PREVENÇÃO DE PERDAS VISUAIS

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Medicina, Ribeirão Preto, Simpósio: OFTALMOLOGIA PARA O CLÍNICO 30: 84-89, jan./mar. 1997 Capítulo XIII PREVENÇÃO DE PERDAS VISUAIS PREVENTIVE OPHTHALMOLOGY Maria de Lourdes Veronese Rodrigues Docente do Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. CORRESPONDÊNCIA: Hospital das Clínicas - Oftalmologia, Campus USP, 14048-900 - Ribeirão Preto - SP. FAX: (016) 633-1144. Email: mdlvrodr@fmrp.usp.br RODRIGUES M de LV. Prevenção de perdas visuais. Medicina, Ribeirão Preto, 30: 84-89, jan./mar. 1997. RESUMO: Os objetivos deste capítulo são: fornecer informações sobre Oftalmologia Preventiva; capacitar os alunos de graduação em Medicina a participar da prevenção das perdas visuais; e fornecer instrumento para educação continuada de profissionais da Saúde e da Educação. UNITERMOS: Prevenção-Cegueira. Saúde Ocular. Visão Subnormal. GENERALIDADES As perdas visuais graves, que levem a uma acuidade inferior a 20/60 no melhor olho, com a melhor correção óptica, estão agrupadas em cinco categorias, sendo que as duas primeiras correspondem à VISÃO SUBNORMAL e as três últimas à CEGUEIRA 1. Os limites da acuidade visual central de cada categoria, assim como o os do campo visual, em duas delas, estão especificados na Tabela I. Portanto, no que diz respeito à acuidade visual central, são consideradas CEGAS todas as pessoas com visão inferior a 20/400 no melhor olho, com a melhor correção óptica. Nível de acuidade visual correspondente a categoria 2 causa limitação muito grande para o trabalho e para algumas outras atividades, principalmente se o campo visual também estiver afetado. Normalmente, as pessoas incluídas nesta categoria necessitam auxílio da família e ou da sociedade. Por isso, no Brasil e em alguns outros países, o nível 20/200 corresponde a CEGUEIRA LEGAL. Tabela I - Categorias de VISÃO SUBNORMAL e CEGUEIRA e níveis de acuidade visual (AV) 1 Categoria AV máxima AV mínima Campo Visual Visão 1 20/60 20/200 Subnormal 2 20/200 20/400 Cegueira 3 20/400 20/800 5 a 10 graus 4 20/800 percepção luminosa até 5 graus 5 ausência de percepção luminosa 84

Prevenção de perdas visuais DETECÇÃO DE DEFICIENTES VISUAIS Ainda não se conseguiu realizar um levantamento adequado de prevalência e de causas de cegueira, no Brasil, apesar dos esforços de muitos pesquisadores e instituições. Em 1940, foi realizado um censo nacional sobre cegueira e os índices eram de 147,34/100.000 habitantes 2. No início da década de 80, com base em levantamentos realizados em algumas regiões, em dados de arquivo e em dados fornecidos pela Previdência Social, calculou-se que existiam, no Brasil, 80 mil cegos e 520 pessoas incapacitadas para o trabalho, por perdas visuais (na época, a população do país era de 120 milhões de habitantes). Julga-se que estes dados sejam subestimados, porque existem falhas nos sistemas de registro e de arquivo, e porque nem todos os deficientes visuais procuram hospitais, ambulatórios, asilos, etc., para tratamento e orientação 3. A metodologia mais adequada para levantamento de prevalência e de causas de cegueira é a das entrevistas domiciliares, que é a que mais se assemelha a um censo demográfico 4,5. Diversos pesquisadores utilizaram a metodologia das entrevistas domiciliares sem 6,7,8 ou com a realização da medida da acuidade visual 9, na etapa inicial do projeto. Os primeiros fizeram um inquérito de problemas oftalmológicos graves e, posteriormente, examinaram os entrevistados considerados positivos. Um dos problemas encontrados foi o aparecimento de número considerável de falsos-positivos e de falsos-negativos. Neste tipo de trabalho, o ideal seria sempre realizar o exame ocular externo, e medir a acuidade visual de todas as pessoas que vivem nos domicílios visitados. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística tem um sistema de Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), para utilizar nos intervalos entre os censos, e já foi investigada cegueira sentida, isto é, cegueira na percepção dos entrevistados 5 ; infelizmente, é inviável, economicamente, introduzir medida da acuidade visual na PNAD. Em todos esses estudos, a prevalência de cegueira encontrada esteve entre 0,10 a 0,22%. Com apoio governamental, foram elaborados alguns Planos Nacionais de Prevenção da Cegueira 3, mas nenhum deles foi executado. Desde a década de 80, o núcleo de Prevenção da Cegueira, da UNICAMP 10, vem liderando atividades preventivas na área de Oftalmologia, com destaque para os Cataract Free Zone Projects 11,12,13 e para o projeto contínuo de atendimento comunitário, que inclui treinamento de residentes, em Divinolândia, SP. Mais recentemente, o Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO) conseguiu mobilizar oftalmologistas de todo o país, para a realização de duas grandes campanhas nacionais: Campanha Nacional de Prevenção da Cegueira e Recuperação Visual do Idoso, 1994 14 e 1996 15. Na primeira delas, que contou com a participação de 976 oftalmologistas e 8.675 outros voluntários, foram triadas 86.084 pessoas, em 54 cidades; dessas, 29.748 foram encaminhadas para consulta oftalmológica, tendo sido prescritos 8.586 óculos e realizadas 6.117 cirurgias 14, predominantemente, de catarata. A campanha de 1996 foi realizada pelo CBO com o apoio do Ministério da Saúde e constou de três fases: 1-educação da população, através de aulas padronizadas, proferidas, em 500 cidades, por oftalmologistas e outros voluntários, incluindo estudantes de Medicina 16 ; 2-atendimento e reabilitação (com significativa contribuição para o estudo da epidemiologia das perdas visuais); e 3-discussão dos resultados, no XII Congresso Brasileiro e I Congresso Panamericano de Prevenção da Cegueira. Na segunda fase da campanha, realizada em 162 cidades brasileiras, foram indicadas 11.693 cirurgias e prescritos 17.423 óculos 15. CAUSAS DE VISÃO SUBNORMAL E CEGUEIRA Os países e as regiões podem ser classificados de acordo com o nível de assistência médica estendida a toda a população em: a-pouco desenvolvidos; b-em fase intermediária de desenvolvimento; e c-em fase adiantada de desenvolvimento 17. Considerando o mundo globalmente, a Organização Mundial da Saúde (WHO) e especialistas em Oftalmologia Comunitária 18,19,20,21 relatam que as principais causas de cegueira são, respectivamente: a - tracoma, oncocercose, xeroftalmia, cataratas e traumatismos; b - traumatismos, glaucomas, tracoma, oncocercose, xeroftalmia, cataratas; e c - glaucomas, diabetes e degeneração macular relacionada com a idade. O Brasil é considerado um país em fase intermediária de desenvolvimento, mas, obviamente, existem 85

M de LV Rodrigues grandes variações regionais. Na prática diária, observa-se que os problemas que levam a perdas visuais que são mais prevalecentes em nosso meio não correspondem aos de regiões com nível de desenvolvimento similar. Este fato é confirmado, pelo menos para a Regiões Sudeste e Sul, por investigações científicas realizadas 2,3,6/9. Tanto a prevalência quanto as causas de cegueira, encontradas no Brasil, são similares às encontradas em outros países da América Latina 22. Em nosso meio, os traumatismos oculares são muito freqüentes, principalmente os causados por acidentes automobilísticos e do trabalho. Isso se deve ao fato de existir um certo nível de industrialização, ao lado da carência de educação da população para utilização de instrumentos de proteção. Os glaucomas e as cataratas também são freqüentes em nossa prática diária; mas, no que diz respeito as outras causas de regiões do grupo b, casos de cegueira secundária a hipovitaminose A somente foram descritos na Região Nordeste 23 e no estado de Santa Catarina 2,3 ; a oncocercose, existente também na Amazônia Brasileira causa menos perdas visuais do que em outras regiões do mundo 24 ; e o tracoma, nas últimas décadas, apresenta, em nosso país, características diferentes das que apresentava até meados deste século 3. Em Ribeirão Preto, as causas mais prevalecentes de deficiência visual são: cataratas, glaucomas, infecções e inflamações, traumatismos e ambliopias 7,8, que não diferem muitos das encontradas em Botucatu e Campinas, cidades também localizadas no estado de São Paulo 6,9. A prevalência de ambliopia em escolares de Ribeirão Preto é de 3,5% 25 e, em outros estudos realizados na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, foram detectados casos de ambliopia, quando adultos tinham o olho bom atingido por traumatismos 26 ou outros problemas incapacitantes 27. Assim como os já citados, vários outros problemas oftalmológicos e sistêmicos podem levar à deficiência visual (estrabismo, retinoblastoma, melanoma de coróide, rubéola, toxoplasmose, tumores intracranianos, problemas vasculares cerebrais, hipertensão, diabetes mellitus, síndrome de imunodeficiência adquirida (AIDS), etc.). As manifestações oculares da AIDS vem ganhando importância na prática diária 28 ; apesar de ocorrerem em fases mais avançadas da doença e de determinarem poucos anos de cegueira, devem ser precocemente detectadas e tratadas, pois a qualidade da fase final da vida de um paciente com AIDS piora, consideravelmente, se houver limitação visual associada. FATORES DETERMINANTES DO PERFIL DE CE- GUEIRA 1-O nível de assistência médica fornecido a toda a população, além de ser indicativo do nível de desenvolvimento de uma região, determina o perfil da cegueira; este perfil reflete a distância (geográfica, política, sócio-econômica, cultural, etc.) entre o usuário e os provedores dos serviços de saúde 29. Em reunião internacional sobre atenção à saúde, realizada em Alma Ata, em 1978, se estabeleceu o seguinte conceito: atenção primária é assistência essencial à saúde, baseada em tecnologia e métodos científicos práticos e socialmente aceitáveis, deve ser universalmente acessível a todos os indivíduos e famílias, em sua comunidade e com sua participação, a um custo com o qual a comunidade possa arcar ; assim, os serviços podem ser oferecidos de forma contínua. Além disso, todo o indivíduo que passar por um atendimento primário deve ter acesso a outros níveis de atenção a saúde, através de integração adequada, para maximização dos recursos disponíveis. Desta forma, os serviços devem ser adequados, disponíveis, dignos de crédito, seguros, administrados a baixo custo, contando com o apoio financeiro de entidades governamentais e ou não governamentais, ou com recursos gerados pela própria comunidade 29,30. Na V International Assembly - IAPB, realizada em Berlim, em 1994, um dos problemas discutidos foi o acesso aos serviços de saúde. As principais barreiras ao acesso podem decorrer dos provedores de serviços (escassez de recursos humanos, falta de treinamento e, ou de motivação; dificuldades materiais, má administração) ou de quem utiliza os serviços (ignorância, fatalismo, medo, pobreza, fatores culturais, fatores comportamentais, problemas emocionais e distância física) 29. No que diz respeito aos problemas emocionais, deve-se lembrar que adoecer significa estar em situação de fragilidade e de dependência, que pode levar a uma redução geral dos interesses, estimular o egocentrismo e desencadear mecanismos como regressão, auto-proteção e pensamento mágico 31. 2-O aumento da média de vida, que está ocorrendo principalmente nos países mais desenvolvidos, faz com que as doenças degenerativas ganhem importância como causa de cegueira, e o desenvolvimento da tecnologia está permitindo maiores chances de sobrevivência de crianças prematuras e com problemas genéticos. 86

Prevenção de perdas visuais 3-O tipo de clima, de solo, a quantidade de luz solar, os problemas ecológicos, a falta de água ou a má qualidade da água, as condições de saneamento, o número de habitantes por domicílio e os fatores comportamentais também têm influência no perfil da cegueira, principalmente na causada por doenças infecto-contagiosas. PREVENÇÃO DE PERDAS VISUAIS POR MÉDICOS NÃO OFTALMOLOGISTAS A Prevenção da Cegueira é papel de vários profissionais (professores, assistentes sociais, enfermeiros, atendentes de enfermagem) e também de líderes de comunidade, de país, etc., mas, principalmente, dos médicos, sejam eles oftalmologistas ou não. A vacinação, o aconselhamento genético e exames periódicos das mulheres em fase de procriação são importantíssimos. Quando uma criança nasce o obstetra e o pediatra são os primeiros a vê-la, a examiná-la. Um clínico deve lembrar que muitos problemas sistêmicos podem vir a ter manifestações oculares, muitas das quais levam a deficiência visual permanente. Todo o pediatra deve ter tabelas de acuidade visual em seu consultório e treinar a auxiliar, que pesa e mede a criança, para medir também a visão, não necessariamente na primeira consulta, mas quando a criança tiver condições físicas e emocionais de informar. Nos bebês e crianças muito pequenas (pré-verbais), podemos ter uma noção das condições oculares, pedindo que olhem para um foco de luz. Ao nascer, a criança ainda não tem seu sistema sensorial totalmente desenvolvido e precisa de estímulos adequados para desenvolver a visão, para não ter ambliopia. É importante, também, que, além do exame ocular externo, sem instrumental, o médico de outras especialidades inclua a oftalmoscopia direta, em sua rotina. Este exame não só traz subsídios para o diagnóstico de muitas patologias não oftalmológicas, como detecta alterações da normalidade, e resulta em um encaminhamento ao oftalmologista em uma época muito mais precoce do que aquela em que o paciente apareceria espontaneamente. Outro ponto que deve ser lembrado é que nem todos os tipos de pacientes procuram as universidades e as instituições públicas; por isso é importante que os médicos não ligados a elas publiquem seus achados, porque atendem a tipos diferentes de populações. Todo o médico, desde o início de sua vida profissional, deve fazer uma documentação bem feita dos casos clínicos dos pacientes que atender, pois terá não somente uma fonte importantíssima de dados que poderá estudar e estender à comunidade científica, como também trará grandes benefícios para os seus pacientes (é óbvio que quando o paciente retorna é fundamental ter o registro de suas condições anteriores). Desde o curso de graduação, o estudante deve estar consciente de seu papel na prevenção das perdas visuais, não só realizando diagnóstico precoce e encaminhamento precoce e adequado, mas também alertando a população para o problema 32,33. Algumas patologias são as responsáveis pela grande maioria dos casos de cegueira, no mundo, como um todo. Quando o médico não oftalmologista se deparar com alguma delas, deve fazer um pedido de consulta ao oftalmologista, mesmo que ainda não existam queixas oculares (exemplos: busca ativa de retinite por citomegalovírus, em pacientes com AIDS, e de retinopatia diabética). PROGRAMAS PREVENTIVOS A elaboração de programas preventivos requer a participação de equipes multidisciplinares, pois envolve diversas áreas do conhecimento. Para a elaboração desses programas, pode-se utilizar o seguinte roteiro 30 : escolha do problema;. definição de metas e objetivos; levantamento bibliográfico;. levantamento de informações sobre características da população, condições sócio-econômicas e culturais, prevalência dos problemas a serem estudados, e condições locais e regionais, para a solução dos mesmos, e de eventuais problemas a serem detectados;. levantamento dos recursos materiais disponíveis e listagem das necessidades de aquisição;. levantamento dos recursos humanos disponíveis, incluindo possibilidades de recrutamento;. definição das habilidades e tarefas de cada categoria profissional envolvida no projeto;. elaboração do orçamento;. obtenção de recursos financeiros;. treinamento do pessoal; 87

M de LV Rodrigues execução de projeto piloto; atendimento e seguimento dos pacientes detectados; análise dos resultados obtidos; elaboração do relatório preliminar; replanejamento, se necessário; execução do projeto propriamente dito; análise dos dados obtidos; elaboração do relatório final;. divulgação dos resultados. Cabe ressaltar que: uma das regras fundamentais, em prevenção da cegueira, é o retorno à população envolvida, isto é, a solução dos problemas detectados; que uma medicina curativa bem feita é um dos componentes importantes da prevenção das perdas visuais 32 ; e que a reabilitação 33 é a última etapa na luta contra a cegueira e contra as suas conseqüências sobre os indivíduos afetados, suas famílias e toda a sociedade. RODRIGUES M de LV. Preventive ophthalmology. Medicina, Ribeirão Preto, 30:84-89, jan./march 1997. ABSTRACT: The purpose of this section is to inform about Preventive Ophthalmology; to enable the medical student to participate in prevention of blindness teams; and to provide material for continued education to Health and Education professionals. UNITERMS: Prevention-Blindness. Eye Health. Vision, Subnormal. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1 - WORLD HEALTH ORGANIZATION. Guidelines for Programmes for Prevention of Blindness. WHO, Geneva, 1989. 2 - KARA-JOSÉ N et al. Plano Nacional de Prevenção da Cegueira. In: Anais, VII Congresso Brasileiro de Prevenção da Cegueira. Editora Globo, Porto Alegre, p. 105-172, 1986. 3 - RODRIGUES MLV. Country Report: Brazil. Legis Summa, Ribeirão Preto, 1989. 12 p. 4 - WORLD HEALTH ORGANIZATION. Report of a task force on evaluation for Programmes for the Prevention of Blindness. WHO, Geneva, 1984. 5 - BRASIL. FUNDAÇÃO INSTITUTO BRASILEIRO DE GEO- GRAFIA E ESTATÍSTICA. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD/1981). IBGE, Rio de Janeiro, v. 5, tomo 12, 1983. 6 - SILVA MRBM et al. Levantamento de cegueira em Botucatu. Prevalência e causas. Rev Bras Oftalmol 45: 53-54, 1985. 7 - RODRIGUES MLV & CARVALHEIRO JR. Predomínio de problemas oftalmológicos graves en una población urbana. Rev Oftalmol 6: 8-11, 1985. 8 - RODRIGUES MLV; GARDONYI-CARVALHEIRO CD & CARVALHEIRO JR. Contribuição ao estudo da cegueira. In: Anais, I Reunião Nacional de Metodologia da Investigação Científica em Saúde. CNPq/UFB, Itaparica, p. 64-65, 1984. 9 - KARA-JOSÉ N et al. Causas de cegueira na Cidade de Campinas. In: Anais, VI Congresso Brasileiro de Prevenção da Cegueira. Editora UNICAMP, Campinas, 1984. 10 - KARA-JOSÉ N et al. Criação de um Núcleo de Prevenção da Cegueira. Arq Bras Oftalmol 50: 33-36, 1987. 11 - KARA-JOSÉ N et al. Estudo populacional de triagem visual e intervenção cirúrgica para reduzir a cegueira por Catarata em Campinas-Brasil e Chimbote-Peru. Arq Bras Oftalmol 52: 91-96, 1989. 12 - KARA-JOSÉ N et al. Tratamento cirúrgico da catarata senil: óbices para o paciente. Arq Bras Oftalmol 52: 57-63, 1989. 13 - MELLO R et al. Programa Sightfirst - Projeto Zona Livre de Catarata - Assis-SP. Arq Bras Oftalmol 55: 104, 1992. 14 - CONSELHO BRASILEIRO DE OFTALMOLOGIA. Campanha Nacional de Prevenção da Cegueira e Reabilitação Visual, 1994. Jota Zero 44, 1994. 15 - CONSELHO BRASILEIRO DE OFTALMOLOGIA. Campanha Nacional de Prevenção da Cegueira e Reabilitação Visual, 1994. Jota Zero 52, 1996. 16 - OLIVEIRA ECC et al. Avaliação da sedimentação de conhecimentos de alunos da rede pública após aulas expositivas de prevenção à cegueira. Arq Bras Oftalmol 59: 386, 1996. 17 - WORLD HEALTH ORGANIZATION. Formulation and management of National Programmes for Prevention of Blindness-sugested outlines. Geneva, WHO, 1989. 88

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