ÁGUA (PARTE 1) Como já visto, a água é a substância mais abundante nos seres vivos, sendo fundamental para a manutenção da vida. No entanto, sua concentração varia de espécie para espécie (por conta das diferentes morfologias e fisiologias) e de organismo para organismo (principalmente se for levado em conta a idade de indivíduos da mesma espécie). A concentração de água também varia nos órgãos de um mesmo organismo, pois quanto maior a atividade metabólica de um órgão mais concentrado de água será, já que a realização dos processos metabólicos é dependente de água. Os animais pertencentes ao filo Cnidaria possuem concentrações de água em seus organismos superiores à 95%, nos humanos, essa concentração atinge cerca de 65%. As principais funções que caracterizam a água como crucial para a existência da vida são:
É chamada de solvente universal ; Os catalisadores só funcionam se solubilizados em água; É fundamental para a ocorrência da ciclose; Está presente no sistema circulatório dos animais e nos vasos condutores nos vegetais; Faz a regulação térmica; Atua como lubrificante. CARACTERÍSTICAS DA ÁGUA Polaridade A geometria da molécula de água seria linear, com ângulo de 180 entre as ligações do oxigênio com os hidrogênios, isso porque quanto maior o ângulo de ligação entre os átomos de uma molécula, menor a energia gasta para a manutenção das ligações, e assim, mais estável é a molécula. Com isso, a molécula de água seria apolar, já que as forças elétricas de atração exercidas pelo oxigênio (que é mais eletronegativo do que o hidrogênio) sobre os elétrons da ligação covalente teriam a mesma direção, porém sentidos opostos, o que daria uma força elétrica resultante nula. No entanto, o átomo de oxigênio possui em sua camada de valência dois pares de elétrons livres, que mudam toda conformação espacial da molécula de água, pois tais elétrons repelem os elétrons das ligações, tornando a molécula de água mais estável com ângulo de ligação aproximado ao de 104,5º, ou seja, com uma geometria trigonal plana. Dessa forma, as forças elétricas de atração exercidas pelo oxigênio sobre os elétrons das ligações covalentes já não possuem mais a mesma direção nem o mesmo sentido, causando uma força resultante não nula, que impulsiona os elétrons da ligação covalente em direção ao átomo de oxigênio, o que lhe confere uma polaridade negativa, e consequentemente, polaridades positivas nas extremidades da molécula, ou seja, na região dos hidrogênios. Tal polaridade da molécula de água lhe valeu o nome de solvente universal, e é essencial para vida, pois permite que a água desempenhe suas diversas funções relacionadas aos seres vivos, como por exemplo, o transporte e a dissolução de substâncias.
A famosa reação de ionização do cloreto de sódio (NaCl) é um clássico exemplo de como é a atuação da água como solvente universal. Um átomo de sódio carregado positivamente (cátion) se liga pela força de atração eletrostática (ligação iônica) à um átomo de cloro carregado negativamente (ânion), formando o sal cloreto de sódio. Ao ser lançado na água (meio aquoso), a força eletrostática, cuja intensidade depende do meio que está inserida, diminui, e as extremidades positivas das moléculas de água, ou seja, as extremidades que contém hidrogênios, são atraídas eletrostaticamente pelo polo negativo da molécula do cloreto de sódio, ou seja, pelo cloro, da mesma forma que as extremidades negativas das moléculas de água, onde se tem os oxigênios, são atraídas pelo polo positivo do cloreto de sódio, ou seja, pelo sódio, até que essa atração se torne forte o suficiente para separar a ligação entre o sódio e o cloro (o que é chamado de dissociação iônica). Após separados, a água promove a solvatação dos íons, que é a circundação dos íons, impedindo que eles se liguem novamente. Assim, os íons permanecem solubilizados na água e podem ser transportados por ela. Dessa forma, pode-se definir quais substâncias são hidrofílicas ou hidrofóbicas. Substâncias hidrofílicas (hidro = água; philus = amigo) são aquelas que possuem afinidade com a água; são substâncias polares, ou seja, dotadas de carga elétrica, são os íons (K +, Na+, Ca+, O2-, PO4-, NO3, etc). Os íons positivos (chamados cátions) interagem com o oxigênio, que tem polo negativo, através da atração eletrostática segundo o princípio da atração ou repulsão (ou lei de du Fay). Já os íons negativos (chamados ânions), pelo mesmo princípio interagem através da atração eletrostática com os hidrogênios, que têm polos positivos. Substâncias hidrofóbicas (hidro = água; phobos = medo) são as que não têm afinidade com água. São substâncias apolares, como por exemplo, lipídios e algumas proteínas, que por não possuírem cargas elétricas, ou seja, por serem eletricamente neutras, não interagem com a água, já que para haver interação eletrostática é necessário haver diferença de cargas elétricas. Dessa forma, a polaridade da água torna-se fundamental em muitos processos, pois permite a dissolução de substâncias bem como seu transporte. Dentre esses inúmeros processos, pode-se destacar a regulação da pressão osmótica nas células e no sangue; a condução de nutrientes e outras substâncias pelos vasos sanguíneos nos animais e pelos vasos condutores de seiva nos vegetais; o processo de ciclose, em que a água transporta substâncias e organelas dentro da célula com a ajuda do citoesqueleto; além da atuar como meio para que catalisadores possam agir,
e neste caso, a água não participa da reação no sítio de ativação, mas serve de meio ou de solução para que a reação aconteça, já que também fornece o ph adequado aos catalisadores, pois, como a água é o solvente universal, consegue promover a liberação de prótons de hidrogênio (H +) e hidroxilas (OH-) em meio aquoso, o que determina a acidez ou a basicidade de um meio. Além disso, a polaridade das moléculas de água conferem uma facilidade em seu deslocamento em superfícies polares, o que é chamado de adesão. A interação entre os polos da água com os polos dos materiais que compõem as superfícies polares permite que a água se desloque nessas superfícies, o que pode ser observado quando se molha a ponta de um papel ou de uma roupa. Nesse caso, a água tende a se deslocar ao longo do papel ou da roupa graças à essas interações entre os polos. Pontes de hidrogênio A ligação entre um átomo de hidrogênio e um outro átomo muito eletronegativo (como por exemplo, o flúor, o oxigênio e o cloro) é chamada de ponte de hidrogênio. As pontes de hidrogênio são ligações muito fortes,
pois envolvem uma grande diferença de cargas elétricas entre os ligantes, o que gera uma grande atração eletrostática. As pontes de hidrogênio (ou ligações de hidrogênio) são também fundamentais como propriedade da água, pois estas também interferem nas características da água e nas funções que esta substância realiza. É através das pontes de hidrogênio que a água consegue se manter líquida nas condições normais de temperatura e pressão (CNTP), pois provoca a coesão entre as moléculas de água. A coesão é a interação intermolecular entre moléculas de água pelas pontes de hidrogênio, que mantém as moléculas presas umas às outras. Porém, tais interações acontecem de forma dinâmica, pois a todo instante novas ligações de hidrogênio são feitas ao mesmo tempo em que outras ligações são desfeitas. Uma molécula de água pode fazer até 3,6 ligações de hidrogênio de uma só vez. A coesão entre as moléculas de água forma uma espécie de malha na superfície de um sistema aquático, o que é chamado de alta tensão superficial. A alta tensão superficial, que nada mais é do que o somatório de ligações do tipo pontes de hidrogênio entre moléculas de água da superfície de um sistema, permite que insetos com patas hidrofílicas não apenas consigam se manterem em pé na superfície da água como também sua locomoção em tais superfícies. A alta tensão superficial também permite a realização de processos de sifonamento sobre um sistema aquático (como ocorre nos líquidos em geral), como por exemplo, quando a água contida em um copo é absorvida pela ação de sucção por um canudo.
Calor específico e capacidade térmica A capacidade térmica, muito utilizada nos estudos da Física, é a facilidade ou dificuldade de um corpo em variar sua temperatura com o fornecimento de 1energia térmica, e depende de 2duas características, a massa do corpo e o calor específico desse corpo. Assim, uma maior quantidade de uma mesma matéria torna-se muito mais difícil de ser aquecida do que uma menor quantidade. No entanto, ao se desprezar a massa, e comparar uma certa massa de água pura (ou destilada) com uma mesma massa de outra substância pura, sabe-se que a água tem uma grande dificuldade em variar a temperatura com o fornecimento de energia térmica, isso porque a substância água tem um alto calor específico. O calor específico é a facilidade ou dificuldade de uma substância variar sua temperatura por uma determinada unidade de massa. A água possui um alto calor específico, pois é necessário ser fornecido 1cal para que 1g de água varie sua temperatura em 1ºC (unidades de medida usuais não são do 3SI), diferentemente do ferro, que necessita de 0,1 cal para que 1g varie 1ºC, ou seja, é dez vezes
mais difícil de se variar uma determinada temperatura de água do que a mesma massa de ferro. Tudo isso remete ao fato da água ser um importante fator de regulação térmica nos organismos e no planeta Terra. Se os seres vivos eventualmente tivessem uma grande concentração de ferro em seus organismos, durante o dia os organismos estariam superaquecidos, e durante a noite, super-resfriados, no entanto, como os seres vivos possuem grandes concentrações de água em seus organismos, e a água possui dificuldade em variar sua temperatura, seus corpos permanecem com temperaturas próximas, seja durante o dia ou durante a noite. Do mesmo modo ocorre em escala global, já que os mares e oceanos possuem um grande papel de reguladores térmicos, dessa forma, áreas sob efeito da maritimidade (áreas próximas ao oceano, como as regiões litorâneas) tendem a possuir uma amplitude térmica (variação de temperatura ao longo do dia) muito menor do que áreas sob efeito dos mesmos fatores climáticos, porém sob o efeito da continentalidade (áreas afastadas dos oceanos), pois a falta de um corpo hídrico, regulador da temperatura, faz com que o lugar tenha uma alta amplitude térmica, ou seja, à noite esse lugar possua baixíssimas temperaturas, e durante o dia possua altíssimas temperaturas. Nesse contexto, não se pode esquecer das áreas desérticas, por serem áreas super-áridas (muito secas), geralmente pelo fato de receberem a influência de correntes marítimas frias, são áreas muito frias durante a noite e muito quentes durante o dia, a exemplo do deserto do Saara, onde as temperaturas podem chegar à 50 C durante o dia, e -5ºC durante a noite. Continuando a destacar a função termorreguladora da água nos organismos, pode-se citar o processo de sudorese, realizados por algumas espécies, inclusive pelo ser humano. A liberação de suor pelas glândulas sudoríparas à parte externa do corpo, faz com que o suor absorva a energia do corpo e evapore, levando consigo parte da energia térmica do organismo, o que causa seu resfriamento. É um mecanismo muito importante para a homeostase térmica. A água também está diretamente ligada à termorregulação dos organismos homeotérmicos. Os animais homeotérmicos são aqueles que têm a 4temperatura corpórea praticamente constante independentemente da temperatura do meio externo (à exemplo dos seres humanos, que mantém a temperatura corporal sempre entre 36ºC e 36,7ºC), e nesse grupo de animais estão as aves e os mamíferos. Já os animais heterotérmicos são aqueles que têm a 5temperatura corporal variada em função da variação da
temperatura do meio externo, e estão contidos nesse grupo os demais animais (como por exemplo, os artrópodes e os répteis). A temperatura corporal dos animais homeotérmicos é mantida graças às reações metabólicas ocorridas em seus diversos órgãos (por isso, também são chamados de endotérmicos), que convertem parte da energia química (contidas nas moléculas de ATP) em energia térmica, que extravasa dos órgãos (os sistemas onde ocorrem as reações metabólicas) e se espalham pelo corpo, mantendo-o aquecido, e como já visto, a água tem a importante função de servir de meio para que as reações ocorram de forma mais rápida, favorecendo as reações metabólicas, e essas reações, por sua vez, garantem o equilíbrio térmico dos organismos homeotérmicos, que poderão manter suas enzimas em uma temperatura ótima. Dilatação anômala da água Nas temperaturas entre 0 à 4ºC, a água possui um comportamento anormal ou anômalo, se comparado às demais substâncias puras encontradas na natureza. Normalmente, com o aumento da temperatura, a densidade das substâncias puras diminuem, isso porque a maior energia
cinética das moléculas provocam uma dilatação positiva dessas moléculas, o que faz com que estas moléculas aumentem o volume, que é 1inversamente proporcional à densidade, da mesma forma que se diminuir a temperatura, aumenta-se a densidade, seguindo a mesma lógica, ou seja, a moléculas perdem energia cinética, ocupam um maior volume, o que aumenta a densidade. No entanto, como já dito, em temperaturas entre 0 à 4ºC, a água possui comportamento totalmente diferente. Aumentando-se a temperatura nessa faixa, ou seja, caminhando de 0 à 4ºC, a densidade da água também aumenta (na ocasião que deveria diminuir a densidade), e da mesma forma, ao se diminuir a temperatura nessa faixa, de 4 à 0ºC, a densidade da água também diminui. Isso ocorre porque ao se caminhar para o ponto de gelo da água, as ligações entre as moléculas da água formam cristais com geometria hexagonal, o que é responsável por aumentar o volume da água congelada, apesar de possuir uma menor energia cinética. Nesses retículos ficam armazenados gases, e por isso, os cristais de gelo são muito utilizados em análises da atmosfera da Terra de períodos passados, pois os gases encontrados entres as ligações hexagonais feitas entre uma e outra molécula de água, pode revelar quais gases compunham a atmosfera terrestre em um determinado período do tempo geológico. Para a Biologia, o que mais importa saber é que este comportamento anômalo da água é excepcional para a manutenção da vida marinha mesmo em regiões de temperaturas muito baixas como os polos, pois, como a densidade do gelo é menor, a água congelada fica à deriva, ou seja, boiando na superfície dos lagos, rios, mares e oceanos, e esse atua como isolante térmico, tornando as águas profundas menos geladas do que as superficiais, evitando o congelamento total desses corpos hídricos, o que consequentemente, permite a manutenção da vida nos ambientes aquáticos. Se a água não possuísse tal anomalia, o congelamento da água ocorreria em toda sua porção, iniciando por baixo (pois a maior densidade faria com que a substância solidificada afundasse) até em cima, o que causaria a morte das espécies aquáticas.
1- Nesse contexto, seria o calor sensível fornecido. 2- C = m.c 3- No Sistema Internacional de Unidades, o calor específico é tido como J / kg.k (joule / quilograma. Kelvin). 4- Por isso, são denominados como animais de sangue quente. 4- Animais de sangue frio (também são chamados de ectotérmicos porque necessitam absorver energia do meio externo para a realização de suas funções metabólicas).