu, 2011. CAIXETA, Leonardo e cols. Doença de Alzheimer. Porto Alegre: Editora Artmed, 2012. CANINEU, Paulo; CAOVILLA, Vera. Você não está sozinho. Nós estamos com você. São Paulo: Novo Século Editora, 2013. FORLENZA, Orestes et al. Doença de Alzheimer. Uma perspectiva do tratamento multiprofissional. São Paulo: Editora Atheneu, 2012. PERRACINI, Monica R.; FLÓ, Claudia M. Funcionalidade e envelhecimento. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan, 2011. VERAS, Renato; LOURENÇO, Roberto. Formação humana em geriatria e gerontologia. Rio de Janeiro: Editora DOC, 2010. Data de recebimento: 29/10/2013; Data de aceite: 17/11/2013. Ana Maria Tabet de Oliveira Fisioterapeuta (Centro Universitário São Camilo), com especialização em Fisioterapia Cárdio-Pulmonar pela UNICID, formação em RPG (Reeducação Postural Global) pelo Instituto Phillippe Souchard, mestranda do programa de Estudos Pós-Graduados em Gerontologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Email: anamariatabet2001@hotmail.com